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Document 62018CJ0019

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10 de julho de 2019.
    VG contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização contra a Comissão Europeia — Decisão da Comissão de pôr termo a uma colaboração no âmbito da rede Team Europe — Reparação do prejuízo — Exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão — Natureza contratual ou extracontratual do litígio.
    Processo C-19/18 P.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:578

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    10 de julho de 2019 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização contra a Comissão Europeia — Decisão da Comissão de pôr termo a uma colaboração no âmbito da rede Team Europe — Reparação do prejuízo — Exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão — Natureza contratual ou extracontratual do litígio»

    No processo C‑19/18 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 5 de janeiro de 2018,

    VG, sucessora de MS, representada por L. Levi, avocate,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por I. Martínez del Peral, C. Ehrbar e B. Mongin, na qualidade de agentes,

    demandada em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, VG, sucessora de MS, pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 31 de maio de 2017, MS/Comissão (T‑17/16, não publicado; a seguir «despacho recorrido», EU:T:2017:379), através do qual este último julgou improcedente a ação intentada por MS, destinada a obter a condenação da Comissão na reparação do prejuízo sofrido devido à decisão de pôr termo à colaboração de MS no âmbito da rede Team Europe.

    Quadro jurídico

    2

    O artigo 268.o TFUE dispõe:

    «O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos nos segundo e terceiro parágrafos do artigo 340.o»

    3

    O artigo 340.o deste Tratado tem a seguinte redação:

    «A responsabilidade contratual da União é regulada pela lei aplicável ao contrato em causa.

    Em matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

    […]»

    Antecedentes do litígio

    4

    A Team Europe é uma rede local de comunicação, cuja missão principal consiste em prestar assistência às representações da Comissão na comunicação sobre as políticas europeias a nível local e cujos membros atuam como oradores, moderadores, animadores de eventos e peritos em comunicação.

    5

    Estes oradores estão vinculados à Comissão por uma «carta de acordo e adesão à Team Europe». Esta carta prevê a possibilidade de as partes renunciarem, a qualquer momento, a este acordo, por escrito, sem condições adicionais. Os membros da rede Team Europe não são remunerados pela Comissão. Em contrapartida, esta disponibiliza‑lhes gratuitamente, em função do orçamento disponível, um serviço de apoio, constituído por reuniões de coordenação, seminários de formação, uma plataforma Internet de comunicação e ferramentas de comunicação, para os ajudar nas suas funções de oradores. A carta de acordo e adesão à Team Europe especifica, além disso, que os membros da rede Team Europe atuam numa base de voluntariado, podendo aceitar o reembolso das suas despesas ou uma compensação razoável por parte dos organizadores das manifestações em que participem.

    6

    MS foi membro da rede Team Europe entre 20 de julho de 2011 e 10 de abril de 2013, ao abrigo da carta de acordo e adesão à Team Europe, estabelecida entre as partes no litígio, que foi assinada em Paris (França), em 8 de julho de 2011 (a seguir «carta de acordo»), pelo chefe da representação da Comissão em França e em Montpellier (França), em 20 de julho de 2011, por MS. Nos termos dessa carta, a adesão de MS à rede Team Europe caducava em 30 de junho de 2014. Em 10 de abril de 2013, o chefe da representação da Comissão em França informou, por telefone, o interessado de que cessava a sua colaboração nessa rede, tendo a decisão sido posteriormente confirmada por carta, com o fundamento de que, no âmbito da sua atividade, tinha tido, relativamente aos participantes, um comportamento inadequado.

    7

    A razão adiantada pelo chefe da representação da Comissão em França era a de que tinha recebido uma denúncia relativa ao comportamento de MS, proveniente de mulheres que participaram em conferências ou workshops da rede Team Europe.

    Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

    8

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de janeiro de 2016, MS pediu para beneficiar da assistência judiciária, com vista a intentar uma ação de indemnização.

    9

    Por Despacho de 3 de maio de 2016, MS/Comissão (T‑17/16 AJ, não publicado, EU:T:2016:446), o presidente do Tribunal Geral deferiu a concessão da assistência judiciária.

    10

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de julho de 2016, MS intentou uma ação de indemnização no Tribunal Geral.

    11

    MS concluiu pedindo que o Tribunal Geral se dignasse:

    reconhecer a responsabilidade extracontratual da Comissão;

    condenar a Comissão na reparação do prejuízo moral que sofreu devido ao comportamento culposo dessa instituição, avaliado em 20000 euros;

    ordenar à Comissão que publicasse uma carta de desculpas a si dirigida e o reintegrasse na rede Team Europe;

    pedir a apresentação dos documentos, declarados confidenciais pela Comissão, em que esta baseara a sua decisão de pôr termo à sua colaboração na rede Team Europe; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    12

    Por articulado separado, apresentado em 6 de outubro de 2016, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral e pediu a condenação do aí demandante nas despesas.

    13

    Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de novembro de 2016, MS pediu para que o Tribunal Geral a julgasse improcedente.

    14

    No despacho recorrido, adotado com base no artigo 126.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, este último julgou procedente a exceção de inadmissibilidade. O Tribunal Geral considerou que, na realidade, o objeto da ação consistia num pedido de indemnização de natureza contratual. Uma vez que a carta de acordo não continha nenhuma cláusula compromissória, o Tribunal Geral declarou‑se incompetente.

    Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    15

    Por Despacho de 30 de novembro de 2017, o Tribunal de Justiça acolheu o pedido de assistência judiciária formulado pelo recorrente.

    16

    No presente recurso, o recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o despacho recorrido;

    em consequência, devolver o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto ao mérito da ação nele intentada em primeira instância ou, se o Tribunal de Justiça entender que o processo está em condições de ser decidido, julgar procedentes os pedidos do recorrente em primeira instância;

    por conseguinte, reconhecer a responsabilidade extracontratual da Comissão com base no artigo 268.o e no artigo 340.o, segundo parágrafo, do TFUE;

    ordenar a apresentação dos documentos declarados confidenciais pela Comissão, que constituem o apoio necessário à decisão de pôr termo à sua colaboração na rede Team Europe;

    ordenar a reparação do prejuízo moral resultante do comportamento culposo da Comissão, avaliado, ex aequo et bono, em 20000 euros;

    ordenar à Comissão que publique uma carta de desculpas e o reintegre na Team Europe; e

    condenar a recorrida na totalidade das despesas de ambas as instâncias.

    17

    Por carta de 21 de fevereiro de 2018, o Tribunal de Justiça foi informado do falecimento de MS, em 16 de fevereiro de 2018, e da decisão de VG de retomar a instância.

    18

    Na sua réplica de 28 de maio de 2018, VG desistiu do pedido de reintegração na Rede Team Europe.

    Quanto ao presente recurso

    19

    VG invoca dois fundamentos de recurso, relativos, por um lado, a um erro de direito na qualificação jurídica da ação de indemnização e à violação do dever de fundamentação e, por outro, a um erro de direito na qualificação jurídica da carta de acordo, à violação do dever de fundamentação e à desvirtuação dos factos.

    Quanto ao primeiro fundamento, considerado no seu todo, e à primeira e segunda partes do segundo fundamento, considerados em conjunto, relativos a um erro de direito no que respeita à qualificação da ação e à violação do dever de fundamentação

    Argumentos das partes

    20

    Em primeiro lugar, no que respeita à pretensa violação do dever de fundamentação, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral não explicou, antes de mais, a razão pela qual o pedido de indemnização está necessariamente ligado à interpretação da carta de acordo, quando o comportamento censurado nesse pedido não é a rutura do pretenso contrato, mas a violação dos direitos fundamentais de MS no tratamento da denúncia feita contra ele, pelo que a interpretação dessa carta não é necessária nem indispensável para examinar o referido pedido, na aceção do n.o 80 do Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg (C‑103/11 P, EU:C:2013:245).

    21

    Em seguida, o despacho recorrido não expõe as razões pelas quais o Tribunal Geral considerou que o tratamento dado pela Comissão à denúncia feita contra MS estava necessariamente ligado à interpretação da carta de acordo. A referida carta não contém disposições relativas ao tratamento de eventuais denúncias, nem contempla o dever da Comissão de justificar a renúncia à colaboração de um orador da rede Team Europe. As regras jurídicas, entre as quais os direitos fundamentais, cuja violação se alega, são aplicáveis independentemente das disposições da carta de acordo.

    22

    Por último, alguns elementos da petição inicial no Tribunal Geral ficaram sem resposta deste, que não verificou de forma objetiva e global, atendendo aos diferentes elementos do processo, se existia um verdadeiro contexto contratual, em conformidade com o exigido pelo Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg (C‑103/11 P, EU:C:2013:245).

    23

    VG sustenta igualmente que o Tribunal Geral violou o dever de fundamentação no que respeita à qualificação da carta de acordo.

    24

    Em segundo lugar, no que respeita ao pretenso erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na qualificação da ação proposta de «natureza contratual», VG alega, em substância, que o Tribunal Geral qualificou, erradamente, a carta de acordo de «contrato», quando se trata antes de orientações não vinculativas definidas unilateralmente pela Comissão e que regem o funcionamento da rede Team Europe. A Comissão nunca afirmou que a relação era de natureza contratual, como confirmam o n.o 21 das suas observações apresentadas perante a Provedora de Justiça Europeia e o n.o 15 do Despacho de 3 de maio de 2016, MS/Comissão (T‑17/16 AJ, não publicado, EU:T:2016:446), no qual o Tribunal Geral se pronunciou sobre o pedido de assistência judiciária. A carta de acordo limita‑se a um resumo dos direitos e deveres que regem a rede Team Europe, e não dos que regem as relações especiais entre a Comissão e MS. Não prevê sanções por violação das disposições dela constantes nem a referência ao direito aplicável ou aos órgãos jurisdicionais competentes, pelo que a carta de acordo antes remete para simples regras de conduta, e não para verdadeiras relações jurídicas entre pessoas. A Comissão modificou tardiamente a sua posição e invocou a natureza contratual da carta de acordo. A intenção comum das partes nunca foi de se comprometerem reciprocamente com base num contrato. Ora, a intenção das partes é um elemento determinante na qualificação de um ato como sendo de natureza contratual. Assim, o Tribunal Geral qualificou incorretamente a carta de acordo de «contrato» e violou o dever de fundamentação.

    25

    A Comissão propõe que o primeiro fundamento e a primeira e segunda partes do segundo fundamento sejam julgados improcedentes.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    26

    Em primeiro lugar, há que recordar que, no que respeita às ações judiciais intentadas contra a União, em que a sua responsabilidade por danos seja questionada, o Tratado FUE prevê uma repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais.

    27

    No que respeita à responsabilidade extracontratual da União, resulta do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, lido em conjugação com o artigo 268.o TFUE, que os litígios relativos a essa responsabilidade são da competência dos órgãos jurisdicionais da União.

    28

    A fim de aferir o tribunal competente para conhecer de uma dada ação judicial intentada contra a União, para que a mesma responda por um dano, é necessário examinar se essa ação tem por objeto a responsabilidade contratual da União ou a sua responsabilidade extracontratual (Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.o 61 e jurisprudência referida).

    29

    Para tal, os órgãos jurisdicionais da União não podem basear‑se simplesmente nas normas invocadas pelas partes. Assim, a simples invocação de regras jurídicas que não decorrem de um contrato pertinente neste caso, mas que se impõem às partes, não pode ter como consequência alterar a natureza contratual do litígio e, consequentemente, subtraí‑lo ao órgão jurisdicional competente. Se assim não fosse, a natureza do litígio e, por conseguinte, o órgão jurisdicional competente poderiam mudar em função das normas invocadas pelas partes, o que seria contrário às regras de competência material dos vários órgãos jurisdicionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).

    30

    Neste contexto, os órgãos jurisdicionais da União estão obrigados a verificar se a ação de indemnização nelas intentada tem por objeto um pedido de indemnização que assenta objetiva e globalmente em direitos e obrigações de origem contratual ou de origem extracontratual. Para tal, estes órgãos jurisdicionais devem verificar, através de uma análise dos diversos elementos do processo, como designadamente a regra de direito alegadamente violada, a natureza do prejuízo invocado, o comportamento censurado e as relações jurídicas existentes entre as partes em questão, se existe entre elas um verdadeiro contexto contratual, relacionado com o objeto do litígio, cujo exame aprofundado se revele ser indispensável para decidir a referida ação (Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.o 66).

    31

    Em segundo lugar, cabe recordar que o dever de fundamentar os acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força do artigo 36.o e do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. Desde que a fundamentação revele de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, a fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais as medidas em questão foram adotadas e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2018, L’Oréal/EUIPO, C‑519/17 P e C‑522/17 P a C‑525/17 P, não publicado, EU:C:2018:348, n.o 67 e jurisprudência referida).

    32

    No presente caso, cumpre salientar que o Tribunal de Geral declarou, desde logo, no n.o 34 do despacho recorrido, que a carta de acordo determina as respetivas obrigações das partes, a duração da cooperação e as modalidades de cessação desta. Em particular, salientou que o n.o 5 dessa carta se refere a condições de «resolução». Em seguida, o Tribunal Geral considerou, no n.o 35 desse despacho, que o pedido de indemnização estava ligado à interpretação da carta de acordo, uma vez que a recorrente não invocou outros atos de que a Comissão fosse autora. Por outro lado, o Tribunal Geral considerou, no n.o 36 do referido despacho, que o comportamento censurado tinha uma ligação direta com uma relação contratual existente, o que o levou a concluir, no n.o 37 do despacho recorrido, que o pedido de reparação do recorrente estava relacionado com a interpretação da carta de acordo e, no n.o 38 desse despacho, que essa carta conferia ao litígio natureza contratual. Por último, o Tribunal Geral salientou, no n.o 40 do despacho recorrido, que a carta de acordo não continha nenhuma cláusula compromissória, pelo que o litígio escapava à competência dos órgãos jurisdicionais da União.

    33

    Por consequência, deve concluir‑se que o Tribunal Geral fundamentou de forma juridicamente bastante que o objeto do litígio era de natureza contratual e que as condições que determinavam a competência dos órgãos jurisdicionais da União não estavam preenchidas.

    34

    Além disso, há que considerar que nenhum dos argumentos adiantados por VG demonstra que essas considerações padecem de erros de direito.

    35

    Em especial, a análise do Tribunal Geral não é contrariada pela circunstância de a recorrente se ter baseado numa citação extraída das observações anteriormente formuladas pela Comissão perante a Provedora de Justiça, e reproduzida no n.o 23 do despacho recorrido, segundo a qual a Comissão referiu que «os membros [do] Team Europe não tinham relação contratual com [ela]».

    36

    Com efeito, a posição anteriormente expressa pela Comissão perante a Provedora de Justiça não entra necessariamente em contradição com a que resulta da exceção de inadmissibilidade suscitada por esta instituição no Tribunal Geral.

    37

    A este respeito, importa salientar que essa citação está incompleta, na medida em que a frase, considerada no seu todo, refere que «[o]s membros do Team Europe não têm uma relação contratual com a Comissão e não auferem nenhuma remuneração ou subvenção por parte desta última».

    38

    Mesmo supondo que a referida citação pudesse ser compreendida no sentido de que exclui a existência de um contrato de trabalho, uma vez que a carta de acordo afastava qualquer tipo de remuneração e não previa um vínculo jurídico de subordinação, a inexistência de um contrato dessa natureza entre a Comissão e os membros da rede Team Europe não exclui a existência de outras obrigações acordadas entre os mesmos, de forma que existia entre eles uma relação que podia, não obstante, ser qualificada de «contratual» (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 2016, Granarolo, C‑196/15, EU:C:2016:559, n.o 25).

    39

    Por outro lado, resulta das considerações expressas na decisão da Provedora de Justiça de 19 de novembro de 2015 que esta última frisou que «se a Comissão decidir não dar continuidade à sua relação contratual com um perito ou com um dos membros das suas redes, deve, desde logo, antes de adotar uma posição definitiva, dar à pessoa em questão a oportunidade de exprimir o seu ponto de vista sobre a medida prevista».

    40

    Daqui resulta que o objeto do litígio entre as partes visa efetivamente contestar a rutura e, mais especificamente, as condições em que foi adotada a decisão da Comissão de pôr termo à colaboração de MS com a rede Team Europe.

    41

    A circunstância de a recorrente ter invocado a violação de direitos fundamentais também não altera a natureza do litígio entre as partes.

    42

    Com efeito, como recordado no n.o 29 do presente acórdão, e como o Tribunal de Justiça também declarou no n.o 43 do Acórdão de 20 de maio de 2009, Guigard/Comissão (C‑214/08 P, não publicado, EU:C:2009:330), a simples invocação de regras jurídicas que não decorrem do contrato, mas que se impõem às partes, não pode ter como consequência alterar a natureza contratual do litígio e, consequentemente, subtraí‑lo ao órgão jurisdicional competente. Se assim não fosse, a natureza do litígio e, por conseguinte, o órgão jurisdicional competente poderiam mudar em função das normas invocadas pelas partes, o que seria contrário às regras de competência material dos vários órgãos jurisdicionais.

    43

    Assim, o Tribunal Geral decidiu corretamente que os órgãos jurisdicionais da União não eram competentes e fundamentou suficientemente as razões pelas quais chegou à conclusão da existência de um verdadeiro contexto contratual relacionado com o objeto do litígio.

    44

    Nestas condições, o primeiro fundamento, no seu todo, bem como a primeira e segunda partes do segundo fundamento, considerados em conjunto, devem ser julgados improcedentes.

    Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à desvirtuação dos factos

    Argumentos das partes

    45

    Na terceira parte do segundo fundamento, a recorrente alega que, ao considerar que a carta de acordo constitui um contrato, sem definir o direito que lhe é aplicável, o Tribunal Geral desvirtuou a carta em apreço.

    46

    A Comissão considera que a terceira parte é inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    47

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do artigo 256.o, n.o 1, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito e que, portanto, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes e os elementos de prova. A apreciação dos factos e dos elementos de prova não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Todavia, essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 15 de maio de 2019, CJ/ECDC, C‑170/18 P, não publicado, EU:C:2019:410, n.o 39 e jurisprudência referida).

    48

    Quando o recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Klein/Comissão, C‑346/17 P, EU:C:2018:679, n.o 126 e jurisprudência referida).

    49

    No presente caso, a recorrente limita‑se a criticar sucintamente o raciocínio do Tribunal Geral, sem, contudo, demonstrar que assenta numa desvirtuação dos elementos de facto que lhe foram submetidos e que resulta manifesta dos documentos dos autos.

    50

    Além disso, a recorrente invoca pela primeira vez no Tribunal de Justiça o argumento da falta de identificação do direito aplicável.

    51

    Ora, tal argumento deve ser declarado inadmissível. Com efeito, segundo o artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, não pode ser alterado no recurso o objeto do litígio perante o Tribunal Geral. A competência do Tribunal de Justiça, em sede de recurso de segunda instância, está com efeito limitada à apreciação da solução jurídica que foi dada aos fundamentos debatidos em primeira instância. As partes não podem, por conseguinte, suscitar pela primeira vez no Tribunal de Justiça um fundamento que não suscitaram no Tribunal Geral, uma vez que isso equivaleria a permitir‑lhes submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em sede de recurso é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2018, Comissão/RW, C‑442/17 P(R), não publicado, EU:C:2018:6, n.o 70 e jurisprudência referida].

    52

    Daqui resulta que a terceira parte do segundo fundamento não pode ser acolhida.

    53

    Atendendo a todas as considerações expostas, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

    Quanto às despesas

    54

    O artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo prevê que se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão pediu a condenação de VG nas despesas e esta foi vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    VG é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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