EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62018CC0501

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 17 de setembro de 2020.
BT contra Balgarska Narodna Banka.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia-grad.
Reenvio prejudicial — Sistemas de garantia de depósitos — Diretiva 94/19/CE — Artigo 1.o, ponto 3, alínea i) — Artigo 7.o, n.o 6 — Artigo 10.o, n.o 1 — Conceito de “depósito indisponível” — Declaração da indisponibilidade do depósito — Autoridade competente — Direito a indemnização do depositante — Cláusula contratual contrária à Diretiva 94/19 — Princípio do primado do direito da União — Sistema europeu de supervisão financeira — Autoridade Bancária Europeia (ABE) — Regulamento (UE) n.o 1093/2010 — Artigo 1.o, n.o 2 — Artigo 4.o, ponto 2, alínea iii) — Artigo 17.o, n.o 3 — Recomendação da ABE a uma autoridade bancária nacional relativamente às medidas a tomar para dar cumprimento à Diretiva 94/19 — Efeitos jurídicos — Validade — Saneamento e liquidação das instituições de crédito — Diretiva 2001/24/CE — Artigo 2.o, sétimo travessão — Conceito de “medidas de saneamento” — Compatibilidade com o artigo 17.o, n.o 1, e o artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Responsabilidade dos Estados‑Membros em caso de violação do direito da União — Requisitos — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípio da cooperação leal — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípios da equivalência e da efetividade.
Processo C-501/18.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:729

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 17 de setembro de 2020 ( 1 )

Processo C‑501/18

BT

contra

Balgarska Narodna Banka

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 94/19/CE — Sistemas de garantia de depósitos — Conceito de depósito indisponível — Depósitos vencidos e exigíveis — Declaração da indisponibilidade de depósitos — Depósitos reembolsáveis — Cláusula contratual contrária à Diretiva 94/19 — Princípio do primado do direito da União — Regulamento (UE) n.o 1093/2010 — Autoridade Bancária Europeia — Recomendação relativa às ações necessárias para dar cumprimento à Diretiva 94/19 — Interpretação e invocabilidade — Validade»

1.

Em 2016, o titular de um depósito na conta corrente aberta em seu nome no Korporativna Targovska Banka (a seguir «KTB») demandou o Balgarska Narodna Banka (Banco Central da Bulgária; a seguir «BNB») num órgão jurisdicional búlgaro ( 2 ), pedindo que aquele o indemnizasse pelas perdas e danos sofridos resultantes do atraso no reembolso desse depósito.

2.

O demandante nesse processo alegava que o BNB devia ter declarado a indisponibilidade dos depósitos constituídos no KTB no prazo prescrito pela Diretiva 94/19/CE ( 3 ). Não o tendo feito, era‑lhe imputável o atraso no reembolso e estava obrigado a pagar os juros de mora vencidos até ao reembolso do montante do depósito.

3.

O órgão jurisdicional competente submeteu um pedido de decisão prejudicial, sobre o qual o Tribunal de Justiça se pronunciou no Acórdão de 4 de outubro de 2018, Kantarev ( 4 ).

4.

Na pendência da prolação do Acórdão Kantarev, outro tribunal búlgaro, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária) submeteu um pedido de decisão prejudicial no âmbito de um litígio análogo, que tinha igualmente por objeto uma ação de indemnização do BNB baseada em argumentos parcialmente coincidentes.

5.

Na sequência da prolação do Acórdão Kantarev, o Tribunal de Justiça deu conhecimento deste facto ao Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia), perguntando‑lhe se pretendia manter o seu pedido de decisão prejudicial, o que este último confirmou.

6.

Por indicação do Tribunal de Justiça, estas conclusões incidirão apenas sobre duas das questões agora submetidas que, ou não foram apreciadas ou foram‑no sob outra perspetiva, no Acórdão Kantarev: a) o conceito de «depósito vencido e exigível» do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19; e b) a incidência da Recomendação da Autoridade Bancária Europeia (a seguir «EBA») de 17 de outubro de 2014 ( 5 ).

7.

Estando a minha análise limitada a estas duas questões, referir‑me‑ei ao Acórdão Kantarev, sendo caso disso, na exposição do quadro jurídico, dos factos que determinaram o reembolso dos fundos depositados no KTB e da minha apreciação sobre as mesmas.

I. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Diretiva 94/19, alterada pela Diretiva 2009/14 ( 6 )

8.

No que respeita aos considerandos e aos artigos pertinentes desta diretiva, remeto para os n.os 3 a 6 do Acórdão Kantarev.

2.   Regulamento (UE) n.o 1093/2010 ( 7 )

9.

Os considerandos 27 a 29 têm a seguinte redação:

«(27)

A garantia de uma execução correta e plena da legislação da União constitui um requisito de base fundamental para a integridade, transparência, eficiência e bom funcionamento dos mercados financeiros, para a estabilidade do sistema financeiro e para a neutralidade das condições de concorrência entre instituições financeiras na União. Assim, deverá ser estabelecido um mecanismo pelo qual a Autoridade possa agir em caso de não aplicação ou de aplicação incorreta da legislação da União que configure a violação dessa legislação. Esse mecanismo deverá ser aplicável nas áreas em que a legislação da União defina obrigações claras e incondicionais.

(28)

Para permitir uma resposta proporcionada nos casos de aplicação incorreta ou insuficiente da legislação da União, deverá aplicar‑se um mecanismo em três fases. Em primeiro lugar, a Autoridade deverá dispor de poderes para investigar as alegações de aplicação incorreta ou insuficiente de obrigações decorrentes da legislação da União por parte das autoridades nacionais nas suas práticas de supervisão, após o que apresentará uma recomendação. Em segundo lugar, caso a autoridade nacional competente não siga a recomendação, a Comissão deverá ser competente para emitir um parecer formal, tendo em conta a recomendação da Autoridade, que exija à autoridade competente a adoção das medidas necessárias para garantir o cumprimento da legislação da União.

(29)

Em terceiro lugar, a fim de ultrapassar as situações excecionais de inação persistente por parte de uma autoridade competente, a Autoridade deverá ser competente para, em última instância, adotar decisões dirigidas a instituições financeiras individuais. Essa competência deverá ser limitada às circunstâncias excecionais em que uma autoridade competente não dê cumprimento ao parecer formal que lhe seja dirigido e em que exista legislação da União diretamente aplicável às instituições financeiras por força de regulamentos da União em vigor ou a adotar futuramente».

10.

O artigo 1.o, n.o 2, dispõe:

«A Autoridade age no âmbito das competências conferidas pelo presente regulamento e no âmbito de aplicação das Diretivas 2006/48/CE, 2006/49/CE e 2002/87/CE, do Regulamento (CE) n.o 1781/2006, da Diretiva 94/19/CE e das partes pertinentes das Diretivas 2005/60/CE, 2002/65/CE, 2007/64/CE e 2009/110/CE, na medida em que estes atos normativos se apliquem às instituições de crédito e financeiras e às autoridades competentes que procedem à sua supervisão, incluindo todas as diretivas, regulamentos e decisões baseados nesses atos, bem como de qualquer outro ato juridicamente vinculativo da União que confira atribuições à Autoridade.»

11.

O artigo 4.o, ponto 2, alínea iii), define como «autoridades competentes»:

«no que respeita aos sistemas de garantia de depósitos, os organismos que gerem esses sistemas nos termos da Diretiva 94/19/CE ou, nos casos em que o funcionamento do regime de garantia de depósitos seja administrado por uma empresa privada, a autoridade pública responsável pela supervisão dessa empresa nos termos da referida diretiva».

12.

O artigo 16.o estabelece:

«1.   A fim de definir práticas de supervisão coerentes, eficientes e eficazes no âmbito do SESF e garantir uma aplicação comum, uniforme e coerente da legislação da União, a Autoridade emite orientações e recomendações dirigidas às autoridades competentes ou a instituições financeiras.

[…]

3.   As autoridades competentes e as instituições financeiras desenvolvem todos os esforços para dar cumprimento a essas orientações e recomendações.

No prazo de dois meses a contar da data de emissão de uma orientação ou recomendação, cada autoridade competente confirma se dá ou tenciona dar cumprimento a essa orientação ou recomendação. Se uma autoridade competente não der ou tencionar não dar cumprimento a essa orientação ou recomendação, deve informar a Autoridade, indicando as razões da sua decisão.

A Autoridade torna público o facto de que uma autoridade competente não dá ou não tenciona dar cumprimento a uma orientação ou recomendação. A Autoridade pode também decidir, caso a caso, publicar as razões apresentadas pela autoridade competente para não dar cumprimento à orientação ou recomendação. A autoridade competente é previamente notificada dessa publicação.

Se a orientação ou recomendação assim o exigir, as instituições financeiras apresentam relatórios claros e detalhados indicando se cumprem a orientação ou recomendação em causa.

[…]»

13.

O artigo 17.o prevê:

«1.   Caso uma autoridade competente não aplique os atos referidos no n.o 2 do artigo 1.o, ou os aplique de forma que pareça configurar uma violação da legislação da União, nomeadamente das normas técnicas de regulamentação e de execução estabelecidas nos termos dos artigos 10.o a 15.o, em especial não assegurando que uma instituição financeira respeite os requisitos definidos naqueles atos, a Autoridade faz uso das competências previstas nos n.os 2, 3 e 6 do presente artigo.

2.   A pedido de uma ou mais autoridades competentes, do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão ou do Grupo das Partes Interessadas do Setor Bancário ou por sua própria iniciativa, e após informação à autoridade competente em questão, a Autoridade pode investigar o alegado incumprimento ou não aplicação da legislação da União.

[…]

3.   A Autoridade pode, no prazo de dois meses a contar do lançamento da sua investigação, dirigir à autoridade competente em questão uma recomendação que defina as medidas necessárias para dar cumprimento à legislação da União.

No prazo de 10 dias úteis a contar da receção dessa recomendação, a autoridade competente informa a Autoridade das medidas que adotou ou tenciona adotar para garantir esse cumprimento.

4.   Caso a autoridade competente não cumpra a legislação da União no prazo de um mês a contar da receção da recomendação da Autoridade, a Comissão pode, depois de ter sido informada pela Autoridade ou por sua própria iniciativa, emitir um parecer formal que exija à autoridade competente a adoção das medidas necessárias para dar cumprimento à legislação da União. O parecer formal da Comissão deve ter em conta a recomendação da Autoridade.

A Comissão deve emitir parecer formal no prazo de três meses a contar da data de adoção da recomendação. A Comissão pode prorrogar este prazo por um mês.

A Autoridade e as autoridades competentes fornecem à Comissão toda a informação necessária.

5.   No prazo de 10 dias úteis a contar da receção do parecer formal referido no n.o 4, a autoridade competente informa a Comissão e a Autoridade das medidas que adotou ou tenciona adotar para dar cumprimento ao referido parecer formal.

6.   Sem prejuízo dos poderes atribuídos à Comissão pelo artigo 258.o do TFUE, caso uma autoridade competente não cumpra o parecer formal referido no n.o 4 no prazo nele estabelecido e seja necessário sanar em tempo útil a situação de incumprimento para manter ou repor as condições de neutralidade concorrencial no mercado ou para garantir o bom funcionamento e a integridade do sistema financeiro, a Autoridade pode, caso os requisitos relevantes dos atos referidos no n.o 2 do artigo 1.o sejam diretamente aplicáveis às instituições financeiras, adotar uma decisão individual dirigida a uma instituição financeira exigindo‑lhe a adoção das medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações decorrentes da legislação da União, nomeadamente através da cessação de determinadas práticas.

A decisão da Autoridade deve ser conforme com o parecer formal emitido pela Comissão nos termos do n.o 4.

7.   As decisões adotadas ao abrigo do n.o 6 prevalecem sobre qualquer decisão anteriormente adotada pelas autoridades competentes sobre o mesmo assunto.

Ao tomar medidas em relação a questões que sejam objeto de um parecer formal nos termos do n.o 4 ou de uma decisão ao abrigo do n.o 6, as autoridades competentes devem dar cumprimento a esse parecer formal ou a essa decisão, consoante o caso.

[…]»

14.

O artigo 26.o, n.o 2, tem a seguinte redação:

«O artigo 16.o relativo às competências da Autoridade para adotar orientações e recomendações é aplicável aos sistemas de garantia dos depósitos.»

B. Direito nacional

15.

Remeto para a transcrição das leis búlgaras efetuada nos n.os 8 a 25 do Acórdão Kantarev.

16.

Sublinho, apenas, que o artigo 23.o, n.os 1 e 5, da Zakona za garantirane na vlogovete v bankite (Lei relativa à garantia dos depósitos bancários) ( 8 ) tem a seguinte redação:

«1.   O Fundo reembolsará as dívidas do banco em causa aos seus depositantes até ao limite dos níveis garantidos quando o [BNB] tiver revogado a licença bancária do banco comercial.

[…]

5.   O reembolso de montantes pelo Fundo tem início, o mais tardar, 20 dias úteis a contar da data em que o [BNB] tomou a decisão referida no n.o 1.»

II. Litígio e questões prejudiciais

17.

Nos anos de 2008, 2010 e 2011, o demandante e o KTB celebraram três contratos sem prazo em euros e em lev (BGN), garantidos pelo fundo de garantia dos depósitos bancários (a seguir «Fundo») até ao montante de 196000 BGN por pessoa.

18.

A situação do KTB em 2014 e a atuação das autoridades nacionais foram descritas do seguinte modo no Acórdão Kantarev (n.os 27 e 28):

«Tendo o Banco KTB enfrentado uma crise de liquidez na sequência de uma corrida aos depósitos que detinha, os seus representantes requereram, em 20 de junho de 2014, ao BNB a colocação dessa instituição de crédito sob supervisão especial. Informaram igualmente o BNB da suspensão dos pagamentos e da totalidade das operações bancárias da referida instituição. Por decisão do mesmo dia, o conselho de administração do BNB colocou o Banco KTB sob supervisão especial por um período de três meses. O cumprimento dos compromissos dessa instituição de crédito foi suspenso e a sua atividade limitada. Foram nomeados supervisores que foram encarregados pelo BNB de obter uma avaliação dos ativos e das dívidas da referida instituição a realizar por um auditor externo.

[…] Esta avaliação indicou que o resultado financeiro do Banco KTB era negativo e que este não preenchia os requisitos em matéria de fundos próprios previstos na regulamentação da União. Por conseguinte, por decisão de 6 de novembro de 2014, em primeiro lugar, o BNB revogou a licença bancária do Banco KTB, em segundo lugar, decidiu que deviam ser tomadas medidas para a abertura de um processo de insolvência deste e, em terceiro lugar, decidiu que era necessário informar o Fundo.»

19.

Na decisão do Conselho de Administração do BNB de 30 de junho de 2014, os juros dos depósitos no KTB foram reduzidos, com efeito a partir de 1 de julho de 2014, para a taxa média habitual do mercado e foi estabelecida uma escala dos juros normais ( 9 ).

20.

Em 1 de agosto de 2014, a Comissão Europeia enviou uma notificação para cumprir ao Ministro das Finanças da Bulgária, no quadro do procedimento previsto no artigo 258.o TFUE, por transposição incorreta da Diretiva 94/19 e violação do artigo 63.o TFUE ( 10 ).

21.

Por decisão de 16 de setembro de 2014, o Conselho de Administração do BNB prorrogou as medidas de supervisão até 20 de novembro de 2014.

22.

Em 17 de outubro de 2014, a EBA emitiu a Recomendação EBA/2014/02, dirigida ao BNB e ao Fundo, nos termos do artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010. Nesta recomendação indicava‑se que o BNB tinha violado o direito da União, por não ter feito o necessário para verificar a indisponibilidade dos depósitos nos termos do artigo 1.o, n.o 3, ponto i), da Diretiva 94/19, por ter decidido suspender o cumprimento de todas as obrigações e por não permitir o acesso dos depositantes aos depósitos garantidos.

23.

Segundo o considerando 27 desta recomendação, a decisão do BNB, de 20 de junho de 2014, de colocar o KTB sob supervisão especial e de suspender as suas obrigações equivalia à declaração da indisponibilidade dos depósitos na aceção do artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 e, por conseguinte, o Fundo devia pagar os montantes garantidos dos depósitos indisponíveis.

24.

O reembolso dos depósitos ao demandante foi efetuado em termos análogos aos visados pelo Acórdão Kantarev ( 11 ), embora aquele tenha recebido do Fundo, de acordo com os dados do órgão jurisdicional de reenvio o reembolso dos seus depósitos garantidos no KTB num montante de 196000 BGN, acrescido dos juros correspondentes relativos ao período de 30 de junho a 6 de novembro de 2014. Os outros depósitos de que era titular, num montante de 44070 BGN (cerca de 22500 euros), foram incluídos na lista de créditos reconhecidos, no âmbito do processo de insolvência, na ordem prevista pela legislação búlgara aplicável.

25.

Em 7 de março de 2015, o Sofiyski apelativen sad (Tribunal de Recurso de Sófia, Bulgária) fixou em 20 de junho de 2014 a data de início do estado de insolvência do KTB, pois foi nessa data que os capitais próprios do banco passaram a apresentar um valor negativo.

26.

A ação por incumprimento de Estado intentada pela Comissão contra a Bulgária deu entrada em 10 de dezembro de 2015.

27.

BT intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação de indemnização por perdas e danos ( 12 ) resultantes, direta e indiretamente, das ações e omissões do BNB, que, em seu entender, violam o direito da União, no que respeita à intervenção do KTB.

28.

A ação inclui dois pedidos:

Em primeiro lugar, o pagamento dos juros legais relativos ao montante garantido dos depósitos no KTB respeitantes ao período de 30 de junho a 4 de dezembro de 2014, no valor de 8627,96 BGN (cerca de 4400 euros). Como fundamento deste pedido, o recorrente alega que, enquanto autoridade competente, o BNB omitiu o seu dever de verificar que esses depósitos estavam indisponíveis desde 30 de junho de 2014, violando a Diretiva 94/19 e atrasando ilegalmente o seu reembolso até 4 de dezembro de 2014.

Em segundo lugar, o pagamento de 44070 BGN (cerca de 22500 euros), montante dos depósitos no KTB que excede o mínimo garantido. O comportamento do BNB teria precipitado a insolvência do KTB e as possibilidades de recuperar esse montante no âmbito do processo nacional de insolvência são ínfimas, o que constitui uma violação dos artigos 17.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

29.

Para decidir estes pedidos, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial que inclui várias questões, das quais apenas transcrevo aquelas sobre as quais incidirá a minha análise:

«[…]

2)

Decorre do considerando 27 do Regulamento (UE) n.o 1093/2010 […] que a recomendação emitida com base no artigo 17.o, n.o 3, do regulamento, na qual foi constatada uma violação do direito da União pelo banco central de um Estado‑Membro, relacionada com o prazo de reembolso ao depositante dos depósitos garantidos na instituição de crédito respetiva, em circunstâncias como as do processo principal:

confere aos depositantes desta instituição de crédito o direito de invocarem essa recomendação num tribunal nacional para fundamentarem uma ação de indemnização por perdas e danos por esta mesma violação do direito da União, tendo em conta a competência da Autoridade Bancária Europeia para constatar a existência de violações do direito da União e tendo em conta que os depositantes não são nem podem ser destinatários da recomendação e que esta não produz quaisquer efeitos jurídicos diretos na sua esfera jurídica;

atendendo ao pressuposto de que a disposição violada deve prever obrigações claras e incondicionais, se se tiver em conta que o artigo 1.o, n.o 3, ponto i), da Diretiva 94/19/CE […] interpretado em conjugação com os seus considerandos 12 e 13, não contém todos os elementos necessários para fundar uma obrigação clara e incondicional dos Estados‑Membros e não confere aos depositantes nenhuns direitos imediatos; e considerando o facto de que esta diretiva apenas prevê uma harmonização mínima, que não contém indicações com as quais se possam determinar os depósitos indisponíveis, e que a recomendação não se baseou em outras disposições claras e incondicionais do direito da União que forneçam tais indicações, a saber, entre outras, a determinação da falta de liquidez e a inexistência de perspetivas de reembolso nesse momento; a existência de uma obrigação de ordenar medidas preventivas de intervenção e de continuar a atividade comercial da instituição de crédito;

tendo em conta o objeto, a garantia dos depósitos e a competência da Autoridade Bancária Europeia para emitir recomendações relativas ao sistema de garantia dos depósitos, nos termos do artigo 26.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1093/2010, é válida quanto ao banco central nacional, que não tem qualquer relação com o sistema nacional de garantia dos depósitos e não é uma autoridade competente na aceção do artigo 4.o, n.o 2, ponto iii), deste regulamento?

[…]

4)

Decorre da interpretação do artigo 10.o, n.o 1, conjugado com o artigo 1.o, n.o 3, ponto i) e com o artigo 7.o, n.o 6, da Diretiva 94/19, e das considerações feitas no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21 de dezembro de 2016, Vervloet e o. (C‑76/15, EU:C:2016:975, n.os 82 a 84), que são abrangidos pelo âmbito de aplicação das disposições da diretiva os depositantes

cujos depósitos não eram reembolsáveis com base em contratos e disposições legais durante o período que decorreu desde a suspensão dos pagamentos da instituição de crédito até à data em que lhe foi retirada a licença bancária e o respetivo depositante não manifestou que pretendia o reembolso,

que concordaram com uma cláusula que prevê o reembolso dos depósitos de montante garantido de acordo com o procedimento regulado no direito de um Estado‑Membro, concretamente mesmo depois de retirada a licença da instituição de crédito que gere os depósitos e se verifica esta condição, e

a referida cláusula do contrato de depósito, segundo o direito do Estado‑Membro, tem força legal entre as partes contratantes?

Decorre das disposições desta diretiva ou de outras disposições do direito da União que o tribunal nacional pode não tomar em consideração esta cláusula do contrato de depósito e pode não examinar a ação de um depositante que pede o pagamento de juros por não lhe ter sido reembolsado dentro do prazo o montante garantido de um depósito, em conformidade com este contrato, com base nos pressupostos da responsabilidade extracontratual por danos resultantes de uma violação do direito da União e com base no artigo 7.o, n.o 6, da Diretiva 94/19?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

30.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de agosto de 2018.

31.

Apresentaram observações escritas o BNB e a Comissão, não tendo sido considerada necessária a realização de uma audiência.

32.

Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça na sequência da prolação do Acórdão Kantarev, o órgão jurisdicional de reenvio indicou, em 9 de novembro de 2018, que mantinha o seu pedido de decisão prejudicial, uma vez que subsistiam, entre outras, as suas dúvidas quanto à obrigação de ter em conta a Recomendação EBA/2014/02.

IV. Apreciação

A. Indisponibilidade dos depósitos, determinação dos depósitos reembolsáveis e pagamento dos depósitos (quarta questão prejudicial)

33.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a garantia prevista na Diretiva 94/19 [artigo 1.o, n.o 3, alínea i), conjugado com os seus artigos 7.o, n.o 6, e 10.o] abrange os depositantes:

cujos depósitos não eram reembolsáveis com base em contratos e disposições legais durante o período que decorreu desde a suspensão dos pagamentos da instituição de crédito até à data de revogação da licença bancária e o respetivo depositante não pediu o seu reembolso;

que concordaram com uma cláusula, com força legal entre as partes contratantes, que prevê o reembolso do montante garantido de acordo com o direito de um Estado‑Membro, concretamente após a revogação da licença da instituição de crédito que gere os depósitos.

34.

Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se deve desaplicar uma cláusula contratual deste tipo quando aprecia um pedido de indemnização por perdas e danos causados pelo pagamento tardio, na aceção da Diretiva 94/19, do montante garantido dos depósitos.

35.

O Acórdão Kantarev limitava‑se a um pedido de indemnização por perdas e danos sofridos por uma pessoa cujos depósitos no KTB já eram indubitavelmente exigíveis no «momento da declaração da indisponibilidade dos depósitos». Pelo contrário, no caso em apreço, coloca‑se a questão de saber se as mesmas disposições da Diretiva 94/19 protegem também um depositante cujos depósitos no KTB não eram exigíveis naquele momento.

36.

A análise detalhada do mecanismo de garantia de depósitos instituído pela Diretiva 94/19 permite, na minha opinião, explicar e aplicar adequadamente a jurisprudência Kantarev.

37.

A intervenção dos sistemas de garantia de depósitos (a seguir «SGD») nacionais ocorre mediante um procedimento cujos elementos essenciais são regulados pela Diretiva 94/19. Tem um duplo objetivo: proteger os depositantes ( 13 ) e assegurar a estabilidade do sistema bancário ( 14 ).

38.

O procedimento destinado a dar execução à garantia de depósitos bancários compreende‑se melhor, distinguindo‑se três fases:

A inicial, para declarar a indisponibilidade dos depósitos de uma instituição bancária, função que incumbe à autoridade nacional competente.

A intermédia, em que são identificados os depósitos que o SGD deve reembolsar.

A final, em que o SGD reembolsa aos seus titulares os depósitos garantidos.

1.   Fase inicial

39.

A autoridade nacional competente tem de decidir se os depósitos numa instituição financeira estão disponíveis. Para a adoção desta decisão, o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 exige:

Que os depósitos, «tendo‑se vencido e sendo exigíve[is], não t[enham] sido pago[s] por uma instituição de crédito ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe[s] sejam aplicáveis» ( 15 ).

Que a autoridade nacional competente verifique que, «na sua opinião, a instituição de crédito […] não parece ter, nesse momento, por razões diretamente relacionadas com a sua situação financeira, possibilidade de restituir os depósitos, nem perspetivas de proximamente vir a poder fazê‑lo».

40.

O prazo dentro do qual a autoridade nacional competente deve tomar essa decisão inicial é muito curto: «no máximo, cinco dias úteis após se terem certificado pela primeira vez de que a instituição de crédito não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis».

41.

O Acórdão Kantarev clarificou vários elementos da regulamentação desta etapa inicial, que importa recordar:

O artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 confere direitos aos particulares ( 16 ) e tem efeito direto, embora deixe uma certa margem de apreciação aos Estados‑Membros quanto à designação da autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos e para examinar a situação financeira da instituição de crédito em causa ( 17 ).

A autoridade competente deve declarar a indisponibilidade dos depósitos logo que possível e, no máximo, cinco dias úteis após se ter certificado pela primeira vez de que uma instituição de crédito não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis. Esta disposição estabelece uma obrigação incondicional e suficientemente precisa ( 18 ).

A indisponibilidade dos depósitos deve ser declarada por um ato expresso da autoridade nacional competente e não pode ser deduzida de outros atos das autoridades nacionais ( 19 ).

O prazo ( 20 ) de cinco dias para declarar a indisponibilidade tem caráter imperativo, não tendo sido prevista nenhuma derrogação, pelo que a autoridade nacional também não a pode estabelecer ( 21 ).

A decisão de declarar indisponíveis os depósitos é subordinada apenas à condição («necessária e suficiente») do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), primeiro parágrafo, da Diretiva 94/19 ( 22 ). Por conseguinte, não pode depender da insolvência da instituição de crédito nem da revogação da sua licença bancária ( 23 ).

42.

No entanto, o Acórdão Kantarev não abordou a questão que o órgão jurisdicional de reenvio agora suscita: se a definição de «depósito indisponível» abrange o depósito que, como consequência de uma cláusula contratual, não tem a qualidade de vencido nem de exigível, porque o contrato remete para a lei nacional, nos termos da qual só é exigível em caso de revogação da licença bancária.

43.

Em meu entender, um depósito com estas características não pode ser qualificado de «depósito indisponível» nesta primeira fase do procedimento. Um depósito que não tenha vencido e que não seja exigível, ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis em conformidade com o direito nacional, não pode ser contabilizado pela autoridade nacional competente como depósito indisponível.

44.

A chave para determinar quando é que um depósito venceu e se tornou exigível reside, antes de mais, na relação contratual entre a instituição financeira e o seu cliente. Se ambas as partes acordarem que a instituição financeira só é obrigada a reembolsar ao cliente o montante do seu depósito em determinado momento, não se pode falar de vencimento ou de exigibilidade se esse momento ainda não se tiver verificado.

45.

Por conseguinte, um depósito com estas características não pode, por si só, conduzir a instituição de crédito à «situação financeira» a que se refere o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19, determinante da sua impossibilidade de reembolsar os depósitos.

46.

Ora, além de depósitos que não estejam vencidos e exigíveis, a instituição financeira terá muitos depósitos que se encontrem nessa situação. Se for esse o caso, «basta que seja declarado que a referida instituição de crédito não restituiu determinados depósitos e que estão preenchidos os requisitos enunciados no artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 para que seja decretada a indisponibilidade de todos os depósitos detidos por essa instituição» ( 24 ).

47.

Em suma, a declaração de indisponibilidade «está relacionada com a situação financeira objetiva da instituição de crédito e é relativa, de modo geral, à totalidade dos depósitos detidos por essa instituição e não a cada um dos depósitos que aquela detém» ( 25 ).

2.   Fase intermédia

48.

Na segunda fase do procedimento, a autoridade nacional competente deve decidir sobre os depósitos a reembolsar pelo SGD ( 26 ).

49.

A Diretiva 94/19 prevê, para este efeito:

Que são excluídos (isto é, não serão reembolsáveis) os depósitos feitos por outras instituições de crédito em seu próprio nome e por sua própria conta, os fundos próprios das instituições financeiras e os depósitos decorrentes de operações em relação às quais tenha sido proferida uma condenação penal por branqueamento de capitais (artigo 2.o).

Que os Estados podem excluir da garantia, ou estabelecer que lhes seja atribuído um nível de garantia inferior, determinados depositantes ou depósitos (artigo 7.o, n.o 2). Terão de o fazer em conformidade com a lista constante do Anexo I da Diretiva 94/19 ( 27 ). Não consta que a Bulgária tenha recorrido a esta possibilidade.

50.

O SGD deverá reembolsar (logicamente, nos montantes garantidos) todos os depósitos de uma instituição bancária abrangida pela declaração de indisponibilidade, com exceção dos que sejam objeto de um motivo de exclusão. Desta premissa decorrem diversas consequências para o presente litígio.

51.

Em primeiro lugar, como já referi, a declaração da impossibilidade de reembolsar depende exclusivamente dos requisitos do artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19. Nem esta nem qualquer outra das suas disposições permitem sujeitá‑la a condições suplementares ou diferentes.

52.

No Acórdão Kantarev recusou‑se que a declaração da indisponibilidade dos depósitos seja subordinada a um pedido prévio de levantamento dos fundos que não tenha sido bem‑sucedido (n.o 81), da insolvência da instituição de crédito ou da revogação da sua licença bancária (n.o 51) ou da colocação prévia a uma supervisão especial a cargo das autoridades bancárias (n.o 60).

53.

Uma regulamentação nacional que imponha esses ou outros requisitos diferentes dos enunciados no artigo 1.o, n.o 3, alínea i), violaria esta disposição, bem como o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19.

54.

Em segundo lugar, a declaração da indisponibilidade é decidida pela autoridade competente após ter apreciado as dificuldades que, dada a sua situação financeira, a instituição de crédito enfrenta para reembolsar os depósitos. Ainda que, como também já referi, não seria lógico que, para adotar essa decisão, fossem tomados em consideração, por si só, os depósitos cuja obrigação de reembolso está prevista para o futuro, a apreciação da autoridade competente diz respeito, uma vez convertida em decisão, à totalidade dos depósitos detidos por essa instituição de crédito ( 28 ).

55.

Por esse motivo, a regra geral é a do reembolso de todos os depósitos da instituição financeira, a partir desse momento, independentemente do seu vencimento e exigibilidade (exceto os previstos na enumeração exaustiva do artigo 2.o da Diretiva 94/19).

56.

Por outras palavras, são reembolsáveis tanto os depósitos vencidos e exigíveis como os que não têm essas duas qualidades, quando o estabelecimento entrou numa situação objetiva de incapacidade financeira para fazer face às suas obrigações de reembolso. Essa situação diz respeito tanto às suas obrigações passadas e presentes (depósitos vencidos e exigíveis) como às futuras (depósitos nem vencidos nem exigíveis).

57.

Assim, na fase intermédia, todos os depósitos da instituição devem ser identificados pela autoridade competente para que o SGD proceda, se for caso disso, ao seu reembolso posterior. Esta interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea i), e do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 é a mais conforme com os objetivos da Diretiva 94/19 (a proteção dos depositantes e a garantia de estabilidade do sistema financeiro).

58.

Se os depósitos não vencidos e não exigíveis de uma instituição de crédito sujeita ao SGD não fossem reembolsáveis, nesse momento, pelo mecanismo de garantia, os depositantes correriam o risco de não recuperarem, no futuro, as suas economias nos processos de saneamento e de liquidação da instituição de crédito em dificuldade. Além disso, a estabilidade do sistema financeiro ficaria comprometida pela falta de confiança dos clientes na segurança dos seus depósitos a médio e longo prazo.

3.   Fase final

59.

Nesta fase, o SGD procede ao reembolso ou pagamento dos depósitos. Nos termos do artigo 7.o, n.o 1‑A, primeiro parágrafo, da Diretiva 94/19, o montante cujo reembolso é garantido pelos Estados‑Membros é de 100000 EUR.

60.

O reembolso deve ser feito num curto espaço de tempo (20 dias) ( 29 ) para que os depositantes não sejam privados das suas economias e não se encontrem, por essa razão, na impossibilidade de fazer face, nomeadamente, às suas despesas quotidianas. A estabilidade do sistema bancário também requer que o reembolso seja rápido ( 30 ).

61.

O reembolso dos depósitos pelo SGD não está relacionado com os eventuais processos de saneamento e de liquidação da instituição de crédito, pois só assim pode ser efetuado rapidamente, no prazo de 20 dias a contar da decisão de indisponibilidade ( 31 ). As dúvidas que o considerando 12 da Diretiva 2009/14 ( 32 ) poderia suscitar, a este respeito, foram clarificadas pelo Tribunal de Justiça no sentido de que esses procedimentos não prejudicam a indisponibilidade dos depósitos nem o seu reembolso ( 33 ).

62.

O reembolso dos depósitos também não pode ser subordinado à existência de um pedido prévio de pagamento infrutífero do depositante ( 34 ). O artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 94/19 precisa que o SGD não pode invocar o prazo de reembolso de 20 dias para recusar o benefício da garantia a um depositante que não tenha podido deduzir atempadamente o seu pedido de pagamento a título de garantia.

63.

Se o SGD não respeitar o prazo de 20 dias para o reembolso dos depósitos garantidos, os depositantes podem exigir, além disso, o pagamento dos respetivos juros ( 35 ).

4.   Garantia jurisdicional e primado do direito da União

64.

O artigo 7.o, n.o 6, da Diretiva 94/19 dispõe que «[o]s Estados‑Membros devem assegurar que o direito a indemnização dos depositantes possa ser objeto de recurso do depositante contra o sistema de garantia de depósitos».

65.

Por conseguinte, os depositantes podem utilizar as vias de recurso disponibilizadas pelas suas ordens internas para obterem a anulação das decisões e omissões do SGD e para pedirem a indemnização por perdas e danos que este lhes tenha causado.

66.

Recordo que, segundo o Tribunal de Justiça, o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 «tem efeito direto e constitui uma regra de direito destinada a conferir direitos aos particulares» ( 36 ).

67.

Nos seus recursos nos órgãos jurisdicionais nacionais, os depositantes podem beneficiar do princípio do primado do direito da União. Por força desta disposição, o juiz nacional é obrigado a não aplicar qualquer norma interna contrária à Diretiva 94/19 ( 37 ): por conseguinte, no caso em apreço, deve abster‑se de aplicar uma disposição nacional contrária ao artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva ( 38 ).

68.

Este dever é independente do facto de o legislador búlgaro ter ou não transposto esta disposição da Diretiva 94/19 para a norma interna de desenvolvimento ( 39 ).

69.

O princípio do primado implica igualmente que, quando a norma interna incompatível com o direito da União é incorporada no conteúdo de uma cláusula contratual, o juiz nacional pode alargar a essa cláusula as consequências inerentes à sua incompatibilidade com o direito da União. É indiferente que o argumento das partes a este respeito seja alegado numa ação de indemnização por perdas e danos causados ou noutro tipo de recursos jurisdicionais.

70.

Nas circunstâncias do caso em apreço, nada se opõe a que o juiz nacional aplique o princípio do primado se: a) a disposição nacional subordina a obrigação do SGD de reembolsar os titulares dos depósitos ainda não vencidos e não exigíveis à revogação prévia da licença da instituição financeira depositária, cujos depósitos tenham sido declarados indisponíveis; e b) a mesma regulamentação é incorporada numa cláusula contratual aceite pelo direito interno.

5.   Recapitulação

71.

As reflexões que precedem levam‑me a sugerir esta resposta à quarta questão prejudicial:

O artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19, conjugado com os seus artigos 7.o, n.o 6, e 10.o, deve ser interpretado no sentido de que:

um depósito não vencido e não exigível ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis não pode ser tomado em consideração, pela autoridade competente, para declarar a indisponibilidade dos depósitos.

Um depósito não vencido e não exigível ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis deve ser qualificado de depósito reembolsável, desde que a autoridade competente tenha declarado a indisponibilidade dos depósitos da instituição financeira.

O juiz nacional deve abster‑se de aplicar uma norma nacional que subordine a obrigação de reembolsar os depósitos ainda não vencidos e não exigíveis, mas que foram objeto de uma declaração de indisponibilidade, à revogação prévia da licença da instituição financeira depositária. Também não deve aplicar uma cláusula que incorpora essa norma nacional, incompatível com o direito da União, num contrato de depósito bancário.

B. Segunda questão prejudicial: interpretação e validade da recomendação da EBA

72.

A segunda questão prejudicial tem por objeto a Recomendação EBA/2014/02, adotada nos termos do artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010. O tribunal a quo pretende saber: a) se os depositantes, embora não sejam os seus destinatários, a podem invocar numa ação de indemnização por perdas e danos causados pela violação do direito da União; e b) se é válida.

1.   Recomendações da EBA

73.

A EBA é competente para intervir na transposição das diretivas da União relativas aos SGD, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010 ( 40 ).

74.

No exercício desta atribuição, a EBA pode dirigir‑se às «autoridades [nacionais] competentes» em matéria de garantias de depósitos ( 41 ). Deve fazê‑lo, segundo o considerando 20 do Regulamento n.o 1093/2010, para promover uma abordagem coerente, de modo a assegurar a igualdade de condições de concorrência e o tratamento equitativo dos depositantes em toda a União.

75.

As competências da EBA no que se refere aos SGD traduzem‑se na possibilidade de:

Adotar normas técnicas de regulamentação ou de execução ( 42 ).

Emitir recomendações (e orientações), dirigidas às autoridades competentes ou às instituições financeiras, relativa à aplicação do direito da União nos âmbitos não abrangidos pelas normas técnicas de regulamentação ou de execução ( 43 ). Esta atribuição é expressamente aplicável aos SGD ( 44 ).

Reagir, nos seus domínios de competência, contra uma eventual violação do direito da União ( 45 ), quando a autoridade nacional não o aplicar ou o fizer de forma incorreta ( 46 ).

76.

As recomendações da EBA não são juridicamente vinculativas. Como a sua denominação indica, não comportam uma ordem, mas um simples convite para agir. Pertencem à categoria prevista no artigo 288.o, quinto parágrafo, TFUE ( 47 ).

77.

Ora, o artigo 16.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1093/2010 exige que as autoridades competentes e as instituições financeiras desenvolvam todos os esforços para dar cumprimento a essas recomendações.

78.

Entendidas desta forma, estas recomendações têm um certo efeito jurídico, embora não vinculativo: as autoridades nacionais competentes devem confirmar, no prazo de dois meses, se lhe dá ou tenciona dar cumprimento ou se tenciona não o fazer. Nesta última situação, deve indicar à EBA as razões da sua decisão (artigo 16.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1093/2010) e a EBA publicará tanto o facto de que uma autoridade competente não dá ou não tenciona dar cumprimento como as razões indicadas ( 48 ).

79.

As recomendações da EBA baseadas no artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010 apresentam elementos que as distinguem das do artigo 16.o:

Estas (as do artigo 16.o) têm caráter geral e necessitam que a autoridade a que se dirigem justifique, sendo o caso, o facto de não lhes dar cumprimento («comply or explain») ( 49 ).

As recomendações do artigo 17.o, n.o 3, têm, em contrapartida, uma natureza individual, o que as aproxima (sem as equiparar) às decisões, tendo sido concebido um procedimento ad hoc para fazer face às consequências do seu incumprimento.

80.

A autoridade nacional destinatária das recomendações do artigo 17.o, n.o 3, arrisca‑se, se não lhes der cumprimento ( 50 ), a ser objeto da ação por incumprimento a que me referirei posteriormente. De certo modo, estas recomendações são (ou podem tornar‑se) o primeiro elo deste procedimento ( 51 ), que a EBA leva a cabo com o apoio da Comissão.

81.

Além disso, as recomendações do artigo 17.o, n.o 3, podem ser impugnadas pelos interessados na Câmara de Recurso das Autoridades Europeias de Supervisão, nos termos do artigo 60.o do Regulamento n.o 1093/2010.

82.

O caráter não definitivo e a inexistência de efeitos jurídicos vinculativos das recomendações da EBA previstas no artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010 têm incidência na sua invocabilidade e na sua fiscalização jurisdicional. Em especial, obstam a uma fiscalização direta da sua legalidade através de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE.

83.

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça só admite os recursos de anulação de atos jurídicos vinculativos ( 52 ), em função do seu conteúdo real, do contexto da sua adoção e dos poderes da instituição autora ( 53 ).

84.

No entanto, as recomendações da EBA podem ser invocadas num litígio perante os juízes nacionais que tenha por objeto a interpretação de disposições vinculativas da União a que estão associadas ( 54 ).

85.

Antes de analisar este ponto, importa fazer referência ao procedimento regulado no artigo 17.o, n.os 1 a 8, do Regulamento n.o 1093/2010 ( 55 ) para converter, com a intermediação da Comissão, as recomendações da EBA em decisões vinculativas.

86.

Quando a EBA verifica uma aplicação supostamente incorreta ou insuficiente das disposições do direito da União por uma autoridade nacional, dirige‑lhe uma recomendação indicando‑lhe as medidas que deve adotar.

87.

Quando a autoridade nacional competente não toma em consideração essa recomendação e persiste no seu incumprimento, a Comissão pode intervir. Fá‑lo através de um parecer formal convidando‑a a tomar as medidas indispensáveis para garantir o cumprimento do direito da União.

88.

Na fase final do procedimento, a EBA pode aprovar uma decisão individual, que dirige a uma instituição financeira ordenando‑lhe que tome as medidas necessárias para dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito da União, incluindo a cessação de uma prática, desde que se trate de normas diretamente aplicáveis ( 56 ).

89.

As decisões da EBA nesta última etapa devem estar em conformidade com o parecer formal da Comissão e prevalecem sobre qualquer decisão anteriormente adotada sobre o mesmo assunto. Por conseguinte, trata‑se de atos jurídicos vinculativos para as instituições financeiras destinatárias e também para as autoridades nacionais competentes, exigidos pelo parecer formal da Comissão ( 57 ).

2.   A Recomendação EBA/2014/02 perante o juiz nacional

90.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um depositante (neste processo, BT) pode invocar a Recomendação EBA/2014/02 no âmbito do litígio que suscitou contra o BNB.

91.

A Recomendação EBA/2014/02, adotada em aplicação do artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010, dirigiu‑se, como já indiquei, ao BNB e ao Fundo, indicando‑lhes a ação pertinente para dar cumprimento à Diretiva 94/19 e pôr termo à violação do seu artigo 1.o, n.o 3, alínea i).

92.

Antes da adoção da Recomendação EBA/2014/02, a Comissão já tinha intentado uma ação por incumprimento (artigo 258.o TFUE) contra a Bulgária e enviado uma notificação para cumprir a este Estado‑Membro (1 de agosto de 2014), não tendo o procedimento por infração prosseguido posteriormente ( 58 ).

93.

Por conseguinte, a Recomendação EBA/2014/02 não foi seguida de um parecer formal da Comissão, o que levou a que a EBA também não adotasse nenhuma decisão ao abrigo do artigo 17.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1093/2010 ( 59 ).

94.

Para o órgão jurisdicional de reenvio, a compatibilidade da Recomendação EBA/2014/02 com o direito da União (Diretiva 94/19 e Regulamento n.o 1093/2010) é duvidosa. Para responder a estas dúvidas, referir‑me‑ei tanto à invocabilidade, em abstrato, perante os juízes nacionais, das recomendações da EBA, como à da recomendação em causa.

a)   Invocabilidade em abstrato e questão prejudicial de validade

95.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações, para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando esclarecem a interpretação de disposições nacionais adotadas com o fim de garantir a sua aplicação ou quando têm por objeto completar disposições da União com caráter vinculativo» ( 60 ).

96.

Concordo com o advogado‑geral M. Bobek ( 61 ) quanto ao facto de a obrigação de o juiz nacional «ter em consideração» as recomendações, quando tenha de resolver litígios que aplicam direito vinculativo da União com elas relacionado, não coincide com o dever de «interpretação conforme» na aceção da jurisprudência Von Colson e Kamann ( 62 ).

97.

Se os juízes nacionais devem ter em conta as recomendações (incluindo as emitidas pela EBA) para aplicar o direito vinculativo da União nos Estados‑Membros, é lógico que possam submeter, ao Tribunal de Justiça, reenvios de interpretação sobre o seu conteúdo ( 63 ). Mas poderão fazê‑lo para pôr em causa a sua validade?

98.

À primeira vista, uma vez que a fiscalização da legalidade direta de uma recomendação através do recurso de anulação não é possível, poder‑se‑ia pensar que a sua fiscalização da legalidade indireta, a saber, através de um reenvio prejudicial para apreciação da validade, também não seria possível. Faria sentido invalidar um ato desprovido de efeitos jurídicos vinculativos?

99.

Salvo erro da minha parte, o Tribunal de Justiça não se pronunciou, até agora ( 64 ), de forma categórica a este respeito. O Acórdão Grimaldi pareceu aceitar, implicitamente, a possibilidade de questões prejudiciais para apreciação da validade das recomendações ( 65 ) e o advogado‑geral M. Bobek admite‑o expressamente ( 66 ).

100.

Na minha opinião, o mais coerente é aceitar a viabilidade das questões prejudiciais para apreciação da validade das recomendações, se nos basearmos na premissa segundo a qual o juiz nacional deve tê‑las em conta para interpretar uma norma vinculativa do direito da União. Não seria lógico que esse juiz nacional se referisse, para efeitos de interpretação, a uma recomendação de cuja validade duvida por entender, justamente, que é incompatível com o direito da União, declaração que não lhe compete fazer ( 67 ).

101.

As recomendações da EBA baseadas no artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010 constituem, repito, um dos elementos que o órgão jurisdicional competente deve ponderar para decidir o litígio. Recordo que nele se trata de saber se a violação da legislação da União está suficientemente caracterizada e, por conseguinte, preenche um dos três requisitos de que depende a responsabilidade de um Estado‑Membro, por violação do direito da União ( 68 ).

102.

Uma recomendação da EBA só pode ser tomada em consideração pelo juiz nacional para decidir um litígio se o seu conteúdo for conforme com as regras do direito da União cuja aplicação pode facilitar. Se o juiz nacional considerar, como no caso dos autos, que não é esse o caso, pode submeter um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, o único competente para declarar essa incompatibilidade.

b)   Dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio sobre a Recomendação EBA/2014/02

103.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é duvidosa a compatibilidade da Recomendação EBA/2014/02 com o direito da União porque: a) se dirige a uma autoridade nacional (o BNB) que não é a competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos relativamente ao banco KTB, sem ter como destinatárias as instituições financeiras; e b) poderia não ser conforme com o considerando 27 do Regulamento n.o 1093/2010, na medida em que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 não prevê obrigações claras e incondicionais.

1) Autoridade nacional competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos

104.

Nos termos do artigo 4.o, ponto 2, alínea iii), do Regulamento n.o 1093/2010, as «autoridades competentes» são «no que respeita aos sistemas de garantia de depósitos, os organismos que gerem esses sistemas nos termos da Diretiva 94/19/CE ou, nos casos em que o funcionamento do regime de garantia de depósitos seja administrado por uma empresa privada, a autoridade pública responsável pela supervisão dessa empresa nos termos da referida diretiva».

105.

Entre essas autoridades pode figurar, além do SGD, a autoridade encarregada de verificar a indisponibilidade dos depósitos, que é, em muitos Estados‑Membros, o banco central nacional ( 69 ).

106.

Por seu turno, o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 «deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros para designar a autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos» ( 70 ).

107.

No processo Kantarev, o órgão jurisdicional de reenvio e o Tribunal de Justiça consideraram que o BNB era a autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos de acordo com o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 ( 71 ). Pelo contrário, no caso em apreço, o tribunal a quo parece acolher os argumentos do BNB em sentido contrário ( 72 ).

108.

Desde 25 de março de 2014, com a entrada em vigor de uma alteração à Zakona za kreditnite institutsii ( 73 ) e, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, o BNB é a autoridade competente para a supervisão das instituições bancárias na República da Bulgária, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 40, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 ( 74 ).

109.

A nova lei relativa à garantia dos depósitos bancários (Zakon za garantirane na vlogovete v bankite) de 2015 transpõe, para o direito búlgaro, a Diretiva 2014/49, que designa como autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos a encarregada da supervisão prudencial nos termos do Regulamento n.o 575/2013 ( 75 ). Por conseguinte, a partir de 14 de agosto de 2015, não há dúvida de que o BNB é a autoridade competente para declarar, na Bulgária, a indisponibilidade dos depósitos.

110.

Segundo a Comissão, a autoridade supervisora também era competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos, mesmo antes de 14 de agosto de 2015.

111.

No entanto, considero que, até à adoção da Diretiva 2014/49, nenhuma norma da União estabelecia este paralelismo. O considerando 50 dessa diretiva afirma que, «[d]adas as divergências entre as práticas administrativas relativas aos SGD nos Estados‑Membros, estes últimos deverão ter a liberdade de decidir qual a autoridade que determina a indisponibilidade dos depósitos».

112.

Nestas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir se, por força do direito búlgaro aplicável no momento da atuação do BNB relativamente ao KTB, a autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos era, ou não, o BNB.

113.

Importa não esquecer que, no Acórdão Kantarev, o Tribunal de Justiça já declarou que dão facto de não ter sido declarada a indisponibilidade dos depósitos, no caso do banco KTB, pelas autoridades búlgaras constituía uma violação suficientemente caracterizada do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 ( 76 ).

2) Efeito direto do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19

114.

Quanto à necessidade de a Recomendação EBA/2014/02 dizer respeito a requisitos diretamente aplicáveis do direito da União (neste caso, da Diretiva 94/19), esta exigência só é imposta pelo artigo 17.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1093/2010 para que a EBA adote decisões dirigidas às instituições financeiras, convidando‑as a dar cumprimento a obrigações impostas por regras da União.

115.

O último período do considerando 27 do Regulamento n.o 1093/2010 ( 77 ) refere‑se a essas decisões finais da EBA, mas não às recomendações que pode adotar no início do procedimento. Faz sentido que assim seja quando se trata de uma decisão da EBA com caráter vinculativo, mas não quando está em causa uma recomendação desprovida de efeitos jurídicos vinculativos.

116.

Em todo o caso, como já afirmei, o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 tem efeito direto, segundo o Acórdão Kantarev, pelo que tanto esta disposição como uma recomendação relativa à mesma podem ser invocadas pelos particulares perante o órgão jurisdicional de reenvio ( 78 ). Por conseguinte, as dúvidas sobre este elemento da Recomendação EBA/2014/02 não têm fundamento.

3.   Incidência do Acórdão Kantarev na Recomendação EBA/2014/02

117.

Segundo a Recomendação EBA/2014/02 ( 79 ), o BNB tinha violado o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19 por não ter declarado a indisponibilidade de depósitos no prazo de 5 dias após o KTB ter deixado de poder reembolsar os depósitos vencidos e exigíveis.

118.

A EBA considerou que a decisão do BNB de colocar o KTB sob supervisão especial e de suspender provisoriamente as suas obrigações equivalia a uma declaração de indisponibilidade dos depósitos, na aceção do artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19.

119.

O Acórdão Kantarev não permite essa equiparação. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça declarou, nesse acórdão, que a indisponibilidade dos depósitos deve ser declarada por um ato expresso da autoridade nacional competente, não podendo ser deduzida de outros atos das autoridades nacionais (como, por exemplo, a decisão do BNB de colocar o Banco KTB sob supervisão especial) nem ser presumida de circunstâncias como as desse processo principal ( 80 ).

120.

Consequentemente, o órgão jurisdicional de reenvio não deve ter em conta este elemento da Recomendação EBA/2014/02 para interpretar o direito da União, na medida em que é incompatível com o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19.

V. Conclusão

121.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária) nos seguintes termos:

«1)

O artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos, conjugado com os seus artigos 7.o, n.o 6, e 10.o, deve ser interpretada no sentido de que:

um depósito não vencido e não exigível ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis não pode ser tomado em consideração, pela autoridade competente, para declarar a indisponibilidade dos depósitos.

Um depósito não vencido e não exigível ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis deve ser qualificado de depósito reembolsável, desde que a autoridade competente tenha declarado a indisponibilidade dos depósitos da instituição financeira.

O juiz nacional deve abster‑se de aplicar uma norma nacional que subordine a obrigação de reembolsar os depósitos ainda não vencidos e não exigíveis, mas que foram objeto de uma declaração de indisponibilidade, à revogação prévia da licença da instituição financeira depositária. Também não deve aplicar uma cláusula que incorpora essa norma nacional, incompatível com o direito da União, num contrato de depósito bancário.

2)

Uma recomendação da Autoridade Bancária no artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão, constitui um dos elementos que o tribunal competente deve ponderar para interpretar a Diretiva 94/19 e decidir se a violação da legislação da União é suficientemente caracterizada, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

No entanto, uma recomendação deste tipo só pode ser tomada em consideração pelo juiz nacional se o seu conteúdo for conforme com as regras do direito da União cuja aplicação é suscetível de facilitar, devendo submeter uma questão prejudicial de apreciação de validade ao Tribunal de Justiça se tiver dúvidas sobre a sua compatibilidade com essas regras.

3)

A Recomendação EBA/REC/2014/02, de 17 de outubro de 2014, ao Banco Central da Bulgária e ao Fundo búlgaro de garantia de depósitos, relativo às ações necessárias para dar cumprimento à Diretiva 94/19, é contrária ao artigo 1.o, ponto 3, alínea i), dessa diretiva, na medida em que equipara a decisão do Banco Central referido de colocar uma instituição de crédito sob supervisão especial e de suspender provisoriamente as suas obrigações à declaração da indisponibilidade dos depósitos.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) O Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 1994, L 135, p. 5).

( 4 ) Processo C‑571/16, a seguir «Acórdão Kantarev, EU:C:2018:807.

( 5 ) Recomendação EBA/REC/2014/02, de 17 de outubro de 2014, ao Banco Central de Bulgária e ao Fundo búlgaro de garantia de depósitos relativa às ações necessárias para dar cumprimento à Diretiva 94/19 (Bulgarian National Bank and Bulgarian Deposit Insurance Fund on action necessary to comply with Directive 94/19/EC; a seguir «Recomendação EBA/2014/02»).

( 6 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009, que altera a Diretiva 94/19/CE relativa aos sistemas de garantia de depósitos, no que respeita ao nível de cobertura e ao prazo de reembolso (JO 2009, L 68, p. 3). A Diretiva 94/19 foi posteriormente revogada e substituída por uma reformulação, mas apenas com efeitos a partir de 4 de julho de 2019 (v. artigo 21.o da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149). O prazo para a transposição de certas disposições da reformulação expirava em 3 de julho de 2015 (artigo 20.o da Diretiva 2014/49). No momento pertinente para a solução do presente processo, era apenas aplicável a Diretiva 94/19 (na sua versão alterada pela Diretiva 2009/14).

( 7 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO 2010, L 331, p. 12).

( 8 ) Esta lei, publicada no DV n.o 49, de 29 de abril de 1998, regulamenta a criação, as competências e a atividade do Fundo de garantia de depósitos bancários. O parágrafo 1.o‑A das disposições complementares de 2009 (DV n.o 44, de 12 de junho de 2009) indica que transpõe as disposições das Diretivas 94/19 e 2009/14.

( 9 ) As taxas de juro para os depósitos do demandante relativamente ao período até 6 de novembro de 2014 foram calculadas de acordo com esta decisão. Estas taxas consideram‑se acordadas contratualmente.

( 10 ) Ação por incumprimento n.o 2014/2240. V. comunicado da Comissão (Bulgaria must allow bank customers to access their money), de 25 de setembro de 2014, en https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_14_1041.

( 11 ) Segundo o seu n.o 30, «[e]m 4 de dezembro de 2014, uma instituição de crédito búlgara, encarregada pelo Fundo de reembolsar os depósitos detidos pelo Banco KTB, pagou a N. Kantarev um montante de 86973,81 leva búlgaros (BGN) (cerca de 44465 euros), estando incluídos neste montante os juros vencidos até 6 de novembro de 2014, data da revogação da licença do Banco KTB, a saber, 2673,81 BGN. A este respeito, até 1 de julho de 2014, a taxa de juro aplicada ao depósito do recorrente no processo principal estava em conformidade com as condições contratuais, ao passo que, a partir dessa data e até 6 de novembro de 2014, a taxa de juro aplicada foi a fixada por decisão do conselho de administração do BNB, de 30 de junho de 2014, que procedeu a uma redução das taxas de juro aplicáveis aos depósitos do Banco KTB».

( 12 ) A ação foi intentada em conformidade com a legislação búlgara relativa à responsabilidade administrativa.

( 13 ) Nas minhas Conclusões do processo Anisimovienė e o. (C‑688/15 e C‑109/16, EU:C:2017/475, n.o 85), defendi que, «ao delimitar o conceito de “depósito” utilizado na Diretiva 94/19, a chave se encontra na obrigação de restituição. É inerente ao contrato de depósito que se receba a coisa alheia acompanhada da obrigação de a conservar e restituir. Também não se pode esquecer que a Diretiva 94/19 procura, fundamentalmente, proteger os aforradores face ao encerramento de uma instituição de crédito insolvente. Trata‑se, portanto, de garantir, acima de tudo, aos aforradores que essa insolvência não tornará impossível o reembolso (até, pelo menos, um determinado limite) dos seus fundos, a cuja devolução a instituição de crédito estava legalmente obrigada».

( 14 ) Acórdãos de 22 de março de 2018, Anisimovienė e o. (C‑688/15 e C‑109/16, EU:C:2018:209, n.o 83); e Kantarev, n.o 56: a diretiva «visa […] evita[r] os fenómenos de retirada maciça dos depósitos não apenas de uma instituição de crédito em dificuldade, mas igualmente de instituições sãs na sequência de uma perda de confiança do público na solidariedade desse sistema [bancário]».

( 15 ) As versões linguísticas desta disposição apresentam uma certa diferença de matiz. Entre as que consultei, a espanhola utiliza a expressão «depósito que haya vencido y sea pagadero», no mesmo sentido que a inglesa («deposit that is due and payable»), a italiana («deposito dovuto e pagabile») e a alemã («eine Einlage, die […] zwar fällig und von einem Kreditinstitut zu zahlen ist»). No entanto, a francesa e a portuguesa referem a exigibilidade («dépôt qui est échu et exigible», «depósito que, tendo‑se vencido e sendo exigível», respetivamente).

( 16 ) Essa disposição, segundo o Tribunal de Justiça, «constitui uma regra do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares», uma vez que «visa, nomeadamente, proteger os depositantes». Além disso, «a declaração de indisponibilidade dos depósitos tem repercussões diretas na situação jurídica de um depositante, na medida em que essa declaração desencadeia o mecanismo de garantia de depósitos e, por conseguinte, o reembolso dos depositantes» (Acórdão Kantarev, n.os 102 a 104).

( 17 ) Segundo o Acórdão Kantarev, n.o 59: «É certo que, tendo em conta a redação do artigo 1, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 o facto de esta disposição precisar que a autoridade competente deve proceder à declaração da indisponibilidade dos depósitos quando, “na sua opinião”, estiverem preenchidos os requisitos necessários para o efeito, essa autoridade dispõe de uma certa margem de apreciação. Contudo, tal margem de apreciação tem por objeto a apreciação dos requisitos enunciados nessa disposição e não os requisitos em si mesmos nem o momento em que se deve proceder a tal declaração».

( 18 ) Ibidem, n.os 99 e 100.

( 19 ) Como, por exemplo, da decisão do BNB de colocar o KTB sob supervisão especial durante um período posterior ao surgimento dos seus problemas de solvabilidade (Acórdão Kantarev, n.o 78).

( 20 ) A brevidade deste prazo é fundamental para proteger os depositantes e preservar a estabilidade do sistema financeiro. A Diretiva 2009/14 reduziu‑o de 21 para 5 dias.

( 21 ) Acórdão Kantarev, n.os 60 e 61.

( 22 ) Ibidem, n.os 49 e 50.

( 23 ) Ibidem, n.o 52.

( 24 ) Ibidem, n.o 82. O sublinhado é meu.

( 25 ) Ibidem, n.o 82.

( 26 ) Quanto às dificuldades suscitadas por esta fase nos diferentes Estados‑Membros, v. análise da EBA, Opinion of the European Banking Authority on the eligibility of deposits, coverage level and cooperation between deposit guarantee schemes, 8 de agosto de 2019.

( 27 ) Incluindo muitos dos previstos no Anexo I da Diretiva 94/19, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2014/49 (não aplicável ratione temporis a este litígio) ampliou a lista de depósitos excluídos do reembolso por parte dos SGD: depósitos das empresas de investimento; depósitos cujo titular nunca tenha sido identificado; depósitos das empresas de seguros e de empresas de resseguros; depósitos de organismos de investimento coletivo; depósitos dos fundos de pensões ou de reforma; depósitos de autoridades públicas; títulos de dívida emitidos por uma instituição de crédito e os passivos emergentes de aceites próprios e de notas promissórias.

( 28 ) Acórdão Kantarev, n.o 82.

( 29 ) Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19, os SGD devem encontrar‑se em condições de reembolsar os créditos devidamente verificados dos depositantes, relativos aos depósitos indisponíveis, no prazo de vinte dias úteis a contar da data em que as autoridades competentes declarem a indisponibilidade. Em circunstâncias absolutamente excecionais, o SGD pode solicitar às autoridades competentes uma prorrogação do prazo, que não pode exceder dez dias úteis.

( 30 ) Acórdão Kantarev, n.o 58: este prazo tem por objetivo «evitar que as dificuldades financeiras enfrentadas por uma instituição de crédito, mesmo que temporárias, não deem origem a um fenómeno de corrida aos depósitos e que essas dificuldades não se propaguem ao resto do sistema bancário».

( 31 ) V. proposta de Diretiva do Conselho relativa aos sistemas de garantia de depósitos, de 4 de junho de 1992 [COM(92) 188 final, JO 1992, C 163, p. 6].

( 32 )

( 33 ) Acórdão Kantarev, n.os 64 e 65: «esse considerando 12 refere‑se apenas à possibilidade de os depósitos serem considerados indisponíveis em caso de insucesso de medidas de intervenção ou de reorganização, sem subordinar a declaração de indisponibilidade à circunstância de tais medidas preventivas não terem sido bem‑sucedidas […] Por outro lado, […] o segundo período do referido considerando esclarece que esta possibilidade “não deverá impedir as autoridades competentes de fazerem novos esforços de reestruturação durante o período de reembolso” e implica, por conseguinte, que tais medidas não afetem a declaração de indisponibilidade dos depósitos nem o seu reembolso».

( 34 ) Ibidem, n.o 118.

( 35 ) Esta possibilidade está, agora, expressamente prevista no artigo 7.o, n.o 7, da Diretiva 2014/49, relativo à determinação do montante reembolsável: «[o]s juros sobre depósitos já vencidos mas não creditados à data em que a autoridade administrativa pertinente proceder à determinação referida no artigo 2.o, n.o 1, ponto 8, alínea a), ou em que a autoridade judicial proferir a decisão referida no artigo 2.o, n.o 1, ponto 8, alínea b), são reembolsados pelo SGD. O limite referido no artigo 6.o, n.o 1, não pode ser ultrapassado».

( 36 ) Acórdão Kantarev, ponto 4 do dispositivo.

( 37 ) Acórdãos de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality et Commissioner of An Garda Síochána (C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 35); e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independencia de la Sala Disciplinaria del Tribunal Supremo) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 160 e 161) e jurisprudência aí referida.

( 38 ) No ponto 1 do dispositivo do Acórdão Kantarev, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 1.o, ponto 3, e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 «se opõem […] a uma legislação nacional segundo a qual a declaração da indisponibilidade dos depósitos depende da insolvência da instituição de crédito e da revogação da sua licença bancária».

( 39 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Diretiva 94/19, alterada pela Diretiva 2009/14, foi transposta para o direito búlgaro pela Lei relativa à garantia de depósitos bancários, em vigor desde 12 de junho de 2009. Mas o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 não foi transposto para o direito nacional durante o período em causa, mas apenas a partir de 14 de agosto de 2015, com a entrada em vigor da nova Lei relativa à garantia de depósitos bancários, que também transpôs a nova Diretiva 2014/48/UE do Conselho, de 24 de março de 2014, que altera a Diretiva 2003/48/CE relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros (JO 2014, L 111, p. 59), não aplicável no processo principal.

( 40 )

( 41 ) V. artigo 4.o, ponto 2, alínea iii), do Regulamento n.o 1093/2010, que se transcreve no n.o104 das presentes conclusões.

( 42 ) Artigo 26.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1093/2010.

( 43 ) Considerando 20 e artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1093/2010.

( 44 ) Nos termos do artigo 26.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1093/2010, «[o] artigo 16.o relativo às competências da Autoridade para adotar orientações e recomendações é aplicável aos sistemas de garantia dos depósitos».

( 45 ) O considerando 27 do Regulamento n.o 1093/2010 descreve o objetivo deste mecanismo do seguinte modo: «A garantia de uma execução correta e plena da legislação da União constitui um requisito de base fundamental para a integridade, transparência, eficiência e bom funcionamento dos mercados financeiros, para a estabilidade do sistema financeiro e para a neutralidade das condições de concorrência entre instituições financeiras na União. Assim, deverá ser estabelecido um mecanismo pelo qual a Autoridade possa agir em caso de não aplicação ou de aplicação incorreta da legislação da União que configure a violação dessa legislação. Esse mecanismo deverá ser aplicável nas áreas em que a legislação da União defina obrigações claras e incondicionais».

( 46 ) Artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1093/2010.

( 47 ) Segundo o Tribunal de Justiça, «[a]o instituir as recomendações como categoria especial de atos da União e ao prever expressamente que estas “não são vinculativas”, o artigo 288.o TFUE quis investir as instituições habilitadas a adotá‑las de um poder de incentivo e de persuasão, distinto do poder para adotar atos dotados de força vinculativa» (Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 26).

( 48 ) Artigo 16.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1093/2010. O quarto parágrafo desta disposição acrescenta que «[s]e a orientação ou recomendação assim o exigir, as instituições financeiras apresentam relatórios claros e detalhados indicando se cumprem a orientação ou recomendação em causa».

( 49 ) Quanto à natureza e ao âmbito deste tipo de atos, v., por analogia, Vabres, R., «La portée des recommandations de l’Autorité européenne de marchés financiers», en L’Europe bancaire, financière et monétaire. Liber amicorum Blanche Sousi, RD édition, Paris, 2016, pp. 95 a 104.

( 50 ) A autoridade nacional destinatária é obrigada, no prazo de 10 dias úteis a contar da sua receção, a informar a EBA das medidas que adotou ou tenciona adotar para garantir o cumprimento do direito da União.

( 51 ) São semelhantes, de certa forma, a uma notificação para cumprir da Comissão no âmbito dos procedimentos previstos no artigo 258.o TFUE.

( 52 ) São «atos impugnáveis», nos termos do artigo 263.o TFUE, os adotados pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, AETR, 22/70, EU:C:1971:32, n.os 39 e 42; de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 47; e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 31).

( 53 ) «Para determinar se um ato impugnado produz tais efeitos, há que atender à sua essência (Acórdão de 22 de junho de 2000, Países Baixos/Comissão, C‑147/96, EU:C:2000:335, n.o 27 e jurisprudência aí referida). Esses efeitos devem ser apreciados em função de critérios objetivos, como o seu conteúdo, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da sua adoção, bem como os poderes da instituição autora (Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão, C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 55 e jurisprudência aí referida)» (Acórdão de 25 de outubro de 2017, Eslováquia/Comissão, C‑593/15 P e C‑594/15 P, EU:C:2017:800, n.o 47).

( 54 ) Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 8); de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 30); e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 44).

( 55 ) A regulamentação deste procedimento foi completada com a adoção da Decisão EBA/DC/2014/100, 14 July 2014, adopting Rules of Procedure for Investigation of Breach of Union Law, em https://eba.europa.eu/sites/default/documents/files/documents/10180/15718/22650774‑0ff2‑42e7‑bfca‑b163fc2c95ae/EBA%20DC%20100%20(Decision%20on%20Rules%20of%20Procedure%20for%20Investigation%20of%20Breach%20of%20Union%20Law).pdf, substituída pela Decision EBA/DC/2016/174, 23 December 2016, adopting Rules of Procedure for Investigation of Breach of Union Law, em https://eba.europa.eu/sites/default/documents/files/documents/10180/1712606/404eb483‑e1ec‑4b56‑9e31‑e5988138455d/EBA%20DC%20174%20%28Decision%20on%20adopting%20Rules%20of%20Procedures%20for%20Investigation%20of%20Breach%20of%20Union%20Law%29.pdf.

( 56 ) Em conformidade com o considerando 29 do Regulamento n.o 1093/2010, «[…] [e]ssa competência deverá ser limitada às circunstâncias excecionais em que uma autoridade competente não dê cumprimento ao parecer formal que lhe seja dirigido e em que exista legislação da União diretamente aplicável às instituições financeiras por força de regulamentos da União em vigor ou a adotar futuramente».

( 57 ) Artigo 17.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1093/2010.

( 58 ) V. notas 10 e 27.

( 59 ) Como afirma a Comissão, não podia ser adotada pelo facto de o KTB não estar em condições de sanar a violação do direito da União cometida pelo BNB ao não ter declarado a indisponibilidade dos depósitos em conformidade com o artigo 1.o, n.o 3, alínea i), da Diretiva 94/19.

( 60 ) Acórdão de 15 setembro 2016, Koninklijke KPN e o. (C‑28/15, EU:C:2016:692, n.o 41).

( 61 ) Conclusões de 12 de dezembro de 2017, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2017:959, n.os 99 a 102).

( 62 ) Acórdão de 10 de abril de 1984 (14/83, EU:C:1984:153).

( 63 ) «[…] [S]egundo jurisprudência assente, o facto de um ato de direito comunitário ser desprovido de efeito obrigatório não constitui obstáculo a que o Tribunal decida, no âmbito de um processo prejudicial, nos termos do artigo 177.o, sobre a interpretação desse ato» (Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi, C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 9; e de 21 de janeiro de 1993, Deutsche Shell, C‑188/91, EU:C:1993:24, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

( 64 ) Encontra‑se pendente o processo C‑911/19, Féderation bancaire française, em que o Conseil d’État (Conselho de Estado, França) interroga o Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de interpor um recurso de anulação e de submeter uma questão prejudicial para apreciação da validade relativa às Orientações da EBA/GL/2015/18, de 22 de março de 2016, sobre os processos de governação e de supervisão dos produtos bancários a retalho. O artigo 16.o do Regulamento n.o 1093/2010 equipara as orientações e as recomendações da EBA.

( 65 ) «[…] diferentemente do que acontece com o artigo 173.o do Tratado CEE, que afasta a fiscalização pelo Tribunal de atos com a natureza de recomendações, o artigo 177.o atribui ao Tribunal competência para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação de atos adotados pelas instituições da Comunidade, sem qualquer exceção». [Acórdão de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 8); o sublinhado é meu].

( 66 ) Conclusões de 12 de dezembro de 2017, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2017:959, n.o 108).

( 67 ) Acórdão de 22 de outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, EU:C:1987:452).

( 68 ) Acórdão de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 25) e jurisprudência aí referida.

( 69 ) V. documento EBA, Report on the Guarantee Schemes Payouts, 2019, pp. 16 e 17.

( 70 ) Acórdão Kantarev, n.o 99.

( 71 ) Ibidem, n.os 36, 88, 97, 100 e 106.

( 72 ) Segundo estes argumentos, à data da colocação do KTB sob supervisão especial, o BNB não tinha sido designado como autoridade competente, na aceção do artigo 4.o, ponto 2, alínea iii), do Regulamento n.o 1093/2010 e, por conseguinte, não estava habilitado a declarar a indisponibilidade dos depósitos de uma instituição financeira em aplicação da Diretiva 94/19.

( 73 ) Lei relativa às Instituições de Crédito (DV n.o 59, de 21 de julho de 2006).

( 74 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1).

( 75 ) Artigo 2.o, ponto 8, alínea a), e ponto 17, da Diretiva 2014/49.

( 76 ) Acórdão Kantarev, n.os 115 e 117.

( 77 )

( 78 ) Acórdão Kantarev, n.os 100, 106 a 108 e 117.

( 79 ) Considerandos 25 e 27.

( 80 ) Acórdão Kantarev, n.o 78.

Top