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Document 62018CC0270

    Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 23 de maio de 2019.
    UPM France contra Premier ministre e Ministre de l'Action et des Comptes publics.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (França).
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo — Isenção dos pequenos produtores de eletricidade, subordinada à tributação da eletricidade produzida — Inexistência, durante um período transitório autorizado, de um imposto interno sobre o consumo final de eletricidade — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — Obrigação de isenção dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados para produzir eletricidade.
    Processo C-270/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:446

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 23 de maio de 2019 ( 1 )

    Processo C‑270/18

    UPM France

    contra

    Premier ministre

    Ministre de l’Action et des Comptes publics

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

    «Pedido de decisão prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Isenção dos pequenos produtores de eletricidade sujeitos à tributação da eletricidade produzida — Ausência, durante o período de transição concedido, de um imposto interno sobre o consumo final de eletricidade»

    1. 

    A Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro [da União] de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (Diretiva 2003/96, ou «diretiva») ( 2 ), concedeu à França um período de transição especial para proceder às adaptações necessárias dos acordos existentes. O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto os direitos e obrigações dos sujeitos passivos e do Estado‑Membro durante esse período.

    2. 

    Mais especificamente, a UPM France alega, com base no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, que tem direito ao reembolso do imposto pago sobre o seu consumo de gás natural numa instalação para a cogeração de calor e eletricidade, em que a eletricidade assim produzida era consumida para consumo próprio num processo de fabrico posterior. A UPM France não foi bem-sucedida até à data perante os tribunais nacionais. O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), enquanto último tribunal de recurso, solicitou agora ao Tribunal de Justiça assistência na interpretação dos artigos 14.o, n.o 1, alínea a) e 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3.

    O principal objetivo da Diretiva 2003/96 é apresentado no considerando 3, que estabelece que «[o] bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas [da União] exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível [da União] para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão».

    4.

    Esses níveis mínimos de tributação são abordados no considerando 10, que regista que «[o]s Estados‑Membros desejam introduzir ou manter diferentes tipos de impostos sobre os produtos energéticos e a eletricidade, devendo para o efeito ser‑lhes permitido respeitar os níveis de tributação mínimos [da União] entrando em linha de conta com a totalidade dos impostos indiretos que tenham decidido cobrar (excluindo o IVA)».

    5.

    As isenções são abordadas no considerando 24, que explica que «[c]onvém permitir aos Estados‑Membros a aplicação de determinadas outras isenções, ou de níveis reduzidos de tributação, sempre que tal não prejudique o bom funcionamento do mercado interno nem implique distorções da concorrência».

    6.

    O considerando 25 prossegue para determinar que «[n]omeadamente, a cogeração de calor e eletricidade e, a fim de promover a utilização de fontes de energia alternativas, as energias renováveis poderão beneficiar de tratamento preferencial».

    7.

    O considerando 30 explica que «[p]oderá ser necessário estabelecer períodos e disposições transitórios para permitir aos Estados‑Membros uma boa adaptação aos novos níveis de tributação, limitando assim eventuais efeitos negativos».

    8.

    O considerando 33 faz referência à aplicação da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo ( 3 ), indicando que «[o] âmbito de aplicação da Diretiva 92/12/CEE […] deve, se for caso disso, ser alargado aos produtos e impostos indiretos abrangidos pela presente diretiva».

    9.

    O artigo 1.o da diretiva dispõe que «[o]s Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva».

    10.

    O artigo 2.o, n.o 1, define «produtos energéticos» por referência aos códigos NC constantes do anexo ao Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho ( 4 ). O artigo 2.o, n.o 2, define «eletricidade» como abrangida pela Diretiva 2003/96 por referência a um código NC diferente. Consequentemente, os «produtos energéticos» e a «eletricidade» são utilizados como conceitos distintos na diretiva.

    11.

    O primeiro período do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), prevê uma isenção obrigatória relativamente ao artigo 1.o: «Para além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições [da União], os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas: a) Produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade».

    12.

    O segundo e terceiro períodos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), preveem uma derrogação facultativa dessa isenção: «[…] por razões de política ambiental, os Estados‑Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente diretiva. Nesse caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à eletricidade fixado no artigo 10.o».

    13.

    O artigo 15.o, n.o 1, alínea c), e d) prevê outras isenções facultativas para a cogeração de calor e eletricidade: «Sem prejuízo de outras disposições da [União], os Estados‑Membros podem aplicar, sob controlo fiscal, isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação aos seguintes produtos: […] c) Produtos energéticos e eletricidade utilizados para a cogeração de calor e eletricidade; d) Eletricidade produzida em centrais de cogeração de calor e eletricidade, desde que essas centrais sejam respeitadoras do ambiente».

    14.

    O artigo 18.o estabelece acordos transitórios específicos para alguns Estados‑Membros. O artigo 18.o, n.o 10, contém o acordo especial para a França. O seu segundo parágrafo estabelece que «[a] República Francesa pode aplicar um período transitório até 1 de janeiro de 2009 para adaptar o seu atual sistema de tributação da eletricidade às disposições da presente diretiva. Durante esse período, deve ser tomado em conta o nível médio global da atual tributação local da eletricidade para avaliar a observância das taxas mínimas fixadas na presente diretiva» ( 5 ).

    15.

    O terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, faz expressamente referência ao artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e prevê uma nova isenção facultativa: «Uma entidade que produza eletricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor. Em derrogação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 14.o, os Estados‑Membros podem isentar estes pequenos produtores de eletricidade, desde que tributem os produtos energéticos utilizados para a produção dessa eletricidade».

    16.

    O artigo 28.o, n.o 1, dispõe que: «Os Estados‑Membros devem aprovar e publicar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 31 de dezembro de 2003, o mais tardar, e informar imediatamente a Comissão desse facto».

    Direito nacional

    Tributação do gás

    17.

    O período relevante para o presente pedido de decisão prejudicial é o período compreendido entre 1 de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2006 ( 6 ). Durante esse período, o artigo 266.o quinquies do «Code des douanes» (Código Aduaneiro) ( 7 ), determinava que o gás natural estava sujeito a um imposto nacional sobre o consumo de gás natural, o «taxe intérieure de consummation sur le gaz naturel», geralmente designado «TICGN».

    18.

    No entanto, o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro dispunha que a cogeração de calor e eletricidade, com recurso a instalações que funcionassem até 31 de dezembro de 2005, beneficiava de uma isenção de 5 anos de TICGN, calculada a partir da data de entrada em serviço da instalação.

    19.

    Posteriormente, o artigo 266.o quinquies foi alterado ( 8 ) de modo a prever (no artigo 266.o quinquies C) uma isenção permanente de TICGN (a partir de 1 de janeiro de 2006) para a produção de eletricidade, com exceção das instalações sujeitas ao artigo 266.o quinquies A.

    20.

    O artigo 266.o quinquies foi alterado mais uma vez ( 9 ), com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2006, para prever (no artigo 266.o quinquies A) que os produtores pudessem renunciar ao seu direito de isenção ao abrigo do artigo 266.o quinquies A (e, assim, beneficiar do artigo 266.o quinquies C), na medida em que não eram beneficiários de um contrato de eletricidade relacionado com a modernização e o desenvolvimento do fornecimento público de eletricidade ( 10 ).

    21.

    Ao mesmo tempo, o artigo 266.o quinquies A foi alterado de modo a prever que a isenção de 5 anos que continha abrangesse as instalações que estavam em funcionamento até 31 de janeiro de 2007.

    22.

    Parece ser pacífico entre as partes que a renúncia à isenção prevista no artigo 266.o quinquies A não podia ter lugar uma vez decorrido o período de 5 anos, calculado a partir do momento em que a instalação se tornou operacional, independentemente de ter ou não sido obtida qualquer isenção ao abrigo dessa disposição.

    23.

    Por uma questão de exaustividade, observo que foi apenas após o período relevante no presente processo — nomeadamente, em 2011 — que a renúncia à isenção no artigo 266.o quinquies A foi retirada como condição prévia para o acesso à isenção no artigo 266.o quinquies C ( 11 ).

    Tributação da eletricidade

    24.

    Durante o período relevante não foi aplicado qualquer imposto nacional à eletricidade em França. O consumo de eletricidade estava apenas sujeito à «contribution au service public de l’électricité» (contribuição para o serviço público de eletricidade), geralmente designada por «CSPE», uma taxa de natureza fiscal ( 12 ).

    25.

    O órgão jurisdicional de reenvio indicou que, para além da CSPE, as entidades produtoras de eletricidade eram obrigadas a pagar impostos locais, mas que esses impostos se aplicavam apenas à eletricidade fornecida aos consumidores finais e não à eletricidade produzida para consumo próprio (como a que está em causa no presente processo).

    26.

    Por uma questão de exaustividade, observo que foi apenas após o período relevante no presente processo — nomeadamente, em 2010 — que foi adotada uma lei para reorganizar o mercado da eletricidade (com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011), em conformidade com a Diretiva 2003/96 ( 13 ). Esta lei introduziu um imposto nacional sobre o consumo final de eletricidade. Alterou igualmente o artigo 266.o quinquies C de forma a conceder uma isenção aos pequenos produtores de eletricidade, definidos como produtores que geram menos de 240 milhões de quilowatts/hora por unidade de produção.

    Factos, processo e questões prejudiciais

    27.

    Para os fins da sua atividade de fabrico de papel, a UPM France explora uma instalação para a cogeração de calor e eletricidade, utilizando gás natural como combustível. A eletricidade assim produzida é, por sua vez, utilizada num novo processo de produção de calor.

    28.

    O gás fornecido à UPM France durante o período relevante (de 2004 a 2006) foi sujeito à TICGN, conforme previsto no artigo 266.o quinquies do Código Aduaneiro Francês ( 14 ).

    29.

    Resulta do despacho de reenvio que a instalação da UPM France começou a operar demasiado cedo para poder beneficiar da isenção de 5 anos prevista no artigo 266.o quinquies A, mas que, de outro modo, teria podido beneficiar dessa isenção. Uma vez que esse período de 5 anos, calculado a partir do momento em que a instalação se tornou operacional, tinha expirado, a UPM não pôde renunciar aos seus (putativos) direitos de isenção ao abrigo do artigo 266.o quinquies A. Não podia, por conseguinte, beneficiar da isenção permanente prevista no artigo 266.o quinquies C ( 15 ).

    30.

    A UPM France considerou, com base no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, que deveria ter beneficiado de uma isenção de TICGN relativamente à parte do seu consumo de gás utilizado para produzir a eletricidade utilizada nos seus próprios processos de produção subsequentes. Por conseguinte, intentou uma ação junto do tribunal administratif de Cergy‑Pontoise (Tribunal Administrativo de Cergy‑Pontoise, França), pedindo o reembolso do montante de 2962224,08 EUR, acrescido dos juros legais e dos juros compostos sobre o mesmo, como reembolso parcial do TICGN pago durante o período de 1 de janeiro de 2004 a 31 de março de 2008, e também como indemnização pelos danos sofridos pela UPM France devido ao atraso da República Francesa na transposição da Diretiva 2003/96.

    31.

    Por decisão de 17 de julho de 2013, o tribunal administratif de Cergy‑Pontoise (Tribunal Administrativo de Cergy‑Pontoise) considerou que não havia necessidade de se pronunciar, relativamente ao montante de 137931,00 EUR, para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de março de 2008. O tribunal julgou improcedente o remanescente do pedido da UPM relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2006. Esse período é o período em causa durante o processo subsequente que conduziu ao presente pedido de decisão prejudicial ( 16 ).

    32.

    Por Acórdão de 15 de março de 2016, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes, França), negou provimento ao recurso interposto pela UPM France contra aquele acórdão, com fundamento no facto de o TICGN não poder ser repartido consoante o gás em questão tivesse sido utilizado para produzir eletricidade ou calor; e que qualquer isenção seria regulada apenas pelo artigo 15.o da Diretiva 2003/96.

    33.

    A UPM France recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio em 17 de maio de 2016. Pediu que este tribunal anulasse o acórdão da cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes) e, além disso, responsabilizasse o Estado, no montante de 5000 euros, nos termos do artigo L‑761‑1 do Código da Justiça Administrativa ( 17 ), que diz respeito à imputação das despesas.

    34.

    A título subsidiário, a UPM France requereu ainda ao tribunal que submetesse um pedido de decisão prejudicial a este Tribunal de Justiça, ou (em alternativa) que o recurso fosse apensado ao recurso, pendente no órgão jurisdicional de reenvio, no qual tinha sido submetido um pedido de decisão prejudicial («Cristal Union») ( 18 ), a fim de submeter ao Tribunal de Justiça outras questões e de permitir à UPM France apresentar observações.

    35.

    Em 7 de março de 2018, o Tribunal de Justiça proferiu o seu Acórdão no processo Cristal Union. Decidiu que «a isenção obrigatória prevista nes[s]a disposição [artigo 14.o, n.o 1, alínea a) da Diretiva 2003/96] é aplicável aos produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade quando estes produtos sejam utilizados para a produção combinada de eletricidade e de calor, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva» ( 19 ).

    36.

    Não obstante este acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que subsistiam dúvidas quanto à interpretação correta da Diretiva 2003/96. Considerou que a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes) cometeu um erro de direito ao considerar que a tributação do gás natural utilizado pela UPM France para a cogeração de calor e eletricidade estava coberta exclusivamente pelo artigo 15.o da Diretiva 2003/96. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões:

    «1)

    Devem as disposições do artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96 ser interpretadas no sentido de que a isenção que autoriza os Estados‑Membros a conceder aos pequenos produtores de eletricidade, quando tributem os produtos energéticos utilizados para produzir essa eletricidade, pode resultar de uma situação, como a descrita no n.o 7 da presente decisão relativamente ao período anterior a 1 de janeiro de 2011, em que a França, conforme autorizada pela diretiva, ainda não tinha instituído o imposto interno sobre o consumo final de eletricidade nem, consequentemente, a isenção do imposto em benefício dos pequenos produtores?

    2)

    Caso a resposta a esta primeira questão seja afirmativa, como se devem conjugar as disposições do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva e as do seu artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, relativamente aos pequenos produtores que consomem a eletricidade que produzem para as necessidades da sua atividade? Nomeadamente, impõem estas disposições uma tributação mínima resultante da tributação da eletricidade produzida, com isenção do gás natural utilizado, ou de uma isenção do imposto sobre a produção de eletricidade, estando o Estado neste último caso obrigado a tributar o gás natural utilizado?»

    37.

    A UPM France, a República Francesa, o Reino de Espanha e a Comissão Europeia submeteram observações escritas e apresentaram alegações orais na audiência de 14 de março de 2019.

    Análise

    Quanto à admissibilidade

    38.

    O Governo francês considera que as questões prejudiciais são inadmissíveis. O artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96 dispõe que, durante o período relevante, entre 2004 e 2006 (e, de facto, até 1 de janeiro de 2009), a França beneficiou de um período transitório para adaptar a legislação existente. Como o Tribunal de Justiça explicou no processo Messer France, «até 1 de janeiro de 2009, o respeito dos níveis mínimos de tributação previstos por esta diretiva constituía, no âmbito das regras de tributação da eletricidade previstas pelo direito da União, a única obrigação que se impunha à República Francesa» ( 20 ).

    39.

    Tenho uma certa simpatia pela posição do Governo francês. No entanto, observo que a questão da admissibilidade não foi abordada em nenhum dos Acórdãos precedentes (Messer France e Cristal Union) ( 21 ), que foram proferidos em resposta a questões submetidas pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio relativamente à Diretiva 2003/96.

    40.

    Além disso, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que compete ao juiz nacional decidir sobre a pertinência de um pedido de decisão prejudicial e que o Tribunal de Justiça só deve recusar‑se a responder a perguntas que sejam manifestamente irrelevantes para o processo nacional ( 22 ).

    41.

    Por conseguinte, irei analisar em primeiro lugar se, durante o período transitório, a França tinha obrigações, decorrentes da diretiva, que pudessem fornecer uma base suficiente para justificar a apresentação das questões submetidas ( 23 ).

    Período de transição

    42.

    O prazo para a transposição da diretiva, previsto no artigo 28.o, n.o 1, expirou em 31 de dezembro de 2003. Até essa data, era apenas imposto aos Estados‑Membros que, «durante o prazo de transposição fixado pela diretiva para a sua execução, […] se abstenha[m] de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a realização do resultado nela prescrito» ( 24 ).

    43.

    O facto de a França não ter cumprido a sua obrigação de transpor a diretiva até ao final do período transitório específico que lhe tinha sido concedido pelo artigo 18.o, n.o 10, da mesma (que expirou em 1 de janeiro de 2009 e, por conseguinte, após o período pertinente para o caso em apreço) ( 25 ) também é irrelevante.

    44.

    Pode argumentar‑se que as obrigações de um Estado‑Membro durante um período de transição devem ser as mesmas que as previstas durante um período de execução; e, por conseguinte, que a França estava obrigada a abster‑se de adotar medidas suscetíveis de comprometer seriamente o resultado prescrito ( 26 ).

    45.

    No entanto, a questão no caso em apreço não é a de saber se a França adotou, durante o período de transição, medidas que poderiam comprometer a plena execução da diretiva. É antes saber se, durante esse período, a França não cumpriu as obrigações que lhe eram impostas pela diretiva.

    46.

    Na audiência, a Comissão alegou que, apesar de o artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96 ter concedido à França um período de transição especial, esta não estava isenta de respeitar o equilíbrio estrutural da Diretiva 2003/96, que exige que a produção de eletricidade seja tributada a montante ou a jusante. A França estava, assim, obrigada a respeitar determinadas disposições da diretiva, a fim de garantir, por um lado, que as taxas mínimas de tributação eram atingidas; e, por outro, que a proibição de tributar os produtos energéticos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), era observada.

    47.

    A Comissão alegou que esta abordagem foi confirmada pelo Acórdão Cristal Union, no qual o Tribunal de Justiça apresentou uma interpretação dos artigos 14.o e 15.o da diretiva para o período abrangido pelo regime transitório para a França ( 27 ). A este respeito, saliento que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Flughafen Köln/Bonn ( 28 ) que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a) «tem efeito direto, no sentido de que pode ser invocado por um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais».

    48.

    No entanto, na minha opinião, a abordagem da Comissão não é confirmada pelo texto da diretiva.

    49.

    É verdade que, em muitos aspetos, um sistema de tributação abrangente que deve ser aplicado tanto a montante como a jusante constituiria uma abordagem lógica à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade. No entanto, a Comissão não conseguiu identificar qualquer disposição substantiva da diretiva que estabeleça essa abordagem como princípio fundamental.

    50.

    Por conseguinte, as obrigações adicionais que incumbem aos Estados‑Membros durante um período de execução ou um período transitório não podem, em minha opinião, ser deduzidas do equilíbrio estrutural da diretiva.

    51.

    Pelo contrário, importa observar que embora a Diretiva 2003/96 diga respeito à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, a redação do artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, limita‑se a prever um período transitório em que a França pode manter o seu «atual sistema de tributação da eletricidade». Na audiência, o Governo francês alegou que a referência a um «sistema» deve ser interpretada no sentido de que abrange tanto a tributação da eletricidade produzida (a jusante) como a tributação dos produtos energéticos e da eletricidade utilizada para a produção de eletricidade (a montante).

    52.

    No entanto, apesar dessa referência a um «sistema», o artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, estabelece também especificamente que, durante o período transitório, «deve ser tomado em conta o nível médio global da atual tributação local da eletricidade para avaliar a observância das taxas mínimas fixadas na presente diretiva» (sublinhado meu). O órgão jurisdicional de reenvio explicou ( 29 ) que, durante o período em questão, a tributação local da eletricidade apenas se aplicava à eletricidade a jusante sob a forma de entrega a consumidores finais. A eletricidade produzida para consumo próprio estava isenta dessa tributação.

    53.

    Por conseguinte, parece claro que o artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, deve ser interpretado no sentido de que se refere apenas à tributação da eletricidade a jusante e não à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados a montante. De igual modo, os trabalhos preparatórios da Diretiva 2003/96 ( 30 ) não constituem uma base para o argumento da França de que o âmbito de aplicação do artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, inclui tanto a tributação a montante como a jusante.

    54.

    Em tais circunstâncias, o Tribunal de Justiça deve aplicar o seu princípio de interpretação consolidado, segundo o qual qualquer disposição que «prevê uma derrogação à regra geral deve ser objeto de interpretação restritiva» ( 31 ).

    55.

    A Diretiva 2003/96 tem várias camadas. O artigo 1.o prevê a tributação tanto dos produtos energéticos como da eletricidade. O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), prevê depois uma «isenção obrigatória» dessa tributação para os produtos energéticos e a eletricidade utilizados a montante para a produção de eletricidade ( 32 ).

    56.

    O próprio artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, contêm, em seguida, derrogações facultativas a essa isenção obrigatória. Estas são o objeto das questões prejudiciais submetidas.

    57.

    Parece‑me que, neste acordo com vários níveis, a isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deve (na sua qualidade de isenção) ser objeto de uma interpretação restritiva. Ao mesmo tempo, porém, deve ser considerada a regra geral em relação às outras disposições que preveem a possibilidade de derrogação a essa isenção obrigatória. Aplicando essa lógica, o regime de transição previsto no artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, deve, em princípio, ser considerado uma exceção às principais regras da diretiva [essas regras principais incluindo, assim, tanto o artigo 1.o como a isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a)]. Deve, portanto, ser feita uma interpretação restritiva.

    58.

    Neste contexto, observo que o artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, prevê um período de transição para a França durante o qual existe uma isenção para o atual imposto sobre a eletricidade e que, além disso, é feita uma referência explícita ao imposto local sobre a eletricidade nesse Estado‑Membro que, durante o período em causa, era um imposto a jusante. Daqui resulta que o artigo 18.o, n.o 10, não previa qualquer isenção, durante o período transitório, da proibição prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), relativa à tributação a montante dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados na produção de eletricidade.

    59.

    Por conseguinte, o período de transição previsto no segundo parágrafo do artigo 18.o, n.o 10, não opera de modo que proteja um imposto a montante sobre produtos energéticos, como o TICGN no caso em apreço.

    60.

    Esta interpretação está em sintonia com o Acórdão Messer France do Tribunal de Justiça, segundo o qual o respeito dos níveis mínimos de tributação previstos na Diretiva 2003/96 «constituía, no âmbito das regras de tributação da eletricidade previstas pelo direito da União, a única obrigação que se impunha à República Francesa» ( 33 ).

    61.

    Pode sugerir‑se que seria incoerente que a França tivesse um período de transição em relação à tributação da eletricidade a jusante, mas não em relação à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade a montante para a produção de eletricidade.

    62.

    No entanto, sempre que a aplicação de uma interpretação restritiva possa parecer tornar uma disposição transitória menos perfeita, o risco de tal resultado deve, em minha opinião, recair sobre a parte que devia beneficiar do regime transitório. Esse deve ser especialmente o caso quando a interpretação restritiva se destine a promover os princípios fundamentais do direito da União.

    63.

    O objetivo da Diretiva 2003/96, como referido no seu segundo considerando, é apoiar o «bom funcionamento do mercado interno». Este objetivo não seria cumprido se um Estado‑Membro fosse autorizado a tributar os produtos energéticos e a eletricidade utilizados para a produção de eletricidade, enquanto outros Estados‑Membros estavam sujeitos a uma proibição dessa tributação. Por conseguinte, qualquer isenção desta proibição teria de ser explicitamente mencionada na disposição transitória.

    64.

    No processo KappAhl ( 34 ), o Tribunal de Justiça examinou um regime transitório de adesão para a Finlândia em matéria de direitos aduaneiros a aplicar aos produtos de países terceiros, o que permitiu à Finlândia impor taxas aduaneiras superiores às que constam do Código Aduaneiro da União. O Governo finlandês alegou que deve, por conseguinte, estar igualmente em condições de aplicar a diferença das taxas aduaneiras aos produtos de países terceiros quando estes forem importados para a Finlândia através de outros Estados‑Membros da União — caso contrário, o regime de transição poderia ser contornado abertamente.

    65.

    No entanto, o texto do regime de transição em causa não indicava que pudesse ser aplicado ao comércio entre os Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça concluiu que «a importância que reveste o princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros significa que uma derrogação, mesmo transitória, deve ser concedida de maneira clara e sem ambiguidade» ( 35 ).

    66.

    Neste caso, a derrogação prevista nos termos do artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, contém apenas uma referência «clara e sem ambiguidade» à «tributação da eletricidade». Não faz qualquer referência à utilização de produtos energéticos e eletricidade para a produção de eletricidade.

    67.

    Nesta base, considero que, durante o período transitório previsto no artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, a França permaneceu vinculada pelas disposições da Diretiva 2003/96 que dizem respeito à tributação dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados para a produção de eletricidade. Consequentemente, é necessário responder às questões submetidas (que dizem respeito à interpretação dos artigos 14.o, n.o 1, alínea a), e 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo).

    Quanto à primeira questão

    68.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96 se aplica durante o período transitório previsto no artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo, a fim de permitir à França — não obstante a isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — tributar os produtos energéticos utilizados pelos pequenos produtores para produzir eletricidade, em circunstâncias em que esses produtores não estão sujeitos a tributação sobre a eletricidade que produzem.

    69.

    Decorre claramente do contexto legislativo que, durante o período de 2004 a 2006, as entidades que produziam eletricidade para consumo próprio foram obrigadas a pagar a CSPE como uma contribuição fiscal para o serviço público de eletricidade. O imposto local sobre a eletricidade aplicava‑se apenas ao fornecimento de eletricidade aos consumidores finais, e não à produção de eletricidade para consumo próprio ( 36 ).

    70.

    É igualmente claro que só foi introduzido um imposto nacional sobre a eletricidade em França a partir de 1 de janeiro de 2011, ou seja, dois anos após o termo do período transitório previsto no artigo 18.o, n.o 10, segundo parágrafo ( 37 ).

    71.

    A questão pode, portanto, ser reformulada da seguinte forma: tendo em conta que i) não existiu qualquer imposto nacional sobre a eletricidade durante o período em questão; ii) a CSPE parece ter sido considerada uma contribuição fiscal e não um imposto; e iii) os impostos locais sobre a eletricidade não se aplicavam à produção de eletricidade para consumo próprio, são esses factos, considerados em conjunto, suficientes para satisfazer os requisitos do artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da diretiva, permitindo assim à França tributar os produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade para consumo próprio pelos pequenos produtores?

    72.

    Em minha opinião, a resposta é não.

    73.

    Pelas razões que apresentei ( 38 ), a proibição obrigatória da tributação dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados a montante para a produção de eletricidade do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deve ser considerada uma das regras gerais da diretiva. Por conseguinte, a derrogação facultativa dessa isenção obrigatória prevista no terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, deve ser objeto de uma interpretação restritiva.

    74.

    Assim, o terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, só pode ser aplicado se a legislação nacional previr tal isenção de tributação da eletricidade produzida para consumo próprio pelos pequenos produtores. Contudo, no caso em apreço, não foi concedida qualquer isenção deste tipo aos pequenos produtores entre 2004 e 2006. Pelo contrário, todos os produtores deviam pagar uma contribuição fiscal para o serviço público de eletricidade; e todos os produtores estavam isentos do pagamento de impostos locais sobre a eletricidade por eles produzida para consumo próprio.

    75.

    A este respeito, é irrelevante saber se a contribuição fiscal para o serviço público de eletricidade seria, por si só, classificada como um imposto nos termos da Diretiva 92/12, que constitui a base para a classificação dos impostos nos termos da Diretiva 2003/96, conforme é explicado no considerando 33 desta última ( 39 ). A verdade é que o Governo francês não tinha qualquer previsão, antes de 1 de janeiro de 2011, de que a produção de eletricidade para consumo próprio pelos pequenos produtores beneficiasse de uma isenção ( 40 ). Por conseguinte, antes dessa data, o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, não podia ser aplicado.

    76.

    Além disso, uma derrogação de uma isenção obrigatória na diretiva só pode ser aplicada quando tiver sido devidamente implementada. O artigo 21.o não foi implementado em França antes de 2011 ( 41 ). Daqui decorre que, por esta razão adicional, a derrogação do artigo 21.o não podia ser invocada durante o período anterior.

    77.

    Na mesma ordem de ideias, no processo Flughafen Köln/Bonn o Tribunal de Justiça salientou relativamente ao artigo 14.o, n.o 1, alínea a), segundo e terceiro períodos, que «essa limitação à regra da isenção tem apenas caráter eventual e um Estado‑Membro que não tenha feito uso dessa faculdade não pode invocar a sua própria omissão para recusar ao contribuinte o benefício de uma isenção à qual tem direito por força da Diretiva 2003/96» ( 42 ).

    78.

    Assim, proponho que se responda à primeira questão no sentido de que o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, enquanto derrogação da isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deve ser objeto de uma interpretação restritiva. Por conseguinte, só pode ser invocado nos casos em que a eletricidade é objeto de tributação geral, em conformidade com a Diretiva 92/12, e nos casos em que uma isenção da produção para consumo próprio pelos pequenos produtores tenha sido estabelecida no direito nacional em conformidade com o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96.

    79.

    Para terminar, observo que o Código Aduaneiro francês, durante o período em causa, parece ter proporcionado alguns mecanismos de isenção de pagamento do TICGN aos produtores. A questão de saber se essas isenções seriam suficientes para preencher os requisitos da proibição prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), é da competência do órgão jurisdicional nacional. No entanto, saliento que as isenções do Código Aduaneiro francês parecem estar sujeitas a limitações temporais que não estão previstas no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva.

    Quanto à segunda questão

    80.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, de que forma devem os artigos 14.o, n.o 1, alínea a), e 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, ser interpretados de modo a evitar um conflito de normas entre essas disposições, na medida em que se aplicam aos pequenos produtores que consomem a eletricidade que produzem.

    81.

    Na realidade, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), compreende duas disposições distintas. O primeiro período estabelece uma das regras gerais (obrigatórias) da Diretiva 2003/96: quando os produtos energéticos e a eletricidade contribuem a montante para a produção de eletricidade, não devem ser tributados.

    82.

    O segundo e o terceiro períodos incluem uma disposição completamente diferente. No seu conjunto, preveem uma derrogação, por motivos ambientais, da isenção obrigatória de tributação dos produtos energéticos utilizados a montante. Se se fizer uso desta derrogação para tributar os produtos energéticos a montante, a tributação resultante não está sujeita aos níveis mínimos de tributação a atingir ao abrigo da Diretiva 2003/96, nem é contabilizada para esse efeito.

    83.

    As dificuldades de interpretação surgem porque o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo (relativo à produção para consumo próprio pelos pequenos produtores), foi redigido como uma derrogação facultativa, utilizando apenas a referência genérica «[e]m derrogação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 14.o», sem especificar a que partes do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), esta derrogação se refere. Uma maior precisão e clareza na redação teria sido indiscutivelmente útil.

    84.

    Dito isto, por uma questão de lógica, a derrogação prevista no artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, só pode referir‑se ao primeiro período do artigo 14.o, n.o 1, alínea a) (a proibição obrigatória da tributação dos produtos energéticos e da eletricidade utilizados a montante para a produção de eletricidade). O segundo e terceiro períodos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), contêm uma derrogação a essa isenção obrigatória, que constitui uma alternativa à derrogação prevista no terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5.

    85.

    Nem o texto da Diretiva 2003/96, nem os seus considerandos e trabalhos preparatórios fornecem orientações sobre a forma como as duas derrogações à isenção obrigatória se devem articular ( 43 ).

    86.

    Na minha opinião, conclui‑se diretamente das condições relativas às duas derrogações que não podem ser consideradas como estando em conflito. A exclusão ambiental prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), pode ser aplicada a todos os produtores; e as receitas fiscais resultantes não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/96, uma vez que não são tidas em conta no cálculo dos níveis mínimos de tributação para efeitos da diretiva. A isenção dos pequenos produtores constante do artigo 21.o, n.o 5, é aplicável apenas à produção para consumo próprio; e as receitas fiscais resultantes são abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva e são tidas em conta no cálculo dos níveis mínimos de tributação.

    87.

    Essa interpretação é apoiada pelo Acórdão Cristal Union, no qual o Tribunal de Justiça declarou que «[a]lém disso, há que observar que, quando o legislador da União quis permitir aos Estados‑Membros derrogar este regime de isenção obrigatória, previu‑o de forma explícita, respetivamente no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), segunda frase, da Diretiva 2003/96, nos termos do qual estes podem tributar os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade por razões relacionadas com a proteção do ambiente, e no artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, ao abrigo do qual os Estados‑Membros que isentam a eletricidade produzida pelos pequenos produtores de eletricidade devem tributar os produtos energéticos utilizados para produzir esta eletricidade» ( 44 ).

    88.

    Por conseguinte, proponho que a resposta à segunda questão seja a de que o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, enquanto derrogação da isenção obrigatória de tributação prevista no primeiro período do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), é independente da derrogação ambiental prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), segundo e terceiro períodos. Embora os impostos aplicados aos pequenos produtores, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, estejam sujeitos aos níveis mínimos de tributação previstos na Diretiva 2003/96, os impostos aplicados ao abrigo da derrogação ambiental prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), não estão sujeitos a esses níveis mínimos de tributação.

    Conclusão

    89.

    Proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) da seguinte forma:

    1)

    O artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, enquanto derrogação da isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, deve ser objeto de uma interpretação restritiva. Por conseguinte, só pode ser invocado nos casos em que a eletricidade é objeto de tributação geral, em conformidade com a Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, e nos casos em que uma isenção da produção para consumo próprio pelos pequenos produtores tenha sido estabelecida no direito nacional em conformidade com o artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96.

    2)

    O artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, enquanto derrogação da isenção obrigatória de tributação prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, é independente da derrogação ambiental prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), segundo e terceiro períodos. Embora os impostos aplicados aos pequenos produtores, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, estejam sujeitos aos níveis mínimos de tributação previstos na Diretiva 2003/96, os impostos aplicados ao abrigo da derrogação ambiental prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), não estão sujeitos a esses níveis mínimos de tributação.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 2003, L 283, p. 51. A Diretiva 2003/96 substituiu as Diretivas 92/81/CEE, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO 1992, L 316, p. 12), conforme alterada, por último, pela Diretiva 94/74/CE do Conselho (JO 1994, L 365, p. 46) e a Diretiva 92/82/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO 1992, L 316, p. 19), conforme alterada, por último, pela Diretiva 94/74. V. considerando 1 e artigo 30.o da Diretiva 2003/96.

    ( 3 ) JO 1992, L 76, p. 1, conforme revogado posteriormente pela Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12 (JO 2009, L 9, p. 12).

    ( 4 ) De 23 de julho de 1987 relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1). V. artigo 2.o, n.o 5 da Diretiva 2003/96, que prevê que «os códigos da Nomenclatura Combinada para que remete a presente diretiva são os constantes do Regulamento (CE) n.o 2031/2001 da Comissão, de 6 de agosto de 2001, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum» (JO 2001, L 279, p. 1). O anexo do Regulamento n.o 2658/87 foi alterado várias vezes durante o período abrangido pelo presente processo, mas essas alterações são irrelevantes para o presente pedido de decisão prejudicial.

    ( 5 ) O artigo 18.o, n.o 2, estabelece ainda que «[n]ão obstante os períodos fixados nos n.os 3 a 12 e desde que não se verifique uma distorção significativa da concorrência, os Estados‑Membros com dificuldades na implementação dos novos níveis mínimos de tributação disporão de um período transitório até 1 de Janeiro de 2007, especialmente para evitar pôr em causa a estabilidade dos preços». No entanto, França não alegou no processo em apreço que pretende invocar esta disposição.

    ( 6 ) V. n.o 30, infra.

    ( 7 ) Artigo 37.o da Loi n.o 2002‑1576 du 30 décembre 2002 de finances rectificative pour 2002 (Lei n.o 2002‑1576 relativa ao Orçamento Retificativo para 2002).

    ( 8 ) Loi n.o 2005‑1719 du 30 décembre 2005 de finances pour 2006 (Lei n.o 2005‑1719, de 30 de dezembro de 2005, relativa ao Orçamento para 2006), e Loi n.o 2005‑1720 du 30 décembre 2005 de finances rectificative pour 2005 (Lei n.o 2005‑1720, de 30 de dezembro de 2005, relativa ao Orçamento Retificativo para 2005).

    ( 9 ) Loi n.o 2007‑1824 du 25 décembre 2007 de finances rectificative pour 2007 (Lei n.o 2007‑1824, de 25 de dezembro de 2007, relativa ao Orçamento Retificativo para 2007), artigo 62.o

    ( 10 ) Loi n.o 2000‑108 du 10 février 2000 relative à la modernisation et au développement du service public de l'électricité (Lei n.o 2000‑108, de 10 de fevereiro de 2000, relativa à Modernização e ao Desenvolvimento do Serviço Público de Eletricidade), artigos 10.o e 50.o

    ( 11 ) Loi n.o 2011‑900 du 29 juillet 2011 de finances rectificative pour 2011 (Lei n.o 2011‑900, de 29 de julho de 2011, relativa ao Orçamento Retificativo para 2011), artigo 17.o

    ( 12 ) Loi n.o 2000‑108, du 10 février 2000, relative à la modernisation et au développement du service public de l’électricité (Lei n.o 2000‑108, de 10 de fevereiro de 2000, relativa à Modernização e ao Desenvolvimento do Serviço Público de Eletricidade), alterada pela Loi n.o 2003‑8, du 3 janvier 2003, relative aux marchés du gaz et de l’électricité et au service public de l’énergie (Lei n.o 2003‑8, de 3 de janeiro de 2003, relativa aos Mercados do Gás e da Eletricidade e ao Serviço Público da Energia). V. n.os 12 a 13 do Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France (C‑103/17, EU:C:2018:587).

    ( 13 ) Loi n.o 2010‑1448 du 7 décembre 2010 portant nouvelle organisation du marché de l’électricité (Lei n.o 2010‑1488, de 7 de dezembro de 2010, que Reorganiza o Mercado da Eletricidade).

    ( 14 ) V. n.o 17, supra.

    ( 15 ) Talvez o leitor queira voltar aos n.os 18 a 22, supra, para refrescar a sua memória relativamente às disposições nacionais (labirínticas) que conduzem a este resultado.

    ( 16 ) Resulta do despacho de reenvio que a limitação do período relevante para 2004‑2006 não foi contestada ou anulada no recurso subsequente.

    ( 17 ) Ordonnance 2000‑387 de 4 de maio de 2000.

    ( 18 ) V. Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168).

    ( 19 ) Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 46).

    ( 20 ) Acórdão de 25 de julho de 2018 (C‑103/17, EU:C:2018:587, n.o 23). A parte restante desse acórdão trata da interpretação do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/12 do Conselho.

    ( 21 ) Acórdãos de 25 de julho de 2018 (C‑103/17, EU:C:2018:587) e de 7 de março de 2018 (C‑31/17, EU:C:2018:168).

    ( 22 ) Acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.o 36 e jurisprudência referida).

    ( 23 ) Acórdão de 28 de março de 1995, Kleinwort Benson (C‑346/93, EU:C:1995:85, n.os 22 a 24).

    ( 24 ) Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628, n.o 50).

    ( 25 ) Acórdão de 25 de outubro de 2012, Comissão/França (C‑164/11, não publicado, EU:C:2012:665).

    ( 26 ) V. nota 24, supra.

    ( 27 ) Acórdão de 7 de março de 2018 (C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 46).

    ( 28 ) Acórdão de 17 de julho de 2008 (C‑226/07, EU:C:2008:429, n.o 39).

    ( 29 ) V. n.o 25, supra.

    ( 30 ) Proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro [da União] de tributação dos produtos energéticos, COM (97) 30 final — CNS 97/0111 (JO 1997, C 139, p. 14) e respetiva exposição de motivos.

    ( 31 ) Acórdão de 30 de março de 2006, Smits‑Koolhoven (C‑495/04, EU:C:2006:218, n.o 31).

    ( 32 ) Acórdãos de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 27), e de 27 de junho de 2018, Turbogás (C‑90/17, EU:C:2018:498, n.o 45).

    ( 33 ) Acórdão de 25 de julho de 2018 (C‑103/17, EU:C:2018:587, n.o 23), o sublinhado é meu.

    ( 34 ) Acórdão de 3 de dezembro de 1998 (C‑233/97, EU:C:1998:585).

    ( 35 ) Acórdão de 3 de dezembro de 1998, KappAhl (C‑233/97, EU:C:1998:585, n.o 21).

    ( 36 ) V. n.os 24 e 25, supra.

    ( 37 ) V. n.o 26, supra.

    ( 38 ) V. n.o 57, supra.

    ( 39 ) V. n.o 8, supra.

    ( 40 ) V. n.o 26, supra.

    ( 41 ) V. nota 11, supra.

    ( 42 ) Acórdão de 17 de julho de 2008 (C‑226/07, EU:C:2008:429, n.o 32), o sublinhado é meu.

    ( 43 ) V. nota 30, supra.

    ( 44 ) Acórdão de 7 de março de 2018 (C‑31/17, EU:C:2018:168, n.o 27), o sublinhado é meu.

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