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Document 62018CJ0161

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 8 de maio de 2019.
Violeta Villar Láiz contra Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) e Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS).
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León.
Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social — Diretiva 79/7/CEE — Artigo 4.o — Proibição de qualquer discriminação em razão do sexo — Discriminação indireta — Trabalho a tempo parcial — Cálculo da pensão de reforma.
Processo C-161/18.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:382

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de maio de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social — Diretiva 79/7/CEE — Artigo 4.o — Proibição de qualquer discriminação em razão do sexo — Discriminação indireta — Trabalho a tempo parcial — Cálculo da pensão de reforma»

No processo C‑161/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha), por Decisão de 17 de janeiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2018, no processo

Violeta Villar Láiz

contra

Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS),

Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský, C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de janeiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de V. Villar Láiz, por R. M. Gil López, abogada,

em representação do Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) e da Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS), por A. Alvarez Moreno e G. Guadaño Segovia, letradas,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz e V. Ester Casas, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Pardo Quintillán e C. Valero, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 4.o da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Violeta Villar Láiz ao Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) [Instituto Nacional da Segurança Social (INSS), Espanha] e à Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS) [Tesouraria Geral da Segurança Social (TGSS), Espanha], a respeito do cálculo da sua pensão de reforma.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 79/7

3

O artigo 1.o da Diretiva 79/7 dispõe:

«A presente diretiva tem por objetivo a realização progressiva, no domínio da segurança social e de outros elementos de proteção social previsto no artigo 3.o, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, a seguir denominado “princípio da igualdade de tratamento”.»

4

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva:

«A presente diretiva aplica‑se:

a)

Aos regimes legais que assegurem uma proteção contra os seguintes riscos:

[…]

velhice,

[…]»

5

O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas,

ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

Diretiva 2006/54/CE

6

O considerando 30 da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23), tem a seguinte redação:

«A adoção de disposições relativas ao ónus da prova tem um papel significativo na garantia da aplicação efetiva do princípio da igualdade de tratamento. De acordo com o Tribunal de Justiça deverão, pois, ser tomadas medidas para garantir que o ónus da prova incumba à parte demandada em caso de presumível discriminação, exceto em relação a processos em que cabe ao tribunal ou à instância nacional competente a averiguação dos factos. É no entanto necessário clarificar que a apreciação dos factos constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta continua a incumbir à instância nacional competente, de acordo com o direito nacional e/ou as práticas nacionais. Acresce que é deixada aos Estados‑Membros a possibilidade de introduzirem, em qualquer fase do processo, um regime probatório mais favorável à parte demandante.»

7

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Discriminação indireta”: sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

[…]»

Direito espanhol

8

O artigo 209.o, n.o 1, da Ley General de la Seguridad Social (Lei Geral da Segurança Social), na sua versão consolidada aprovada pelo Real Decreto Legislativo 8/2015, de 30 de outubro de 2015 (BOE n.o 261, de 31 de outubro de 2015, p. 103291, e retificação no BOE n.o 36, de 11 de fevereiro de 2016, p. 10898) (a seguir «LGSS»), prevê:

«A base de cálculo da pensão de reforma é o quociente resultante da divisão por trezentos e cinquenta das bases de contribuição do interessado durante os trezentos meses imediatamente precedentes ao mês anterior à ocorrência do facto gerador do direito […]»

9

A oitava disposição transitória da LGSS enuncia:

«[…] A partir de 1 de janeiro de 2016, a base de cálculo da pensão de reforma será o resultado da divisão por duzentos e sessenta e seis das bases de contribuição durante os duzentos e vinte e oito meses imediatamente precedentes ao mês anterior à ocorrência do facto gerador do direito […]»

10

Nos termos do artigo 210, n.o 1, da LGSS:

«O montante da pensão de reforma é determinado aplicando à base de cálculo, estabelecida em conformidade com o disposto no artigo anterior, as seguintes percentagens:

a)

50 % nos primeiros quinze anos de contribuição;

b)

A partir do décimo sexto ano, por cada mês adicional de contribuição compreendido entre os meses um e duzentos e quarenta e oito acresce uma percentagem de 0,19 % e por cada mês que ultrapasse o mês duzentos e quarenta e oito acresce uma percentagem de 0,18 %, sem que a percentagem aplicável à base de cálculo seja superior a 100 % […]

[…]»

11

Relativamente ao ano de 2016, em conformidade com a nona disposição transitória da LGSS, a partir do décimo sexto ano, cada mês adicional de contribuição entre os meses 1 e 163 dá lugar à aplicação de uma percentagem de 0,21 %, e cada mês dos 83 meses seguintes dá lugar à aplicação de uma percentagem de 0,19 %, até ao máximo de 100 %.

12

Os artigos 245.o a 248.o da LGSS estabelecem as regras aplicáveis aos trabalhadores contratados a tempo parcial para efeitos da concessão das prestações económicas do sistema de segurança social.

13

O artigo 245.o da LGSS, com a epígrafe «Proteção social», dispõe:

«1.   A proteção social derivada dos contratos de trabalho a tempo parcial rege‑se pelo princípio da equiparação do trabalhador a tempo parcial ao trabalhador a tempo completo […]:

2.   As regras enunciadas nesta secção aplicam‑se aos trabalhadores com contrato a tempo parcial, contrato de substituição a tempo parcial e contrato dito “fijo‑discontinuo”, em conformidade com o disposto nos artigos 12.o e 16.o da reformulação da Ley del Estatuto de los Trabajadores [(Lei que fixa o Estatuto dos Trabalhadores)], abrangidos pelo âmbito de aplicação do regime geral, incluindo os trabalhadores a tempo parcial ou com contrato dito “fijo‑discontinuo” abrangidos pelo regime especial dos trabalhadores domésticos.»

14

Segundo o artigo 246.o da LGSS, com a epígrafe «Contribuição»:

«1.   A base de contribuição para a segurança social e das contribuições cobradas juntamente com esta é sempre mensal e é constituída pelas retribuições efetivamente auferidas em função das horas trabalhadas, tanto ordinárias como extraordinárias.

2.   A base de contribuição assim determinada não pode ser inferior aos montantes fixados por via regulamentar.

3.   As horas extraordinárias dão lugar a contribuições para a segurança social segundo as mesmas bases e taxas que as horas ordinárias.»

15

O artigo 247.o da LGSS, relativo ao cálculo dos períodos de contribuição, prevê:

«Para comprovar os períodos de contribuição necessários para conferir o direito às prestações de reforma, incapacidade permanente, morte e sobrevivência, incapacidade temporária, maternidade e paternidade, são aplicáveis as seguintes regras:

a)

Os diferentes períodos durante os quais o trabalhador esteve inscrito ao abrigo de um contrato a tempo parcial são tomados em consideração, independentemente da duração do tempo de trabalho realizado em cada um deles.

Para este efeito, o coeficiente de redução relativo ao trabalho a tempo parcial, que é determinado pela percentagem do tempo de trabalho a tempo parcial realizado em relação ao tempo de trabalho de um trabalhador a tempo completo comparável, aplica‑se ao período de inscrição efetuado ao abrigo de um contrato a tempo parcial, sendo o resultado o número de dias que são considerados efetivamente de contribuição em cada período.

Quando aplicável, ao número de dias resultante deste cálculo deve acrescer o número de dias de contribuição a tempo completo, sendo o resultado o número total de dias de contribuição que entram no cálculo para efeitos de acesso às prestações.

b)

Uma vez determinado o número de dias de contribuição comprovados, deve ser calculado o coeficiente global de redução relativo ao trabalho a tempo parcial, o qual corresponde à percentagem que representa o número de dias trabalhados e contabilizados como de contribuição, em conformidade com o disposto na alínea a) supra, sobre o número total de dias de inscrição ao longo da vida profissional do trabalhador. […]

c)

O período mínimo de contribuição exigido aos trabalhadores a tempo parcial para cada uma das prestações económicas relativamente às quais esse período é fixado é obtido após aplicação geral ao período em causa do coeficiente global de redução relativo ao trabalho a tempo parcial referido na alínea b).

Nos casos em que, para efeitos do acesso à prestação económica correspondente, se exija que uma parte ou a totalidade do período mínimo contributivo solicitado esteja compreendido num determinado período, é aplicado o coeficiente global de redução relativo ao trabalho a tempo parcial para determinar o período contributivo exigível. O espaço temporal em que deve estar compreendido o período exigível é, em todo o caso, o genericamente estabelecido para a prestação em causa.»

16

O artigo 248.o da LGSS, com a epígrafe «Montante das prestações económicas», enuncia:

«1.   A determinação do montante de base das prestações económicas rege‑se pelas seguintes regras:

a)

A base de cálculo das prestações de reforma e de incapacidade permanente será calculada de acordo com a regra geral.

[…]

2.   Para o cálculo das pensões de reforma e de incapacidade permanente derivadas de uma doença comum, os períodos não sujeitos à obrigação de contribuição serão tomados em consideração, tendo em conta a base contributiva mínima aplicável em cada momento, para o número de horas previstas no contrato de trabalho.

3.   Para determinar o montante das pensões de reforma e de incapacidade permanente resultantes de uma doença não profissional, o número de dias de contribuição calculado em conformidade com o disposto no artigo 247.o, n.o 2, alínea a), é acrescido mediante […] a aplicação de um coeficiente de 1,5, sem que o número de dias assim obtido possa ser superior ao período de ocupação a tempo parcial.

A percentagem a aplicar ao correspondente montante de base é determinada em conformidade com a tabela geral referida no artigo 210.o, n.o 1, sem prejuízo da seguinte exceção:

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Resulta da decisão de reenvio que V. Villar Láiz pediu ao INSS o pagamento de uma pensão de reforma.

18

O INSS concedeu‑lhe uma pensão de reforma a partir de 1 de outubro de 2016, cujo valor foi calculado multiplicando o montante de base por um coeficiente de redução de 53 %, tendo em conta o facto de V. Villar Láiz ter trabalhado a tempo parcial durante uma parte significativa da sua vida profissional.

19

O órgão jurisdicional de reenvio explica que o referido montante de base resulta da média das bases de contribuição, calculadas em função dos salários efetivamente auferidos pelas horas trabalhadas e que deram origem a contribuição durante uma série de anos anteriores à reforma.

20

V. Villar Láiz pediu que, para o cálculo do montante da sua pensão de reforma, fosse aplicado um coeficiente de 80,04 %, a fim que os seus períodos de trabalho a tempo parcial fossem tomados em consideração como se se tratassem de períodos a tempo completo.

21

Tendo este pedido sido indeferido, V. Villar Láiz interpôs recurso no Juzgado de lo Social n.o 4 de Valladolid (Tribunal do Trabalho n.o 4 de Valladolid, Espanha). Alegou que a diferença de tratamento instituída pela regulamentação nacional originava uma discriminação indireta em razão do sexo, uma vez que a maioria dos trabalhadores a tempo parcial eram mulheres.

22

Por Sentença de 30 de junho de 2017, o Juzgado de lo Social n.o 4 de Valladolid (Tribunal do Trabalho n.o 4 de Valladolid) negou provimento ao recurso com o fundamento de que o tratamento diferente dos trabalhadores a tempo parcial quando do cálculo da pensão de reforma não constituía uma discriminação, uma vez que a fórmula aplicada visa adaptar o cálculo às contribuições pagas, em conformidade com o princípio pro rata temporis.

23

V. Villar Láiz interpôs recurso dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

24

O referido órgão jurisdicional explica que o sistema de cálculo da pensão de reforma foi implementado na sequência do Acórdão n.o 61/2013 do Tribunal Constitucional (Espanha) de 14 de março de 2013. Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional, tendo em conta o Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2012, Elbal Moreno (C‑385/11, EU:C:2012:746), declarou inconstitucional o sistema anterior, o qual, para efeitos de acesso à pensão de reforma, tinha em conta os períodos de trabalho a tempo parcial de maneira proporcional ao tempo de trabalho completo, aplicando no entanto um coeficiente multiplicador de 1,5. Por força deste sistema, se o tempo trabalhado assim calculado não excedesse quinze anos, o trabalhador não tinha direito a uma pensão de reforma. Com a reformulação efetuada, o legislador alterou o sistema de acesso à pensão de reforma, introduzindo, para efeitos do cálculo do montante da pensão, um coeficiente de redução aplicável aos trabalhadores que trabalharam a tempo parcial.

25

Regra geral, o montante da pensão corresponderia ao montante de base, obtido a partir da média das bases de contribuição dos anos anteriores à reforma, multiplicado por uma determinada percentagem em função do número de anos de contribuição.

26

No que respeita mais especificamente aos trabalhadores a tempo parcial, os métodos de cálculo dessa percentagem são estabelecidos no artigo 247.o da LGSS. Decorre do referido artigo que os períodos de trabalho a tempo parcial são tomados em conta não na totalidade, mas proporcionalmente ao seu caráter parcial, aplicando‑se um coeficiente de redução correspondente à percentagem que representa o tempo de trabalho a tempo parcial do trabalhador em relação ao de um trabalhador comparável contratado a tempo completo.

27

Por último, em conformidade com o artigo 248.o, n.o 3, da LGSS, o número de dias de contribuição determinado com base nesse cálculo é acrescido mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5, sem que o número de dias daí resultante possa ser superior aos que deram realmente origem a uma contribuição.

28

Segundo o mesmo órgão jurisdicional, daqui resulta que, em caso de períodos de trabalho a tempo parcial, o direito espanhol tem, na maioria dos casos, efeitos desfavoráveis para os trabalhadores a tempo parcial em comparação com os trabalhadores a tempo completo, e só em certos casos minoritários os efeitos são neutros, quando o coeficiente de redução relativo ao trabalho a tempo parcial é igual ou superior a dois terços do trabalho a tempo completo.

29

Daqui resulta que o sistema de cálculo da pensão é duplamente prejudicial em caso do trabalho a tempo parcial. Com efeito, além do facto de o salário de um trabalhador a tempo parcial e, consequentemente, o montante de base aplicável serem inferiores aos de um trabalhador a tempo completo, este sistema reduz, proporcionalmente ao caráter parcial do tempo de trabalho, o período de contribuição tomado em consideração para determinar a percentagem aplicável ao montante de base.

30

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o caráter prejudicial do sistema nacional de cálculo da pensão de reforma em caso de trabalho a tempo parcial afeta maioritariamente as mulheres, uma vez que, segundo o Instituto Nacional de Estadística (Instituto Nacional de Estatística, Espanha), no primeiro trimestre de 2017, 75 % dos trabalhadores a tempo parcial eram mulheres.

31

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições em causa no processo principal conduzem a uma discriminação indireta em razão do sexo, contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 e ao artigo 21.o da Carta. Com efeito, as disposições nacionais em questão não parecem corresponder a um objetivo legítimo de política social ou, pelo menos, não são proporcionadas a tal objetivo.

32

O órgão jurisdicional de reenvio considera que é impossível interpretar a LGSS de maneira conforme ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7. A este respeito, precisa ainda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, um órgão jurisdicional espanhol não pode afastar uma regulamentação nacional como a que está em causa, a menos que tenha submetido ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial ou ao Tribunal Constitucional uma questão prévia de constitucionalidade.

33

Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Nos termos do direito espanhol, para calcular a pensão de reforma deve‑se aplicar à remuneração de referência calculada sobre os salários dos últimos anos uma percentagem em função do número de anos de descontos efetuados durante toda a carreira contributiva. Deve considerar‑se que uma norma de direito interno, como a contida nos artigos [247.o, alínea a), e 248.o, n.o 3, da LGSS], que reduz o número de anos computáveis para aplicação da percentagem no caso de períodos trabalhados a tempo parcial, é contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva [79/7]? O n.o 1 do artigo 4.o da Diretiva [79/7] exige que o número de anos de descontos a ter em conta para estabelecer a percentagem aplicável ao cálculo da pensão de reforma se determine da mesma maneira para os trabalhadores a tempo completo e a tempo parcial?

2)

Deve entender‑se que uma norma de direito interno como a controvertida no presente litígio também contraria o artigo 21.o da [Carta], pelo que o órgão jurisdicional nacional está obrigado a garantir a plena eficácia da Carta e a não aplicar as disposições legislativas de direito interno controvertidas, sem pedir ou aguardar a sua revogação prévia pelo legislador ou através de qualquer outro procedimento constitucional?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

34

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual o montante da pensão de reforma de tipo contributivo de um trabalhador a tempo parcial é calculado multiplicando um montante de base, estabelecido a partir das remunerações efetivamente auferidas e das contribuições efetivamente pagas, por uma percentagem em função da duração do período de contribuição, sendo este período ajustado por um coeficiente de redução igual à relação entre o tempo de trabalho a tempo parcial efetivamente cumprido e o tempo de trabalho cumprido por um trabalhador a tempo completo comparável e acrescido mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5.

35

O artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta quer indiretamente, no que diz respeito, nomeadamente, ao cálculo das prestações em matéria de segurança social.

36

A este propósito, há que declarar, antes de mais, que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal não comporta uma discriminação direta em razão do sexo, uma vez que se aplica indistintamente aos trabalhadores do sexo masculino e aos trabalhadores do sexo feminino.

37

Quanto à questão de saber se essa regulamentação comporta uma discriminação indireta, há que recordar que este conceito deve, no contexto da Diretiva 79/7, ser entendido da mesma forma que no contexto da Diretiva 2006/54 [v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2018, MB (Mudança de sexo e pensão de reforma), C‑451/16, EU:C:2018:492, n.o 34]. Ora, resulta do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/54 que há uma discriminação indireta em razão do sexo sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.

38

A existência de tal desvantagem específica pode ser demonstrada, designadamente, se se provar que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal afeta negativamente uma proporção significativamente maior de pessoas de um sexo do que de pessoas do outro sexo (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2015, Cachaldora Fernández, C‑527/13, EU:C:2015:215, n.o 28 e jurisprudência referida). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse o caso no processo principal.

39

Na hipótese de, como no caso em apreço, o juiz nacional dispor de dados estatísticos, o Tribunal de Justiça já considerou que o melhor método de comparação consiste em comparar, por um lado, as proporções respetivas de trabalhadores que são e que não são afetados pela norma em causa no âmbito da mão de obra masculina e, por outro, as mesmas proporções no âmbito da mão de obra feminina. Não basta tomar em consideração o número de pessoas afetadas, dado que este número depende do número de trabalhadores ativos em todo o Estado‑Membro, bem como da repartição de trabalhadores masculinos e de trabalhadores femininos no referido Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 1999, Seymour‑Smith e Perez, C‑167/97, EU:C:1999:60, n.o 59).

40

A este respeito, cabe ao juiz nacional apreciar em que medida os dados estatísticos apresentados perante ele, que caracterizam a situação da mão de obra, são válidos e se podem ser tomados em consideração, isto é, designadamente, se não são expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e se, de um modo geral, parecem ser significativos (v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 1999, Seymour‑Smith e Perez, C‑167/97, EU:C:1999:60, n.o 62 e jurisprudência referida).

41

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as disposições nacionais em causa no processo principal têm, na maior parte dos casos, efeitos desfavoráveis para os trabalhadores a tempo parcial em comparação com os trabalhadores a tempo completo. Só num número reduzido de casos é que estas disposições não produzem tais efeitos, graças ao caráter atenuante da medida que consiste em aumentar o número de dias de contribuição dos trabalhadores a tempo parcial tomado em consideração, mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5.

42

Por outro lado, os dados estatísticos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial indicam que, no primeiro trimestre de 2017, Espanha contava com 15906700 trabalhadores por conta de outrem, dos quais 8332000 homens e 7574600 mulheres. O número total de trabalhadores por conta de outrem a tempo parcial ascendia a 2460200 (15,47 % do total de trabalhadores por conta de outrem), dos quais 613700 homens (7,37 % dos homens trabalhadores por conta de outrem) e 1846500 mulheres (24,38 % das mulheres trabalhadoras por conta de outrem). Resulta destes dados que, no referido período, cerca de 75 % dos trabalhadores a tempo parcial eram mulheres.

43

No entanto, o Governo espanhol alega que, do número total de processos de pensão de reforma tratados com resultado favorável pelo INSS nos anos de 2014‑2017, e em que os períodos de trabalho e de contribuição a tempo parcial foram tomados em consideração tendo em conta o índice global relativo ao trabalho a tempo parcial, cerca de 60 % eram relativos a mulheres e 40 % a homens.

44

Dito isto, importa sublinhar que, no que respeita ao grupo de trabalhadores especificamente afetados pelas disposições nacionais em causa no processo principal, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, para 65 % dos trabalhadores a tempo parcial, ou seja, os que trabalharam, em média, menos de dois terços do tempo de trabalho normal de um trabalhador a tempo completo, o coeficiente de redução aplicável ao montante de base é inferior ao aplicável ao montante de base dos trabalhadores a tempo completo. Daqui se conclui que os trabalhadores a tempo parcial reduzido sofrem uma desvantagem devido à aplicação do referido coeficiente de redução.

45

Como já salientado no n.o 40 do presente acórdão, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esses dados são válidos, representativos e significativos. A este respeito, importa recordar, designadamente, que a comparação exposta no n.o 39 do presente acórdão deve visar, no presente caso, o grupo de trabalhadores a tempo parcial reduzido enquanto grupo de trabalhadores realmente afetados pela legislação em causa no processo principal.

46

Por outro lado, como decorre igualmente do considerando 30 da Diretiva 2006/54, a apreciação dos factos constitutivos da presunção de discriminação indireta incumbe à instância jurisdicional nacional, de acordo com o direito nacional e/ou as práticas nacionais que podem prever, em especial, que a discriminação indireta pode ser demonstrada por quaisquer meios, e não apenas com base em dados estatísticos (v., por analogia, Acórdão de 19 de abril de 2012, Meister, C‑415/10, EU:C:2012:217, n.o 43).

47

Caso o órgão jurisdicional de reenvio, com base nos dados estatísticos apresentados e, sendo caso disso, em outros elementos pertinentes, chegue à conclusão de que a regulamentação nacional em causa no processo principal coloca especialmente em desvantagem as mulheres em relação aos homens, tal regulamentação será contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7, a menos que seja justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

48

Tal será o caso se os meios escolhidos corresponderem a um objetivo legítimo da política social do Estado‑Membro cuja legislação esteja em causa, forem aptos para alcançar o objetivo prosseguido por esta e forem necessários para esse efeito (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, Elbal Moreno, C‑385/11, EU:C:2012:746, n.o 32).

49

A este respeito, o INSS e o Governo espanhol alegam que uma redução proporcional da pensão de reforma em caso de trabalho a tempo parcial constitui a expressão de um objetivo geral de política social prosseguido pelo legislador nacional, uma vez que esta correção é essencial no contexto de um sistema de segurança social de tipo contributivo. Sustentam que, com efeito, tal redução se impõe à luz dos princípios da contribuição e da igualdade entre trabalhadores a tempo parcial e a tempo completo e é objetivamente justificada pelo facto de, no caso do trabalho a tempo parcial, a pensão ser a contrapartida de uma prestação de trabalho e de uma contribuição para o sistema menos significativas.

50

A este propósito, importa recordar que a simples circunstância de os montantes das pensões de reforma serem ajustados pro rata temporis, a fim de ter em conta a duração reduzida do trabalho prestado por um trabalhador a tempo parcial em comparação com um trabalhador a tempo completo, não se pode considerar contrária ao direito da União (v., neste sentido, Despacho de 17 de novembro de 2015, Plaza Bravo, C‑137/15, EU:C:2015:771, n.o 27 e jurisprudência referida).

51

No entanto, o Tribunal de Justiça também considerou que uma medida que conduza à redução do montante de uma pensão de reforma de um trabalhador de um modo mais que proporcional à tomada em consideração dos seus períodos de atividade a tempo parcial não pode ser considerada objetivamente justificada pelo facto de a pensão ser, nesse caso, a contrapartida de uma prestação de trabalho menos significativa (Acórdão de 23 de outubro de 2003, Schönheit e Becker, C‑4/02 e C‑5/02, EU:C:2003:583, n.o 93).

52

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a regulamentação nacional em causa no processo principal comporta dois elementos suscetíveis de reduzir o montante das pensões de reforma dos trabalhadores a tempo parcial. Em primeiro lugar, o montante de base da pensão de reforma é fixado em função das bases de contribuição, constituídas pelas remunerações efetivamente auferidas em função das horas trabalhadas. Daqui decorre que o referido montante de base é, para um trabalhador a tempo parcial, inferior ao montante de base de um trabalhador a tempo completo comparável. Em segundo lugar, enquanto o referido montante de base é multiplicado por uma percentagem que depende do número de dias de contribuição, este número de dias é, ele próprio, ajustado por um coeficiente de redução igual à relação entre o tempo de trabalho a tempo parcial efetivamente cumprido pelo trabalhador em causa e o tempo de trabalho cumprido por um trabalhador a tempo completo comparável.

53

É certo que este segundo elemento é atenuado pelo facto de, em conformidade com o artigo 248.o, n.o 3, da LGSS, o número de dias de contribuição estabelecido após aplicação do coeficiente de redução ser acrescido mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5.

54

No entanto, há que sublinhar que o primeiro elemento, a saber, o facto de o montante de base ser, para um trabalhador a tempo parcial, enquanto contrapartida de uma prestação de trabalho menos significativa, inferior ao montante de base de um trabalhador a tempo completo comparável, é já suscetível de permitir alcançar o objetivo prosseguido, que consiste, nomeadamente, na salvaguarda do sistema de segurança social do tipo contributivo.

55

Portanto, a aplicação, adicional, de um coeficiente de redução relativo ao trabalho a tempo parcial vai além do necessário para atingir o referido objetivo e implica, para o grupo dos trabalhadores que trabalharam a tempo parcial reduzido, isto é, menos de dois terços de um trabalho a tempo completo comparável, uma redução do montante da pensão de reforma superior à que resultaria da simples tomada em conta pro rata temporis do respetivo tempo de trabalho.

56

Nestas condições, importa responder à primeira questão que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual o montante da pensão de reforma de tipo contributivo de um trabalhador a tempo parcial é calculado multiplicando um montante de base, estabelecido a partir das remunerações efetivamente auferidas e das contribuições efetivamente pagas, por uma percentagem em função da duração do período de contribuição, sendo este período, ele próprio, ajustado por um coeficiente de redução igual à relação entre o tempo de trabalho a tempo parcial efetivamente cumprido e o tempo de trabalho cumprido por um trabalhador a tempo completo comparável e acrescido mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5, na medida em que a referida regulamentação coloque especialmente em desvantagem os trabalhadores do sexo feminino em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

Quanto à segunda questão

57

Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual o montante da pensão de reforma de tipo contributivo de um trabalhador a tempo parcial é calculado multiplicando um montante de base, estabelecido a partir das remunerações efetivamente auferidas e das contribuições efetivamente pagas, por uma percentagem em função da duração do período de contribuição, sendo este período, ele próprio, ajustado por um coeficiente de redução igual à relação entre o tempo de trabalho a tempo parcial efetivamente cumprido e o tempo de trabalho cumprido por um trabalhador a tempo completo comparável e acrescido mediante a aplicação de um coeficiente de 1,5, na medida em que a referida regulamentação coloque especialmente em desvantagem os trabalhadores do sexo feminino em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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