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Document 62018CJ0384

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 27 de fevereiro de 2020.
    Comissão Europeia contra Reino da Bélgica.
    Incumprimento de Estado — Artigo 49.o TFUE — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 25.o, n.os 1 e 2 — Restrições às atividades pluridisciplinares dos contabilistas.
    Processo C-384/18.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:124

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    27 de fevereiro de 2020 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Artigo 49.o TFUE — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 25.o, n.os 1 e 2 — Restrições às atividades pluridisciplinares dos contabilistas»

    No processo C‑384/18,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 8 de junho de 2018,

    Comissão Europeia, representada por H. Tserepa‑Lacombe e L. Malferrari, na qualidade de agentes,

    demandante,

    contra

    Reino da Bélgica, representado por L. Van den Broeck, M. Jacobs e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidas por C. Smits e D. Grisay, advogados, M. Vossen, G. Lievens e F. Haemers,

    demandado,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin (relator), D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 23 de maio de 2019,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de outubro de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com as de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária ou de prestação de serviços financeiros e ao autorizar as Câmaras do Institut professionnel des comptables et fiscalistes agréés (Instituto de Contabilistas e Fiscalistas Certificados, a seguir «IPCF») a proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com qualquer atividade artesanal, agrícola e comercial, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 25.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), e do artigo 49.o TFUE.

    I. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    2

    Os considerandos 97 e 101 da Diretiva 2006/123 referem:

    «(97)

    É necessário prever na presente diretiva certas regras que assegurem uma elevada qualidade dos serviços, nomeadamente requisitos em matéria de informação e transparência. Essas regras deverão ser aplicáveis tanto nos casos de prestação de serviços transfronteiriços entre Estados‑Membros como nos casos de serviços prestados num Estado‑Membro por um prestador nele estabelecido, sem acarretar encargos desnecessários para as PME. Essas regras não deverão obstar de modo algum a que os Estados‑Membros apliquem, em conformidade com a presente diretiva e demais legislação comunitária, requisitos de qualidade suplementares ou diferentes.

    […]

    (101)

    No interesse dos destinatários, em especial dos consumidores, é necessário assegurar que seja possível aos prestadores oferecerem serviços pluridisciplinares e que, em relação a este aspeto, as restrições sejam limitadas ao necessário para assegurar a imparcialidade, a independência e a integridade das profissões regulamentadas. Tal não afeta as restrições ou proibições de desempenhar atividades específicas que têm por objetivo assegurar a independência nos casos em que um Estado‑Membro atribui a um prestador uma tarefa específica, especialmente na área do desenvolvimento urbano, e também não deverá afetar a aplicação das regras de concorrência.»

    3

    O artigo 25.o desta diretiva, sob a epígrafe «Atividades pluridisciplinares», tem a seguinte redação:

    «1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores não estejam sujeitos a requisitos que os obriguem a exercer exclusivamente uma atividade específica ou que limitem o exercício conjunto ou em parceria de atividades diferentes.

    Todavia, podem estar sujeitos a requisitos deste tipo os seguintes prestadores:

    a)

    As profissões regulamentadas, na medida em que tal se justifique, para garantir o respeito das regras deontológicas, que variam em função da especificidade de cada profissão, e seja necessário para assegurar a sua independência e imparcialidade;

    b)

    Os prestadores que forneçam serviços de certificação, acreditação, inspeção técnica, testes ou ensaios, na medida em que tal se justifique, para garantir a sua independência e imparcialidade.

    2.   Quando as atividades pluridisciplinares entre os prestadores a que se referem as alíneas a) e b) do n.o 1 são autorizadas, cabe aos Estados‑Membros assegurar o seguinte:

    a)

    Prevenção dos conflitos de interesses e das incompatibilidades entre determinadas atividades;

    b)

    Independência e imparcialidade exigidas por determinadas atividades;

    c)

    Compatibilidade entre os requisitos deontológicos das diferentes atividades, nomeadamente em matéria de sigilo profissional.

    3.   No relatório previsto no n.o 1 do artigo 39.o, os Estados‑Membros devem indicar quais os prestadores que se encontram sujeitos aos requisitos referidos no n.o 1 do presente artigo, o conteúdo desses requisitos e as razões pelas quais consideram que eles se justificam.»

    4

    Nos termos do considerando 10 da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (JO 2015, L 141, p. 73):

    «Os serviços diretamente comparáveis deverão ser tratados de forma idêntica, quando prestados por qualquer dos profissionais abrangidos pela presente diretiva. A fim de assegurar o respeito dos direitos garantidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a “Carta”), no caso dos auditores e revisores oficiais de contas, técnicos de contas externos e consultores fiscais que, em certos Estados‑Membros, estejam habilitados a defender ou representar um cliente em juízo ou a apreciar a sua situação jurídica, as informações por eles obtidas no desempenho dessas funções não deverão estar sujeitas às obrigações de comunicação previstas na presente diretiva.»

    B. Direito belga

    5

    O artigo 21.o do code de déontologie de l’IPCF (Código Deontológico do IPCF), na sua versão aprovada pelo arrêté royal du 22 octobre 2013 (Decreto Real de 22 de outubro de 2013) (Moniteur belge de 21 de novembro de 2013, p. 86547; a seguir «antigo Código Deontológico do IPCF»), tinha a seguinte redação:

    «§ 1.   A profissão de contabilista externo do IPCF é incompatível com qualquer atividade artesanal, agrícola ou comercial, quer seja exercida direta ou indiretamente, individualmente ou em associação ou sociedade, como independente, na qualidade de gerente, administrador, dirigente de empresa ou sócio-gerente.

    § 2.   Com exceção das atividades referidas no § 3, as [Chambres professionnelles de l’IPCF (Câmaras Profissionais do IPCF)] podem, mediante pedido escrito prévio do contabilista externo do IPCF, derrogar esta regra, desde que a independência e a imparcialidade do membro não sejam prejudicadas e que esta atividade seja acessória. As Câmaras do IPCF poderão sempre revogar esta decisão.

    Além disso, o Conselho pode ainda estabelecer derrogações por meio de uma diretriz geral para determinadas atividades do setor artesanal, agrícola ou comercial, com exceção das atividades referidas no § 3. O Conselho pode também definir diretrizes por força das quais a aplicação das incompatibilidades é temporariamente restringida em caso de sucessão. O contabilista externo do IPCF, que seja abrangido pelas diretrizes fixadas pelo Conselho, deve informar por escrito as Câmaras do IPCF.

    § 3.   As seguintes atividades profissionais são sempre, por sua vez, consideradas suscetíveis de prejudicar a independência e a imparcialidade do contabilista externo: atividades de corretor ou agente de seguros, atividades de agente imobiliário, exceto a atividade de administrador de condomínio, e qualquer atividade bancária e de prestação de serviços financeiros para as quais é necessário proceder a inscrição junto da Autorité des Services et Marchés Financiers [Autoridade dos Serviços e Mercados Financeiros (FSMA)].»

    6

    O artigo 21.o do Código Deontológico do IPCF, na sua versão adotada pelo arrêté royal du 18 juillet 2017 (Decreto Real de 18 de julho de 2017) (Moniteur belge de 14 de agosto de 2017, p. 79692; a seguir «novo Código Deontológico do IPCF»), prevê:

    «§ 1.   Sob reserva das atividades referidas no § 2, o exercício de atividades pluridisciplinares, como pessoa singular ou coletiva, é autorizado pelas Câmaras do IPCF, mediante pedido escrito de um contabilista externo do IPCF, desde que a independência e a imparcialidade do membro não sejam prejudicadas.

    § 2.   As seguintes atividades profissionais, quer sejam exercidas por uma pessoa singular ou por uma pessoa coletiva, são sempre consideradas suscetíveis de prejudicar a independência e a imparcialidade do contabilista externo do IPCF: atividade de corretor ou agente de seguros, atividade de agente imobiliário, exceto a atividade de administrador de condomínio, bem como qualquer atividade bancária e de prestação de serviços financeiros para as quais é necessário proceder a inscrição junto da Autoridade dos Serviços e Mercados financeiros.»

    7

    O artigo 458.o do code pénal du 8 juin 1867 (Código Penal de 8 de junho de 1867) (Moniteur belge de 9 de junho de 1867, p. 3133), na sua redação em vigor à data dos factos (a seguir «Código Penal belga»), prevê:

    «Os médicos, cirurgiões, profissionais da saúde, farmacêuticos, parteiras e outras pessoas que, devido ao seu estado ou profissão, tenham conhecimento de segredos que lhes tenham sido confiados e os revelem, salvo quando forem chamados a testemunhar em juízo (ou perante uma comissão de inquérito parlamentar) ou quando a lei os obrigar à revelação dos referidos segredos, serão punidos com a pena de oito dias a seis meses de prisão e com multa de cem a quinhentos euros.»

    II. Procedimento pré‑contencioso

    8

    Em 17 de março de 2015, a Comissão deu início ao processo EU Pilot 7402/15/GROW, solicitando às autoridades belgas informações relativas à proibição, aplicável aos contabilistas certificados, de conjugar a sua atividade com outras atividades e os motivos pelos quais as atividades do setor artesanal, agrícola ou comercial podiam ser consideradas incompatíveis com a profissão de contabilista.

    9

    O Reino da Bélgica respondeu às questões colocadas pela Comissão por ofício de 29 de maio de 2015.

    10

    Considerando insuficientes as justificações apresentadas para as restrições previstas pela regulamentação nacional, a Comissão enviou ao Reino da Bélgica, em 11 de dezembro de 2015, uma notificação para cumprir em que afirmava que o artigo 21.o do antigo Código Deontológico do IPCF não estava em conformidade com o artigo 25.o da Diretiva 2006/123 e com o artigo 49.o TFUE.

    11

    Por ofícios de 12 de abril e de 6 de julho de 2016, o Reino da Bélgica contestou a infração que lhe era imputada e explicou as razões pelas quais considerava que a regulamentação nacional estava em conformidade com o direito da União.

    12

    Em 18 de novembro de 2016, a Comissão enviou um parecer fundamentado ao Reino da Bélgica, que lhe respondeu em 12 de janeiro e 13 de fevereiro de 2017.

    13

    Não satisfeita com esta resposta, a Comissão decidiu, em 13 de julho de 2017, intentar uma ação por incumprimento.

    14

    Em 4 de agosto de 2017, o Reino da Bélgica notificou à Comissão o novo Código Deontológico do IPCF e indicou que este estava em conformidade com o direito da União.

    15

    Não partilhando da opinião do Reino da Bélgica, a Comissão intentou a presente ação.

    III. Quanto à ação

    A. Quanto ao âmbito da ação

    1.   Argumentos das partes

    16

    A Comissão alega que a adoção do novo Código Deontológico do IPCF, após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não suprimiu a restrição que figurava no artigo 21.o do antigo Código Deontológico do IPCF e, portanto, não pôs termo à infração imputada. Com efeito, segundo esta instituição, não só o artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF é idêntico ao artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF, como, além disso, o artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF agravou o incumprimento imputado ao generalizar a obrigação de dispor de uma autorização para o exercício de atividades pluridisciplinares.

    17

    O Reino da Bélgica não contesta que o artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF é, em substância, idêntico ao artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF. Em contrapartida, no que respeita ao artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF, este Estado‑Membro sustenta que esta disposição não agravou o incumprimento imputado, uma vez que o sistema instituído pela referida disposição assenta agora no princípio da autorização e que essa autorização só é recusada a título excecional.

    2.   Apreciação do Tribunal de Justiça

    18

    Para determinar o âmbito da presente ação por incumprimento, há que salientar que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que as eventuais alterações ocorridas posteriormente não podem ser tidas em conta pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 26 de junho de 2019, Comissão/Grécia, C‑729/17, EU:C:2019:534, n.o 36 e jurisprudência referida).

    19

    Em caso de modificação posterior da legislação nacional impugnada no âmbito de uma ação por incumprimento, a Comissão não modifica o objeto da sua ação ao dirigir as imputações formuladas contra a legislação anterior à resultante da modificação adotada, quando as duas versões da legislação nacional tenham conteúdo idêntico (Acórdão de 26 de junho de 2019, Comissão/Grécia, C‑729/17, EU:C:2019:534, n.o 37 e jurisprudência referida).

    20

    Em contrapartida, o objeto do litígio não pode ser ampliado às obrigações resultantes de novas disposições que não tenham equivalência na versão inicial do ato em questão, sob pena de violação das formalidades essenciais da regularidade do processo destinado a verificar o incumprimento (Acórdão de 26 de junho de 2019, Comissão/Grécia, C‑729/17, EU:C:2019:534, n.o 38 e jurisprudência referida).

    21

    Na medida em que a Comissão imputou, na sua petição e na sua réplica, as suas alegações formuladas inicialmente no seu parecer fundamentado igualmente quanto ao novo Código Deontológico do IPCF, há que determinar se essa imputação implica uma modificação do objeto da ação.

    22

    No caso em apreço, em primeiro lugar, há que salientar, e isso não é contestado pelas partes, que o alcance do artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF é idêntico ao do artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF. Com efeito, estas duas disposições preveem, em substância, que as atividades de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário, exceto a atividade de administrador de condomínio, e qualquer atividade bancária e de prestação de serviços financeiros para as quais é necessário proceder a inscrição junto da Autoridade dos Serviços e Mercados Financeiros são sempre consideradas suscetíveis de prejudicar a independência e a imparcialidade do contabilista externo do IPCF.

    23

    Em segundo lugar, enquanto o artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF dispunha que as Câmaras Executivas do IPCF (a seguir «câmaras profissionais») podiam derrogar mediante autorização a proibição de exercício conjunto da profissão de contabilista do IPCF com atividades artesanais, agrícolas e comerciais, desde que essa derrogação não prejudicasse a independência e a imparcialidade do contabilista do IPCF e desde que esta última atividade fosse acessória, o artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico IPCF prevê, por seu turno, em termos gerais, que o exercício de atividades pluridisciplinares por um contabilista externo do IPCF possa ser autorizado pelas câmaras profissionais, desde que a independência e a imparcialidade deste último não sejam prejudicadas.

    24

    Resulta da redação desta última disposição que esta, diferentemente do artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF, já não enumera as atividades profissionais para as quais um contabilista do IPCF deve pedir uma autorização a fim de as poder exercer juntamente com a profissão de contabilista do IPCF, alargando, assim, o âmbito das atividades previstas, e já não contém nenhuma condição relativa à natureza acessória do exercício dessa atividade.

    25

    Assim, na medida em que o artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF modificou significativamente o sistema das autorizações para o exercício conjunto da profissão de contabilista do IPCF com outras atividades profissionais, o conteúdo desta disposição não pode ser considerado idêntico ao do artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF.

    26

    Por conseguinte, na medida em que as alegações da Comissão incidem igualmente sobre o artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF, este altera o objeto do litígio, pelo que há que analisá‑las sem ter em conta a extensão dessas alegações efetuadas na petição e na réplica no que respeita ao artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF.

    27

    Nestas condições, há que julgar inadmissíveis as alegações relativas à violação das disposições do artigo 49.o TFUE e do artigo 25.o da Diretiva 2006/123, na medida em que estas alegações visam o artigo 21.o, § 1, do novo Código Deontológico do IPCF, e examinar apenas a compatibilidade do artigo 21.o, §§ 1 a 3, do antigo Código Deontológico do IPCF e do artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF com o artigo 25.o da Diretiva 2006/123 e com o artigo 49.o TFUE.

    B. Quanto ao mérito

    1.   Quanto à primeira alegação, relativa à violação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123

    28

    A alegação relativa à violação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123 comporta duas partes, a primeira referente ao artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF e ao artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF, e a segunda referente ao artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF.

    a)   Quanto à primeira parte da primeira alegação, relativa à violação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123 pelo artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF e pelo artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF

    1) Argumentos das partes

    29

    A Comissão alega que o artigo 25.o da Diretiva 2006/123 tem por objetivo assegurar que os Estados‑Membros não impedem o exercício de atividades pluridisciplinares. Ora, segundo esta instituição, o artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF, que retomou, sem alteração substancial, o conteúdo do artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF, proíbe o exercício conjunto da atividade de contabilista do IPCF com as atividades de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária ou de prestação de serviços financeiros.

    30

    A Comissão observa que o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123 sujeita a avaliação os requisitos a que estão sujeitas as profissões regulamentadas, sendo estes requisitos aceites só na medida em que tal se justifique, para garantir o respeito de regras deontológicas, que variam em função da especificidade de cada profissão, e seja necessário para assegurar a independência e a imparcialidade dessas profissões. Ora, esta instituição considera que existem medidas menos restritivas do que a proibição total de atividades pluridisciplinares, pelo que esta viola o artigo 25.o da Diretiva 2006/123.

    31

    A este respeito, a Comissão alega que a proibição total de exercer a atividade de contabilista do IPCF juntamente com a atividade de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária e de prestação de serviços financeiros excede, pela sua própria natureza, o que é necessário para assegurar o respeito das regras deontológicas da profissão de contabilista.

    32

    Segundo a Comissão, medidas como procedimentos internos capazes de prevenir conflitos de interesses em matéria de transferência de informação e uma aplicação correta das regras relativas ao sigilo profissional constituem medidas menos restritivas que permitem alcançar os objetivos de garantia da independência e da imparcialidade da profissão de contabilista do IPCF. A Comissão acrescenta que a proibição também não é necessária para evitar o risco de branqueamento de capitais e os riscos de conflito de interesses, nem para garantir uma avaliação correta dos preços dos serviços prestados e a qualidade dos serviços.

    33

    Esta instituição sustenta que os Estados‑Membros podem obrigar as sociedades que exercem atividades pluridisciplinares a instituir mecanismos internos de controlo de qualidade e medidas eficazes de avaliação dos riscos para que, na mesma empresa, as atividades gerais não interfiram nas atividades a que se aplicam as regras contra o branqueamento de capitais ou para as quais devem ser respeitadas as regras em matéria de sigilo profissional. Além disso, sublinha que a obrigação de os contabilistas respeitarem o requisito da comunicação às autoridades nacionais em caso de suspeita de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo só se aplica quando o próprio contabilista participa nessas atividades.

    34

    Quanto à necessidade de assegurar a transparência dos preços dos serviços, a Comissão considera que um contabilista está em condições de dissociar as suas atividades e de apresentar distintamente os cálculos que determinam o custo real de cada serviço e aqueles que determinam o seu custo total.

    35

    Por último, quanto à necessidade de assegurar a qualidade dos serviços dos contabilistas, a Comissão considera que nenhum argumento relativo à profissão de advogado pode ser transposto para a profissão de contabilista do IPCF, uma vez que as duas profissões não são comparáveis. Alegou que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98), não é transponível para o presente processo, visto que os fundamentos desse acórdão, que dizem respeito, por um lado, à independência do advogado e, por outro, ao respeito do sigilo profissional e à necessidade de evitar conflitos de interesses, se baseiam na natureza particular da profissão de advogado que a diferencia das outras profissões. Esta instituição considera, assim, que o conflito de interesses entre, por um lado, a atividade de contabilista do IPCF e, por outro, as atividades de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária ou de prestação de serviços financeiros não está provado e, em todo o caso, que não pode ter um caráter mais grave do que aquele que foi considerado no referido acórdão.

    36

    A Comissão conclui que uma proibição total, ainda que muito eficaz, viola abertamente o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 25.o da Diretiva 2006/123 e que o Governo belga não demonstrou que medidas alternativas, como a implementação de medidas, de procedimentos internos e de um controlo ex post, eram ineficazes.

    37

    Em sua defesa, o Reino da Bélgica contesta o incumprimento imputado, alegando, por um lado, que as restrições em matéria de atividades pluridisciplinares se devem limitar ao necessário para assegurar a imparcialidade, a independência e a integridade das profissões regulamentadas e, por outro, que o artigo 25.o da Diretiva 2006/123 não impede os Estados‑Membros de proibir, em determinadas condições, o exercício conjunto de profissões regulamentadas.

    38

    Ora, este Estado‑Membro sustenta que a proibição em causa é necessária para garantir a independência e a imparcialidade dos contabilistas do IPCF, bem como para assegurar o respeito da obrigação de um sigilo profissional rigoroso, cuja violação é sancionada pelo artigo 458.o do Código Penal belga. Na medida em que a independência implica a obrigação de agir exclusivamente por conta do cliente, o Reino da Bélgica considera que o exercício de outras atividades por um contabilista do IPCF poderia levar o mesmo a ter em conta aspetos alheios ao interesse do seu cliente. A este respeito, o referido Estado‑Membro sublinha que os agentes imobiliários, os corretores de seguros e os corretores de bolsa são remunerados com base numa comissão, cujo montante pode ser mais elevado do que os honorários resultantes da atividade de contabilista, pelo que poderia surgir um conflito de interesses se o contabilista tivesse em conta aspetos diferentes dos que estão exclusivamente relacionados com o interesse do seu cliente.

    39

    O Reino da Bélgica considera que o raciocínio que consta do Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98), segundo o qual a existência de uma «certa incompatibilidade» entre as obrigações resultantes da profissão de advogado e as resultantes da profissão de revisor de contas é suficiente para justificar a proibição do exercício conjunto das duas profissões, é transponível para o caso em apreço.

    40

    Com efeito, este Estado‑Membro alega que os contabilistas do IPCF exercem um papel de utilidade pública, especialmente no que respeita à elaboração de contas fiáveis para as pequenas e médias empresas, que constituem 99,3 % das empresas na Bélgica, e à elaboração de planos financeiros no momento da constituição de certos tipos de sociedades. Além disso, o referido Estado‑Membro considera que os contabilistas do IPCF, que estão sujeitos à obrigação de respeito do sigilo profissional, o que os isenta da obrigação de comunicação em matéria de branqueamento de capitais, em conformidade com o considerando 10 da Diretiva 2015/849, intervêm na fase administrativa dos litígios em matéria fiscal e, na prática, continuam a aconselhar os seus clientes, na qualidade de revisores, na fase judicial, apesar de a representação legal ser assegurada por um advogado.

    41

    No que se refere à proporcionalidade da proibição em causa, o Reino da Bélgica considera que o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123 não prevê que uma proibição possa ser considerada, pela sua própria natureza, não justificada. No caso em apreço, a proibição é proporcionada, na medida em que não constitui uma proibição de alcance geral e absoluto de todas as atividades pluridisciplinares e que só diz respeito a certas atividades estritamente identificadas.

    42

    Por último, o Reino da Bélgica considera que medidas alternativas, tais como medidas internas, não são tão eficazes para preservar a independência da profissão de contabilista do IPCF e garantir a obrigação de respeito do sigilo profissional que incumbe a essa profissão. Com efeito, independentemente do facto de a maioria dos gabinetes de contabilidade na Bélgica não ter mais de quatro pessoas, tais medidas internas são difíceis de implementar e não permitem às autoridades nacionais assegurar o controlo eficaz da referida implementação.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    43

    Nos termos do artigo 25.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/123, os Estados‑Membros devem assegurar que os prestadores não estejam sujeitos a requisitos que os obriguem a exercer exclusivamente uma atividade específica ou que limitem o exercício conjunto ou em parceria de atividades diferentes. Todavia, o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva precisa que os prestadores referidos nas alíneas a) e b) podem estar sujeitos a tais requisitos, desde que respeitadas as condições nelas previstas.

    44

    No caso em apreço, à semelhança do artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF, o artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF proíbe o exercício conjunto da profissão de contabilista do IPCF com uma série de atividades consideradas, em si mesmas, suscetíveis de prejudicar a independência e a imparcialidade do contabilista do IPCF, a saber, as atividades de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário, exceto a atividade de administrador de condomínio, e qualquer atividade bancária e de prestação de serviços financeiros para as quais é necessário proceder a inscrição junto da Autoridade dos Serviços e Mercados Financeiros.

    45

    Daqui resulta que estas disposições submetem os contabilistas do IPCF a requisitos como os que estão previstos no artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123. Por conseguinte, há que analisar se estes requisitos podem ser aceites com base no artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123.

    46

    A este respeito, o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123 prevê que os requisitos relativos às profissões regulamentadas só são aceites na medida em que se justifiquem para garantir o respeito das regras deontológicas, que variam em função da especificidade de cada profissão, e sejam necessários para assegurar a independência e a imparcialidade dessas profissões.

    47

    No caso em apreço, o Reino da Bélgica invoca a necessidade de garantir a independência e a imparcialidade dos contabilistas do IPCF e, especialmente, de assegurar o respeito, por estes, da sua obrigação de um sigilo profissional rigoroso, obrigação que se insere no objetivo mais geral de garantia do respeito das regras deontológicas da profissão de contabilista do IPCF.

    48

    A este respeito, importa recordar que um Estado‑Membro que invoque uma razão imperiosa de interesse geral ou, como no presente caso, a exceção prevista no artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123, para demonstrar que a proibição de atividades pluridisciplinares que introduziu é necessária para garantir a independência e a imparcialidade dos contabilistas do IPCF, deve apresentar elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2019, Comissão/Alemanha, C‑377/17, EU:C:2019:562, n.o 74 e jurisprudência referida).

    49

    No caso em apreço, em primeiro lugar, no que se refere à relevância do Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98), há que salientar que o raciocínio desenvolvido nesse acórdão não é transponível para o presente processo. Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 56 a 58 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se, nesse acórdão, sobre a profissão de revisor de contas no quadro de uma comparação entre a profissão de advogado e a de revisor de contas, distinguindo estas duas profissões, e limitou a sua análise à situação específica dos advogados e dos revisores de contas nos Países Baixos.

    50

    Além disso, e como o advogado‑geral também salientou nos n.os 60 a 62 das suas conclusões, a profissão de contabilista do IPCF não pode ser equiparada à de advogado. Com efeito, diferentemente desta última profissão, a profissão de contabilista do IPCF não compreende a representação legal perante os órgãos jurisdicionais, uma vez que, como admitiu o Reino da Bélgica na audiência, os contabilistas do IPCF podem eventualmente intervir na qualidade de peritos no domínio da sua profissão, mas não dispõem de um mandato legal para representar os seus clientes perante os órgãos jurisdicionais.

    51

    Nestas circunstâncias, não está demonstrado que a proibição de atividades pluridisciplinares, prevista na regulamentação belga, possa ser comparada à proibição que foi objeto do Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98).

    52

    Em segundo lugar, há que rejeitar a argumentação do Reino da Bélgica segundo a qual, por um lado, a proibição em causa é proporcionada, na medida em que diz unicamente respeito a atividades estritamente identificadas para as quais se presume que poderia ocorrer um conflito de interesses, e, por outro, medidas alternativas, tendo em conta a estrutura do mercado belga, não seriam tão eficazes para alcançar os objetivos pretendidos.

    53

    Antes de mais, embora seja verdade que a proibição em causa diz unicamente respeito a atividades estritamente identificadas, não é menos verdade que o Reino da Bélgica não fundamenta suficientemente a sua argumentação segundo a qual a existência de um conflito de interesses é presumida em caso de exercício conjunto, por um contabilista do IPCF, de uma atividade de agente imobiliário, corretor de seguros ou de uma atividade bancária ou financeira. Em particular, ainda que estas últimas atividades sejam remuneradas com base numa comissão, cujo montante pode ser mais elevado do que os honorários resultantes da profissão de contabilista, tal possibilidade existe igualmente no caso de outras profissões que não são objeto de uma proibição semelhante e que podem ser exercidas, sob reserva de uma autorização nesse sentido, juntamente com a profissão de contabilista do IPCF.

    54

    Em seguida, há que salientar que esse Estado‑Membro, ao fundamentar a sua argumentação em elementos precisos, não demonstrou a razão pela qual a proibição em causa é a única medida que permite atingir os objetivos pretendidos, pelo que nenhuma das medidas menos lesivas da livre prestação de serviços, sugeridas pela Comissão, seria suficientemente eficaz para atingir esses objetivos.

    55

    Com efeito, embora seja jurisprudência constante que o ónus da prova que incumbe a um Estado‑Membro não pode ir ao ponto de exigir que este Estado‑Membro demonstre, de maneira positiva, que nenhuma outra medida possível permite realizar o referido objetivo nas mesmas condições (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2019, Comissão/Alemanha, C‑377/17, EU:C:2019:562, n.o 64), não deixa de ser verdade que o referido Estado‑Membro deve impugnar de modo substancial e detalhado os elementos apresentados pela Comissão e as consequências que daí decorrem (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de janeiro de 2016, Comissão/Portugal, C‑398/14, EU:C:2016:61, n.o 48, e de 24 de janeiro de 2018, Comissão/Itália, C‑433/15, EU:C:2018:31, n.o 44).

    56

    Ora, no caso em apreço, é certo que se pode admitir que, como alega o Reino da Bélgica, medidas de organização interna das empresas dos contabilistas do IPCF seriam particularmente difíceis de implementar devido à pequena dimensão dessas empresas, tornando assim ilusória a proteção da garantia de independência e de imparcialidade que essa profissão deve evidenciar.

    57

    No entanto, o Reino da Bélgica não pôs em causa, de forma convincente, os elementos apresentados pela Comissão, segundo os quais um controlo ex post pelas câmaras profissionais constituía uma medida menos restritiva para alcançar o objetivo de garantia da independência e da imparcialidade dos contabilistas do IPCF, uma vez que os argumentos apresentados por este Estado‑Membro quanto à menor eficácia dessa medida não são, por si só, suscetíveis de demonstrar que esse controlo não seria adequado para alcançar esse objetivo.

    58

    Por último, na medida em que o Reino da Bélgica invoca as dificuldades práticas da implementação de medidas alternativas da natureza das sugeridas pela Comissão, é pacífico que um Estado‑Membro não pode invocar dificuldades práticas, administrativas ou financeiras para justificar o incumprimento das obrigações resultantes do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, Comissão/Grécia, C‑600/12, não publicado, EU:C:2014:2086, n.o 41 e jurisprudência referida).

    59

    Nestas circunstâncias, há que julgar procedente a primeira parte da primeira alegação, relativa à violação pelo artigo 21.o, § 3, do antigo Código Deontológico do IPCF e pelo artigo 21.o, § 2, do novo Código Deontológico do IPCF do artigo 25.o da Diretiva 2006/123.

    b)   Quanto à segunda parte da primeira alegação, relativa à violação do artigo 25.o da Diretiva 2006/123 pelo artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF

    1) Argumentos das partes

    60

    A Comissão alega que o artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF, na medida em que estabelecia uma regra de incompatibilidade da profissão de contabilista do IPCF com qualquer atividade artesanal, agrícola ou comercial, violava o artigo 25.o da Diretiva 2006/123, ainda que pudesse ser derrogado, a pedido do contabilista do IPCF em causa, por decisão das câmaras profissionais.

    61

    No que respeita à necessidade e à proporcionalidade de tal proibição de princípio, a Comissão sustenta que não se pode afirmar que o exercício conjunto por um contabilista do IPCF de qualquer atividade artesanal, agrícola ou comercial conduz a conflitos de interesses e prejudica sempre os clientes, os outros prestadores de serviços e a sociedade no seu todo. Mesmo que assim fosse, esta instituição considera, pelas mesmas razões invocadas no âmbito da primeira parte da primeira alegação, que tal restrição não pode ser admitida.

    62

    Em sua defesa, o Reino da Bélgica alega que a proibição de princípio que figurava no artigo 21.o, § 1, do antigo Código Deontológico do IPCF visava um número limitado de atividades, enumeradas de forma exaustiva, que apresentam um risco de violação da independência e da imparcialidade dos contabilistas do IPCF, pelo que não ia além do que era necessário para atingir os objetivos pretendidos.

    63

    Este Estado‑Membro acrescenta que o artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF previa uma possível derrogação à referida proibição, através de autorização concedida pelas câmaras profissionais, desde que a independência e a imparcialidade do contabilista em causa não fossem prejudicadas e que a atividade exercida juntamente com a profissão de contabilista fosse acessória.

    64

    O referido Estado‑Membro sustenta que, na prática, a autorização era sempre concedida e que esse procedimento tinha por objetivo verificar se a independência e a imparcialidade dos contabilistas eram preservadas e proteger os consumidores.

    2) Apreciação do Tribunal de Justiça

    65

    A título preliminar, há que constatar que o artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF, na medida em que proibia o exercício conjunto da profissão de contabilista do IPCF com qualquer atividade artesanal, agrícola e comercial, salvo derrogação concedida pelas câmaras profissionais, submetia os prestadores que designava a requisitos como os previstos no artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123.

    66

    Por conseguinte, há que examinar se esses requisitos podem ser justificados com base no artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123.

    67

    No caso em apreço, o artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF previa que as câmaras profissionais pudessem conceder a autorização para exercer, juntamente com a profissão de contabilista do IPCF, uma atividade prevista no artigo 21.o, § 1, deste código, sob a dupla condição de que a independência e a imparcialidade do contabilista do IPCF não fossem prejudicadas e que essa atividade fosse acessória.

    68

    Ora, por um lado, há que salientar que o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/123 não prevê a possibilidade de sujeitar o exercício conjunto de uma profissão regulamentada com outra atividade à condição de esta última ser acessória. Por outro lado, embora o Reino da Bélgica sustente que as autorizações solicitadas para o exercício conjunto eram, na prática, sempre concedidas, resulta da própria redação do artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF que as câmaras profissionais dispunham, a este respeito, de um poder de apreciação que não era enquadrado por nenhum critério, o que lhes conferia uma grande margem de discricionariedade para indeferir um pedido de autorização ou revogar uma autorização anteriormente concedida.

    69

    Por conseguinte, há que concluir que o artigo 21.o, § 2, do antigo Código Deontológico do IPCF viola os limites impostos pelo artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), aos Estados‑Membros quando pretendem submeter os prestadores de serviços a requisitos em matéria de atividades pluridisciplinares.

    70

    Nestas circunstâncias, há que julgar procedente a segunda parte da primeira alegação, relativa ao artigo 21.o, §§ 1 e 2, do antigo Código Deontológico do IPCF, e, consequentemente, a primeira alegação no seu todo.

    2.   Quanto à segunda alegação, relativa à violação do artigo 49.o TFUE

    1)   Argumentos das partes

    71

    A Comissão alega que o conjunto dos argumentos desenvolvidos no que respeita ao artigo 25.o da Diretiva 2006/123 permite demonstrar que as restrições à possibilidade de exercer atividades pluridisciplinares impedem os prestadores estabelecidos nos Estados‑Membros diferentes do Reino da Bélgica de se estabelecerem pela primeira vez nesse Estado‑Membro. Considera, além disso, que essas restrições obstam ao seu estabelecimento secundário sob a forma de sucursal, filial ou agência. Por conseguinte, esta instituição considera que há igualmente que declarar a violação do artigo 49.o TFUE.

    72

    O Reino da Bélgica responde que o artigo 49.o TFUE não se aplica à situação do caso em apreço na medida em que a Comissão não demonstrou a existência de um elemento transfronteiriço. De qualquer modo, mesmo na hipótese de este artigo ser aplicável, a violação alegada pela Comissão não está demonstrada pelos mesmos argumentos que foram expostos no âmbito da primeira alegação.

    2)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    73

    A título preliminar, há que rejeitar o argumento do Reino da Bélgica segundo o qual o artigo 49.o TFUE não se aplica ao caso em apreço na medida em que a Comissão não demonstrou a existência de um elemento transfronteiriço.

    74

    Com efeito, no âmbito de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça é chamado a verificar se a medida nacional contestada pela Comissão é, em termos gerais, capaz de dissuadir os operadores de outros Estados‑Membros de fazer uso da liberdade fundamental em causa, pouco importando, a este respeito, que esteja ou não demonstrada a existência de um elemento transfronteiriço (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 49).

    75

    Quanto à procedência desta alegação, há que recordar que o artigo 49.o TFUE se opõe a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos cidadãos da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado FUE (Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430, n.o 36 e jurisprudência referida).

    76

    No caso em apreço, mesmo que os requisitos impostos pela regulamentação belga em causa se apliquem de forma idêntica tanto aos contabilistas estabelecidos na Bélgica como aos provenientes de outros Estados‑Membros, estes podem impedir esta última categoria de se estabelecer na Bélgica. Particularmente, a proibição absoluta de exercício conjunto da atividade de contabilista do IPCF com certas atividades e o sistema de autorização prévia para o exercício conjunto da referida profissão com qualquer atividade artesanal, agrícola e comercial são suscetíveis de submeter os contabilistas estabelecidos noutros Estados‑Membros a encargos que podem gerar consequências financeiras e perturbações do seu funcionamento que os podem desencorajar a estabelecerem-se na Bélgica.

    77

    Por conseguinte, os requisitos estabelecidos pela regulamentação belga em causa constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE.

    78

    Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que as medidas nacionais suscetíveis de dificultar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE podem, no entanto, ser admitidas quando respondam a razões imperiosas de interesse geral, sejam adequadas a garantir a realização do objetivo que prosseguem e não vão além do necessário para o atingir (Acórdão de 18 de maio de 2017, Lahorgue, C‑99/16, EU:C:2017:391, n.o 31 e jurisprudência referida).

    79

    No que respeita à justificação destas restrições, o Reino da Bélgica remete para os seus argumentos desenvolvidos no âmbito da análise da primeira alegação.

    80

    Nestas circunstâncias, pelos mesmos motivos expostos, respetivamente, nos n.os 49 a 58, 67 e 68 do presente acórdão, há que rejeitar as justificações das restrições à liberdade de estabelecimento apresentadas pelo Reino da Bélgica e, por conseguinte, julgar procedente a alegação relativa ao artigo 49.o TFUE.

    81

    Decorre de todas as considerações precedentes que, ao proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com as de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária ou de prestação de serviços financeiros e ao autorizar as Câmaras do Instituto de Contabilistas e Fiscalistas Certificados a proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com qualquer atividade artesanal, agrícola e comercial, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 25.o da Diretiva 2006/123 e do artigo 49.o TFUE.

    IV. Quanto às despesas

    82

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Bélgica nas despesas e tendo este sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    Ao proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com as de corretor ou agente de seguros, agente imobiliário ou qualquer atividade bancária ou de prestação de serviços financeiros e ao autorizar as Câmaras do Institut professionnel des comptables et fiscalistes agréés a proibir o exercício conjunto da atividade de contabilista com qualquer atividade artesanal, agrícola e comercial, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 25.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, e do artigo 49.o TFUE.

     

    2)

    A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

     

    3)

    O Reino da Bélgica é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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