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Document 62018CJ0152

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 2 de outubro de 2019.
Crédit Mutuel Arkéa contra Banco Central Europeu (BCE).
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Artigo 127.o, n.o 6, TFUE — Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Artigo 4.o, n.o 1, alínea g) — Supervisão prudencial das instituições de crédito em base consolidada — Regulamento (UE) n.o 468/2014 — Artigo 2.o, ponto 21, alínea c) — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Artigo 10.o — Grupo submetido a supervisão prudencial — Instituições associadas de modo permanente a um organismo central.
Processos apensos C-152/18 P e C-153/18 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:810

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

2 de outubro de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Artigo 127.o, n.o 6, TFUE — Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Artigo 4.o, n.o 1, alínea g) — Supervisão prudencial das instituições de crédito em base consolidada — Regulamento (UE) n.o 468/2014 — Artigo 2.o, ponto 21, alínea c) — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Artigo 10.o — Grupo submetido a supervisão prudencial — Instituições associadas de modo permanente a um organismo central»

Nos processos apensos C‑152/18 P e C‑153/18 P,

que têm por objeto dois recursos de acórdãos do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 23 de fevereiro de 2018,

Crédit mutuel Arkéa, com sede em Relecq‑Kerhuon (França), representado por H. Savoie, avocat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Banco Central Europeu (BCE), representado por K. Lackhoff, R. Bax e C. Olivier, na qualidade de agentes, assistidos por P. Honoré, avocat,

demandado em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, K.‑P. Wojcik e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

apoiados por:

Confédération nationale du Crédit mutuel, com sede em Paris (França), representada por M. Grégoire e C. De Jonghe, avocats,

interveniente no presente recurso (C‑152/08 P),

e

Crédit mutuel Arkéa, com sede em Relecq‑Kerhuon (França), representado por H. Savoie, avocat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Banco Central Europeu (BCE), representado por K. Lackhoff, R. Bax e C. Olivier, na qualidade de agentes, assistidos por P. Honoré, avocat,

demandado em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, K.‑P. Wojcik e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

apoiados por:

Confédération nationale du Crédit mutuel, com sede em Paris (França), representada por M. Grégoire e C. De Jonghe, avocats,

interveniente no presente recurso (C‑153/18 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, C. Toader, A. Rosas e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Com os presentes recursos, o Crédit mutuel Arkéa (a seguir «CMA») pede a anulação dos Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE (T‑712/15, a seguir «primeiro acórdão recorrido», EU:T:2017:900), e de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE (T‑52/16, a seguir «segundo acórdão recorrido», EU:T:2017:902) (a seguir, em conjunto, «acórdãos recorridos»), pelos quais este negou provimento aos seus recursos de anulação, respetivamente, da Decisão ECB/SSM/2015‑9695000CG7B84NLR5984/28 do Banco Central Europeu (BCE), de 5 de outubro de 2015, que estabelece os requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit Mutuel (a seguir «primeira decisão controvertida»), e da Decisão ECB/SSM/2015‑9695000CG7B84NLR5984/40 do BCE, de 4 de dezembro de 2015, que estabelece os requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel (a seguir «segunda decisão controvertida») (a seguir, em conjunto, «decisões controvertidas»).

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento (UE) n.o 575/2013

2

O artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), sob a epígrafe «Dispensa aplicável a instituições de crédito associadas de modo permanente a um organismo central», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades competentes podem, nos termos do direito nacional, dispensar total ou parcialmente da aplicação dos requisitos estabelecidos nas partes II a VIII uma ou mais instituições de crédito situadas no mesmo Estado‑Membro e associadas de modo permanente a um organismo central que as supervisiona e que está estabelecido no mesmo Estado‑Membro se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

Os compromissos do organismo central e das instituições a ele associadas constituem responsabilidades solidárias ou os compromissos das instituições a ele associadas são totalmente garantidos pelo organismo central;

b)

A solvabilidade e a liquidez do organismo central e de todas as instituições a ele associadas são monitorizadas no seu conjunto com base nas contas consolidadas dessas instituições;

c)

A direção do organismo central está habilitada a dar instruções à direção das instituições a ele associadas.

[…]»

3

Nos termos do artigo 11.o, n.o 4, desse regulamento:

«Sempre que seja aplicado o artigo 10.o, o organismo central a que se refere esse artigo cumpre os requisitos das partes II a VIII com base na situação consolidada do conjunto constituído pelo organismo central e pelas instituições a ele associadas.»

Regulamento (UE) n.o 1024/2013

4

Os considerandos 16, 26, 30 e 65 do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), enunciam:

«(16)

A segurança e a solidez das grandes instituições de crédito são essenciais para garantir a estabilidade do sistema financeiro. […]

[…]

(26)

Os riscos para a segurança e a solidez de uma instituição de crédito podem surgir quer ao nível de uma instituição de crédito individual, quer ao nível de um grupo bancário ou conglomerado financeiro. É importante adotar mecanismos de supervisão específicos para atenuar estes riscos e para garantir a segurança e a solidez das instituições de crédito. Para além da supervisão das instituições de crédito individuais, as atribuições do BCE deverão incluir a supervisão a nível consolidado […]

[…]

(30)

O BCE deverá exercer as atribuições que lhe forem conferidas com vista a garantir a segurança e a solidez das instituições de crédito, a estabilidade do sistema financeiro da União e de cada um dos Estados‑Membros participantes, bem como a unidade e a integridade do mercado interno […]

[…]

(65)

[…] A função de supervisão tem por objetivo proteger a segurança e a solidez das instituições de crédito, bem como a estabilidade do sistema financeiro. […]»

5

O artigo 1.o, primeiro parágrafo, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, com vista a contribuir para a segurança e a solidez das instituições de crédito e para a estabilidade do sistema financeiro na União e em cada Estado‑Membro, tendo plena e diligentemente em conta a unidade e a integridade do mercado interno, e por base a igualdade de tratamento das instituições de crédito com vista a evitar a arbitragem regulamentar.»

6

O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Nos termos do artigo 6.o, cabe ao BCE, de acordo com o n.o 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes:

[…]

g)

Exercer a supervisão em base consolidada das empresas‑mãe das instituições de crédito estabelecidas num dos Estados‑Membros participantes, inclusivamente das companhias financeiras e das companhias financeiras mistas, e participar na supervisão em base consolidada, incluindo nos colégios de supervisores, sem prejuízo da participação das autoridades nacionais competentes nesses colégios como observadores, no que diz respeito às empresas‑mãe não estabelecidas num Estado‑Membro participante;

[…]»

7

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o BCE exerce as suas atribuições no âmbito de um mecanismo único de supervisão (a seguir «MUS»), composto por si próprio e pelas autoridades nacionais competentes, e é responsável pelo funcionamento eficaz e coerente deste mecanismo.

8

O artigo 24.o do Regulamento n.o 1024/2013 tem a seguinte redação:

«1.   O BCE institui uma Comissão de Reexame de natureza administrativa, encarregada de proceder a uma revisão administrativa interna das decisões tomadas pelo BCE no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo presente regulamento após um pedido de revisão apresentado nos termos do n.o 5. A revisão administrativa interna tem como objeto a conformidade processual e material da decisão em causa com o presente regulamento.

[…]

5.   Qualquer pessoa singular ou coletiva pode, nos casos a que se refere o n.o 1, apresentar um pedido de revisão de uma decisão do BCE ao abrigo do presente regulamento de que seja destinatária ou que lhe diga direta e individualmente respeito. Não são admissíveis os pedidos de revisão das decisões do Conselho do BCE a que se refere o n.o 7.

6.   Os pedidos de revisão devem ser feitos por escrito, incluindo a respetiva fundamentação, e ser apresentados ao BCE no prazo de um mês a contar da data da notificação da decisão à pessoa que solicita a revisão ou, na falta de notificação, a contar da data em que essa pessoa tiver tido conhecimento da decisão, consoante o caso.

7.   Depois de se pronunciar sobre a admissibilidade do pedido de revisão, a Comissão de Reexame emite um parecer dentro de um prazo adequado à urgência da questão, mas que não pode exceder dois meses a contar da receção do pedido, e remete o processo ao Conselho de Supervisão, para ser elaborado um novo projeto de decisão. O Conselho de Supervisão tem em conta o parecer da Comissão de Reexame e apresenta sem demora o novo projeto de decisão ao Conselho do BCE. O novo projeto de decisão revoga a decisão inicial, substitui essa decisão por outra de conteúdo idêntico, ou substitui a decisão inicial por uma decisão alterada. O novo projeto de decisão é considerado adotado, salvo se o Conselho do BCE formular objeções no prazo máximo de 10 dias úteis.

[…]

9.   O parecer emitido pela Comissão de Reexame, o novo projeto de decisão apresentado pelo Conselho de Supervisão e a decisão adotada pelo Conselho do BCE nos termos do presente artigo devem ser fundamentados e notificados às partes.

10.   O BCE adota uma decisão que estabelece as regras de funcionamento da Comissão de Reexame.

[…]»

Regulamento (UE) n.o 468/2014

9

Nos termos do considerando 9 do Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (Regulamento‑Quadro do MUS) (JO 2014, L 141, p. 1):

«Consequentemente, o presente regulamento desenvolve e especifica os procedimentos de cooperação estabelecidos no Regulamento [n.o 1024/2013] entre o BCE e as [autoridades nacionais competentes] no âmbito do MUS assim como, quando apropriado, com as autoridades nacionais designadas, assegurando desse modo o funcionamento eficaz e coerente do MUS.»

10

O artigo 2.o, ponto 21, deste regulamento prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, e salvo disposição em contrário, aplicam‑se as definições constantes do Regulamento [n.o 1024/2013] juntamente com as seguintes definições:

[…]

21.

“grupo supervisionado”:

a)

um grupo cuja empresa‑mãe seja uma instituição de crédito ou companhia financeira com sede num Estado‑Membro participante;

[…]

c)

as entidades supervisionadas com sede no mesmo Estado‑Membro participante, desde que associadas de modo permanente a um organismo central que as supervisione nas condições previstas no artigo 10.o do Regulamento […] n.o 575/2013 e que esteja estabelecido no mesmo Estado‑Membro participante;»

Decisão 2014/360/UE

11

A Decisão 2014/360/UE do Banco Central Europeu, de 14 de abril de 2014, relativa à instituição de uma Comissão de Reexame e respetivas Regras de Funcionamento (JO 2014, L 175, p. 47), institui a Comissão de Reexame referida no artigo 24.o do Regulamento n.o 1024/2013.

12

O artigo 7.o, n.o 1, dessa decisão, dispõe:

«Qualquer pessoa singular ou coletiva destinatária de uma decisão do BCE adotada ao abrigo do Regulamento […] n.o 1024/2013, ou que lhe diga direta e individualmente respeito, que deseje solicitar uma revisão administrativa […] deve enviar ao Secretário um pedido de revisão, por escrito, identificando a decisão contestada. O pedido de revisão deve ser apresentado numa das línguas oficiais da União.»

Direito francês

13

Segundo o artigo L. 511‑30 do code monétaire et financier (Código Monetário e Financeiro), para efeitos da aplicação das disposições deste código relativas às instituições de crédito e às sociedades financeiras, a Confédération nationale du Crédit mutuel (a seguir «CNCM») é considerada um órgão central.

14

O artigo L. 511‑31 do referido código prevê, nomeadamente, que os órgãos centrais representam as instituições de crédito e as sociedades financeiras que lhe são associadas, que estão encarregados de zelar pela coesão da sua rede, bem como assegurar o bom funcionamento das instituições e sociedades que lhe são associadas e que, para esse efeito, adotam todas as medidas necessárias, nomeadamente para garantir a liquidez e a solvabilidade de cada uma destas instituições e também do conjunto da rede.

Factos na origem do litígio

15

O Crédit mutuel é um grupo bancário não centralizado, constituído por uma rede de caixas locais que tem o estatuto de sociedades cooperativas. Cada caixa local do Crédit mutuel deve aderir a uma federação regional e cada federação deve aderir à CNCM, órgão central da rede, na aceção dos artigos L. 511‑30 e L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro. À escala nacional, o Crédit mutuel inclui, além disso, a Caisse centrale du Crédit mutuel, que é uma sociedade anónima cooperativa de crédito de capital variável, autorizada enquanto instituição de crédito, detida pelos membros da rede.

16

O CMA é uma sociedade anónima cooperativa de crédito de capital variável, autorizada enquanto instituição de crédito. Foi criado em 2002 através da aproximação de várias federações regionais de créditos mútuos. Outras federações agruparam‑se para criar o CM11‑CIC e outras ainda permaneceram autónomas.

17

Por carta de 19 de setembro de 2014, o CMA informou o BCE de uma análise segundo a qual não era possível sujeitá‑la à supervisão prudencial do BCE através da CNCM. Por ofício de 10 de novembro de 2014, o BCE referiu que iria colocar esta questão às autoridades competentes francesas.

18

Em 19 de dezembro de 2014, o BCE transmitiu à CNCM um projeto de decisão que estabelece os requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel, pedindo‑lhe para assegurar a comunicação deste projeto às diferentes entidades que o compõem e fixou‑lhe um prazo para estas apresentarem as suas observações. Em 16 de janeiro de 2015, o CMA comunicou as suas observações ao BCE e, em 30 de janeiro de 2015, a CNCM manifestou‑se sobre estas últimas.

19

Em 19 de fevereiro de 2015, o BCE transmitiu à CNCM um projeto de decisão revisto que estabelecia os requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel e às entidades que o compõem pedindo‑lhe que providenciasse o envio deste projeto revisto a tais entidades e fixou‑lhe um prazo para estas apresentarem as suas observações. Em 27 de março de 2015, o CMA apresentou as suas observações.

20

Em 17 de junho de 2015, o BCE adotou uma decisão que estabelece os requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel, na qual sublinhava ser a autoridade de supervisão prudencial em base consolidada da CNCM e a autoridade competente responsável pela supervisão das entidades enumeradas nesta decisão, entre as quais figurava o CMA (considerando 1). No artigo 2.o, n.o 1, da mesma decisão, especificava que a CNCM assegurava que o grupo Crédit mutuel cumpria em permanência os requisitos previstos no anexo I. Decorria do artigo 2.o, n.o 3, da referida decisão que o recorrente devia cumprir em permanência os requisitos especificados no anexo II‑2, segundo os quais era imposto um rácio de fundos próprios de categoria 1 (a seguir «fundos próprios “CET 1”») de 11 %.

21

Em 17 de julho de 2015, o CMA pediu a revisão desta decisão, nos termos do artigo 24.o do Regulamento n.o 1024/2013, em conjugação com o artigo 7.o da Decisão 2014/360. Em 31 de agosto de 2015, realizou‑se uma audição na Comissão de Reexame.

22

Em 14 de setembro de 2015, a Comissão de Reexame emitiu um parecer que concluía pela legalidade da Decisão do BCE de 17 de junho de 2015. Nesse parecer, sublinhou, em substância, que as críticas do CMA à decisão podiam ser agrupadas em três categorias, consoante contestasse o recurso a uma supervisão prudencial consolidada do grupo Crédit mutuel por intermédio da CNCM, com fundamento em que esta não é uma instituição de crédito (primeira acusação), alegasse a inexistência de um «grupo Crédit mutuel» (segunda acusação) ou contestasse a decisão do BCE de aumentar de 8 % para 11 % os seus requisitos de rácio de fundos próprios «CET 1» (terceira acusação).

23

Quanto à primeira acusação, em primeiro lugar, a Comissão de Reexame recordou que, por Decisão de 1 de setembro de 2014, o BCE tinha considerado que o grupo Crédit mutuel constituía um grupo significativo sujeito a supervisão prudencial, que o CMA era uma entidade membro deste grupo e que a CNCM constituía o seu nível de consolidação mais elevado. Em segundo lugar, sublinhou que o conceito de «organismo central», previsto no artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 e no artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013, não era definido pelo direito da União e que não se exigia que o referido organismo central fosse uma instituição de crédito. Em terceiro lugar, a Comissão de Reexame salientou que não era necessário que o BCE dispusesse de todo o arsenal de poderes de supervisão ou dos poderes sancionatórios em relação à entidade‑mãe de um grupo, para exercer uma supervisão prudencial em base consolidada. Em quarto lugar, recordou que, antes da transferência desta competência para o BCE, o grupo Crédit mutuel era objeto de supervisão prudencial em base consolidada, por parte da autoridade competente francesa, ou seja, a Autorité de contrôle prudentiel et de résolution [Autoridade de Fiscalização Prudencial e de Resolução], por intermédio da CNCM.

24

Quanto à segunda acusação, a Comissão de Reexame concluiu que o grupo Crédit mutuel cumpria as condições previstas no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013, para o qual remete o artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014. Em primeiro lugar, a Comissão de Reexame considerou que a qualidade de associação da CNCM não impedia a existência de solidariedade com as instituições associadas. Em segundo lugar, entendeu que as contas do grupo Crédit mutuel no seu conjunto estavam estabelecidas em base consolidada. Em terceiro lugar, considerou que o BCE decidiu acertadamente que a CNCM tinha o poder de dar instruções à direção das instituições associadas.

25

No que respeita à terceira acusação, a Comissão de Reexame entendeu que as apreciações do BCE quanto ao nível dos requisitos de fundos próprios «CET 1» do CMA não enfermavam de erro manifesto de apreciação e não eram desproporcionadas. A este respeito, sublinhou as discordâncias constantes que opõem o CMA à CNCM, uma vez que são reveladoras de problemas de governança suscetíveis de originar riscos adicionais.

26

A primeira decisão controvertida, nos termos do artigo 24.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1024/2013, revoga e substitui a Decisão de 17 de junho de 2015, embora mantendo um conteúdo idêntico.

27

A segunda decisão controvertida estabeleceu novos requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel e às entidades que o compõem. O n.o 1 desta decisão dizia respeito aos requisitos prudenciais aplicáveis ao grupo Crédit mutuel, em base consolidada, e o seu n.o 3 aos requisitos especificamente aplicáveis ao CMA.

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdãos recorridos

28

Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de dezembro de 2015 e 3 de fevereiro de 2016, o CMA interpôs recursos de anulação contra, respetivamente, a primeira decisão controvertida e a segunda decisão controvertida.

29

Em apoio de cada um dos seus dois recursos, o CMA invoca três fundamentos, dos quais só os dois primeiros são abrangidos pelos presentes recursos.

30

Nos seus dois primeiros fundamentos, o CMA contestava, em substância, a legalidade do artigo 2.o, n.o 1, e do anexo I da primeira decisão controvertida e a legalidade do n.o 1 da segunda decisão controvertida, na medida em que estas disposições organizavam uma supervisão prudencial consolidada do grupo Crédit mutuel por intermédio da CNCM. A este respeito, o CMA alegou que, não sendo a CNCM uma instituição de crédito, não pode estar abrangida pela supervisão prudencial do BCE, e sustentava que o BCE errou ao considerar que existia um «grupo» para efeitos de supervisão prudencial.

31

Nos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral negou provimento aos recursos do CMA.

Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

32

Com os seus recursos, o CMA pede ao Tribunal de Justiça que anule os acórdãos recorridos.

33

O BCE pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

julgar os recursos inadmissíveis, pelo menos no que diz respeito aos fundamentos e argumentos expostos nos n.os 100 a 109 dos mesmos;

pedir ao CMA que comunique, se necessário com base no artigo 64.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, qualquer convenção de refinanciamento concluída pelo CMA com as suas filiais;

negar provimento aos recursos quanto ao restante;

confirmar os acórdãos recorridos; e

condenar o CMA nas despesas.

34

A Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento aos recursos, e

condenar o CMA nas despesas.

35

Por decisão de 21 de março de 2018, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C‑152/18 P e C‑153/18 P para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

36

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2018, a CNCM pediu, ao abrigo do disposto no artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, para intervir nos presentes processos em apoio dos pedidos do BCE e da Comissão.

37

Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Crédit Mutuel Arkéa/BCE (C‑152/18 P e C‑153/18 P, não publicado, EU:C:2018:765), foi deferido o pedido.

Quanto aos presentes recursos

38

Em apoio dos seus recursos, o CMA invoca dois fundamentos, redigidos de forma idêntica em cada um deles, que importa examinar em conjunto.

39

A título preliminar, quanto à nota, apresentada nos anexos a estes recursos, com a qual um professor universitário analisa, a pedido do CMA, os acórdãos impugnados na perspetiva do direito da regulação e da supervisão bancária e cuja admissibilidade é contestada pela Comissão, importa recordar que a função meramente probatória e instrumental dos anexos implica que, na medida em que contenham elementos de direito em que assentam determinados fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto dessa petição ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nela (v. Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 99 e 100, e Despacho de 7 de agosto de 2018, Campailla/União Europeia, C‑256/18 P, não publicado, EU:C:2018:655, n.o 34).

40

Ora, como constatou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, o CMA refere‑se a esta nota em termos gerais, na parte introdutória dos seus recursos, e sem ligar expressamente a referida nota a um dos fundamentos invocados em apoio dos mesmos, nem indicar concretamente os elementos contidos na mesma nota em que um desses fundamentos se baseia.

41

Por conseguinte, há que julgar procedente a exceção suscitada pela Comissão e declarar o conteúdo da nota em questão, bem como a referência a esta nos referidos recursos, inadmissíveis.

42

Por outro lado, quanto ao pedido de medida de instrução apresentado pelo BCE, basta constatar que não cumpre a exigência enunciada no artigo 174.o do Regulamento de Processo, segundo a qual as conclusões da resposta devem ter por objeto que seja dado ou negado provimento, total ou parcial, ao recurso. Por conseguinte, este pedido deve ser julgado inadmissível.

Quanto aos primeiros fundamentos

43

Com os primeiros fundamentos invocados pelo CMA em apoio dos seus recursos, este alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 e o artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 permitem ao BCE organizar uma supervisão prudencial consolidada de instituições associadas a um organismo central, mesmo quando este último não dispõe da qualidade de instituição de crédito.

44

Estes fundamentos estão divididos em duas partes.

Quanto à primeira parte dos primeiros fundamentos

– Argumentos das partes

45

Com a primeira parte dos primeiros fundamentos, o CMA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 permite ao BCE organizar uma supervisão prudencial consolidada de instituições associadas a um organismo central, sem que seja necessário que esse organismo central tenha a qualidade de instituição de crédito.

46

Em primeiro lugar, o CMA considera que, se o Tribunal Geral tivesse interpretado a referida disposição em conformidade com o artigo 127.o, n.o 6, TFUE e com o artigo 1.o do Regulamento n.o 1024/2013, relativos às atribuições específicas confiadas ao BCE em matéria de revisão, avaliação e supervisão prudenciais das «instituições de crédito», deveria ter considerado que o organismo central referido no artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 deve necessariamente ter a qualidade de instituição de crédito para que o BCE possa exercer uma supervisão prudencial consolidada a partir desse organismo central.

47

Em segundo lugar, o CMA contesta a apreciação do Tribunal Geral, que figura no n.o 89 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 88 do segundo acórdão recorrido, nos termos da qual seguir a sua abordagem levaria a um fracionamento da supervisão prudencial, contrário às finalidades tanto do Regulamento n.o 1024/2013 como do Regulamento n.o 468/2014.

48

A este respeito, o CMA alega, em substância, que as entidades que não têm a qualidade de instituição de crédito não estão incluídas no conceito de «grupo supervisionado», conforme definido no artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, e que a inclusão de uma associação como a CNCM, que não tem a qualidade de instituição de crédito, no seio do grupo supervisionado do BCE não é justificada pela finalidade prosseguida por esta disposição.

49

Em terceiro lugar, o CMA considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na aplicação do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, na medida em que declarou a impossibilidade de o BCE aplicar sanções aos organismos centrais referidos nesta disposição sem concluir dessa declaração a necessidade de tal organismo central dispor da qualidade de instituição de crédito.

50

Com efeito, segundo o CMA, uma vez que a eficácia de uma supervisão está subordinada à existência de um poder sancionatório e este só pode ser exercido relativamente às instituições de crédito, a referida disposição só é aplicável a organismos centrais que tenham a qualidade de instituição de crédito, sendo irrelevante a este respeito a circunstância de o BCE poder sancionar as instituições de crédito associadas aos referidos organismos centrais.

51

O BCE, a Comissão e a CNCM contestam esta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

52

O artigo 127.o, n.o 6, TFUE, que constitui a base jurídica com fundamento na qual o Regulamento n.o 1024/2013 foi adotado, prevê que o Conselho da União Europeia pode conferir ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e outras instituições financeiras, com exceção das empresas de seguros.

53

Embora seja verdade que a redação desta disposição visa as «instituições de crédito» e as «outras instituições financeiras», há que determinar o alcance da habilitação prevista nesta disposição tendo em conta o contexto em que se insere e os objetivos que prossegue.

54

A este respeito, há que salientar que o artigo 127.o TFUE figura no capítulo 2, intitulado «A política monetária», do título VIII da terceira parte do Tratado FUE, e fixa os objetivos e as atribuições fundamentais do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e do BCE.

55

Como o advogado‑geral referiu nos n.os 55 e 56 das suas conclusões, o exercício de atribuições de supervisão prudencial previstas no artigo 127.o, n.o 6, TFUE visa assegurar a segurança e a solidez das instituições de crédito, nomeadamente as das grandes instituições de crédito e dos grupos bancários, a fim de contribuir para garantir a estabilidade do sistema financeiro da União no geral.

56

Além disso, a prossecução destes objetivos está expressamente enunciada nos considerandos 16, 26, 30 e 65 do Regulamento n.o 1024/2013 e no artigo 1.o, primeiro parágrafo, deste regulamento.

57

Em especial, resulta do considerando 26 do Regulamento n.o 1024/2013 que, para garantir a segurança e a solidez das instituições de crédito, é importante adotar mecanismos de supervisão destinados especificamente a atenuar os riscos que ameacem a segurança e a solidez de uma instituição de crédito, que podem ocorrer tanto ao nível da instituição de crédito propriamente dita como ao nível do grupo bancário ou do conglomerado financeiro a que pertence.

58

Este considerando precisa que, além da supervisão das instituições de crédito individuais, as atribuições do BCE deverão incluir a supervisão a nível consolidado.

59

A este respeito, há que recordar que o artigo 4.o do Regulamento n.o 1024/2013, sob a epígrafe «Atribuições conferidas ao BCE», prevê, no seu n.o 1, alínea g), que o BCE é nomeadamente competente para exercer a supervisão em base consolidada das empresas‑mãe das instituições de crédito estabelecidas num dos Estados‑Membros participantes.

60

Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento, o BCE exerce esta atribuição no âmbito do MUS, composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes, e assegura o funcionamento eficaz e coerente do mesmo.

61

Como decorre do considerando 9 do Regulamento n.o 468/2014, este tem por objetivo desenvolver e especificar os procedimentos de cooperação estabelecidos no Regulamento n.o 1024/2013 entre o BCE e as autoridades nacionais competentes no âmbito do MUS, assegurando desse modo o funcionamento eficaz e coerente deste último.

62

É neste contexto que o artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 define o conceito de «grupo supervisionado» no sentido de que designa, nomeadamente, as entidades supervisionadas com sede no mesmo Estado‑Membro participante, desde que associadas de modo permanente a um organismo central que as supervisione nas condições previstas no artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 e que esteja estabelecido no mesmo Estado‑Membro participante.

63

Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou corretamente, nos n.os 58 a 64 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 57 a 63 do segundo acórdão recorrido, que a supervisão prudencial das instituições de crédito pertencentes a grupos bancários em base consolidada tem, no essencial, duas finalidades, a saber, por um lado, a de permitir ao BCE identificar os riscos suscetíveis de afetar uma instituição de crédito que não tenham origem nesta, mas do grupo a que pertence, e, por outro, a de evitar o fracionamento da supervisão prudencial das entidades que compõem esse grupo.

64

Além disso, não decorre de modo algum do artigo 127.o, n.o 6, TFUE que o «organismo central», referido no artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, deve dispor da qualidade de instituição de crédito.

65

Pelo contrário, como salientou o advogado‑geral nos n.os 62 a 64 das suas conclusões, resulta dos objetivos prosseguidos pela concessão, com base no artigo 127.o, n.o 6, TFUE, de atribuições específicas em matéria de supervisão prudencial ao BCE que este deve poder exercer uma supervisão prudencial em base consolidada relativamente a um grupo como o previsto no artigo 2.o, ponto21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, independentemente da forma jurídica do organismo central no qual as entidades que fazem parte desse grupo estão associadas e desde que as condições enunciadas no artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 estejam preenchidas.

66

Com efeito, se assim não fosse, um grupo bancário poderia subtrair‑se a uma supervisão prudencial em base consolidada devido à forma jurídica da entidade que desempenha as funções de entidade central desse grupo e poderia, portanto, prejudicar a eficácia do exercício, pelo BCE, das referidas atribuições.

67

Por conseguinte, o artigo 127.o, n.o 6, TFUE e o artigo 1.o do Regulamento n.o 1024/2013 não se opõem a que o BCE exerça uma supervisão prudencial em base consolidada relativamente a um grupo bancário cujo organismo central não disponha da qualidade de instituição de crédito, desde que estejam reunidas as condições enunciadas no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013.

68

No que respeita, por outro lado, ao argumento do CMA segundo o qual a apreciação do Tribunal Geral que figura no n.o 89 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 88 do segundo acórdão recorrido está viciada por um erro de direito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as acusações dirigidas contra fundamentos supérfluos de uma decisão do Tribunal Geral não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, União Europeia/Gascogne Sack Deutschland e Gascogne, C‑138/17 P e C‑146/17 P, EU:C:2018:1013, n.o 45 e jurisprudência referida).

69

Ora, como alegaram, com razão, o BCE e a Comissão, os referidos números têm caráter supérfluo, uma vez que se verificam depois de o Tribunal Geral, no n.o 88 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 87 do segundo acórdão recorrido, ter considerado, corretamente, que é conforme com as finalidades dos Regulamentos n.os 1024/2013 e 468/2014 adotar a qualificação de «grupo supervisionado», na aceção do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, independentemente de o organismo central deste grupo dispor ou não da qualidade de instituição de crédito.

70

De resto, o caráter supérfluo do n.o 89 do primeiro acórdão recorrido e do n.o 88 do segundo acórdão recorrido é confirmado pela utilização dos conceitos «Além disso» no início dos mesmos.

71

Por conseguinte, o argumento do CMA em que critica estes aspetos dos acórdãos recorridos deve ser julgado inoperante.

72

Quanto ao argumento do CMA de que a impossibilidade de o BCE aplicar sanções aos organismos centrais referidos no artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 implica que esse organismo central deve dispor da qualidade de instituição de crédito, também não pode ser acolhido.

73

Como indicaram o BCE e a Comissão, este argumento assenta na análise segundo a qual a competência do BCE em matéria de supervisão prudencial está subordinada à existência de um poder sancionatório em relação às entidades que são objeto dessa supervisão.

74

É verdade que, como o próprio Tribunal Geral salientou no n.o 91 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 90 do segundo acórdão recorrido, o artigo 18.o do Regulamento n.o 1024/2013 prevê que, para efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas por este regulamento em matéria de supervisão prudencial, o BCE pode aplicar sanções administrativas pecuniárias às instituições de crédito, às companhias financeiras ou às companhias financeiras mistas.

75

Todavia, como o advogado‑geral sublinhou nos n.os 84 e 85 das suas conclusões, não resulta de forma alguma dos textos de direito da União aplicáveis que a existência de um poder de aplicar sanções a entidades constitua uma condição necessária para a atribuição ao BCE de poderes de supervisão prudencial sobre tais entidades, de modo que o exercício, pelo BCE, da sua competência em matéria de supervisão prudencial em base consolidada em relação a um grupo não está sujeito à condição de o BCE dispor desse poder de aplicar sanções a uma entidade, como um organismo central na aceção do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, que faz parte desse grupo.

76

Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar que a inexistência de poder sancionatório do BCE contra os organismos centrais referidos nessa disposição não obsta a que o BCE exerça uma supervisão prudencial em base consolidada relativamente a um grupo cujo organismo central não dispõe da qualidade de instituição de crédito.

77

Nestas condições, ao declarar que o artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014 não pode ser interpretado no sentido de que implica, em si mesmo, que um organismo central disponha da qualidade de instituição de crédito, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito, pelo que a primeira parte dos primeiros fundamentos deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte dos primeiros fundamentos

– Argumentos das partes

78

Na segunda parte dos primeiros fundamentos, o CMA sustenta que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos acórdãos recorridos, o artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 implica que, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, um «organismo central», na aceção deste artigo 10.o, deve dispor da qualidade de instituição de crédito.

79

Segundo o CMA, decorre de uma aplicação coerente do artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 e do artigo 11.o, n.o 4, deste regulamento que, na medida em que os requisitos previstos nesta última disposição só são suscetíveis de ser cumpridos por uma instituição de crédito, um «organismo central», na aceção do referido artigo 10.o, deve, implícita, mas necessariamente, dispor da referida qualidade para que o BCE possa proceder a uma supervisão prudencial em base consolidada do grupo em causa.

80

O CMA alega que a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013 adotada pelo Tribunal Geral não respeita a redação desta disposição, uma vez que, na medida em que faz referência à «solvabilidade e [à] liquidez do organismo central», a referida disposição prevê, implícita, mas necessariamente, que a supervisão prudencial de um grupo constituído por um organismo central e as entidades associadas ao mesmo está subordinada à condição de esse organismo central ter a qualidade de instituição de crédito.

81

O BCE, a Comissão e a CNCM contestam esta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

82

A título preliminar, importa precisar que o artigo 10.o e o artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento n.o 575/2013 dizem respeito a uma exceção à aplicação dos requisitos prudenciais previstos por este regulamento a instituições de crédito associadas a um organismo central que os supervisiona. No entanto, a segunda parte dos primeiros fundamentos não incide sobre a existência dessa exceção, mas sobre a existência de um «grupo supervisionado», na aceção do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, que remete para as condições previstas no artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013.

83

A este respeito, como corretamente salientou o Tribunal Geral nos n.os 98 a 100 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 97 a 99 do segundo acórdão recorrido, além do facto de esse artigo 2.o, ponto 21, alínea c), remeter apenas para o artigo 10.o do Regulamento n.o 575/2013 e de este último não conter nenhuma referência ao artigo 11.o, n.o 4, deste regulamento, a aplicação desta última disposição não é uma condição, mas sim uma consequência da aplicação deste artigo 10.o, uma vez que só quando a autoridade competente dispensa, com fundamento no referido artigo 10.o, as instituições de crédito associadas a um organismo central do cumprimento dos requisitos prudenciais em base individual, é que o referido artigo 11.o, n.o 4, é aplicável.

84

Por conseguinte, na falta dessa decisão de dispensa, o artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento n.o 575/2013 não é aplicável e a questão de saber se o organismo central em causa respeita esta disposição é irrelevante para efeitos do exercício, pelo BCE, de uma supervisão prudencial sobre todo o grupo constituído por esse organismo central e pelas entidades a ele associadas.

85

Quanto à condição enunciada no artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013, segundo a qual «a solvabilidade e a liquidez do organismo central e de todas as instituições a ele associadas são monitorizadas no seu conjunto com base nas contas consolidadas dessas instituições», há que constatar que esta condição não implica de modo algum que o organismo central em causa disponha da qualidade de instituição de crédito.

86

Com efeito, como resulta da própria redação desta disposição, a condição prevista na mesma não diz respeito a uma supervisão individual do organismo central, mas à existência de um acompanhamento da solvabilidade e liquidez do conjunto constituído por esse organismo e pelas instituições a ele associadas, em base consolidada, a saber, com base nas contas consolidadas dessas entidades.

87

Além disso, como o Tribunal Geral observou, com razão, no n.o 106 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 105 do segundo acórdão recorrido, não é necessário que o organismo central disponha da qualidade de instituição de crédito, visto que o respeito dos critérios referidos no artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013 basta para que possa ser exercida uma supervisão do cumprimento dos requisitos prudenciais pelo grupo em causa.

88

Por conseguinte, a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual nem o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013 nem o artigo 11.o, n.o 4, deste regulamento implicam que, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, um organismo central deva dispor da qualidade de instituição de crédito não está viciada por erro de direito.

89

Nestas condições, a segunda parte dos primeiros fundamentos não pode ser acolhida e os primeiros fundamentos dos recursos devem ser julgados improcedentes.

Quanto aos segundos fundamentos

Argumentos das partes

90

Nos seus segundos fundamentos, invocados pelo CMA em apoio dos respetivos recursos, este alega que o grupo Crédit mutuel não pode ser qualificado de «grupo supervisionado», na aceção do artigo 2.o, ponto 21, alínea c), do Regulamento n.o 468/2014, uma vez que, contrariamente ao que foi decidido nos n.os 136 e 137 do primeiro acórdão recorrido e nos n.os 135 e 136 do segundo acórdão recorrido, não preenche a condição enunciada no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013.

91

A título principal, o CMA alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Decisão da CNCM n.o 1‑1992, de 10 de março de 1992, relativa ao exercício da solidariedade entre as caixas de Crédit mutuel e as caixas de Crédit mutuel agricole rural (a seguir «Decisão de 10 de março de 1992»), comprovava a existência de uma obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez no grupo Crédit mutuel e que, por conseguinte, a referida condição podia ser considerada preenchida.

92

A este respeito, o CMA alega que, embora, no mecanismo de solidariedade implementado por essa decisão, exista uma solidariedade entre as caixas pertencentes ao mesmo grupo regional, não existe, em contrapartida, qualquer obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez entre os grupos regionais. Assim, em caso de dificuldade de um grupo regional, a CNCM não pode impor a outro grupo regional a transferência de fundos próprios e de liquidez para o apoiar.

93

A circunstância de a Caisse centrale du Crédit mutuel poder intervir ao abrigo de um mecanismo de solidariedade nacional utilizando recursos limitados que lhe são confiados pelos grupos regionais não permite identificar uma obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez entre os grupos regionais. Trata‑se de uma mera disponibilização de uma fração limitada dos depósitos recolhidos pelos grupos regionais a favor dessa caixa central, que continua a ser devedora relativamente a esses grupos.

94

A título subsidiário, o CMA considera que, mesmo supondo que a Decisão de 10 de março de 1992 prevê a existência dessa obrigação, esta decisão não se aplica a todas as entidades que compõem o grupo Crédit mutuel sujeito à supervisão prudencial do BCE, uma vez que este inclui numerosas filiais das caixas regionais, que, não estando inscritas no organismo central deste grupo, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida decisão e não estão, portanto, vinculadas por qualquer obrigação de solidariedade ou de apoio às outras entidades do referido grupo.

95

Por conseguinte, o CMA considera que o Tribunal Geral decidiu erradamente que o grupo Crédit mutuel preenchia a condição enunciada no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013.

96

O BCE, a Comissão e a CNCM contestam esta argumentação.

97

A Comissão sustenta que a leitura do artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro adotado pelo Tribunal Geral é demasiado restritiva e que, contrariamente ao que este decidiu, este artigo L. 511‑31 basta, por si só, para considerar que a condição enunciada no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013 está preenchida, sem que seja necessário examinar se a Decisão de 10 de março de 1992 confirma a existência de compromissos solidários no grupo Crédit mutuel.

98

A Comissão refere, nomeadamente, a Decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), de 9 de março de 2018, n.o 399413, e considera que o Tribunal de Justiça pode proceder a uma substituição de fundamentos a este respeito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

99

Há que recordar que, depois de ter salientado que, na falta de uma decisão dos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, lhe cabia necessariamente pronunciar‑se sobre o alcance do artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, o Tribunal Geral, no n.o 134 do primeiro acórdão recorrido e no n.o 133 do segundo acórdão recorrido, considerou que a redação desta disposição não permite, por si só, concluir que a condição prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013 está preenchida, uma vez que a referência à adoção das «medidas necessárias» para «garantir a liquidez e a solvabilidade de cada uma destas instituições e sociedades e também do conjunto da rede» tem um caráter demasiado geral para que daí possa deduzida a existência de uma obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez dentro do grupo Crédit mutuel a fim de assegurar que as obrigações perante os credores sejam cumpridas.

100

Foi na sequência desta consideração que o Tribunal Geral examinou se essa obrigação resultava da Decisão de 10 de março de 1992.

101

A objeção do CMA, segundo a qual a Decisão do Conseil d’État de 9 de março de 2018, n.o 399413, não pode, por ser posterior à data da prolação dos acórdãos recorridos, ser tida em consideração para efeitos da interpretação do artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, não pode ser acolhida.

102

Com efeito, as partes tiveram, perante o Tribunal de Justiça, a possibilidade de apresentar as suas observações a este respeito e, de qualquer modo, o Conseil d’État já se pronunciou sobre esta disposição numa Decisão de 13 de dezembro de 2016, n.o 403418, ou seja, numa data anterior à da prolação dos acórdãos recorridos.

103

No n.o 5 desta última decisão, o Conseil d’État indicou, nomeadamente, que, ao adotar o artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, o legislador francês confiou à CNCM não só a representação coletiva das caixas de Crédit mutuel associadas à rede do Crédit mutuel mas também as atribuições de velar pela coesão dessa rede e pela adoção das disposições legislativas e regulamentares próprias das instituições de crédito, de exercer controlo administrativo, técnico e financeiro sobre a organização e a gestão de cada caixa e de adotar todas as medidas necessárias ao bom funcionamento da referida rede. Por outro lado, o Conseil d’État considerou que, por força deste artigo L. 511‑31, a CNCM pode, quando a situação financeira das instituições em causa o justifique, e não obstante todas as disposições ou estipulações contrárias, decidir a fusão de duas ou mais caixas inscritas na rede, a cessão dos seus fundos de comércio, bem como a sua dissolução. Segundo o Conseil d’État, resulta deste quadro legal e regulamentar que, independentemente do estado dos relatórios no âmbito da rede do Crédit mutuel entre os grupos que aí se constituíram, a CNCM é legalmente responsável pela preparação e pela execução das medidas que se inscrevem no quadro da regulação sistemática do sistema bancário no que diz respeito a todo o grupo Crédit mutuel e deve, enquanto «empresa‑mãe na União», manter um plano preventivo de restabelecimento desse grupo.

104

No n.o 7 da sua Decisão de 9 de março de 2018, n.o 399413, o Conseil d’État acrescentou que o exercício dessas atribuições que participam da regulação das instituições de crédito implica necessariamente que a CNCM seja competente para estabelecer prescrições vinculativas para as caixas, para velar pelo cumprimento, por estas, das disposições que lhes são aplicáveis e para lhes aplicar, em caso de infração dessas disposições, sanções adequadas. No n.o 20 desta decisão, o Conseil d’État declarou que, para «garantir a liquidez e a solvabilidade da rede» que têm a seu cargo, os órgãos centrais estão habilitados, ao abrigo do artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, a adotar «todas as medidas necessárias» e, nomeadamente, a instituir, entre os membros da rede, mecanismos de solidariedade vinculativos, que não se podem limitar à simples constituição de dispositivos pré‑financiados, como os fundos de garantia.

105

Resulta, portanto, das decisões do Conseil d’État de 13 de dezembro de 2016, n.o 403418, e de 9 de março de 2018, n.o 399413, que a obrigação, para os órgãos centrais, de tomar «todas as medidas necessárias, nomeadamente para garantir a liquidez e a solvabilidade de cada um destes estabelecimentos e sociedades bem como de toda a rede», prevista no artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, implica, por parte da CNCM, poderes de controlo administrativo, técnico e financeiro muito aprofundados em toda a rede do Crédit mutuel, que lhe permita instituir, em qualquer momento, mecanismos de solidariedade vinculativos, tais como a imposição, aos membros dessa rede, de obrigações de transferência de fundos próprios e de liquidez, bem como decidir, não obstante todas as disposições ou estipulações em contrário, a fusão de duas ou mais caixas associadas a essa rede.

106

Ora, como o advogado‑geral salientou no n.o 125 das suas conclusões, uma vez que a fusão de um membro da rede do Crédit mutuel com uma instituição em crise financeira equivale a impor a esse membro a assunção dos passivos dessa instituição, o que tem, no referido membro, um efeito financeiro mais pesado do que o que resulta da imposição de uma simples obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez.

107

Daqui resulta que o artigo L. 511‑31 do Código Monetário e Financeiro, tal como interpretado pelo Conseil d’État, implica a existência de uma obrigação de transferência de fundos próprios e de liquidez no grupo Crédit Mutuel para assegurar o cumprimento das obrigações perante os credores, pelo que o BCE tinha fundamento para considerar que a condição enunciada no artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013 estava preenchida.

108

Nestas condições, não é necessário responder aos segundos fundamentos dos presentes recursos, pelo que estes fundamentos devem ser julgados improcedentes por serem inoperantes.

109

Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que negar provimento aos recursos na íntegra.

Quanto às despesas

110

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

111

Segundo o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

112

Tendo o BCE, a Comissão e a CNCM pedido a condenação do CMA nas despesas e tendo este ficado vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo BCE, pela Comissão e pela CNCM.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento aos recursos.

 

2)

O Crédit mutuel Arkéa é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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