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Document 62018CJ0513

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 30 de janeiro de 2020.
Autoservizi Giordano società cooperativa contra Agenzia delle Dogane e dei Monopoli - Ufficio di Palermo.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Commissione tributaria provinciale di Palermo.
Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 7.o, n.os 2 e 3 — Conceito de “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais” — Legislação nacional que prevê uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais para o transporte regular de passageiros, e não para o transporte ocasional de passageiros — Princípio da igualdade de tratamento.
Processo C-513/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:59

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de janeiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 7.o, n.os 2 e 3 — Conceito de “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais” — Legislação nacional que prevê uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais para o transporte regular de passageiros, e não para o transporte ocasional de passageiros — Princípio da igualdade de tratamento»

No processo C‑513/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Commissione tributaria provinciale di Palermo (Comissão Tributária Provincial de Palermo, Itália), por Decisão de 13 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de agosto de 2018, no processo

Autoservizi Giordano società cooperativa

contra

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli — Ufficio di Palermo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, P. G. Xuereb (relator), T. von Danwitz, C. Vajda e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Santoro, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e F. Tomat, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Autoservizi Giordano società cooperativa à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli — Ufficio di Palermo (Agência Aduaneira e dos Monopólios — Gabinete de Palermo, Itália; a seguir «Agência Aduaneira e dos Monopólios») a respeito da recusa desta última em conceder à Autoservizi Giordano uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais no terceiro trimestre de 2017.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2 a 7, 9, 11, 12 e 24 da Diretiva 2003/96 enunciam:

«(2)

A ausência de disposições comunitárias que sujeitem a uma taxa mínima de tributação da eletricidade e dos produtos energéticos que não os óleos minerais poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(3)

O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

(4)

A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(5)

A fixação a níveis adequados das taxas mínimas comunitárias pode permitir reduzir as atuais diferenças entre os níveis nacionais de tributação.

(6)

Em conformidade com o artigo 6.o do Tratado [CE], as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das outras políticas comunitárias.

(7)

Como parte signatária da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, a Comunidade ratificou o Protocolo de Quioto; a tributação dos produtos energéticos e, sendo o caso, da eletricidade constitui um dos instrumentos disponíveis para a consecução dos objetivos do Protocolo de Quioto.

[…]

(9)

Deverá ser concedida aos Estados‑Membros a necessária flexibilidade para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais.

[…]

(11)

Cada Estado‑Membro é livre de decidir que disposições fiscais aplicará para pôr em prática o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, bem como de decidir não aumentar para o efeito a sua carga fiscal global se considerar que a implementação deste princípio de neutralidade fiscal poderá contribuir para a reestruturação e modernização dos seus regimes fiscais, incentivando comportamentos conducentes a uma maior proteção do ambiente e a uma utilização acrescida do fator trabalho.

(12)

Os preços da energia constituem elementos fundamentais das políticas comunitárias nos domínios da energia, dos transportes e do ambiente.

[…]

(24)

Convém permitir aos Estados‑Membros a aplicação de determinadas outras isenções, ou de níveis reduzidos de tributação, sempre que tal não prejudique o bom funcionamento do mercado interno nem implique distorções da concorrência.»

4

O artigo 4.o da Diretiva 2003/96 prevê:

«1.   Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “nível da tributação”, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

5

Nos termos do artigo 7.o desta diretiva:

«1.   A partir de 1 de janeiro de 2004 e de 1 de janeiro de 2010, os níveis mínimos de tributação aplicáveis aos carburantes são os fixados no quadro A do anexo I.

O mais tardar em 1 de janeiro de 2012, o Conselho, deliberando por unanimidade após consulta ao Parlamento Europeu, decidirá, com base num relatório e numa proposta da Comissão, os níveis mínimos da tributação aplicáveis ao gasóleo para um período ulterior que terá início em 1 de janeiro de 2013.

2.   Os Estados‑Membros podem estabelecer uma diferenciação entre o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e para fins não comerciais, desde que sejam observados os novos níveis mínimos comunitários e que a taxa para a utilização comercial do gasóleo utilizado como carburante não desça abaixo do nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003, não obstante quaisquer derrogações ao disposto na presente diretiva relativamente a esta utilização.

3.   Entende‑se por “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais”, o gasóleo utilizado como carburante para os seguintes fins:

a)

Transporte de mercadorias, por conta própria ou por conta de outrem, por um veículo a motor ou um conjunto de veículos acoplados destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias e com um peso total em carga permitido não inferior a 7,5 toneladas;

b)

Transporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3, tal como definidas na Diretiva 70/156/CEE [do Conselho], de 6 de fevereiro de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à [receção] dos veículos a motor e seus reboques [(JO 1970, L 42, p. 1; EE 13 F1 p. 174)].

4.   Em derrogação do n.o 2, os Estados‑Membros que adotem um sistema de taxas de utilização das rodovias para os veículos a motor ou conjuntos de veículos acoplados destinados exclusivamente ao transporte rodoviário de mercadorias podem aplicar ao gasóleo utilizado por esses veículos uma taxa de imposto reduzida de valor inferior ao nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003, desde que a carga fiscal global permaneça sensivelmente equivalente, sejam observados os níveis mínimos comunitários e o nível nacional de tributação em vigor a 1 de janeiro de 2003 para o gasóleo utilizado como carburante seja pelo menos duplo do nível mínimo de tributação aplicável em 1 de janeiro de 2004.»

Direito italiano

6

O artigo 6.o do decreto legislativo n. 26 — Attuazione della diretiva 2003/96/CE che ristruttura il quadro comunitario per la tassazione dei prodotti energetici e dell’elettricità (Decreto Legislativo n.o 26, que Transpõe a Diretiva 2003/96/CE), de 2 de fevereiro de 2007 (suplemento ordinário ao GURI n.o 68, de 22 de março de 2007, p. 5), estabelece a taxa de imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante.

7

O artigo 24.o ter do decreto legislativo n. 504 — Testo unico delle disposizioni legislative concernenti le imposte sulla produzione e sui consumi e relative sanzioni penali e amministrative (Decreto Legislativo n.o 504, que Estabelece o Texto Único das Disposições Legislativas Referentes aos Impostos sobre a Produção e sobre o Consumo e Sanções Penais e Administrativas na Matéria), de 26 de outubro de 1995 (suplemento ordinário ao GURI n.o 279, de 29 de novembro de 1955, p. 5; a seguir «Decreto Legislativo n.o 504/1995»), introduzido pelo decreto‑legge n. 193 — Disposizioni urgenti in materia fiscale e per il finanziamento di esigenze indifferibili (Decreto‑Lei n.o 193, Relativo às Disposições Urgentes em Matéria Fiscal e para o Financiamento de Necessidades Imediatas), de 22 de outubro de 2016, convertido, com alterações, na Lei n.o 225, de 1 de dezembro de 2016 (suplemento ordinário ao GURI n.o 282, de 2 de dezembro de 2016), intitulado «Gasóleo para fins comerciais», prevê:

«1.   O gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais está sujeito a um imposto especial sobre o consumo através da aplicação da taxa prevista para tal utilização pelo n.o 4‑bis do quadro A anexo ao presente texto único.

2.   Por “gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais” entende‑se o gasóleo utilizado nos veículos, à exceção dos de categoria 2 ou inferior, utilizados pelo respetivo proprietário ou por força de outro título que garanta a sua disponibilidade exclusiva, para os seguintes fins:

a)

Atividade de transporte de mercadorias em veículos de massa total máxima igual ou superior a 7,5 toneladas exercida por […];

b)

Atividade de transporte de passageiros efetuada por:

1)

Entidades públicas e empresas públicas locais que exercem a atividade de transporte regulada pelo [decreto legislativo n. 422 — Conferimento alle regioni ed agli enti locali di funzioni e compiti in materia di trasporto pubblico locale, a norma dell’articolo 4, comma 4, della legge 15 marzo 1997, n. 59 (Decreto Legislativo n.o 422, que Transfere para as Regiões e para as Coletividades Locais Funções e Missões em Matéria de Transporte Público Local, nos Termos do Artigo 4.o, n.o 4, da Lei n.o 59, de 15 de Março de 1997), de 19 de novembro de 1997 (GURI n.o 287, de 10 de dezembro de 1997, p. 4)], e pelas leis regionais de execução;

2)

Empresas que prestam serviços de transporte rodoviário inter‑regional de competência estatal, previstos no [decreto legislativo n. 285 — Riordino dei servizi automobilistici interregionali di competenza statale (Decreto Legislativo n.o 285, que Estabelece a Reorganização dos Serviços Inter‑Regionais de Transporte Público Rodoviário de Competência Estatal), de 21 de novembro de 2005 (suplemento ordinário ao GURI n.o 6, de 9 de janeiro de 2006, p. 12)];

3)

Empresas que prestam serviços de transporte rodoviário de competência regional e local, previstos no Decreto Legislativo n.o 422, de 19 de novembro de 1997;

4)

Empresas que prestam serviços de transporte rodoviário regular de âmbito comunitário, previstos no [Regulamento (CE) n.o 1073/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado internacional dos serviços de transporte em autocarro e que altera o Regulamento (CE) n.o 561/2006 (JO 2009, L 300, p. 88)].

3.   É igualmente considerado gasóleo para fins comerciais o gasóleo utilizado para a atividade de transporte de passageiros desenvolvida por entidades públicas ou empresas que prestem o serviço público de transporte de passageiros por cabo.

4.   O reembolso do encargo resultante do imposto especial sobre o consumo mais elevado aplicado ao gasóleo para fins comerciais é fixado num montante igual à diferença entre a taxa de imposto especial sobre o consumo aplicável ao gasóleo utilizado como combustível, referida no anexo I, e a referida no n.o 1 do presente artigo. Para efeitos do referido reembolso, as entidades referidas nos n.os 2 e 3 apresentam uma declaração aos serviços aduaneiros competentes da Agência Aduaneira e dos Monopólios, no mês seguinte ao fim de cada trimestre civil em que ocorreu o consumo de gasóleo para fins comerciais.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8

A Autoservizi Giordano exerce a atividade de transporte de passageiros através de um serviço de aluguer de autocarros com motorista.

9

Esta sociedade solicitou à Agência Aduaneira e dos Monopólios para beneficiar, no terceiro trimestre de 2017, da taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais, prevista no artigo 24.o ter do Decreto Legislativo n.o 504/1995.

10

A Agência Aduaneira e dos Monopólios indeferiu este pedido, com o fundamento de que a atividade de transporte de passageiros através de um serviço de aluguer de autocarros com motorista, como a exercida pela Autoservizi Giordano, não se enquadrava em nenhuma das categorias de atividade de transporte que beneficiam, nos termos do artigo 24.o ter do Decreto Legislativo n.o 504/1995, de uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais.

11

A Autoservizi Giordano impugnou este indeferimento na Commissione tributaria provinciale di Palermo (Comissão Tributária Provincial de Palermo, Itália).

12

Como fundamento do seu recurso, a Autoservizi Giordano alega que o benefício de uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo decorre da aplicação direta do artigo 7.o da Diretiva 2003/96 e que, por conseguinte, a restrição que figura no artigo 24.o ter do Decreto Legislativo n.o 504/1995 é arbitrária e ilegal.

13

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 7.o da Diretiva 2003/96 deixa a cada Estado‑Membro o poder de apreciação quanto à faculdade de distinguir entre utilização comercial e não comercial do gasóleo. Refere, no entanto, que este artigo não parece conceder aos Estados‑Membros a mesma margem de apreciação quando estes decidem prever uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para a categoria de gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais, devendo esta categoria estar de acordo com a definição do conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» previsto naquele artigo.

14

Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ao conceder o benefício da taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais unicamente a determinadas atividades, e não a outras, como a atividade de aluguer de autocarros com motorista no setor do transporte privado de passageiros, o artigo 24.o ter do Decreto Legislativo n.o 504/1995 limita o alcance do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96, que se refere ao «transporte de passageiros, regular ou ocasional».

15

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o artigo 7.o da Diretiva 2003/96 pode ser invocado diretamente por entidades privadas contra as autoridades italianas, para obterem o benefício de uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo e o reembolso dos impostos especiais sobre o consumo indevidamente pagos. Salienta que, se for esse o caso, o direito italiano dificilmente poderá ser considerado compatível com esta disposição.

16

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que determine se o poder de apreciação reconhecido aos Estados‑Membros pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96 implica que o n.o 3 do mesmo artigo, que inclui no conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» o destinado ao «transporte ocasional de passageiros», não é suficientemente claro, preciso e incondicional.

17

Foi neste contexto que a Commissione tributaria provinciale di Palermo (Comissão Tributária Provincial de Palermo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 7.o da Diretiva [2003/96] ser interpretado no sentido de que abrange todas as empresas e entidades públicas ou privadas que operem no setor do transporte de passageiros em autocarros, incluindo o aluguer de autocarro com motorista, e no sentido de que se opõe a uma legislação nacional de transposição da mesma diretiva, na medida em que não inclui entre as entidades que utilizam gasóleo para fins comerciais os operadores que exercem a atividade de aluguer de autocarro com motorista?

2)

A discricionariedade reconhecida aos Estados[‑Membros], [no] n.o 2 do artigo 7.o da Diretiva 2003/96 […], [em virtude do qual] [o]s Estados‑Membros podem estabelecer uma diferenciação entre o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e para fins não comerciais, desde que sejam observados os novos níveis mínimos comunitários e que a taxa para a utilização comercial do gasóleo utilizado como carburante não desça abaixo do nível nacional de tributação vigente em 1 de janeiro de 2003, implica que [o artigo 7.o, n.o 3, alínea b),] que engloba no gasóleo utilizado para fins comerciais o destinado ao “transporte ocasional de passageiros” não seja imediatamente aplicável e incondicional?

3)

O artigo 7.o da [Diretiva 2003/96] é, do ponto de vista do conteúdo, por um lado, suficientemente preciso e, por outro, incondicional, para poder ser invocado diretamente por um particular contra as autoridades do Estado‑Membro em causa?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

A título preliminar, importa salientar que resulta da decisão de reenvio que a recorrente no processo principal é uma empresa privada, e não uma empresa pública. Por conseguinte, e não obstante a formulação da primeira questão, há que determinar, no âmbito do presente processo, por um lado, se o artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que uma empresa privada que exerce a atividade de transporte de passageiros, através de serviços de aluguer de autocarros com motorista, está abrangida pelo seu âmbito de aplicação e, por outro, se esta disposição se opõe a uma legislação nacional que prevê uma taxa reduzida de imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais para o transporte regular de passageiros, sem, no entanto, prever essa taxa para o gasóleo utilizado para o transporte ocasional de passageiros.

19

Quanto à primeira parte da primeira questão, importa salientar que o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros podem, no que respeita ao nível da tributação, estabelecer uma diferenciação entre o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e para fins não comerciais, desde que sejam observados os novos níveis mínimos comunitários de tributação e que a taxa para a utilização comercial de gasóleo não desça abaixo de determinado nível nacional de tributação. O artigo 7.o, n.o 3, da referida diretiva, por sua vez, especifica o que se deve entender por «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» e visa, nomeadamente, na sua alínea b), o gasóleo utilizado como carburante para o transporte de passageiros, regular ou ocasional, por um veículo automóvel das categorias M2 ou M3, na aceção da Diretiva 70/156.

20

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 21 das suas conclusões, resulta do artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 que o conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» é definido pelo legislador da União por referência não à natureza pública ou privada das entidades que utilizam o gasóleo mas aos fins para os quais o gasóleo é utilizado, a saber, o transporte de mercadorias e de passageiros através de determinados veículos automóveis.

21

Por conseguinte, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que está abrangida pelo seu âmbito de aplicação uma empresa privada que exerce a atividade de transporte de passageiros através de serviços de aluguer de autocarros com motorista, desde que os veículos alugados por esta empresa sejam da categoria M2 ou M3, na aceção da Diretiva 70/156.

22

Quanto à segunda parte da primeira questão, importa recordar, a título preliminar, que, para determinar o alcance de uma disposição do direito da União, há que ter simultaneamente em conta os seus termos, a sua economia e as suas finalidades (Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR, C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 22 e jurisprudência referida).

23

No que diz respeito aos termos do artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96, importa salientar que o n.o 2 deste artigo autoriza, sob certas condições, os Estados‑Membros a estabelecerem uma diferenciação entre o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais e para fins não comerciais e que o n.o 3, alínea b), do referido artigo precisa que o conceito de «gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais» inclui o gasóleo utilizado como carburante para o «transporte de passageiros, regular ou ocasional».

24

Há que sublinhar que os termos «regular» e «ocasional», que figuram na expressão «transporte de passageiros, regular ou ocasional» prevista no artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96, estão ligados pela conjunção coordenativa «ou». A este respeito, é verdade que a conjunção coordenativa «ou» pode, do ponto de vista linguístico, ter um sentido alternativo ou cumulativo [v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, EU:C:2005:444, n.o 83; e de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 102].

25

Não obstante, como alegou, em substância, o Governo italiano, se o legislador da União tivesse pretendido que a taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo para fins comerciais se aplicasse a qualquer atividade de transporte de passageiros, sem distinção entre o transporte regular e o transporte ocasional, teria utilizado, no artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96, a expressão «transporte de passageiros». O emprego da expressão «transporte de passageiros, regular ou ocasional» sugere, portanto, que o transporte regular de passageiros e o transporte ocasional de passageiros, ligados pela conjunção coordenativa «ou», não devem necessariamente ser cumulativamente sujeitos à taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo, podendo também sê‑lo alternativamente.

26

No que diz respeito à economia da Diretiva 2003/96, resulta do considerando 3 e do artigo 4.o desta diretiva que a mesma não procedeu a uma harmonização total das taxas do imposto especial sobre o consumo para os produtos energéticos e a eletricidade, limitando‑se a fixar níveis mínimos de tributação harmonizados. Também, como salientou o advogado‑geral nos n.os 30 e 31 das suas conclusões, além do artigo 7.o, n.o 2, da referida diretiva, os artigos 5.o, 14.o a 17.o e 19.o desta última preveem a possibilidade de os Estados‑Membros instituírem taxas de tributação diferenciadas, isenções de tributação ou reduções fiscais dos impostos especiais sobre o consumo. Estas disposições demonstram que o legislador da União deixou uma certa margem de apreciação aos Estados‑Membros em matéria de impostos especiais sobre o consumo.

27

A economia da Diretiva 2003/96 milita, portanto, a favor de uma interpretação do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva no sentido de que a aplicação da taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo não deve necessariamente englobar o transporte de passageiros, regular e ocasional, mas pode igualmente ser limitado a uma destas formas de transporte de passageiros.

28

No que respeita aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/96, há que salientar, em primeiro lugar, que resulta dos considerandos 9 e 11 desta diretiva que esta visa conceder aos Estados‑Membros uma certa margem para definir e aplicar políticas adaptadas aos contextos nacionais e que cada Estado‑Membro é livre de decidir que disposições aplicará para pôr em prática a referida diretiva (Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS — Fondazione Santa Lucia, C‑189/15, EU:C:2017:17, n.o 50).

29

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, reconhecer aos Estados‑Membros a possibilidade de prever uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado para o transporte regular de passageiros, e não para o utilizado para o transporte ocasional de passageiros, permite‑lhes aplicar políticas adaptadas às suas especificidades nacionais, nomeadamente em matéria de transportes e de acessibilidade territorial.

30

Em segundo lugar, ao prever um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, a Diretiva 2003/96 pretende, conforme resulta dos considerandos 2 a 5 e 24, promover o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência (Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 29 e jurisprudência referida). Em especial, decorre do considerando 3 da referida diretiva que foi para garantir esse bom funcionamento do mercado interno que a mesma fixou níveis mínimos comunitários de tributação.

31

Ora, desde que os níveis mínimos comunitários de tributação sejam observados, este objetivo não se opõe a uma interpretação do artigo 7.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/96 no sentido de que os Estados‑Membros podem limitar a aplicação da taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo apenas ao transporte regular de passageiros.

32

Em terceiro lugar, a Diretiva 2003/96 pretende igualmente, como resulta dos seus considerandos 6, 7, 11 e 12, incentivar objetivos de política ambiental (Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 34 e jurisprudência referida).

33

Como sublinhou o Governo italiano, estes objetivos militam a favor de uma interpretação do artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96 no sentido de que não se opõe a que o legislador nacional preveja uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais para o transporte regular de passageiros, sem, no entanto, prever essa taxa para o transporte ocasional de passageiros. Com efeito, na medida em que uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais diminui os custos relacionados com o consumo de gasóleo, a redução do número de beneficiários dessa vantagem é suscetível de incitar a limitar esse consumo às formas de transporte de passageiros que não beneficiam desse imposto e, portanto, contribui para os objetivos de política ambiental promovidos por esta diretiva.

34

Por conseguinte, no que respeita à segunda parte da primeira questão, há que considerar que, atendendo tanto aos termos do artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96 como à economia e aos objetivos da referida diretiva, esta última disposição deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo utilizado como carburante para fins comerciais no âmbito da atividade de transporte regular de passageiros, sem, no entanto, prever essa taxa para o gasóleo utilizado no âmbito da atividade de transporte ocasional de passageiros.

35

Contudo, como recordou, em substância, a Comissão nas suas observações escritas, no exercício do poder de que dispõem para aplicar o artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte do ordenamento jurídico da União, entre os quais figura, designadamente, o princípio da igualdade de tratamento (v., por analogia, Acórdãos de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS, C‑355/14, EU:C:2016:403, n.o 59, e de 9 de novembro de 2017, AZ, C‑499/16, EU:C:2017:846, n.os 29 e 30).

36

Assim, a conformidade da legislação nacional em causa no processo principal com o direito da União está subordinada ao respeito do princípio da igualdade de tratamento, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. O Tribunal de Justiça pode, todavia, fornecer‑lhe todas as indicações úteis para a resolução do litígio que lhe foi submetido (v., por analogia, Acórdão de 21 novembro de 2018, Fontana, C‑648/16, EU:C:2018:932, n.os 37 e 38).

37

Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 164 e jurisprudência referida).

38

Este princípio opõe‑se a que bens ou prestações de serviços semelhantes que estejam em concorrência entre si sejam tratados de maneira diferente do ponto de vista da taxa do imposto especial sobre o consumo (v., por analogia, Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C‑597/17, EU:C:2019:544, n.o 47 e jurisprudência referida).

39

Para determinar se os bens ou prestações de serviços são semelhantes, há que ter principalmente em conta o ponto de vista do consumidor médio. Os bens ou prestações de serviços são semelhantes quando apresentem propriedades análogas e respondam às mesmas necessidades do consumidor, em função de um critério de comparabilidade na utilização, e quando as diferenças existentes não influenciem de forma considerável a decisão do consumidor médio de recorrer a um ou a outro dos referidos bens ou prestações de serviços (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C‑597/17, EU:C:2019:544, n.o 48 e jurisprudência referida).

40

No caso em apreço, os serviços de transporte regular de passageiros asseguram, por definição, o transporte de passageiros com frequência e percurso determinados, em que os passageiros podem ser tomados ou largados em paragens previamente estabelecidas, ao passo que os serviços de transporte ocasional de passageiros respondem a necessidades pontuais. Além disso, os operadores que prestam serviços de transporte regular de passageiros são geralmente encarregados de missões de serviço público.

41

Assim, uma vez que os serviços de transporte regular e os serviços de transporte ocasional de passageiros não parecem responder às mesmas necessidades, não se afigura que a legislação nacional em causa no processo principal viole o princípio da igualdade de tratamento, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

42

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, uma empresa privada que exerce a atividade de transporte de passageiros através de serviços de aluguer de autocarros com motorista está abrangida pelo seu âmbito de aplicação, desde que os veículos alugados por essa empresa sejam da categoria M2 ou M3, na aceção da Diretiva 70/156, e de que, por outro, não se opõe a uma legislação nacional que prevê uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo profissional utilizado como combustível para o transporte regular de passageiros, sem, no entanto, prever essa taxa para o gasóleo utilizado para o transporte ocasional de passageiros, desde que essa legislação respeite o princípio da igualdade de tratamento, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda e terceira questões

43

Com a segunda e a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96 pode ser invocado diretamente por um particular contra as autoridades italianas.

44

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder a estas duas questões.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 7.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, uma empresa privada que exerce a atividade de transporte de passageiros através de serviços de aluguer de autocarros com motorista está abrangida pelo seu âmbito de aplicação, desde que os veículos alugados por essa empresa sejam da categoria M2 ou M3, na aceção da Diretiva 70/156/CEE do Conselho, de 6 de fevereiro de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à receção dos veículos a motor e seus reboques, e de que, por outro, não se opõe a uma legislação nacional que prevê uma taxa reduzida do imposto especial sobre o consumo para o gasóleo profissional utilizado como combustível para o transporte regular de passageiros, sem, no entanto, prever essa taxa para o gasóleo utilizado para o transporte ocasional de passageiros, desde que essa legislação respeite o princípio da igualdade de tratamento, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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