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Document 62018CJ0163

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 10 de julho de 2019.
    HQ e o. contra Aegean Airlines SA.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Noord-Nederland.
    Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Regras comuns em matéria de indemnização e de assistência aos passageiros em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou de atraso considerável de um voo — Cancelamento do voo — Assistência — Direito ao reembolso do bilhete de avião pela transportadora aérea — Artigo 8.o, n.o 2 — Viagem organizada — Diretiva 90/314/CEE — Insolvência do operador turístico.
    Processo C-163/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:585

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    10 de julho de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Regras comuns em matéria de indemnização e de assistência aos passageiros em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou de atraso considerável de um voo — Cancelamento do voo — Assistência — Direito ao reembolso do bilhete de avião pela transportadora aérea — Artigo 8.o, n.o 2 — Viagem organizada — Diretiva 90/314/CEE — Insolvência do operador turístico»

    No processo C‑163/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos), por Decisão de 21 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de março de 2018, no processo

    HQ,

    IP, legalmente representado por HQ,

    JO

    contra

    Aegean Airlines SA,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský (relator), C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

    advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2019,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de HQ, IP, legalmente representado por HQ, e JO, por I. Maertzdorff, advocaat, M. Duinkerke e M. J. R. Hannink,

    em representação da Aegean Airlines SA, por J. Croon e D. van Genderen, advocaten,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e A. Kasalická, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, inicialmente, por T. Henze, em seguida, por M. Hellmann e A. Berg, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Nijenhuis, C. Valero e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de março de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1), à luz da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe HQ, IP, legalmente representado por HQ, e JO (a seguir «HQ e o.») à companhia de transportes aéreos Aegean Airlines SA a respeito do reembolso de bilhetes de avião que HQ e o. solicitaram na sequência do cancelamento de um voo que fazia parte de uma viagem organizada.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 261/2004

    3

    Os considerandos 1, 2 e 16 do Regulamento n.o 261/2004 preveem:

    «(1)

    A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

    (2)

    As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

    […]

    (16)

    Nos casos em que um pacote turístico seja cancelado por motivos alheios ao cancelamento do voo, o presente regulamento não deverá aplicar‑se.»

    4

    O artigo 1.o deste regulamento, intitulado «Objeto», dispõe, no seu n.o 1:

    «O presente regulamento estabelece, nas condições a seguir especificadas, os direitos mínimos dos passageiros, em caso de:

    a)

    Recusa de embarque contra sua vontade;

    b)

    Cancelamento de voos;

    c)

    Atraso de voos.»

    5

    O artigo 3.o do referido regulamento, intitulado «Âmbito», prevê, no seu n.o 6:

    «O presente regulamento não afeta os direitos conferidos aos passageiros por força da Diretiva 90/314/CEE. O presente regulamento não se aplica nos casos em que um circuito organizado é cancelado por outros motivos que não sejam o cancelamento do voo.»

    6

    O artigo 5.o deste mesmo regulamento, com a epígrafe «Cancelamento», tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

    «Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

    a)

    Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.o; e

    b)

    Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.o 1 e do n.o 2 do artigo 9.o, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 9.o; e

    c)

    Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

    i)

    tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

    ii)

    tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

    iii)

    tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.»

    7

    O artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004, intitulado «Direito a reembolso ou reencaminhamento», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

    a)

    O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

    um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

    b)

    O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

    c)

    O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.

    2.   A alínea a) do n.o 1 aplica‑se igualmente aos passageiros cujos voos fazem parte de uma viagem organizada, salvo quanto ao direito a reembolso quando este se constitua ao abrigo da Diretiva 90/314/CEE.»

    Diretiva 90/314

    8

    O vigésimo primeiro considerando da Diretiva 90/314 enuncia:

    «Considerando que seria benéfico tanto para o consumidor como para os profissionais do setor das viagens organizadas que os operadores e/ou as agências fossem obrigados a apresentar garantias em caso de insolvência ou de falência;».

    9

    O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

    «A presente diretiva tem por objeto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados, vendidos ou propostos para venda no território da Comunidade.»

    10

    O artigo 4.o, n.o 6, da referida diretiva prevê:

    «Se o consumidor rescindir o contrato nos termos do n.o 5 ou se, por qualquer razão, desde que não imputável ao consumidor, o operador anular a viagem organizada antes da data de partida acordada, o consumidor tem direito a:

    a)

    Ou participar numa outra viagem organizada de qualidade equivalente ou superior, se o operador e/ou a agência lha puderem propor. Se a viagem organizada proposta em substituição for de qualidade inferior, o operador deve reembolsar o consumidor da diferença de preço;

    b)

    Ou ser reembolsado, no mais curto prazo, de todas as quantias por ele pagas nos termos do contrato.

    […]»

    11

    Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, desta mesma diretiva:

    «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência que sejam partes no contrato sejam responsáveis perante o consumidor pela correta execução das obrigações decorrentes do contrato, quer essas obrigações devam ser executadas por eles próprios ou por outros prestadores de serviços, e isso sem prejuízo do direito de regresso do operador e/ou da agência contra esses outros prestadores de serviços.»

    12

    O artigo 7.o da Diretiva 90/314 prevê:

    «O operador e/ou a agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor.»

    Direito neerlandês

    13

    À data dos factos no processo principal, a Diretiva 90/314 tinha sido transposta para o direito neerlandês pelo título 7A, intitulado «Contrato de viagem», do livro 7 do Burgerlijk Wetboek (Código Civil).

    14

    O artigo 7:504, n.o 3, do Código Civil permite que, em caso de resolução do contrato de viagem pelo operador turístico, um passageiro solicite a este último, nomeadamente, o reembolso do preço dos bilhetes de avião.

    15

    O artigo 7:512, n.o 1, do referido código prevê a obrigação de o operador turístico tomar antecipadamente as medidas necessárias para se certificar de que, no caso de deixar de poder honrar as suas obrigações perante um viajante por motivos de incapacidade financeira, estas obrigações sejam asseguradas por um terceiro ou o valor das viagens seja reembolsado.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    16

    A Aegean Airlines, sociedade com sede na Grécia, celebrou um contrato de fretamento com a G. S. Charter Aviation Services Ltd (a seguir «G. S. Charter»), sociedade com sede em Chipre, nos termos do qual a Aegean Airlines devia disponibilizar a esta última um determinado número de lugares em voos, contra o pagamento de um preço de fretamento. Em seguida, a G. S. Charter revendeu a terceiros esses lugares em voos, nomeadamente, à Hellas Travel BV (a seguir «Hellas»), agência de viagens com sede nos Países Baixos.

    17

    A G. S. Charter e a Hellas celebraram um acordo nos termos do qual, entre 1 de maio e 24 de setembro de 2015, devia ser realizado, todas as sextas‑feiras, um voo de ida e volta entre Eelde (Países Baixos) e Corfu (Grécia), devia proceder‑se ao pagamento de uma caução a favor da Aegean Airlines e, todas as segundas‑feiras, devia ser regularizado o voo de regresso previsto para a sexta‑feira seguinte.

    18

    Em 19 de março de 2015, HQ e o. reservaram voos de ida e volta entre Eelde e Corfu. Estes voos faziam parte de uma «viagem organizada», na aceção da Diretiva 90/314, tendo o respetivo preço sido pago à Hellas.

    19

    HQ e o. receberam bilhetes eletrónicos com o logótipo da Aegean Airlines para esses voos, cuja realização estava prevista para os dias 17 e 24 de julho de 2015. Receberam também documentos que indicavam que a Hellas era o afretador (charterer).

    20

    Conforme resulta da decisão de reenvio, alguns dias antes da data de partida acordada, a Hellas enviou a HQ e o. uma carta e uma mensagem de correio eletrónico nas quais os informava de que, em razão não só da estagnação do número de reservas mas também das anulações de reservas existentes, causadas pelas «incertezas resultantes da situação na Grécia», à época, se via obrigada a cancelar os voos acordados com a Aegean Airlines, pelo facto de esta última ter decidido que, devido à impossibilidade de obter o preço previamente fixado com a Hellas, deixava de assegurar voos com destino a Corfu e provenientes dessa ilha, a partir de 17 de julho de 2015. Nestas circunstâncias, a Hellas anunciou a HQ e o. que a sua viagem organizada estava anulada.

    21

    Em 3 de agosto de 2016, foi declarada a insolvência da Hellas. Esta não reembolsou o preço dos bilhetes de avião a HQ e o.

    22

    HQ e o. intentaram no Rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos) uma ação em que pediram que a Aegean Airlines fosse condenada a pagar‑lhes uma indemnização fixa pelo cancelamento do voo de 17 de julho de 2015 e a reembolsar‑lhes os correspondentes bilhetes, nos termos, respetivamente, por um lado, do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 e, por outro, do artigo 8.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

    23

    A Aegean Airlines contestou, a título principal, a aplicabilidade do Regulamento n.o 261/2004, nomeadamente devido ao seu artigo 3.o, n.o 6.

    24

    No entanto, por decisão interlocutória de 14 de novembro de 2017, o Rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland) julgou este fundamento de defesa improcedente pelo facto de só se excluir a aplicabilidade do Regulamento n.o 261/2004 a favor dos passageiros detentores de uma viagem organizada, nos termos da referida disposição, se o cancelamento for independente da vontade da transportadora aérea de assegurar ou não o ou os voos que fazem parte dessa viagem, situação que não se verificava no caso concreto. Com efeito, aquele órgão jurisdicional considerou, por um lado, que a decisão de cancelar o voo tinha sido tomada pela Aegean Airlines, que, manifestamente, só estava disposta a assegurar o voo se a Hellas lhe pagasse antecipadamente o preço acordado, e, por outro, que não tinha sido alegado nem provado que a Hellas tinha anunciado a anulação da viagem organizada por razões diferentes desta decisão da Aegean Airlines.

    25

    Por conseguinte, nos termos do Regulamento n.o 261/2004, a Aegean Airlines pagou a HQ e o. uma indemnização fixa a título do cancelamento do voo em causa. Em contrapartida, o mesmo órgão jurisdicional não se pronunciou sobre o pedido relativo ao reembolso do preço dos bilhetes de avião.

    26

    A este respeito, a Aegean Airlines alegou, a título subsidiário, que, na medida em que, no caso concreto, estava em causa uma viagem organizada, resultava do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 que não era obrigada a reembolsar a HQ e o. o montante que estes tinham pago à Hellas pela aquisição dos bilhetes de avião.

    27

    Nestas condições, o Rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretado no sentido de que, quando um passageiro tiver o direito, ao abrigo da Diretiva 90/314/CEE (transposta para o direito nacional), relativa a viagens organizadas, de pedir [ao operador turístico] o reembolso do preço pago pelo bilhete, já não poderá apresentar esse pedido de reembolso à transportadora aérea?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão, pode um passageiro pedir o reembolso do preço do bilhete à transportadora aérea se for plausível que [o operador turístico], caso lhe seja imputada a responsabilidade, não tem condições económicas para reembolsar efetivamente o valor do bilhete nem tomou quaisquer medidas para assegurar eventuais reembolsos?»

    Quanto às questões prejudiciais

    28

    Com as suas duas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um passageiro que, nos termos da Diretiva 90/314, tem o direito de se dirigir ao seu operador turístico para obter o reembolso do seu bilhete de avião deixa, por conseguinte, de poder pedir o reembolso desse bilhete à transportadora aérea ao abrigo do referido regulamento, inclusivamente quando o operador turístico esteja financeiramente impossibilitado de reembolsar o bilhete e não tiver tomado nenhuma medida para garantir esse reembolso.

    29

    No que respeita à questão de saber se os passageiros que têm o direito de se dirigirem ao seu operador turístico para obter o reembolso dos seus bilhetes de avião também podem pedir o reembolso dos seus bilhetes à transportadora aérea, importa, desde logo, recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, incumbe à transportadora aérea, em caso de cancelamento de um voo, oferecer aos passageiros em causa uma assistência que consiste em lhes propor, entre outros, o reembolso do bilhete (v. Acórdão de 12 de setembro de 2018, Harms, C‑601/17, EU:C:2018:702, n.o 12).

    30

    Por outro lado, o artigo 8.o, n.o 2, do referido regulamento enuncia que o direito ao reembolso do bilhete se aplica igualmente aos passageiros cujos voos fazem parte de uma viagem organizada, salvo no caso de tal direito se constituir ao abrigo da Diretiva 90/314.

    31

    Decorre desta redação clara do referido artigo 8.o, n.o 2, que a simples existência de um direito ao reembolso, decorrente da Diretiva 90/314, é suficiente para excluir que um passageiro cujo voo faz parte de uma viagem organizada possa reclamar o reembolso do seu bilhete, ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004, à transportadora aérea operadora.

    32

    Esta interpretação é corroborada pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 261/2004. Com efeito, como o advogado‑geral salientou nos n.os 43 e 44 das suas conclusões, resulta destes trabalhos preparatórios que, embora não tenha pretendido excluir totalmente do âmbito de aplicação deste regulamento os passageiros cujo voo faz parte de uma viagem organizada, o legislador da União pretendeu, no entanto, manter, em relação aos mesmos, os efeitos do sistema considerado suficientemente protetor que tinha sido anteriormente instituído pela Diretiva 90/314.

    33

    Conforme decorre, a este respeito, do artigo 3.o, n.o 6, do Regulamento n.o 261/2004, o referido regulamento não afeta os direitos conferidos por esta diretiva aos passageiros que compraram uma viagem organizada.

    34

    O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 implica, assim, que os direitos ao reembolso do bilhete, ao abrigo, respetivamente, deste regulamento e da Diretiva 90/314, não são cumuláveis, podendo esse cúmulo, de resto, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 64 das suas conclusões, ser suscetível de conduzir a uma proteção excessiva, injustificada, do passageiro em questão, em detrimento da transportadora aérea operadora, uma vez que, de facto, esta última corre o risco de, nesse caso, ter de assumir parcialmente a responsabilidade que incumbe ao operador turístico perante os seus clientes, por força do contrato que este celebrou com aqueles.

    35

    Decorre das considerações que precedem que os passageiros que, ao abrigo da Diretiva 90/314, têm o direito de se dirigir ao seu operador turístico para obterem o reembolso dos seus bilhetes de avião não podem pedir um reembolso à transportadora aérea ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004.

    36

    Esta conclusão impõe‑se igualmente no caso de o operador turístico estar financeiramente impossibilitado de reembolsar o bilhete e de não ter tomado nenhuma medida para garantir esse reembolso.

    37

    Atendendo à redação clara do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004, não é, com efeito, pertinente saber se o operador turístico está financeiramente impossibilitado de reembolsar o bilhete, se tomou ou não uma medida para garantir esse reembolso, ou ainda se essas circunstâncias põem em perigo a execução da sua obrigação de reembolsar os passageiros em causa.

    38

    Semelhante interpretação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 não é infirmada pelo objetivo principal prosseguido por este regulamento, que visa, conforme resulta do seu considerando 1, garantir um elevado nível de proteção dos passageiros.

    39

    Com efeito, como resulta do n.o 32 do presente acórdão, o legislador da União tomou precisamente em consideração o sistema suficientemente protetor que tinha anteriormente sido instituído pela Diretiva 90/314.

    40

    Mais especificamente, o artigo 7.o desta diretiva, lido à luz do seu vigésimo primeiro considerando, prevê, nomeadamente, que o operador turístico deve comprovar possuir garantias suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados.

    41

    O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o da Diretiva 90/314 implica a obrigação de resultado de conferir aos adquirentes de viagens organizadas um direito às garantias de reembolso dos fundos depositados em caso de insolvência do operador turístico e que essa garantia se destina precisamente a proteger o consumidor contra as consequências da insolvência, independentemente das suas causas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o., C‑140/97, EU:C:1999:306, n.o 74, e Despacho de 16 de janeiro de 2014, Baradics e o., C‑430/13, EU:C:2014:32, n.o 35).

    42

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que uma regulamentação nacional só transpõe corretamente as obrigações previstas nesta disposição se, independentemente de quais forem as suas modalidades, tiver por resultado garantir efetivamente aos passageiros o reembolso de todos os montantes que tenham entregado em caso de insolvência do operador turístico (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o., C‑140/97, EU:C:1999:306, n.o 64, e Despacho de 16 de janeiro de 2014, Baradics e o., C‑430/13, EU:C:2014:32, n.o 38).

    43

    Quando tal não suceda, conforme decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o passageiro interessado pode, em todo o caso, intentar uma ação de indemnização contra o Estado‑Membro em questão pelos danos que lhe sejam causados devido a uma violação do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.os 45 a 48 e jurisprudência referida).

    44

    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um passageiro que, nos termos da Diretiva 90/314, tem o direito de se dirigir ao seu operador turístico para obter o reembolso do seu bilhete de avião deixa, por conseguinte, de poder pedir o reembolso desse bilhete à transportadora aérea ao abrigo do referido regulamento, inclusivamente quando o operador turístico esteja financeiramente impossibilitado de reembolsar o bilhete e não tomou nenhuma medida para garantir o respetivo reembolso.

    Quanto às despesas

    45

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, deve ser interpretado no sentido de que um passageiro que, nos termos da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, transposta para o direito nacional, tem o direito de se dirigir ao seu operador turístico para obter o reembolso do seu bilhete de avião deixa, por conseguinte, de poder pedir o reembolso desse bilhete à transportadora aérea ao abrigo do referido regulamento, inclusivamente quando o operador turístico esteja financeiramente impossibilitado de reembolsar o bilhete e não tomou nenhuma medida para garantir o respetivo reembolso.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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