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Document 62017CV0001(02)

Parecer do Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) de 30 de abril de 2019.
Accord ECG UE-Canada.
Parecer proferido nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE — Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (AECG) — Resolução de litígios entre os investidores e os Estados (RLIE) — Instituição de um tribunal e de uma instância de recurso — Compatibilidade com o direito primário da União — Exigência de respeito da autonomia da ordem jurídica da União — Nível de proteção de interesses públicos fixado, em conformidade com o quadro constitucional da União, pelas suas instituições — Igualdade de tratamento entre os investidores canadianos e os da União — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 20.° — Acesso aos referidos tribunais e sua independência — Artigo 47.° da Carta — Acessibilidade financeira — Compromisso de garantir essa acessibilidade às pessoas singulares e às pequenas e médias empresas — Aspetos externo e interno da exigência de independência — Nomeação, remuneração e deontologia dos membros — Papel do Comité Misto CETA — Interpretações vinculativas do CETA fixadas por esse Comité.
Processo Avis 1/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:341

PARECER 1/17 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno)

30 de abril de 2019

«Parecer proferido nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE — Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (AECG) — Resolução de litígios entre os investidores e os Estados (RLIE) — Instituição de um tribunal e de uma instância de recurso — Compatibilidade com o direito primário da União — Exigência de respeito da autonomia da ordem jurídica da União — Nível de proteção de interesses públicos fixado, em conformidade com o quadro constitucional da União, pelas suas instituições — Igualdade de tratamento entre os investidores canadianos e os da União — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 20.o — Acesso aos referidos tribunais e sua independência — Artigo 47.o da Carta — Acessibilidade financeira — Compromisso de garantir essa acessibilidade às pessoas singulares e às pequenas e médias empresas — Aspetos externo e interno da exigência de independência — Nomeação, remuneração e deontologia dos membros — Papel do Comité Misto CETA — Interpretações vinculativas do CETA fixadas por esse Comité»

Índice

 

I. Pedido de parecer

 

II. AECG

 

A. A assinatura do AECG e o projeto de criação de um mecanismo de resolução de litígios entre os investidores e os Estados

 

B. Os conceitos de «investimento» e de «investidor»

 

C. O âmbito de aplicação do mecanismo RLIE projetado

 

D. O direito aplicável

 

E. As regras processuais

 

F. Os membros do tribunal e da instância de recurso projetados

 

G. O Comité Misto e o Comité de Serviços e Investimento

 

H. A inexistência de efeito direto do CETA na ordem jurídica das Partes

 

I. O Instrumento Comum Interpretativo e a Declaração n.o 36

 

III. Resumo das questões formuladas pelo Reino da Bélgica

 

A. Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

 

B. Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

 

C. Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

 

IV. Resumo das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

 

A. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

 

B. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

 

C. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

 

V. Posição do Tribunal de Justiça

 

A. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

 

1. Princípios

 

2. Quanto à falta de competência para interpretar e aplicar regras do direito da União diferentes das disposições do CETA

 

3. Quanto à inexistência de efeito no funcionamento das instituições da União em conformidade com o quadro constitucional desta

 

B. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

 

1. Princípios

 

2. Quanto à compatibilidade com o princípio da igualdade de tratamento

 

3. Quanto à compatibilidade com a exigência de efetividade

 

C. Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

 

1. Princípios

 

2. Quanto à compatibilidade com a exigência de acessibilidade

 

3. Quanto à compatibilidade com a exigência de independência

 

VI. Resposta ao pedido de parecer

No processo de Parecer 1/17,

que tem por objeto um pedido de parecer nos termos do artigo 218.o, n.o 11, TFUE, apresentado em 7 de setembro de 2017 pelo Reino da Bélgica,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, T. von Danwitz, C. Toader, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, M. Ilešič (relator), J. Malenovský, E. Levits, L. Bay Larsen, M. Safjan, D. Šváby, C. G. Fernlund, C. Vajda e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M.‑A. Gaudissart, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 26 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Reino da Bélgica, por C. Pochet, L. Van den Broeck, M. Jacobs e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo helénico, por G. Karipsiadis e K. Boskovits, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. A. Sampol Pucurull e S. Centeno Huerta, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por F. Alabrune, D. Colas, D. Segoin e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação do Governo lituano, por R. Dzikovič e D. Kriaučiūnas, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M.A.M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

em representação do Governo esloveno, por N. Pintar Gosenca, V. Klemenc, J. Groznik, A. Dežman Mušič e M. Jakše, na qualidade de agentes,

em representação do Governo eslovaco, por M. Kianička, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski e H. Leppo, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Falk, A. Alriksson e P. Smith, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por B. Driessen e S. Boelaert, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Vidal Puig, A. Buchet, B. De Meester e U. Wölker, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de janeiro de 2019,

profere o presente

Parecer

I. Pedido de parecer

1

O pedido de parecer apresentado ao Tribunal de Justiça pelo Reino da Bélgica está assim formulado:

«É o Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em Bruxelas em 30 de outubro de 2016 [(JO 2017, L 11, p. 23; a seguir “AECG”)], compatível, no seu capítulo oito (“Investimento”), secção F (“Resolução de litígios em matéria de investimento entre investidores e Estados”), com os Tratados, incluindo os direitos fundamentais?»

II. AECG

A.   A assinatura do AECG e o projeto de criação de um mecanismo de resolução de litígios entre os investidores e os Estados

2

O AECG, também conhecido por CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement), é um acordo de comércio livre que prevê, além de disposições relativas à redução dos direitos aduaneiros e dos obstáculos não pautais que afetam o comércio de mercadorias e de serviços, regras em matéria, nomeadamente, de investimento, de contratos públicos, de concorrência, de proteção da propriedade intelectual e de desenvolvimento sustentável.

3

O CETA ainda não foi celebrado, na aceção do artigo 218.o, n.o 6, TFUE. A Decisão (UE) 2017/37 do Conselho, de 28 de outubro de 2016, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JO 2017, L 11, p. 1), enuncia, a este respeito, no seu considerando 2, que é conveniente assinar o CETA, «sob reserva da conclusão das formalidades necessárias à sua celebração em data posterior», e dispõe, no seu artigo 1.o, que é autorizada a assinatura, em nome da União, do AEGC, «sob reserva da sua celebração».

4

Embora numerosas disposições do CETA se apliquem a título provisório nos termos da Decisão (UE) 2017/38 do Conselho, de 28 de outubro de 2016, relativa à aplicação provisória do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro (JO 2017, L 11, p. 1080), não é esse o caso das disposições do seu capítulo oito, secção F, visadas pelo presente pedido de parecer. Com efeito, no que diz respeito a este capítulo oito, o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2017/38 dispõe que «[a]penas […] são aplicadas a título provisório, e somente na medida em que esteja em causa o investimento estrangeiro direto, [as disposições dos artigos 8.1 a 8.8, 8.13, 8.15, com exceção do n.o 3, e 8.16]».

5

A referida secção F do capítulo oito do CETA, que inclui os artigos 8.18 a 8.45 deste acordo, visa a criação de um mecanismo de resolução de litígios em matéria de investimento entre os investidores e os Estados (a seguir «mecanismo RLIE»), também conhecido por ISDS (Investor‑State Dispute Settlement).

6

Para este efeito, o CETA prevê, no seu artigo 8.27, a criação de um tribunal (a seguir «tribunal» ou «tribunal do CETA»), desde a entrada em vigor do CETA, e, no seu artigo 8.28, a criação de uma instância de recurso (a seguir «instância de recurso» ou «instância de recurso do CETA»).

7

Além disso, prevê, no seu artigo 8.29, a posterior criação de um tribunal multilateral de investimento e de um mecanismo de recurso conexo (a seguir «tribunal multilateral de investimento»), cuja instituição deve pôr termo ao funcionamento do tribunal do CETA e da instância de recurso do CETA.

8

Desta forma, como indica a Declaração n.o 36 da Comissão e do Conselho, sobre a proteção dos investimentos e o sistema de tribunais de investimento, que foi exarada na ata do Conselho relativa à assinatura do CETA e anexada à Decisão 2017/37 (JO 2017, L 11, p. 20; a seguir «Declaração n.o 36»), visa‑se a criação de um sistema de tribunais de investimento, também conhecido por ICS (Investment Court System), constituindo o tribunal e a instância de recurso do CETA uma etapa para a instituição do ICS.

B. Os conceitos de «investimento» e de «investidor»

9

Nos termos do artigo 8.1 do CETA, o conceito de «investimento», visado por este acordo, designa:

«[…] todo o tipo de ativos, detidos ou controlados direta ou indiretamente por um investidor, que possuem as características de um investimento, tais como uma determinada duração, e outras características como a afetação de capitais ou de outros recursos, a expectativa de ganhos ou lucros, a assunção de risco. O investimento pode assumir as seguintes formas:

a)

uma empresa;

b)

ações, quotas ou outras formas de participação no capital de uma empresa;

c)

obrigações, títulos de dívida e outros instrumentos de dívida de uma empresa;

d)

um empréstimo a uma empresa;

e)

qualquer outra forma de participação numa empresa;

f)

uma participação decorrente de [certos contratos];

g)

direitos de propriedade intelectual;

h)

outros bens móveis, corpóreos ou incorpóreos, ou bens imóveis e direitos conexos;

i)

créditos pecuniários ou ações para cumprimento das obrigações contratuais.»

10

Este artigo 8.1 enuncia igualmente que o conceito de «investimento abrangido [designa], no que diz respeito a uma Parte, um investimento:

a)

no seu território;

b)

realizado em conformidade com a legislação aplicável na altura em que é feito o investimento;

c)

detido ou controlado direta ou indiretamente por um investidor da outra Parte; e

d)

existente à data de entrada em vigor do presente Acordo, ou realizado ou adquirido após essa data».

11

O conceito de «investidor» está definido no referido artigo 8.1 nestes termos:

«uma Parte, uma pessoa singular ou uma empresa de uma Parte, com exceção de uma sucursal ou uma representação, que pretenda realizar, realize ou tenha realizado um investimento no território da outra Parte;

Para efeitos da presente definição, entende‑se por empresa de uma Parte:

a)

uma empresa constituída ou organizada nos termos da legislação dessa Parte que exerça atividades comerciais substanciais no território dessa Parte; ou

b)

uma empresa constituída ou organizada nos termos da legislação dessa Parte e que seja detida ou controlada direta ou indiretamente por uma pessoa singular dessa Parte ou por uma empresa referida na alínea a);

[…]

pessoa singular:

a)

no caso do Canadá, uma pessoa singular com o estatuto de cidadão ou residente permanente do Canadá; e

b)

no caso da Parte UE, uma pessoa singular com a nacionalidade de um dos Estados‑Membros da União […], nos termos da respetiva legislação […]».

C.   O âmbito de aplicação do mecanismo RLIE projetado

12

Embora intitulada «Resolução de litígios em matéria de investimento entre investidores e Estados», a secção F do capítulo oito do CETA abrange igualmente os litígios entre investidores canadianos e a União.

13

A este respeito, o artigo 8.21 do CETA prevê que se um investidor canadiano tencionar apresentar uma queixa, deve transmitir à União «um pedido de determinação da parte demandada», identificando as medidas relativamente às quais tenciona apresentar uma queixa. Cabe depois à União informar esse investidor «da identificação da parte demandada, a saber, a União Europeia ou um Estado‑Membro».

14

O artigo 8.18 do CETA, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», delimita como segue, no seu n.o 1, os litígios suscetíveis de ser submetidos por investidores ao abrigo do mecanismo RLIE projetado:

«[…] um investidor de uma Parte pode recorrer ao tribunal constituído ao abrigo da presente secção, por alegado incumprimento, pela outra Parte, de uma obrigação prevista n[o]:

a)

[capítulo oito,] secção C, no que respeita à expansão, realização, gestão, manutenção, utilização, fruição e venda ou alienação do seu investimento abrangido, ou

b)

[capítulo oito,] secção D,

nos casos em que o investidor alegue ter sofrido perdas ou danos em razão de pretensa infração.»

15

A referida secção C intitula‑se «Tratamento não discriminatório» e contém os artigos 8.6 a 8.8 do CETA, que estão assim redigidos:

«Artigo 8.6

Tratamento nacional

[…] Cada Parte concede aos investidores da outra Parte e aos investimentos abrangidos um tratamento não menos favorável do que o que concede, em situações semelhantes, aos seus próprios investidores e respetivos investimentos no que diz respeito ao estabelecimento, à aquisição, expansão, condução, exploração, gestão, manutenção, utilização, fruição e venda ou outra forma de alienação dos seus investimentos no seu território. […]

Artigo 8.7

Tratamento da nação mais favorecida

[…] Cada Parte concede aos investidores da outra Parte e aos investimentos abrangidos um tratamento não menos favorável do que o que concede, em situações semelhantes, aos investidores de um país terceiro e aos respetivos investimentos no que diz respeito ao estabelecimento, à aquisição, expansão, condução, exploração, gestão, manutenção, utilização, fruição e venda ou outra forma de alienação dos seus investimentos no seu território. […]

Artigo 8.8

Quadros superiores e conselhos de administração

Uma Parte não exige que uma empresa dessa Parte, que seja igualmente um investimento abrangido, nomeie para quadros superiores de gestão ou conselhos de administração pessoas singulares de uma determinada nacionalidade.»

16

Nos termos do artigo 28.3, n.o 2, do CETA, as disposições desta secção C não «pode[m] ser interpretada[s] no sentido de impedir uma Parte de adotar ou aplicar medidas necessárias […] para garantir a proteção da segurança pública[, da] moralidade pública, […] para manter a ordem pública[,] para proteger a saúde e a vida dos seres humanos, dos animais e das plantas […]», «desde que tais medidas não sejam aplicadas de modo a constituir uma discriminação arbitrária ou injustificável entre as Partes onde existam condições idênticas, ou uma restrição dissimulada ao comércio de serviços».

17

A secção D do CETA, intitulada «Proteção dos investimentos», contém os artigos 8.9 a 8.14 do CETA, que têm a seguinte redação:

«Artigo 8.9

Medidas regulamentares e de investimento

1.   Para efeitos do presente capítulo, as Partes reiteram o direito de regularem nos seus respetivos territórios para realizar objetivos políticos legítimos, em domínios tais como a proteção da saúde pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a proteção social e a defesa dos consumidores ou a promoção e proteção da diversidade cultural[.]

2.   Para maior clareza, o simples facto de uma Parte regular, inclusive mediante a alteração da sua legislação, de uma forma que afete negativamente um investimento ou interfira nas expetativas de um investidor, entre as quais as suas expetativas em termos de lucros, não constitui uma violação das obrigações decorrentes da presente secção.

[…]

4.   Para maior clareza, nenhuma disposição da presente secção pode ser interpretada no sentido de impedir uma Parte de suspender a concessão de uma subvenção ou solicitar o seu reembolso […] ou no sentido de exigir que essa Parte indemnize o investidor pela aplicação de tal medida.

Artigo 8.10

Tratamento dos investidores e dos investimentos abrangidos

1.   Cada Parte concede, no seu território, aos investimentos abrangidos da outra Parte e aos investidores no que respeita aos seus investimentos abrangidos, um tratamento justo e equitativo bem como plena proteção e segurança, em conformidade com os n.os 2 a 7.

2.   Uma Parte infringe a obrigação de tratamento justo e equitativo referida no n.o 1 se uma medida ou uma série de medidas constituir:

a)

uma denegação de justiça em processos penais, civis ou administrativos;

b)

uma violação fundamental do processo equitativo, incluindo a violação fundamental da transparência em processos judiciais e administrativos;

c)

arbitrariedade manifesta;

d)

uma discriminação específica ou por motivos manifestamente injustificados, tais como sexo, raça ou crença religiosa;

e)

um tratamento abusivo dos investidores, nomeadamente coerção, intimidação ou assédio; ou

f)

uma violação de quaisquer outros elementos da obrigação de tratamento justo e equitativo adotada pelas Partes em conformidade com o n.o 3 do presente artigo.

3.   As Partes devem, periodicamente ou a pedido de uma Parte, reexaminar o conteúdo da obrigação de tratamento justo e equitativo. O Comité de Serviços e Investimento […] pode formular recomendações neste contexto e submetê‑las à apreciação do Comité Misto CETA para decisão.

4.   Na aplicação das obrigações de tratamento justo e equitativo supramencionadas, o tribunal pode ter em conta se uma Parte efetuou, junto de um investidor, declarações tendentes a induzir um investimento abrangido, que tenham criado expetativas legítimas […].

5.   Para maior clareza, “plena proteção e segurança” refere‑se apenas à obrigação de uma Parte no que respeita à segurança física dos investidores e investimentos abrangidos.

6.   Para maior clareza, a violação de outra disposição do presente Acordo ou de um acordo internacional distinto não implica necessariamente uma violação do presente artigo.

7.   Para maior clareza, o facto de uma medida infringir o direito interno não demonstra, por si só, a existência de uma violação do presente artigo. A fim de determinar se a medida infringe o presente artigo, o tribunal deve apurar se a Parte agiu em violação das obrigações que lhe incumbem por força do n.o 1.

Artigo 8.11

Indemnização por perdas

[…] [C]ada Parte deve conceder aos investidores da outra Parte cujos investimentos abrangidos sofram perdas devido a conflitos armados, confrontos civis, estado de emergência ou catástrofe natural no seu território, um tratamento não menos favorável do que o concedido aos seus próprios investidores […].

Artigo 8.12

Expropriação

1.   Uma Parte não pode nacionalizar nem expropriar um investimento abrangido, quer diretamente, quer indiretamente através de medidas com efeito equivalente à nacionalização ou à expropriação (“expropriação”), exceto:

a)

por motivos de interesse público;

b)

nos devidos termos da lei;

c)

de forma não discriminatória; e

d)

mediante o pagamento de uma indemnização rápida, adequada e efetiva.

Para maior clareza, o presente número deve ser interpretado em conformidade com o anexo 8‑A.

[…]

Artigo 8.13

Transferências

1.   Cada Parte deve permitir que todas as transferências relacionadas com um investimento abrangido sejam efetuadas numa moeda livremente convertível, sem restrições nem atrasos, e à taxa de câmbio do mercado em vigor na data da transferência. Essas transferências incluem:

a)

entradas de capital, tais como capital inicial ou fundos adicionais para manter, desenvolver ou aumentar o investimento;

b)

lucros, dividendos, juros, mais valias, pagamentos de royalties, […] ou outras formas de rendimentos ou montantes provenientes do investimento abrangido;

c)

o produto da venda ou liquidação de todo ou parte do investimento abrangido;

d)

pagamentos efetuados ao abrigo de um contrato celebrado pelo investidor ou do investimento abrangido, incluindo os pagamentos efetuados a título de um acordo de empréstimo;

[…]

2.   As Partes não obrigam os seus investidores a transferir, nem penalizam os seus investidores por não transferirem rendimentos, remunerações, lucros ou outros montantes provenientes de investimentos no território da outra Parte ou imputáveis a tais investimentos.

3.   Nenhuma disposição do presente artigo pode ser interpretada no sentido de impedir uma Parte de aplicar, de uma forma equitativa e não discriminatória e de um modo que não constitua uma restrição dissimulada às transferências, a sua legislação em matéria de:

a)

falência, insolvência ou proteção dos direitos dos credores;

b)

emissão, transação ou comércio de garantias;

c)

infrações penais;

d)

elaboração dos relatórios financeiros ou conservação de registos das transferências, se tal se revelar necessário para auxiliar as autoridades responsáveis pela aplicação da lei e as autoridades de regulação financeira; e

e)

o cumprimento das sentenças proferidas em processos de natureza quase‑judicial.

Artigo 8.14

Sub‑rogação

Se uma Parte, ou um dos seus organismos, efetuar um pagamento a título de indemnização, garantia ou contrato de seguro que tenha subscrito em relação a um investimento efetuado por um dos seus investidores no território da outra Parte, a outra Parte deve reconhecer que a Parte, ou um dos seus organismos, possui em qualquer circunstância os mesmos direitos que o investidor relativamente ao investimento. […]»

18

O anexo 8‑A do CETA, a que se refere o artigo 8.12, n.o 1, deste acordo enuncia:

«As Partes confirmam o seu entendimento comum de que:

1.   A expropriação pode ser direta ou indireta:

a)

A expropriação direta ocorre quando um investimento é nacionalizado ou de outra forma diretamente expropriado através da transferência formal do título ou de apreensão; e

b)

A expropriação indireta ocorre quando uma medida ou uma série de medidas de uma Parte têm um efeito equivalente a uma expropriação direta, ao privar de forma substancial o investidor dos principais atributos da propriedade do seu investimento, incluindo o direito de utilizar, usufruir e dispor do seu investimento, sem transferência formal do título ou apreensão.

2.   Para determinar se uma medida ou uma série de medidas de uma Parte, numa situação de facto específica, constitui uma expropriação indireta, é necessário um inquérito caso a caso e factual, que tenha em conta, nomeadamente, os seguintes elementos:

a)

O impacto económico da medida ou série de medidas, embora o simples facto de uma medida ou uma série de medidas de uma Parte ter um efeito adverso sobre o valor económico de um investimento não demonstre que tenha ocorrido uma expropriação indireta;

b)

A duração da medida ou série de medidas de uma Parte;

c)

Até que ponto a medida ou série de medidas interferem com as expectativas distintas e razoáveis baseadas nos investimentos; e

d)

O caráter da medida ou série de medidas, nomeadamente o seu objeto, contexto e objetivo.

3.   Para maior clareza, exceto nas raras circunstâncias em que o impacto de uma medida ou série de medidas é tão severo relativamente ao seu objetivo que parece ser manifestamente excessivo, as medidas não discriminatórias de uma Parte concebidas e aplicadas para proteção de objetivos de interesse público legítimos, como a saúde pública, a segurança e o ambiente, não constituem uma expropriação indireta.»

19

O artigo 1.1 do CETA estabelece que, «[p]ara efeitos do presente Acordo, e salvo disposição em contrário, entende‑se por […] medida, qualquer lei, regulamento, regra, procedimento, decisão, medida administrativa, requisito, prática ou qualquer outra forma de intervenção adotada por uma Parte».

20

O artigo 8.2 do CETA precisa:

«1.   O [capítulo oito] é aplicável às medidas adotadas ou mantidas por uma Parte no seu território relacionadas com:

a)

um investidor da outra Parte;

b)

um investimento abrangido; […]

[…]

4.   Um investidor pode apresentar um pedido […] no respeito dos procedimentos enunciados na secção F. […] Os pedidos apresentados ao abrigo da secção C no que respeita ao estabelecimento ou à aquisição de um investimento abrangido estão excluídos do âmbito de aplicação da secção F. A secção D aplica‑se exclusivamente aos investimentos abrangidos e aos investidores no que diz respeito aos seus investimentos abrangidos.

[…]»

D.   O direito aplicável

21

O artigo 8.31 do CETA prevê:

«1.   Ao proferir a sua decisão, o tribunal instituído ao abrigo da presente secção deve aplicar o presente Acordo, interpretado em conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados[, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331; a seguir “Convenção de Viena”),] e com outras regras e princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes.

2.   O tribunal não é competente para decidir quanto à legalidade de uma medida que constitua uma alegada violação do presente Acordo ao abrigo da legislação interna de uma Parte. Para maior clareza, para decidir quanto à compatibilidade de uma medida com o presente Acordo, o tribunal pode ter em consideração, se for caso disso, a legislação interna de uma Parte como uma questão de facto. Ao fazê‑lo, o tribunal deve seguir a interpretação da legislação interna habitualmente seguida pelos tribunais ou autoridades dessa Parte e qualquer interpretação da legislação interna pelo tribunal não é vinculativa para os tribunais ou autoridades dessa Parte.

3.   Caso surjam graves preocupações no que respeita a questões de interpretação suscetíveis de afetar o investimento, o Comité de Serviços e Investimento pode […] recomendar ao Comité Misto CETA a adoção de interpretações do presente Acordo. Uma interpretação adotada pelo Comité Misto CETA é vinculativa para o tribunal constituído ao abrigo da presente secção. O Comité Misto CETA pode decidir que uma interpretação produz efeitos vinculativos a partir de uma data determinada.»

22

O artigo 8.28, n.o 2, do CETA dispõe:

«A instância de recurso pode ratificar, alterar ou revogar a sentença do tribunal com base em:

a)

erros na aplicação ou interpretação do direito aplicável;

b)

erros manifestos na apreciação dos factos, ou de apreciação do direito interno pertinente;

c)

os motivos enunciados no artigo 52.o, n.o 1, alíneas a) a e), da [Convenção para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados, assinada em Washington, em 18 de março de 1965; a seguir “Convenção CIRDI”], na medida em que não sejam abrangidos pelas alíneas a) e b) do presente número.»

E.   As regras processuais

23

Nos termos do artigo 8.23, n.os 1 e 2, do CETA:

«1.   Caso um litígio não tenha sido resolvido através da realização de consultas, um pedido ao abrigo da presente secção pode ser apresentado por:

a)

um investidor de uma Parte, em seu próprio nome; ou

b)

um investidor de uma Parte, em nome de uma empresa estabelecida localmente que detenha ou controle direta ou indiretamente.

2.   Os pedidos podem ser apresentados ao abrigo das seguintes regras:

a)

a Convenção CIRDI e as regras processuais de arbitragem;

b)

as regras do Instrumento Adicional do CIRDI, caso não sejam aplicáveis as condições para a instauração de um processo ao abrigo da alínea a);

c)

as regras de arbitragem da [Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional]; ou

d)

quaisquer outras regras acordadas pelas partes em litígio.»

24

A expressão «empresa estabelecida localmente», referida nesse artigo 8.23, designa, de acordo com o artigo 8.1 do CETA, «a pessoa coletiva que é constituída ou organizada nos termos da legislação da parte demandada e que é detida ou controlada direta ou indiretamente por um investidor da outra Parte».

25

No que se refere às consultas que, por força do referido artigo 8.23, devem ser realizadas previamente, o artigo 8.19, n.os 2 e 3, enuncia:

«2.   Salvo acordo em contrário das partes em litígio, as consultas realizam‑se:

a)

em Otava, se as medidas do Canadá forem objeto da contestação;

b)

em Bruxelas, se as medidas contestadas incluírem uma medida da União […]; ou

c)

na capital de um determinado Estado‑Membro da União […], se as medidas contestadas forem exclusivamente medidas desse Estado‑Membro.

3.   As partes em litígio podem realizar as consultas através de videoconferência ou de outros meios quando adequado, nomeadamente, nos casos em que o investidor seja uma pequena ou média empresa.»

26

Além disso, o artigo 8.22 do CETA precisa:

«1.   Um investidor só pode apresentar um pedido ao abrigo do artigo 8.23 se:

a)

comunicar à parte demandada, juntamente com a apresentação do pedido, o seu consentimento à resolução do litígio pelo tribunal, em conformidade com o procedimento previsto na presente secção;

b)

deixar decorrer pelo menos 180 dias a contar da apresentação do pedido de realização de consultas e, se for caso disso, pelo menos 90 dias a contar da apresentação do pedido de determinação da parte demandada;

c)

tiver satisfeito os requisitos relativos ao pedido de determinação da parte demandada;

d)

tiver satisfeito os requisitos relativos ao pedido de realização de consultas;

e)

não indicar no pedido uma medida que não tenha indicado no pedido de realização de consultas;

f)

desistir do pedido ou da instância em curso num tribunal ou órgão jurisdicional ao abrigo do direito nacional ou internacional, que se refira a uma medida que alegadamente constitua uma infração que seja objeto do seu pedido; e

g)

renunciar ao seu direito de apresentar um pedido ou instaurar um processo num tribunal ou órgão jurisdicional, ao abrigo do direito nacional ou internacional, que se refira a uma medida que alegadamente constitua uma infração que seja objeto do seu pedido.

[…]

5.   A renúncia apresentada ao abrigo do n.o 1, alínea g), ou do n.o 2, consoante o caso, deixa de ser aplicável:

a)

se o tribunal rejeitar o pedido por incumprimento do disposto nos n.os 1 e 2 ou com quaisquer outros fundamentos processuais ou jurisdicionais;

b)

se o tribunal negar provimento ao pedido nos termos do artigo 8.32 ou do artigo 8.33; ou

c)

se o investidor retirar o seu pedido […] no prazo de 12 meses a contar da constituição da secção do tribunal.»

27

Os artigos 8.32 e 8.33 do CETA, a que se refere o seu artigo 8.22, n.o 5, alínea b), incidem, respetivamente, sobre os «pedidos manifestamente destituídos de fundamento jurídico» e os «pedidos destituídos de fundamento por razões de direito», sendo estes últimos definidos como pedidos «[não] suscetíve[is] de ser objeto de uma sentença favorável à parte demandante […], mesmo que se tenha considerado serem verdadeiros os factos alegados». Estes artigos dispõem que cabe ao tribunal do CETA examinar, a título preliminar, se deve rejeitar o pedido por ser manifestamente destituído de fundamento jurídico ou destituído de fundamento por razões de direito, se a parte demandada tiver suscitado uma objeção nesse sentido.

28

O artigo 8.25, n.o 1, do CETA está assim redigido:

«A parte demandada dá o seu consentimento para a resolução do litígio pelo tribunal em conformidade com os procedimentos definidos na presente secção.»

29

O artigo 8.27 do CETA prevê, nos seus n.os 6, 7 e 9:

«6.   Para apreciar os processos, o tribunal é organizado em secções compostas por três membros do tribunal, nomeadamente, um cidadão nacional de um Estado‑Membro da União […], um cidadão nacional do Canadá e um cidadão nacional de um país terceiro. A secção deve ser presidida pelo membro do tribunal que é cidadão nacional de um país terceiro.

7.   No prazo de 90 dias a contar da apresentação do pedido nos termos do artigo 8.23, o presidente do tribunal deve nomear os membros do tribunal que compõem a secção que aprecia o processo numa base rotativa, de modo a garantir uma composição aleatória e imprevisível das secções e a dar a todos os membros do tribunal igual oportunidade de exercer funções.

[…]

9.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6, as partes em litígio podem decidir por comum acordo que um processo seja apreciado por um único membro do tribunal, selecionado aleatoriamente de entre os cidadãos nacionais de países terceiros. A parte demandada deve mostrar recetividade em relação a um pedido da parte demandante no sentido de que o processo seja apreciado por um único membro do tribunal, sobretudo nos casos em que a parte demandante seja uma pequena ou média empresa, ou o montante das indemnizações pedidas seja relativamente baixo. Este pedido deve ser apresentado antes da constituição da secção do tribunal.»

30

O artigo 8.28, n.os 5, 7 e 9, do CETA dispõe:

«5.   A secção da instância de recurso constituída para apreciar o recurso deve ser composta por três membros da instância de recurso, selecionados aleatoriamente.

[…]

7.   O Comité Misto CETA deve adotar, de imediato, uma decisão que defina as seguintes questões […] relativas ao funcionamento da instância de recurso:

[…]

b)

procedimentos de início e de tramitação dos recursos […];

[…]

9.   Quando da aprovação da decisão a que se refere o n.o 7:

a)

uma parte em litígio pode recorrer de uma sentença proferida ao abrigo da presente secção junto da instância de recurso no prazo de 90 dias a contar da prolação;

[…]

c)

uma sentença proferida ao abrigo do artigo 8.39 não é considerada definitiva e nenhum procedimento de execução de uma sentença pode ser iniciado antes de:

i)

decorridos 90 dias a contar da data em que a sentença foi proferida pelo tribunal, durante os quais não foi interposto qualquer recurso; ou

ii)

um recurso interposto ter sido rejeitado ou retirado; ou

iii)

decorridos 90 dias a contar da data em que a instância de recurso proferiu uma sentença, sem que a referida instância de recurso tenha reenviado a questão ao tribunal;

d)

uma sentença definitiva proferida pela instância de recurso é considerada como uma sentença definitiva para os efeitos do artigo 8.41; e

[…]»

31

Nos termos do artigo 8.39 do CETA:

«1.   Se o tribunal proferir uma sentença definitiva contra a parte demandada, o tribunal pode apenas conceder, separadamente ou em conjunto:

a)

uma indemnização pecuniária e os juros eventualmente aplicáveis;

b)

a restituição dos bens, devendo nesse caso a sentença prever que, em vez da restituição, a parte demandada pode pagar uma indemnização pecuniária, e os juros eventualmente aplicáveis, correspondente ao justo valor de mercado dos bens […].

2.   Sob reserva dos n.os 1 e 5, se o pedido for apresentado em conformidade com o artigo 8.23, n.o 1, alínea b):

a)

a sentença que concede uma indemnização pecuniária e os juros eventualmente aplicáveis prevê que o montante seja pago à empresa estabelecida localmente;

b)

a sentença que determina a restituição dos bens prevê que a restituição seja feita à empresa estabelecida localmente;

[…]

3.   O montante da indemnização pecuniária não deve ser superior aos prejuízos sofridos […].

4.   O tribunal não concede indemnizações punitivas.

5.   O tribunal ordena que a parte vencida suporte os custos do processo. Em circunstâncias excecionais, o tribunal pode repartir os custos entre as partes em litígio, caso considere que essa repartição se adequa às circunstâncias do pedido. Outros custos razoáveis, incluindo as despesas de representação e assistência judiciária, devem ser suportados pela parte vencida no litígio, exceto se o tribunal determinar que as circunstâncias do pedido não justificam essa repartição. Nos casos em que se julguem parcialmente procedentes os pedidos, os custos devem ser calculados proporcionalmente, em função do número ou da extensão dos pedidos considerados procedentes.

6.   O Comité Misto CETA deve avaliar a possibilidade de introduzir regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as partes demandantes que são pessoas singulares ou pequenas e médias empresas. Essas regras suplementares devem sobretudo ter em conta os recursos financeiros dessas partes demandantes e os montantes de indemnização pedidos.

7.   […] O tribunal deve proferir a sua sentença definitiva no prazo de 24 meses a contar da data em que o pedido é apresentado em conformidade com o artigo 8.23. Se necessitar de mais tempo para proferir a sentença definitiva, o tribunal deve comunicar às partes em litígio os motivos do atraso.»

32

O artigo 8.41 do CETA enuncia:

«1.   Uma sentença proferida nos termos da presente secção é vinculativa para as partes em litígio e no que diz respeito ao processo em causa.

2.   […] [A]s partes em litígio reconhecem a sentença e dão‑lhe execução sem demora.

[…]

4.   A execução da sentença rege‑se pela legislação aplicável à execução de sentenças em vigor no local em que a execução é requerida.

[…]»

F.   Os membros do tribunal e da instância de recurso projetados

33

O artigo 8.27, n.os 2 a 5 e 12 a 16, do CETA dispõe:

«2.   O Comité Misto CETA deve, aquando da entrada em vigor do presente Acordo, nomear quinze membros do tribunal. Cinco dos membros do tribunal devem ser cidadãos nacionais de um Estado‑Membro da União […], cinco devem ser cidadãos nacionais do Canadá e cinco devem ser cidadãos nacionais de países terceiros.

3.   O Comité Misto CETA pode decidir aumentar ou reduzir o número de membros do tribunal em múltiplos de três. Quaisquer nomeações suplementares devem ser efetuadas nas condições previstas no n.o 2.

4.   Os membros do tribunal devem possuir as habilitações exigidas nos respetivos países para o exercício de funções jurisdicionais ou ser juristas de reconhecida competência. Devem possuir conhecimentos especializados comprovados no domínio do direito internacional público. É conveniente que possuam conhecimentos especializados sobretudo no domínio do direito internacional em matéria de investimento, do direito comercial internacional e da resolução de litígios no quadro de acordos internacionais de comércio ou de investimento.

5.   O mandato dos membros do tribunal nomeados ao abrigo da presente secção tem a duração de cinco anos e é renovável uma vez. No entanto, o mandato de sete dos quinze membros nomeados imediatamente após a entrada em vigor do presente Acordo, a determinar por sorteio, tem uma duração de seis anos. As vagas são preenchidas à medida que forem surgindo. […]

[…]

12.   A fim de garantir a sua disponibilidade, os membros do tribunal recebem honorários mensais, que são determinados pelo Comité Misto CETA.

13.   Os honorários referidos no n.o 12 devem ser pagos equitativamente por ambas as Partes […].

14.   A menos que o Comité Misto CETA adote uma decisão nos termos do n.o 15, os montantes dos honorários e das despesas dos membros do tribunal em funções numa secção constituída para apreciar um pedido, com exceção dos honorários previstos no n.o 12, são fixados nos termos da regra 14, n.o 1, do Regulamento Administrativo e Financeiro da Convenção CIRDI em vigor na data de apresentação do pedido e repartidos pelo tribunal entre as partes em litígio, em conformidade com o artigo 8.39, n.o 5.

15.   O Comité Misto CETA pode, mediante decisão, transformar os honorários e outros pagamentos e despesas num salário normal, e determinar as modalidades e condições aplicáveis.

16.   O secretariado do tribunal é assegurado pelo Secretariado do CIRDI, que deve prestar o apoio adequado.»

34

O artigo 8.28, n.os 3, 4 e 7, do CETA enuncia:

«3.   Os membros da instância de recurso são nomeados por decisão do Comité Misto CETA em simultâneo com a decisão a que se refere o n.o 7.

4.   Os membros da instância de recurso devem satisfazer as condições do artigo 8.27, n.o 4, e respeitar o disposto no artigo 8.30.

[…]

7.   O Comité Misto CETA deve adotar, de imediato, uma decisão que defina as seguintes questões administrativas e organizacionais relativas ao funcionamento da instância de recurso:

[…]

c)

procedimentos de provimento de uma vaga na instância de recurso e numa secção da instância de recurso constituída para apreciar um litígio;

d)

a remuneração dos membros da instância de recurso;

e)

disposições relativas aos custos dos recursos;

f)

o número de membros da instância de recurso; e

[…]»

35

O artigo 8.30 do CETA dispõe:

«1.   Os membros do tribunal devem ser independentes. Não devem estar dependentes de qualquer governo, nem devem aceitar instruções de nenhuma organização ou governo no que diz respeito às questões relativas ao litígio. Não devem participar na apreciação de qualquer litígio que possa criar um conflito de interesses direto ou indireto. Devem respeitar as orientações da Ordem dos Advogados Internacional [(International Bar Association)] em matéria de conflitos de interesses no quadro de uma arbitragem internacional[, aprovadas em 22 de maio de 2004 pelo conselho da Ordem dos Advogados Internacional; a seguir “orientações da IBA”] ou quaisquer regras suplementares adotadas nos termos do artigo 8.44, n.o 2. Além disso, uma vez nomeados, devem abster‑se de exercer funções na qualidade quer de advogados quer de peritos ou testemunhas designados por uma parte em qualquer litígio pendente ou novo litígio em matéria de investimento ao abrigo do presente acordo ou de qualquer outro acordo internacional.

[…]

4.   Mediante recomendação fundamentada do presidente do tribunal, ou por iniciativa conjunta das Partes, estas, através de uma decisão do Comité Misto CETA, podem destituir um membro do tribunal, se o seu comportamento for incompatível com as obrigações previstas no n.o 1 e com a sua permanência na qualidade de membro do tribunal.»

36

O n.o 1, segundo período, deste artigo 8.30 é acompanhado de uma nota de pé de página segundo a qual, «[p]ara maior clareza, o facto de uma pessoa receber uma remuneração por parte de um governo não torna, por si só, essa pessoa inelegível».

G.   O Comité Misto e o Comité de Serviços e Investimento

37

Nos termos do artigo 26.1 do CETA:

«1.   As Partes criam o Comité Misto CETA, composto por representantes da União […] e por representantes do Canadá. O Comité Misto CETA é presidido pelo ministro do comércio internacional do Canadá e pelo membro da Comissão Europeia responsável pelo Comércio, ou pelos representantes que estes designarem.

[…]

3.   O Comité Misto CETA é responsável por todas as questões relacionadas com o comércio e o investimento entre as Partes e a aplicação e a execução do presente Acordo. […]

4.   Incumbe ao Comité Misto CETA:

[…]

e)

tomar decisões em conformidade com o artigo 26.3; e

[…]

5.   O Comité Misto CETA pode:

[…]

e)

adotar interpretações das disposições do presente Acordo, que são vinculativas para os tribunais constituídos ao abrigo da secção F do capítulo oito (Resolução de litígios em matéria de investimento entre investidores e Estados) e do capítulo vinte e nove (Resolução de litígios);

[…]»

38

O artigo 26.3 do CETA enuncia:

«1.   Para a realização dos objetivos previstos no presente Acordo e nos casos nele previstos, o Comité Misto CETA dispõe de poder de decisão relativamente a todas as matérias.

2.   As decisões adotadas pelo Comité Misto CETA são vinculativas para as Partes […].

3.   O Comité Misto [CETA] aprova as suas decisões e recomendações de comum acordo.»

39

O artigo 8.44, n.o 2, do CETA tem a seguinte redação:

«2.   O Comité de Serviços e Investimento, com o acordo das Partes, e uma vez cumpridos os respetivos requisitos e procedimentos internos das Partes, adota um código de conduta para os membros do tribunal, a aplicar nos litígios decorrentes do presente capítulo, que pode substituir ou complementar as regras em vigor e abranger, nomeadamente, as seguintes questões:

a)

a obrigação de declaração;

b)

a independência e imparcialidade dos membros do tribunal; e

c)

a confidencialidade.

As Partes envidam todos os esforços no sentido de assegurar que o código de conduta é adotado o mais tardar no primeiro dia da aplicação provisória ou da entrada em vigor do presente Acordo, consoante o caso, e, em qualquer caso, o mais tardar dois anos após essa data.»

H.   A inexistência de efeito direto do CETA na ordem jurídica das Partes

40

O artigo 30.6, n.o 1, do CETA prevê que «[n]enhuma disposição do presente Acordo pode ser interpretada […] no sentido de permitir que o presente Acordo seja diretamente invocado nas ordens jurídicas internas das Partes».

I.   O Instrumento Comum Interpretativo e a Declaração n.o 36

41

O artigo 30.1 do CETA prevê que «[o]s protocolos, anexos, declarações, declarações comuns, memorandos de entendimento e notas de pé de página do presente Acordo fazem dele parte integrante».

42

Por ocasião da assinatura do CETA, a União e os seus Estados‑Membros e o Canadá criaram um Instrumento Comum Interpretativo (JO 2017, L 11, p. 3; a seguir «Instrumento Comum Interpretativo»), cujo ponto 1, alíneas b) e d), enuncia:

«b)

O CETA encarna o empenhamento comum do Canadá e da União […] e dos seus Estados‑Membros no comércio livre e justo numa sociedade dinâmica e orientada para o futuro. […]

[…]

d)

A União […] e os seus Estados‑Membros e o Canadá continuarão, por conseguinte, a ter a capacidade de alcançar os objetivos legítimos de política pública estabelecidos pelas suas instituições democráticas, tais como a saúde pública, os serviços sociais, a educação pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a proteção da vida privada e dos dados pessoais e a promoção e proteção da diversidade cultural. O CETA também não reduzirá o nível das nossas respetivas normas e disposições regulamentares em matéria de segurança dos alimentos, segurança dos produtos, proteção dos consumidores, saúde, ambiente ou proteção laboral. Os bens importados, os prestadores de serviços e os investidores devem continuar a respeitar as suas obrigações a nível nacional, incluindo regras e disposições regulamentares. […]»

43

Nos termos do ponto 2 deste instrumento:

«O CETA preserva a capacidade de a União […] e os seus Estados‑Membros e o Canadá adotarem e aplicarem as suas próprias disposições legislativas e regulamentares aplicáveis à atividade económica no interesse público, de alcançarem objetivos legítimos de política pública, tais como a proteção e a promoção da saúde pública, os serviços sociais, a educação pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a proteção social ou dos consumidores, a proteção da vida privada e dos dados pessoais, bem como a promoção e a proteção da diversidade cultural.»

44

O ponto 6 do instrumento enuncia:

«a)

O CETA contém regras de investimento modernas que mantêm o direito dos governos de regulamentarem em prol do interesse público, mesmo quando essa regulamentação afeta um investimento estrangeiro, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção dos investimentos e fornecendo mecanismos de resolução de litígios justos e transparentes. O CETA não fará com que os investidores estrangeiros sejam tratados de forma mais favorável do que os investidores nacionais. O CETA não privilegia o recurso ao sistema judicial em matéria de investimento instituído pelo Acordo. Os investidores podem, em vez disso, optar por interpor recurso junto dos tribunais nacionais.

b)

O CETA esclarece que os governos podem alterar a sua legislação, independentemente da questão de saber se essa alteração pode afetar negativamente um investimento ou as expectativas de um investidor em termos de lucros. […]

[…]

d)

O CETA exige uma ligação económica real às economias do Canadá ou da União […] para que uma empresa possa beneficiar do acordo e impede as empresas “de fachada” ou “de apartado postal” estabelecidas no Canadá ou na União […] por investidores de outros países de intentarem ações contra o Canadá ou a União […] e os seus Estados‑Membros. […]

e)

A fim de garantir que os tribunais respeitam, em todas as circunstâncias, as intenções das Partes tal como definidas no acordo, o CETA contém disposições que permitem às Partes formular notas de interpretação vinculativas. O Canadá e a União […] e seus Estados‑Membros estão empenhados em utilizar essas disposições para evitar e retificar qualquer interpretação errónea do CETA por parte dos tribunais.

f)

O CETA afasta‑se decisivamente da abordagem tradicional da resolução de litígios no domínio do investimento e institui tribunais de investimento independentes, imparciais e permanentes, que se pautam pelos princípios dos sistemas judiciais da União e dos seus Estados‑Membros e do Canadá, bem como dos tribunais internacionais como o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; Por conseguinte, os membros destes tribunais serão pessoas qualificadas para exercer funções jurisdicionais nos respetivos países, que serão nomeadas pela União […] e pelo Canadá por um período fixo. Os processos serão apreciados por três membros selecionados aleatoriamente. Foram estabelecidas regras éticas rigorosas aplicáveis a estes profissionais, a fim de garantir a sua independência e imparcialidade, a ausência de conflito de interesses, de parcialidade ou aparência de parcialidade. A União […] e os seus Estados‑Membros e o Canadá acordaram em retomar imediatamente os trabalhos sobre um código de conduta para reforçar a imparcialidade dos membros dos tribunais, sobre o método e o nível da sua remuneração e o processo para a sua seleção. O objetivo comum consiste em concluir os trabalhos até à entrada em vigor do CETA.

g)

O CETA é o primeiro acordo que inclui um mecanismo de recurso que permitirá a correção de erros e garantirá a coerência das decisões do tribunal […].

h)

O Canadá e a União […] e seus Estados‑Membros estão empenhados em acompanhar o funcionamento de todas estas regras de investimento, a fim de dar uma resposta atempada a quaisquer falhas que possam surgir e explorar as formas de melhorar continuamente o seu funcionamento ao longo do tempo.

i)

Por conseguinte, o CETA representa uma mudança importante e radical nas regras de investimento e na resolução de litígios. O acordo estabelece a base para um esforço multilateral destinado a aprofundar esta nova abordagem da resolução de litígios, através da criação de um tribunal multilateral de investimentos. A [União] e o Canadá envidarão todos os esforços com vista à rápida criação do tribunal multilateral de investimentos. Este tribunal deverá ser estabelecido logo que esteja reunida uma massa crítica mínima de participantes e substituir imediatamente os sistemas bilaterais como o do CETA e estar plenamente aberto à adesão de qualquer país que subscreva os princípio[s] subjacentes ao tribunal.»

45

Por outro lado, nos termos da Declaração n.o 36:

«O CETA visa levar a cabo uma reforma importante da resolução dos litígios em matéria de investimento, assente nos princípios comuns aos órgãos jurisdicionais da União […] e dos seus Estados‑Membros e do Canadá, bem como a tribunais internacionais reconhecidos pela União […] e pelos seus Estados‑Membros e pelo Canadá […].

Atendendo a que todas estas disposições [relativas a esses litígios] se encontram excluídas do âmbito da aplicação provisória do CETA, a Comissão Europeia e o Conselho confirmam que as mesmas não entrarão em vigor antes da ratificação do CETA por todos os Estados‑Membros, cada um de acordo com o seu próprio processo constitucional.

A Comissão compromete‑se a prosseguir sem demora a revisão do mecanismo de resolução dos diferendos (“ICS”), e em tempo útil para que os Estados‑Membros a possam ter em conta nos seus processos de ratificação, de acordo com os seguintes princípios:

A seleção de todos os juízes do tribunal e da instância de recurso será feita, sob o controlo das instituições europeias e dos Estados‑Membros, de forma rigorosa, com o objetivo de garantir a sua independência e imparcialidade, bem como a mais elevada competência. No que diz respeito aos juízes europeus em particular, a seleção deverá igualmente procurar representar, sobretudo ao longo do tempo, a riqueza das tradições jurídicas europeias. Por conseguinte:

Os candidatos a juízes europeus serão nomeados pelos Estados‑Membros, que participarão igualmente na avaliação dos candidatos.

Sem prejuízo das outras condições enunciadas no artigo 8.27, n.o 4, do CETA, os Estados‑Membros proporão candidatos que preencham os critérios enunciados no artigo 253.o, n.o 1, do TFUE.

A Comissão assegurará, em consulta com os Estados‑Membros e com o Canadá, uma avaliação igualmente rigorosa das candidaturas dos outros juízes do tribunal.

Os juízes serão remunerados pela União […] e pelo Canadá numa base permanente. Haverá que evoluir para um sistema em que os juízes trabalham a tempo inteiro.

Os requisitos éticos para os membros do tribunal e da instância de recurso, já previstos no CETA, serão desenvolvidos de forma pormenorizada — o mais rapidamente possível e em tempo útil para que os Estados‑Membros possam tê‑los em conta nos seus processos de ratificação — num código de conduta obrigatório e vinculativo (o que está já igualmente previsto no CETA). […]

O acesso […] [das pequenas e médias empresas] e [d]as pessoas singulares a este novo órgão jurisdicional será melhorado e facilitado. Para o efeito:

A adoção pelo Comité Misto [CETA], prevista pelo artigo 8.39, n.o 6, do CETA, de regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as partes demandantes que são pessoas singulares ou pequenas e médias empresas, será efetuada de modo a que estas regras suplementares possam ser adotadas o mais rapidamente possível.

Independentemente dos resultados dos debates no Comité Misto [CETA], a Comissão proporá medidas adequadas de (co)financiamento público das ações das pequenas e médias empresas perante esse órgão jurisdicional, bem como a concessão de assistência técnica.

[…]»

III. Resumo das questões formuladas pelo Reino da Bélgica

A.   Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

46

O Reino da Bélgica recorda que o Tribunal de Justiça, no n.o 246 do seu Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454), enunciou «o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União».

47

O respeito dessa competência exclusiva é necessário para garantir a autonomia da ordem jurídica da União. A este propósito, o Reino da Bélgica recorda que, no Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123), o Tribunal de Justiça declarou que há incompatibilidade com a autonomia da ordem jurídica da União quando um órgão jurisdicional internacional estabelecido por um acordo que vincula a União pode ser chamado a interpretar e a aplicar não apenas as disposições desse acordo mas também disposições do direito primário ou derivado da União, princípios gerais do direito da União ou direitos fundamentais desta última.

48

Ora, no caso em apreço, a delimitação da competência do tribunal do CETA, efetuada no artigo 8.31 deste acordo, em nada altera o facto de que, quando tiver de examinar se uma medida adotada pela União viola uma das disposições do capítulo oito, secções C e D, deste acordo, esse tribunal será obrigado a interpretar o alcance dessa medida, sem poder necessariamente basear‑se numa interpretação já dada pelo Tribunal de Justiça.

49

Além disso, a competência do tribunal do CETA para examinar se uma medida adotada pelo Canadá, pela União ou por um Estado‑Membro viola uma das disposições da secção C ou D desse capítulo habilita‑o, não obstante as limitações decorrentes do artigo 8.31 do CETA, a proceder a apreciações fundamentais que, quando a medida impugnada foi tomada pela União, envolvem o direito primário desta última. Com efeito, na sua análise do litígio, esse tribunal pode ser levado a ter em conta disposições do direito primário da União com fundamento nas quais a União adotou essa medida. Nesse caso, tem de efetuar uma apreciação do alcance das referidas disposições.

50

Uma vez que o mecanismo RLIE projetado não prevê a obrigação nem sequer a possibilidade de o tribunal do CETA submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prévia sobre a interpretação do direito da União, o Reino da Bélgica pergunta se este mecanismo, que pode conduzir a sentenças definitivas que vinculam a União, é compatível com o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União.

B.   Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

51

O Reino da Bélgica observa que as empresas constituídas em conformidade com o direito canadiano e as pessoas singulares de nacionalidade canadiana ou que residem de forma permanente no Canadá (a seguir, em conjunto, «empresas e pessoas singulares canadianas» ou «investidores canadianos») poderão, no que diz respeito aos seus investimentos na União, submeter um litígio ao tribunal do CETA, enquanto as empresas constituídas de acordo com o direito de um Estado‑Membro da União e as pessoas singulares com a nacionalidade de um Estado‑Membro (a seguir «empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros» ou «investidores da União») não terão esta possibilidade quanto aos seus investimentos na União.

52

Há que examinar se tal situação é compatível com o artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), nos termos do qual «[t]odas as pessoas são iguais perante a lei», e com o artigo 21.o da Carta, que dispõe, no seu n.o 2, que, «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade».

53

Mais particularmente, o Reino da Bélgica observa que resulta do artigo 8.39, n.o 2, alínea a), do CETA que, quando um investidor canadiano atue no tribunal do CETA em nome de uma «empresa estabelecida localmente», a saber, uma empresa estabelecida na União e detida ou controlada direta ou indiretamente por esse investidor, as indemnizações concedidas por esse tribunal serão pagas a essa empresa estabelecida localmente. Há que analisar a compatibilidade desta regra com os artigos 20.° e 21.° da Carta.

54

O Reino da Bélgica pergunta ainda se, na hipótese de o tribunal do CETA concluir pela incompatibilidade, com uma disposição do capítulo oito, secção C ou D, do CETA, de uma coima aplicada pela Comissão ou por uma autoridade de um Estado‑Membro a um investidor canadiano por violação do direito da concorrência e conceder uma compensação equivalente a essa coima, a supressão dos efeitos da referida coima é compatível com o princípio da igualdade de tratamento e com a exigência de efetividade do direito da União.

55

Observa, a este respeito, que o artigo 8.9, n.o 4, do CETA impede que, quando a União declara um auxílio de Estado incompatível com o artigo 108.o TFUE e ordena o seu reembolso, o tribunal do CETA possa apreciar essa decisão contrária a este acordo. Ora, o referido acordo não inclui uma regra semelhante para proteger as decisões tomadas pela Comissão ou pelas autoridades dos Estados‑Membros no âmbito dos artigos 101.° e 102.° TFUE. Um investidor canadiano pode, assim, furtar‑se às consequências financeiras de uma violação do direito da concorrência da União, ao contrário dos investidores da União, o que pode ser incompatível com os artigos 20.° e 21.° da Carta e com a exigência de efetividade do direito da União.

C.   Questões sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

56

O Reino da Bélgica pergunta se o capítulo oito, secção F, do CETA é compatível com o direito fundamental de acesso a um tribunal independente, tal como enunciado, nomeadamente, no artigo 47.o da Carta.

57

Observa, em primeiro lugar, que o regime previsto na referida secção F pode dificultar excessivamente o acesso das pequenas e médias empresas ao tribunal do CETA, uma vez que decorre do artigo 8.27, n.o 14, do CETA que os honorários e as despesas dos membros desse tribunal encarregados do litígio devem ser suportados pelas partes nesse litígio, e que o artigo 8.39, n.o 5, do CETA enuncia que tanto as despesas do processo como as despesas de representação e assistência judiciária serão, exceto em circunstâncias excecionais, suportadas pela parte vencida.

58

Por outro lado, o CETA não oferece atualmente a possibilidade de concessão de apoio judiciário, embora o artigo 47.o, terceiro parágrafo, da Carta consagre expressamente o direito a esse apoio na medida necessária para assegurar o acesso à justiça, tendo o Tribunal de Justiça precisado, além disso, no seu Acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811), que este direito é extensivo às empresas.

59

O risco de ter de suportar a totalidade das despesas em processos onerosos pode, portanto, dissuadir um investidor que apenas disponha de meios financeiros limitados de apresentar uma queixa.

60

O Reino da Bélgica questiona‑se, em segundo lugar, sobre a compatibilidade das condições de remuneração dos membros do tribunal e da instância de recurso do CETA, tal como previstas nos artigos 8.27, n.os 12 a 15, e 8.28, n.o 7, alínea d), do CETA, com o direito de acesso a «um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei», que vem enunciado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Uma vez que estas condições de remuneração não são predominantemente fixadas no próprio texto do CETA, mas deixadas em larga medida à apreciação discricionária do Comité Misto CETA, é possível ter dúvidas quanto à sua compatibilidade com os princípios aplicáveis à separação de poderes.

61

O facto de o CETA prever que a remuneração dos membros do tribunal não consistirá, pelo menos de imediato, num salário fixo e regular, mas numa remuneração mensal a que acrescerão honorários em função dos dias de trabalho consagrados a um litígio, pode revelar‑se incompatível com o direito de acesso a um tribunal independente. A este respeito, o Reino da Bélgica refere o artigo 6.o da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, adotada em 10 de julho de 1998 pelo Conselho da Europa, nos termos do qual a remuneração dos juízes deve ser fixada «de forma a protegê‑los de pressões que visem influenciar o sentido das suas decisões».

62

A Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes faz igualmente referência a recomendações adotadas no âmbito do Conselho da Europa, segundo as quais a remuneração dos juízes deve ser determinada em função de uma tabela geral. Ora, resulta das condições de remuneração atualmente previstas pelo CETA que a remuneração dos membros do tribunal do CETA depende parcialmente do número de litígios submetidos pelos investidores. Por conseguinte, o desenvolvimento da jurisprudência favorável aos investidores tem um impacto positivo na remuneração desses membros e pode, assim, estar na origem de um conflito de interesses.

63

O Reino da Bélgica interroga‑se, em terceiro lugar, sobre a compatibilidade, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, das regras em matéria de nomeação dos membros do tribunal e da instância de recurso, tal como previstas no artigo 8.27, n.os 2 e 3, e no artigo 8.28, n.os 3 e 7, alínea c), do CETA.

64

Observa que estes membros serão nomeados pelo Comité Misto CETA, que é copresidido pelo ministro do Comércio Internacional do Canadá e pelo membro da Comissão responsável pelo comércio (ou pelos respetivos suplentes). Ora, resulta da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, à qual se referem as recomendações do Conselho Consultivo dos Juízes Europeus (CCJE), que, quando é feita pelo poder executivo, a nomeação de juízes deve ter lugar após recomendação por uma autoridade independente constituída por uma parte substancial de membros do poder judicial.

65

Em quarto lugar, o Reino da Bélgica interroga‑se sobre a compatibilidade, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, das condições de destituição dos membros do tribunal e da instância de recurso do CETA, tal como previstas no artigo 8.30, n.o 4, do CETA, uma vez que esta disposição permite que um membro seja destituído por decisão do Comité Misto CETA. Ora, decorre da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes e das recomendações do CCJE que qualquer decisão de destituição de um juiz deve implicar um órgão independente, ser proferida segundo um processo equitativo que respeite os direitos de defesa e ser suscetível de recurso para uma instância superior de caráter jurisdicional. Em todo o caso, para garantir a independência dos juízes, estes não devem poder ser destituídos pelo poder executivo.

66

Em quinto e último lugar, o Reino da Bélgica interroga‑se sobre a compatibilidade, com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, das regras de ética às quais os membros dos referidos tribunais devem dar cumprimento nos termos do artigo 8.28, n.o 4, do artigo 8.30, n.o 1, e do artigo 8.44, n.o 2, do CETA.

67

Observa que estas disposições preveem, no essencial, que os referidos membros devem respeitar as orientações da IBA, enquanto se aguarda a adoção de um código de conduta pelo Comité de Serviços e Investimento. Ora, decorre da Magna Carta dos Juízes, adotada em 17 de novembro de 2010 pelo CCJE, que as regras deontológicas aplicáveis aos juízes devem emanar dos próprios juízes ou que, no mínimo, os juízes devem desempenhar um papel importante na adoção destas regras.

68

Uma vez que se destinam a árbitros, e não a juízes, as orientações da IBA podem conter padrões em termos de independência que não sejam adequados ao estatuto destes últimos.

69

Além disso, o Reino da Bélgica observa que o CETA prevê, no seu artigo 8.30, n.o 1, que os membros do tribunal e da instância de recurso do CETA «devem abster‑se de exercer funções na qualidade quer de advogados quer de peritos ou testemunhas designados por uma parte em qualquer litígio pendente ou novo litígio em matéria de investimento ao abrigo do presente acordo ou de qualquer outro acordo internacional», mas não exige que esses membros declarem as suas atividades externas nem, a fortiori, que tais atividades estejam sujeitas a aprovação prévia. Ora, os instrumentos internacionais relevantes, como a Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, enunciam que o exercício de tais atividades deve ser declarado e objeto de autorização prévia.

IV. Resumo das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

A.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

70

A maior parte dos Governos que apresentaram observações, bem como o Conselho e a Comissão, sublinham que o artigo 8.31 do CETA impede, de maneira inequívoca, o tribunal do CETA de interpretar disposições do direito primário ou derivado da União. Desta forma, o CETA distingue‑se, nomeadamente, do projeto de acordo examinado pelo Tribunal de Justiça no Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123).

71

Por outro lado, decorre do referido artigo 8.31 que as interpretações das disposições do CETA que o tribunal do CETA fará, em conformidade com o direito internacional público, não vincularão o Tribunal de Justiça. O CETA distingue‑se, assim, do projeto de acordo analisado no Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454).

72

Além disso, os artigos 8.31, n.o 2, e 8.39, n.o 1, do CETA não permitem que o tribunal do CETA nem, a título subsidiário, que a instância de recurso do CETA se pronunciem sobre a legalidade da medida contestada.

73

As sentenças do tribunal do CETA são, de resto, desprovidas de efeito erga omnes, uma vez que o artigo 8.41 do CETA enuncia que estas sentenças só serão vinculativas para as partes em litígio. Também sob este prisma, está excluído que uma sentença desse tribunal possa prejudicar a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União.

74

Além disso, graças ao mecanismo previsto no artigo 8.21 do CETA, o referido tribunal não se pode debruçar sobre a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros. A problemática identificada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 33 a 36 do Parecer 1/91 (Acordo EEE — I), de 14 de dezembro de 1991 (EU:C:1991:490), e nos n.os 224 e 225 do Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454), é, portanto, inexistente no caso vertente.

75

Através de todas estas regras inscritas no CETA, as Partes preservaram a autonomia da ordem jurídica da União.

76

Os referidos Governos, o Conselho e a Comissão admitem que, nos diferendos entre um investidor canadiano e a União, haverá situações em que o tribunal do CETA será obrigado, para apreciar se houve violação de uma disposição do capítulo oito, secção C ou D, do CETA, a examinar o alcance da medida da União que esse investidor contesta. No entanto, tal como enunciado no artigo 8.31, n.o 2, do CETA, em tais situações, o tribunal deverá limitar‑se a um exame do direito da União como uma questão de facto, e não fazer uma interpretação jurídica.

77

O respeito da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União resulta, assim, do facto de o tribunal do CETA ter de aplicar e interpretar o direito internacional, constituído pelo próprio CETA e por outras normas de direito internacional aplicáveis entre as Partes, e não o direito da União. Por um lado, o tribunal do CETA e, por outro, o Tribunal de Justiça operam em ordens jurídicas distintas. A inexistência de efeito direto do CETA na ordem jurídica interna das Partes, enunciada no artigo 30.6, põe em evidência esta distinção.

78

Tendo em conta essa distinção, não há necessidade de prever, no âmbito do regime de resolução de litígios no tribunal e na instância de recurso do CETA, um mecanismo de participação prévia do Tribunal de Justiça. Uma análise como a efetuada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 236 a 248 do Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454), não é pertinente no caso em apreço. Além disso, as razões que levaram o Tribunal de Justiça a examinar, no seu Parecer 1/91 (Acordo EEE — I), de 14 de dezembro de 1991 (EU:C:1991:490, n.os 54 a 65), a possibilidade de um mecanismo de participação prévia não existem no caso vertente. Com efeito, ao contrário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), o CETA não tem de, modo algum, por objeto alargar uma parte do acervo do direito da União ao Canadá.

B.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

79

A maior parte dos Governos que apresentaram observações, bem como o Conselho e a Comissão, observam que, por um lado, as empresas e pessoas singulares canadianas que investem na União e, por outro, as dos Estados‑Membros que investem na União não se encontram em situações comparáveis, na medida em que umas realizam investimentos internacionais e as outras, investimentos no interior da União.

80

As únicas situações comparáveis são a das empresas e pessoas singulares canadianas que investem na União e a das empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que investem no Canadá.

81

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da igualdade de tratamento consagrado no direito da União não se aplica às relações da União com Estados terceiros. Os artigos 20.° e 21.° da Carta são, portanto, segundo vários dos referidos Governos e o Conselho, irrelevantes para apreciar a compatibilidade do CETA com o direito da União.

82

O referido princípio também não se aplica no caso de um tratamento diferente entre, por um lado, as «empresas estabelecidas localmente», na aceção do artigo 8.1 do CETA, detidas ou controladas por um investidor canadiano, e, por outro, as empresas estabelecidas na União que não sejam detidas nem controladas por um investidor desses.

83

Com efeito, as primeiras empresas constituem investimentos de empresas ou de pessoas singulares canadianas e devem ser consideradas como tal no âmbito do CETA. Por conseguinte, no que respeita às empresas estabelecidas localmente, a diferença de tratamento evocada pelo Reino da Bélgica deve ser equiparada à existente entre, por um lado, as empresas e pessoas singulares canadianas que investem na União e, por outro, as empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que investem na União.

84

A diferença de tratamento evocada no pedido de parecer é, em qualquer caso, justificada pelo objetivo de contribuir para um comércio livre e justo, na aceção do artigo 3.o, n.o 5, TUE, bem como pelo de integrar todos os países na economia mundial, previsto no artigo 21.o, n.o 2, alínea e), TUE. A competência da União para celebrar, nos termos do artigo 207.o TFUE, acordos em matéria de investimento direto com Estados terceiros e, nos termos do artigo 4.o, n.os 1 e 2, alínea a), TFUE, acordos em matéria de investimento diferente de investimento direto com esses Estados ficaria esvaziada da sua substância se o princípio da igualdade de tratamento do direito da União proibisse esta última de subscrever compromissos específicos no que diz respeito aos investimentos provenientes de Estados terceiros.

85

Na medida em que o Reino da Bélgica ainda tem dúvidas sobre a compatibilidade do mecanismo RLIE com a exigência de eficácia do direito da União, na hipótese de o tribunal do CETA considerar que uma coima aplicada pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro a um investidor canadiano viola uma disposição material do capítulo oito do CETA e conceder uma indemnização equivalente ao montante dessa coima, a maior parte dos Governos que apresentaram observações, o Conselho e a Comissão consideram que se trata de um falso problema.

86

Com efeito, é altamente improvável que esse tribunal, que deverá respeitar o direito da concorrência da União, nomeadamente em razão do direito de regulamentar salientado no artigo 8.9 do CETA, considere que uma coima aplicada nos termos desse direito viola o CETA.

C.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

87

Vários Governos que apresentaram observações e o Conselho alegam que o artigo 47.o da Carta e os outros textos de origem europeia a que se refere o pedido de parecer não são aplicáveis ao mecanismo RLIE projetado.

88

Sublinham, a este respeito, que esses textos não vinculam o Canadá e que o CETA não está abrangido pelo direito da União, mas pelo direito internacional, único direito aplicável a esse mecanismo.

89

Outros Governos que apresentaram observações e a Comissão entendem que o artigo 47.o da Carta é aplicável. No entanto, ao contrário do que sugere o pedido de parecer, o CETA é conforme com este artigo.

90

A este respeito, observam, desde logo, que o tribunal do CETA terá um caráter «híbrido», no sentido de que integrará não só elementos jurisdicionais de resolução de litígios mas também elementos relativos a processos de arbitragem internacional. Entre estes últimos elementos figuram a exigência de consulta prévia, numerosas componentes do processo no tribunal, as condições de nomeação, de remuneração e de destituição dos seus membros e a inexistência de efeitos erga omnes das sentenças. Além disso, o tribunal do CETA não é um órgão jurisdicional obrigatório, podendo o investidor submeter um litígio tanto a um órgão jurisdicional comum como a esse tribunal. Daqui resulta que a exigência de independência não se aplica ao referido tribunal da mesma maneira que a um órgão jurisdicional comum.

91

Seguidamente, sublinham que, ao invés da maioria das disposições do CETA, o capítulo oito, secção F, deste acordo não é aplicado a título provisório e que os aspetos na origem das dúvidas do Reino da Bélgica acerca da compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente, a saber, o acesso a este mecanismo para as pequenas e médias empresas, as condições de nomeação, de remuneração e de destituição dos membros do tribunal e da instância de recurso do CETA, bem como as regras de ética que lhes são aplicáveis, ainda têm de ser todos desenvolvidos. A existência de um compromisso quanto a essas precisões decorre claramente do artigo 8.27, n.o 15, do artigo 8.39, n.o 6, e do artigo 8.44, n.o 2, do CETA, do n.o 6, alíneas f) e h), do Instrumento Comum Interpretativo e da Declaração n.o 36.

92

Visto que, no âmbito de um parecer, o Tribunal de Justiça deve examinar o acordo tal como «projetado», há que ter em conta o referido compromisso, que, uma vez em vigor, reforça as garantias já incorporadas no CETA.

93

Por último, os referidos Governos, o Conselho e a Comissão alegam que, mesmo abstraindo dos melhoramentos anunciados, as preocupações expressas no pedido são infundadas.

94

Primeiro, no que diz respeito ao acesso das pequenas e médias empresas ao tribunal do CETA, recordam que os investidores não são obrigados a submeter os seus litígios a esse tribunal, tendo igualmente acesso às vias de recurso perante os órgãos jurisdicionais internos das Partes, que oferecem todas as garantias em matéria de apoio judiciário. Por conseguinte, se um investidor se encontrar financeiramente impossibilitado de submeter um litígio ao tribunal do CETA, nem por isso fica privado do seu direito de acesso a um tribunal independente.

95

Além disso, a concessão de apoio judiciário não é um parâmetro fiável para determinar se o direito fundamental de acesso a um tribunal é respeitado.

96

Observam também que a regra enunciada no artigo 8.39, n.o 5, do CETA, de acordo com a qual as despesas efetuadas no tribunal do CETA são, em princípio, suportadas pela parte vencida, não difere da regra habitualmente aplicável nos órgãos jurisdicionais comuns.

97

Segundo, quanto às condições de remuneração dos membros do tribunal do CETA, os referidos Governos, o Conselho e a Comissão consideram que o Reino da Bélgica qualifica erradamente o Comité Misto CETA de «órgão executivo». A este respeito, observam que todas as decisões com efeitos jurídicos que serão tomadas por esse Comité devem ser conformes com o artigo 218.o, n.o 9, TFUE, o que terá por efeito levar o Conselho e a Comissão a desempenhar um papel essencial nesse processo decisório.

98

Por conseguinte, o artigo 8.27, n.o 12, do CETA, que prevê que o Comité Misto CETA determinará os honorários mensais dos membros do tribunal do CETA, não é de todo problemático. Além disso, tendo em conta a exigência de independência a que se refere o artigo 8.30, n.o 1, do CETA, esse Comité deverá assegurar que o montante e o modo de determinação dessa remuneração não põem em causa a independência dos ditos membros. O mesmo se diga a propósito do salário normal visado no artigo 8.27, n.o 15, do CETA e da remuneração dos membros da instância de recurso, visada no artigo 8.28, n.o 7, alínea d), desse acordo.

99

Além disso, uma vez que a remuneração dos membros do tribunal do CETA, prevista no artigo 8.27, n.o 14, do CETA, será determinada com base numa tabela fixada pelo secretário‑geral e pelo presidente do CIRDI, o Reino da Bélgica afirma, erradamente, que essa remuneração dependerá do volume de trabalho desses membros.

100

Terceiro, no que diz respeito à nomeação dos membros do tribunal do CETA, a maior parte dos Governos que apresentaram observações assim como o Conselho e a Comissão salientam que os membros dos órgãos jurisdicionais internacionais são nomeados pelos respetivos Governos e, consequentemente, pelo poder executivo.

101

Quarto, no que diz respeito às condições de destituição dos membros do tribunal do CETA, esses mesmos Governos e instituições observam que é habitual prever‑se a possibilidade de as Partes num acordo que cria um órgão jurisdicional internacional destituírem de funções os membros desse órgão jurisdicional. É esse o caso, nomeadamente, do Tribunal Penal Internacional.

102

Quinto, no que diz respeito às regras de ética aplicáveis aos membros dos tribunais previstos, o Reino da Bélgica não tem razão ao observar que esses membros não terão de declarar as suas atividades externas. Decorre, com efeito, do artigo 8.30, n.o 1, do CETA que os referidos membros devem respeitar as orientações da IBA ou qualquer outra regra adotada pelo Comité de Serviços e Investimento do CETA nos termos do artigo 8.44, n.o 2, do CETA. Ora, as orientações da IBA preveem uma obrigação de transparência alargada em relação a todos os elementos suscetíveis de afetar a imparcialidade ou a independência dos juízes.

103

Quanto ao resto, o facto de os membros dos tribunais previstos poderem exercer atividades externas justifica‑se porque, numa primeira fase, esses membros não estarão ocupados a tempo inteiro. Esta é a razão pela qual o artigo 8.27, n.o 12, do CETA prevê que, quando não haja litígio, apenas serão pagos aos referidos membros honorários mensais pela sua disponibilidade.

104

Se, nessas circunstâncias, os membros dos tribunais previstos não estivessem autorizados a exercer uma atividade externa, não disporiam de uma garantia de rendimentos suficientes.

V. Posição do Tribunal de Justiça

105

A título preliminar, há que constatar que o pedido de parecer respeita ao capítulo oito, secção F, do CETA e que, atendendo à circunstância, recordada no n.o 3 do presente parecer, incide sobre um «acordo projetado», na aceção do artigo 218.o, n.o 11, TFUE. Este pedido é, por conseguinte, admissível, não tendo, de resto, nenhum dos Governos ou instituições que participaram no processo manifestado dúvidas a este respeito.

A.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União

1. Princípios

106

Cabe começar por recordar que um acordo internacional que prevê a criação de um órgão jurisdicional com competência para interpretar as suas disposições e cujas decisões vinculam a União é, em princípio, compatível com o direito da União. Com efeito, a competência da União em matéria de relações internacionais e a sua capacidade para concluir acordos internacionais abrangem necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de um órgão jurisdicional criado ou designado por força de tais acordos, no que diz respeito à interpretação e à aplicação das suas disposições [Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 182; v., igualmente, Parecer 1/91 (Acordo EEE — I), de 14 de dezembro de 1991, EU:C:1991:490, n.os 40 e 70, e Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011, EU:C:2011:123, n.o 74].

107

Um acordo internacional celebrado pela União pode, além disso, ter repercussões nas competências das instituições da União se, contudo, os requisitos essenciais de preservação da natureza dessas competências estiverem reunidos e, consequentemente, a autonomia da ordem jurídica da União não for prejudicada [v., nomeadamente, Parecer 1/00 (Acordo relativo ao estabelecimento de um Espaço de Aviação Comum Europeu), de 18 de abril de 2002, EU:C:2002:231, n.os 20 e 21, e Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 183].

108

Conclui‑se que, na medida em que, como decorre do n.o 6, alíneas f), g) e i), do Instrumento Comum Interpretativo e como o advogado‑geral observou no n.o 18 das suas conclusões, o CETA prevê uma judiciarização da resolução de litígios entre os investidores e os Estados através da criação de um tribunal e de uma instância de recurso do CETA e, a mais longo prazo, de um tribunal multilateral de investimento, esse acordo só pode ser compatível com o direito da União na condição de não prejudicar a autonomia da ordem jurídica da União.

109

Essa autonomia, que existe no que respeita tanto ao direito dos Estados‑Membros como ao direito internacional, justifica‑se pelas características essenciais da União e do seu direito. Este último caracteriza‑se pelo facto de emanar de uma fonte autónoma, constituída pelos Tratados, pelo seu primado sobre os direitos dos Estados‑Membros, bem como pelo efeito direto de uma série de disposições aplicáveis aos seus nacionais e aos próprios Estados‑Membros. Estas características deram origem a uma rede estruturada de princípios, de regras e de relações jurídicas mutuamente interdependentes que vinculam, reciprocamente, a própria União e os seus Estados‑Membros, e estes entre si (v., nomeadamente, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

110

A referida autonomia reside, assim, no facto de a União ser dotada de um quadro constitucional que lhe é próprio. Integram esse quadro os valores fundadores enunciados no artigo 2.o TUE, nos termos do qual a União «funda‑se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem», os princípios gerais do direito da União, as disposições da Carta, bem como as disposições dos Tratados UE e FUE, as quais contêm, nomeadamente, as regras de atribuição e de repartição de competências, as regras de funcionamento das instituições da União e do sistema judicial desta, bem como as regras fundamentais em domínios específicos, estruturadas de forma a contribuir para a realização do processo de integração recordado no artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 158].

111

Para garantir a preservação dessas características específicas e da autonomia do ordenamento jurídico assim criado, os Tratados instituíram um sistema jurisdicional destinado a assegurar a coerência e a unidade na interpretação do direito da União. Em conformidade com o artigo 19.o TUE, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça garantir a aplicação plena desse direito em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional efetiva, detendo o Tribunal de Justiça uma competência exclusiva para fornecer a interpretação definitiva do referido direito. Para este efeito, esse sistema contém, em especial, o processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE [Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 174 a 176 e 246].

112

No caso em apreço, tendo em conta as questões suscitadas no pedido de parecer, há que examinar se o mecanismo RLIE previsto no capítulo oito, secção F, do CETA é de natureza a impedir a União de funcionar em conformidade com o quadro constitucional acima referido.

113

Para esse exame, importa referir, antes de mais, que o mecanismo RLIE projetado se situa fora do sistema judicial da União.

114

Com efeito, o foro previsto no CETA é distinto dos órgãos jurisdicionais nacionais do Canadá, da União e dos seus Estados‑Membros. Por conseguinte, não se pode considerar que o tribunal e a instância de recurso do CETA fazem parte do sistema judicial de qualquer uma destas Partes.

115

No entanto, o caráter externo do mecanismo RLIE projetado em relação ao sistema judicial da União não significa, por si só, que este mecanismo prejudica a autonomia da ordem jurídica da União.

116

Com efeito, no que se refere aos acordos internacionais celebrados pela União, a competência dos órgãos jurisdicionais referidos no artigo 19.o TUE para interpretar e aplicar esses acordos não prevalece sobre a dos órgãos jurisdicionais dos Estados terceiros com os quais esses acordos foram celebrados nem sobre a dos órgãos jurisdicionais internacionais que tais acordos criam.

117

Assim, embora façam parte integrante do direito da União e possam, portanto, ser objeto de reenvios prejudiciais (v., nomeadamente, Acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, EU:C:1974:41, n.os 5 e 6; de 25 de fevereiro de 2010, BritaC‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 39; e de 22 de novembro de 2017, Aebtri, C‑224/16, EU:C:2017:880, n.o 50), esses acordos também dizem respeito aos referidos Estados terceiros e podem, portanto, ser igualmente interpretados pelos órgãos jurisdicionais desses Estados. É, além disso, precisamente devido ao caráter recíproco dos acordos internacionais e à necessidade de preservar a competência da União nas relações internacionais que esta pode, como resulta da jurisprudência citada no n.o 106 do presente parecer, celebrar um acordo que confira a um órgão jurisdicional internacional a competência para interpretar esse acordo sem que esse órgão jurisdicional esteja vinculado pelas interpretações do referido acordo efetuadas pelos órgãos jurisdicionais das Partes.

118

Resulta destes elementos que o direito da União não se opõe a que o capítulo oito, secção F, do CETA preveja a criação de um tribunal, de uma instância de recurso e, posteriormente, de um tribunal multilateral de investimento, nem a que lhes confie a competência para interpretar e aplicar as disposições do acordo à luz das regras e dos princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes. Em contrapartida, uma vez que esses tribunais são exteriores ao sistema judicial da União, não podem ser autorizados a interpretar ou a aplicar disposições do direito da União diferentes das do CETA ou a proferir sentenças que possam ter por efeito impedir as instituições da União de funcionar em conformidade com o quadro constitucional desta.

119

Por conseguinte, a fim de verificar a compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com a autonomia da ordem jurídica da União, importa garantir que:

o capítulo oito, secção F, do CETA não confira aos tribunais previstos qualquer competência de interpretação ou de aplicação do direito da União além da competência para interpretar e aplicar as disposições deste acordo à luz das regras e dos princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes, e

o referido capítulo oito, secção F, não organize as competências destes tribunais de forma a que, sem procederem eles próprios à interpretação ou à aplicação das regras do direito da União diferentes das do referido acordo, possam proferir sentenças que tenham por efeito impedir as instituições da União de funcionarem em conformidade com o quadro constitucional desta.

2. Quanto à falta de competência para interpretar e aplicar regras do direito da União diferentes das disposições do CETA

120

O artigo 8.18 do CETA, que figura no seu capítulo oito, secção F, confere ao tribunal do CETA competência para analisar qualquer queixa de um investidor de uma Parte segundo a qual outra Parte violou uma obrigação prevista nas secções C (artigos 8.6 a 8.8) ou D (artigos 8.9 a 8.14) desse capítulo oito.

121

Para o efeito, o tribunal aplicará, nos termos do artigo 8.31, n.o 1, do CETA, «o presente Acordo, interpretado em conformidade com a [Convenção de Viena] e com outras regras e princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes». Em contrapartida, o referido tribunal não é competente, tal como precisa o artigo 8.31, n.o 2, primeiro período, desse acordo, «para decidir quanto à legalidade de uma medida que constitua uma alegada violação do presente Acordo ao abrigo da legislação interna de uma Parte».

122

Daqui decorre que a competência de interpretação e de aplicação conferida a este tribunal se limita às disposições do CETA e que essa interpretação ou aplicação deve ser efetuada em conformidade com as regras e os princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes.

123

O capítulo oito, secção F, do CETA distingue‑se, nisso, do projeto de Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes, declarado incompatível com o direito da União, no Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123).

124

Com efeito, o «direito aplicável» no âmbito desse projeto, definido no seu artigo 14.o‑A, incluía, nomeadamente, «[a] legislação comunitária diretamente aplicável, nomeadamente o Regulamento […] do Conselho […] relativo à patente comunitária, e [a] legislação nacional […] que transpõe a legislação comunitária». O Tribunal de Justiça concluiu daí, no n.o 78 do referido parecer, que o órgão jurisdicional da patente cuja criação estava prevista seria chamado a interpretar e a aplicar não apenas as disposições do acordo em questão mas também o futuro regulamento sobre a patente comunitária e outros instrumentos de direito da União, nomeadamente regulamentos e diretivas em conjugação com os quais o referido regulamento deve, eventualmente, ser lido. O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente, no referido número, que esse órgão jurisdicional poderia ser chamado a decidir um litígio que lhe foi submetido, à luz dos direitos fundamentais e dos princípios gerais de direito da União, ou mesmo a examinar a validade de um ato da União.

125

Estes elementos contribuíram para a constatação do Tribunal de Justiça segundo a qual a celebração do referido projeto de acordo desvirtuaria as competências que os Tratados atribuem às instituições da União e aos Estados‑Membros, essenciais à preservação da própria natureza do direito da União [Parecer 1/09 (Acordo sobre a criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011, EU:C:2011:123, n.o 89].

126

O capítulo oito, secção F, do CETA distingue‑se também do acordo de investimento em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), uma vez que, como o Tribunal de Justiça salientou nos n.os 42, 55 e 56 desse acórdão, esse acordo instituía um tribunal chamado a resolver litígios que podiam dizer respeito à interpretação ou à aplicação do direito da União.

127

O referido acórdão dizia respeito, além disso, a um acordo entre Estados‑Membros. Ora, a questão da compatibilidade, com o direito da União, da criação ou da manutenção de um tribunal de investimento por um acordo dessa natureza é diferente da questão da compatibilidade, com esse mesmo direito, da criação de um tribunal por um acordo entre a União e um Estado terceiro (Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.os 57 e 58).

128

Com efeito, em qualquer domínio abrangido pelo direito da União, os Estados‑Membros estão obrigados ao respeito do princípio da confiança mútua. Este princípio impõe a cada um desses Estados que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União, incluindo os direitos fundamentais como o direito a uma ação perante um tribunal independente, enunciado no artigo 47.o da Carta [v., neste sentido, nomeadamente, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 191, e Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.os 40 e 45].

129

Ora, este princípio da confiança mútua, nomeadamente quando se trata do respeito do direito a uma ação perante um tribunal independente, não se aplica nas relações entre a União e um Estado terceiro.

130

A constatação feita no n.o 122 do presente parecer não é infirmada pelo artigo 8.31, n.o 2, do CETA, que dispõe que, «para decidir quanto à compatibilidade de uma medida com o presente Acordo, o tribunal pode ter em consideração, se for caso disso, a legislação interna de uma Parte como uma questão de facto» e enuncia que, «[a]o fazê‑lo, o tribunal deve seguir a interpretação da legislação interna habitualmente seguida pelos tribunais ou autoridades dessa Parte», acrescentando que «qualquer interpretação da legislação interna pelo tribunal não é vinculativa para os tribunais ou autoridades dessa Parte».

131

Com efeito, essas informações não têm outro objeto senão refletir a circunstância de que, quando for chamado a examinar a conformidade, com o CETA, da medida, impugnada pelo investidor, que foi adotada pelo Estado de acolhimento do investimento ou pela União, o tribunal do CETA terá necessariamente de proceder, com base nas informações e nos argumentos que lhe forem apresentados pelo referido investidor bem como pelo Estado ou pela União, a um exame do alcance da referida medida. Esse exame pode, eventualmente, exigir uma tomada em consideração da legislação interna da parte demandada. Ora, como o artigo 8.31, n.o 2, do CETA indica claramente, esse exame não pode ser equiparado a uma interpretação, pelo tribunal do CETA, dessa legislação interna, mas é, pelo contrário, uma tomada em consideração dessa legislação como uma questão de facto, estando esse tribunal obrigado, a este respeito, a seguir a interpretação da referida legislação habitualmente seguida pelos tribunais ou autoridades dessa Parte, não estando esses tribunais nem essas autoridades vinculados pelo significado atribuído à sua legislação interna pelo dito tribunal.

132

A falta de competência para interpretar as regras do direito da União diferentes das disposições do CETA está igualmente refletida no artigo 8.21 deste acordo, que não confere ao tribunal do CETA, mas sim à União, o poder de determinar, quando um investidor canadiano pretenda contestar as medidas adotadas por um Estado‑Membro e/ou pela União, se o litígio deve, tendo em conta as regras de repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros, ser dirigido contra o referido Estado‑Membro ou contra a União. A competência exclusiva do Tribunal de Justiça para decidir sobre a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros fica, assim, preservada, distinguindo‑se o capítulo oito, secção F, do CETA, a este respeito, do projeto de acordo que foi objeto do Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 224 a 231).

133

A instância de recurso do CETA também não será chamada a interpretar ou a aplicar as regras do direito da União diferentes das disposições do CETA. Com efeito, o artigo 8.28, n.o 2, alínea a), deste acordo enuncia que a instância de recurso pode «ratificar, alterar ou revogar a sentença do tribunal com base em […] erros na aplicação ou interpretação do direito aplicável», o qual, tendo em conta o direito suscetível de ser aplicado pelo tribunal do CETA em conformidade com o artigo 8.31, n.o 1, deste acordo, corresponde ao CETA assim como às regras e aos princípios de direito internacional à luz dos quais o referido acordo deve ser interpretado e aplicado. Embora o artigo 8.28, n.o 2, alínea b), do CETA acrescente que a instância de recurso pode igualmente declarar «erros manifestos na apreciação dos factos, ou de apreciação do direito interno pertinente», resulta, no entanto, das considerações anteriores que não é intenção das Partes conferir à instância de recurso uma competência de interpretação do direito interno.

134

Visto que o tribunal e a instância de recurso do CETA são exteriores ao sistema judicial da União e que a sua competência de interpretação está limitada às disposições do CETA à luz das regras e dos princípios do direito internacional aplicáveis entre as Partes, é, de resto, coerente que o CETA não preveja um processo de participação prévia que habilite ou obrigue esse tribunal ou essa instância de recurso a recorrer ao Tribunal de Justiça a título prejudicial.

135

Pelos mesmos motivos, é, além disso, coerente que o CETA confira a esses tribunais o poder de decidir definitivamente o litígio submetido por um investidor contra o Estado de acolhimento do seu investimento ou contra a União, sem instaurar um processo de reapreciação da sentença por um órgão jurisdicional desse Estado ou pelo Tribunal de Justiça e sem permitir ao investidor — sob reserva das exceções específicas enumeradas no artigo 8.22, n.o 5, do CETA — submeter, durante ou após o processo perante os referidos tribunais, o mesmo litígio a um órgão jurisdicional desse Estado ou ao Tribunal de Justiça.

136

Resulta das considerações anteriores que o capítulo oito, secção F, do CETA não confere aos tribunais previstos qualquer competência de interpretação ou de aplicação do direito da União, para além da competência relativa às disposições deste acordo.

3. Quanto à inexistência de efeito no funcionamento das instituições da União em conformidade com o quadro constitucional desta

137

O Reino da Bélgica e certos Governos que apresentaram observações sublinharam que, para resolver os litígios que lhe forem submetidos contra a União, o tribunal do CETA pode, no âmbito do seu exame dos factos relevantes, que podem incluir o direito primário com base no qual foi adotada a medida controvertida, ponderar o interesse da liberdade de empresa, invocado pelo investidor demandante, com os interesses públicos, enunciados nos Tratados UE e FUE, bem como na Carta, invocados pela União em apoio da sua defesa.

138

Esse tribunal é, assim, chamado a fazer, sem por isso formular uma interpretação desses Tratados ou da Carta, uma apreciação do alcance dos mesmos e a decidir, com base nessa ponderação, designadamente, se a medida da União é «justa e equitativa», na aceção do artigo 8.10 do CETA, se constitui uma expropriação indireta, na aceção do artigo 8.12 deste acordo, ou se deve ser considerada uma restrição injustificada da liberdade de pagamentos e de transferências de capital prevista no artigo 8.13 do referido acordo. O tribunal pode, assim, pronunciar‑se sobre atos de direito derivado da União com fundamento em apreciações paralelas às que o Tribunal de Justiça está habilitado a efetuar. Ora, essas apreciações do tribunal do CETA conduzem a decisões definitivas que vinculam a União. Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se tais situações, suscetíveis de ser frequentes, prejudicam a competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União e, nessa medida, a autonomia da ordem jurídica da União.

139

Para responder a esta questão, há que salientar, em primeiro lugar, que a definição do conceito de «investimento», contida no artigo 8.1 do CETA, é particularmente lata, permitindo aos tribunais previstos examinar um vasto leque de litígios. Os litígios submetidos contra a União ou um Estado‑Membro poderão, sem prejuízo das exceções específicas mencionadas no CETA, incidir sobre medidas em todos os domínios que digam respeito, na União, à exploração de empresas e à utilização de bens móveis e imóveis, de títulos financeiros, de direitos de propriedade intelectual, de créditos ou de qualquer outro tipo de investimento.

140

Cabe salientar, em segundo lugar, que, não obstante o artigo 8.21 do CETA, que habilita a União a determinar se, em caso de queixa apresentada no tribunal por um investidor canadiano, ela própria assumirá o papel de demandado ou deixará essa tarefa ao Estado‑Membro de acolhimento do investimento, a União não se poderá opor, quando a medida impugnada foi adotada por ela, a que esta medida seja examinada pelo tribunal. Resulta, com efeito, das regras processuais previstas no CETA, e em especial do artigo 8.25, n.o 1, deste acordo, que o demandado, quer seja o Estado‑Membro de acolhimento do investimento quer seja a própria União, deve consentir que o litígio seja resolvido pelo referido tribunal.

141

Há que referir, em terceiro lugar, que, embora, através da definição do conceito de «investidor» estabelecida no artigo 8.1, bem como da precisão contida no n.o 6, alínea d), do Instrumento Comum Interpretativo, o CETA limite o direito de submeter um litígio perante o tribunal do CETA contra a União ou um Estado‑Membro às pessoas singulares e coletivas que tenham uma ligação real com o Canadá, não é menos verdade que este acordo permite a essas pessoas impugnarem, perante esse tribunal, qualquer «medida», na aceção do artigo 1.1 do CETA, tal como delimitada, no que respeita ao capítulo oito deste acordo, pelo seu artigo 8.2.

142

Uma vez que o artigo 1.1 define o termo «medida» no sentido de que abrange «qualquer lei, regulamento, regra, procedimento, decisão, medida administrativa, requisito, prática ou qualquer outra forma de intervenção adotada por uma Parte», os litígios contra a União poderão incidir sobre qualquer tipo de ato ou de prática desta última, desde que, em conformidade com o artigo 8.2 do CETA, conjugado com o capítulo oito, secções C, D e F, deste acordo, o ato ou a prática em causa «esteja relacionado com» um «investimento abrangido», na aceção do artigo 8.1 do mesmo acordo, ou com o «investidor da outra Parte», no que diz respeito a esse investimento abrangido.

143

Assim, embora decorra do CETA que o litígio deve incidir sobre uma medida que afete o demandante ou o seu investimento abrangido, esse acordo não exclui, no entanto, que essa medida tenha um alcance geral ou execute um ato de alcance geral.

144

Em quarto lugar, há que salientar que, embora o tribunal do CETA não possa, como resulta do termo «apenas» que figura no artigo 8.39, n.o 1, deste acordo e da letra do n.o 4 deste artigo, anular a medida contestada ou exigir que o direito interno da Parte em causa dê cumprimento ao CETA, nem aplicar uma sanção à Parte demandada, pode, em contrapartida, quando constate que essa medida viola uma das disposições do capítulo oito, secção C ou D, do CETA, condenar a Parte demandada, nos termos do disposto na alínea a) do referido artigo 8.39, n.o 1, a pagar ao investidor demandante um montante destinado a compensar os danos por ele sofridos em razão da referida violação, incluindo os juros eventualmente aplicáveis.

145

Visto que o artigo 8.41, n.o 2, do CETA precisa que «as partes em litígio reconhecem a sentença e dão‑lhe execução sem demora», a União deverá proceder ao pagamento desse montante quando seja condenada por uma sentença definitiva do tribunal do CETA ou, segundo as modalidades enunciadas no artigo 8.28, n.o 9, deste acordo, da instância de recurso do CETA.

146

A este respeito, importa observar que a competência, consagrada no artigo 8.39, n.o 1, alínea a), do CETA, dos tribunais previstos para concederem uma indemnização a um investidor privado é um aspeto do regime RLIE instaurado por esse acordo que o distingue do sistema, em vigor na Organização Mundial do Comércio (OMC), de resolução de litígios entre as partes contratantes na OMC, uma vez que este sistema se baseia parcialmente em negociações entre essas partes contratantes e contém várias opções para executar as sentenças (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 116).

147

As características da competência do tribunal e da instância de recurso do CETA expostas nos n.os 139 a 145 do presente parecer são, é certo, coerentes com a proteção dos investidores estrangeiros visada por este acordo.

148

No entanto, sem prejuízo da hipótese de as Partes terem acordado, no âmbito do CETA, aproximar as suas legislações, a competência desses tribunais prejudicaria a autonomia da ordem jurídica da União se fosse concebida de modo a que pudessem pôr em causa, no âmbito das suas apreciações de restrições da liberdade de empresa objeto de uma queixa, o nível de proteção de um interesse público que tivesse presidido à introdução dessas restrições pela União relativamente a todos os operadores que investem no setor comercial ou industrial em causa do mercado interno, em vez de se limitarem a verificar se o tratamento de um investidor ou de um investimento abrangido enferma de um vício mencionado no capítulo oito, secção C ou D, do CETA.

149

Com efeito, se o tribunal e a instância de recurso do CETA fossem competentes para proferir sentenças que declarassem que o tratamento de um investidor canadiano é incompatível com o CETA devido ao nível de proteção de um interesse público fixado pelas instituições da União, esta última poderia ser levada a renunciar a alcançar esse nível de proteção, sob pena de ser repetidamente condenada pelo tribunal do CETA a pagar uma indemnização ao investidor demandante.

150

Se a União celebrasse um acordo internacional suscetível de ter por efeito que a União — ou um Estado‑Membro, no âmbito da aplicação do direito da União — tivesse de alterar ou revogar uma regulamentação em virtude de uma apreciação, feita por um tribunal exterior ao seu sistema judicial, do nível de proteção de um interesse público fixado pelas instituições da União, em conformidade com o quadro constitucional desta última, impor‑se‑ia concluir que esse acordo compromete a capacidade da União para funcionar de forma independente no seu próprio quadro constitucional.

151

Há que sublinhar, a este respeito, que o legislador da União adota as regulamentações desta última na sequência do processo democrático definido nos Tratados UE e FUE e que essas regulamentações devem, por força dos princípios da atribuição de competências, da subsidiariedade e da proporcionalidade estabelecidos no artigo 5.o TUE, ser simultaneamente adequadas e necessárias para alcançar um objetivo legítimo da União. Em conformidade com o artigo 19.o TUE, cabe ao juiz da União assegurar a fiscalização da conformidade do nível de proteção dos interesses públicos fixado pela referida regulamentação com, nomeadamente, os Tratados UE e FUE, a Carta e os princípios gerais do direito da União.

152

No que diz respeito à competência dos tribunais previstos para declarar as violações das obrigações contidas no capítulo oito, secção C, do CETA, o artigo 28.3, n.o 2, deste acordo enuncia que nenhuma disposição desta secção C pode ser interpretada no sentido de impedir uma Parte de adotar ou aplicar as medidas necessárias para garantir a proteção da segurança pública ou da moralidade pública, ou para manter a ordem pública, para proteger a saúde e a vida dos seres humanos, dos animais e das plantas, desde que tais medidas não sejam aplicadas de modo a constituir uma discriminação arbitrária ou injustificável entre as Partes onde existam condições idênticas, ou uma restrição dissimulada ao comércio de serviços entre as Partes.

153

Resulta do exposto que, nestas condições, o tribunal do CETA não é competente para reconhecer a incompatibilidade, com o CETA, do nível de proteção de um interesse público fixado pelas medidas da União referidas no n.o 152 do presente parecer e para condenar a União, com esse fundamento, no pagamento de uma indemnização.

154

Do mesmo modo, no que diz respeito à competência dos tribunais previstos para declarar as violações das obrigações contidas no capítulo oito, secção D, do CETA, o artigo 8.9, n.o 1, deste acordo recorda explicitamente o direito das Partes «de regularem nos seus respetivos territórios para realizar objetivos políticos legítimos, em domínios tais como a proteção da saúde pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a proteção social e a defesa dos consumidores ou a promoção e proteção da diversidade cultural». Além disso, o artigo 8.9, n.o 2, do referido acordo prevê que, «[p]ara maior clareza, o simples facto de uma Parte regular, inclusive mediante a alteração da sua legislação, de uma forma que afete negativamente um investimento ou interfira nas expectativas de um investidor, entre as quais as suas expectativas em termos de lucros, não constitui uma violação das obrigações decorrentes da presente secção».

155

Além disso, o n.o 1, alínea d), e o n.o 2 do Instrumento Comum Interpretativo dispõem que o CETA «[…] não reduzirá o nível das […] normas e disposições regulamentares [de cada Parte] em matéria de segurança dos alimentos, segurança dos produtos, proteção dos consumidores, saúde, ambiente ou proteção laboral», que «[o]s bens importados, os prestadores de serviços e os investidores devem continuar a respeitar as suas obrigações a nível nacional, incluindo regras e disposições regulamentares», e que o CETA «preserva a capacidade de a União […] e os seus Estados‑Membros e o Canadá adotarem e aplicarem as suas próprias disposições legislativas e regulamentares aplicáveis à atividade económica no interesse público».

156

Resulta de uma leitura combinada destas disposições que o poder de apreciação do tribunal e da instância de recurso do CETA não vai ao ponto de lhes permitir pôr em causa o nível de proteção de um interesse público definido pela União na sequência de um processo democrático.

157

É igualmente esse o alcance do ponto 3 do anexo 8‑A do CETA, nos termos do qual, «[p]ara maior clareza, exceto nas raras circunstâncias em que o impacto de uma medida ou série de medidas é tão severo relativamente ao seu objetivo que parece ser manifestamente excessivo, as medidas não discriminatórias de uma Parte concebidas e aplicadas para proteção de objetivos de interesse público legítimos, como a saúde pública, a segurança e o ambiente, não constituem uma expropriação indireta».

158

Importa acrescentar que a competência do tribunal do CETA para declarar violações da obrigação, enunciada no artigo 8.10 do CETA, de conceder um «tratamento justo e equitativo» aos investimentos abrangidos está especificamente circunscrita, uma vez que o n.o 2 deste artigo enumera exaustivamente os casos em que essa declaração pode ser feita.

159

A este respeito, as Partes focaram‑se, nomeadamente, em situações de tratamento abusivo, de arbitrariedade manifesta e de discriminação específica, o que revela, uma vez mais, que o nível exigido de proteção de um interesse público, tal como estabelecido na sequência de um processo democrático, escapa à competência de que dispõem os tribunais previstos para verificar se o tratamento concedido por uma Parte a um investidor ou a um investimento abrangido é «justo e equitativo».

160

Resulta, assim, de todas estas cláusulas do CETA que, ao delimitar expressamente o alcance das secções C e D do capítulo oito deste acordo, únicas secções suscetíveis de ser invocadas perante os tribunais previstos pela secção F desse capítulo, as Partes tiveram o cuidado de excluir toda e qualquer competência desses tribunais para porem em causa as escolhas democraticamente realizadas no interior de uma Parte em matéria, nomeadamente, do nível de proteção da ordem pública, da segurança pública, da moralidade pública, da saúde e da vida das pessoas e dos animais, da segurança alimentar, das plantas, do ambiente, do bem‑estar no trabalho, da segurança dos produtos, dos consumidores ou ainda dos direitos fundamentais.

161

Atendendo às considerações anteriores, há que concluir que o capítulo oito, secção F, do CETA não prejudica a autonomia da ordem jurídica da União.

B.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento e a exigência de efetividade

1. Princípios

162

As questões formuladas no pedido de parecer acerca da compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o princípio geral da igualdade de tratamento dizem respeito à conformidade deste mecanismo com o artigo 20.o da Carta, que enuncia a garantia da «igualdade perante a lei», e com o artigo 21.o, n.o 2, da Carta, que proíbe a discriminação em razão da nacionalidade.

163

Ora, segundo vários dos Governos que apresentaram observações e o Conselho, não é exigido que esse mecanismo seja compatível com essas disposições da Carta.

164

Importa, portanto, determinar, antes de mais, se o pedido de parecer, que solicita uma tomada de posição sobre a compatibilidade do capítulo oito, secção F, do CETA «com os Tratados, incluindo os direitos fundamentais», exige ou não um exame à luz da Carta.

165

A este respeito, deve recordar‑se que os acordos internacionais celebrados pela União devem ser plenamente compatíveis com os Tratados e com os princípios constitucionais deles decorrentes [v., nomeadamente, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 67, e Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 46].

166

O artigo 218.o, n.o 11, TFUE, que dispõe que qualquer Estado‑Membro, o Parlamento Europeu, o Conselho ou a Comissão podem obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um projeto de acordo «com os Tratados», deve ser entendido à luz desta exigência geral de compatibilidade com o quadro constitucional da União.

167

Deste modo, devem poder ser examinadas no âmbito do processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE quaisquer questões passíveis de suscitar dúvidas quanto à validade material ou formal do acordo face aos Tratados. A decisão sobre a compatibilidade de um acordo com os Tratados pode, a este respeito, nomeadamente, depender não só das disposições relativas à competência, ao procedimento ou à organização institucional da União mas também das disposições do direito material. O mesmo se aplica a uma questão relativa à compatibilidade de um acordo internacional projetado com as garantias consagradas na Carta, uma vez que esta tem o mesmo valor jurídico que os Tratados [Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 70].

168

O artigo 21.o, n.o 2, da Carta, nos termos do qual, «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade», corresponde, segundo as explicações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17), ao artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE e deve ser aplicado em conformidade com esta disposição do Tratado FUE.

169

Ora, como o Tribunal de Justiça já precisou, o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE não se destina a ser aplicado no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos Estados terceiros (Acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.o 52).

170

Conclui‑se que o artigo 21.o, n.o 2, da Carta não é pertinente para apreciar, como solicitado pelo Reino da Bélgica, a questão de saber se o mecanismo RLIE projetado pode conduzir a uma discriminação dos investidores da União em relação aos investidores canadianos.

171

Em contrapartida, o artigo 20.o da Carta, que dispõe que «[t]odas as pessoas são iguais perante a lei», não prevê nenhuma limitação expressa do seu âmbito de aplicação e, portanto, aplica‑se a todas as situações reguladas pelo direito da União, como as abrangidas pelo âmbito de aplicação de um acordo internacional celebrado por esta (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 19 a 21; de 26 de setembro de 2013, Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 72; e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 49).

172

Da mesma maneira que, sob determinadas condições, os investimentos feitos na União pelas empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros, os investimentos feitos na União pelas empresas e pessoas singulares canadianas estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União e, portanto, pelo âmbito da igualdade perante a lei garantida pelo artigo 20.o da Carta. Com efeito, este direito fundamental estende‑se a todas as pessoas cuja situação esteja abrangida pelo direito da União, independentemente da sua origem.

173

É certo que, como o Conselho observou, o artigo 20.o da Carta não obriga a União, nas suas relações externas, a conceder um tratamento igual aos diferentes Estados terceiros (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Swiss International Air Lines, C‑272/15, EU:C:2016:993, n.os 24 a 26 e jurisprudência aí referida).

174

Todavia, como salientou o advogado‑geral nos n.os 198 e 199 das suas conclusões, esta jurisprudência não impede que se examine se, na medida em que crie uma diferença de tratamento, dentro da própria União, entre as pessoas de um Estado terceiro e as dos Estados‑Membros, um acordo internacional viola o artigo 20.o da Carta.

175

Por conseguinte, há que analisar as questões suscitadas nesta vertente do pedido de parecer à luz do artigo 20.o da Carta.

176

A igualdade perante a lei, enunciada nesse artigo, consagra o princípio da igualdade de tratamento, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdãos de 17 de outubro de 2013, Schaible, C 101/12, EU:C:2013:661, n.o 76, e de 12 de julho de 2018, Spika e o., C‑540/16, EU:C:2018:565, n.o 35).

177

A exigência relativa à comparabilidade das situações, para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, deve ser apreciada tendo em conta todos os elementos que as caracterizam e, nomeadamente, à luz do objeto e da finalidade do ato que institui a distinção em causa, entendendo‑se que devem ser tidos em consideração, para este efeito, os princípios e os objetivos do domínio em que esse ato se integra (Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 26; de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 42; e de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 42). Na medida em que as situações não são comparáveis, uma diferença de tratamento das situações em causa não viola a igualdade perante a lei consagrada no artigo 20.o da Carta (Acórdão de 22 de maio de 2014, Glatzel, C‑356/12, EU:C:2014:350, n.o 84).

178

Quanto, por último, à exigência de efetividade do direito da União, o pedido de parecer faz‑lhe referência apenas no âmbito de uma questão específica, que diz respeito ao caso de o tribunal do CETA constatar que a aplicação, com fundamento numa violação do artigo 101.o TFUE ou do artigo 102.o TFUE, de uma coima a um investidor canadiano é incompatível com o capítulo oito, secção C ou D, do CETA. Convém, portanto, examinar esta questão à luz da exigência de efetividade do direito da concorrência da União, que exprime a proibição de impedir a aplicação das disposições do Tratado FUE destinadas à manutenção de uma concorrência não falseada no mercado interno (v., nomeadamente, Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone, C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

2. Quanto à compatibilidade com o princípio da igualdade de tratamento

179

O tratamento diferenciado evocado no pedido de parecer resulta do facto de as empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que investem na União e que estão sujeitas ao direito desta última não poderem impugnar as medidas da União perante os tribunais previstos pelo CETA, ao passo que as empresas e pessoas singulares canadianas que investem no mesmo setor comercial ou industrial do mercado interno da União poderão fazê‑lo.

180

Todavia, é forçoso concluir que, embora as empresas e pessoas singulares canadianas que investem na União se encontrem, à luz do objeto e da finalidade — amplamente expostos nos n.os 199 e 200 do presente parecer — da inserção, no CETA, de disposições em matéria de tratamento não discriminatório e de proteção dos investimentos estrangeiros, numa situação comparável à das empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que investem no Canadá, a sua situação não é, em contrapartida, comparável à das empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que investem na União.

181

A este respeito, há que observar que a possibilidade de as empresas e pessoas singulares canadianas que investem na União invocarem o CETA nos tribunais previstos se destina a conferir a essas pessoas canadianas, na sua qualidade de investidores estrangeiros, uma via específica de ação contra as medidas da União, ao passo que as empresas e pessoas singulares dos Estados‑Membros que, à semelhança das referidas pessoas canadianas, investem na União não serão aqui investidores e, portanto, não terão acesso a essa via específica de ação, não podendo, de resto, devido à regra consagrada no artigo 30.6, n.o 1, do CETA, tão‑pouco invocar diretamente normas contidas neste acordo perante os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e da União.

182

A conclusão retirada no n.o 180 do presente parecer não é infirmada pelo facto, mencionado no pedido de parecer, de a indemnização concedida pelo tribunal do CETA a um investidor canadiano ter, por força do artigo 8.39, n.o 2, alínea a), deste acordo, de ser paga à empresa estabelecida na União que esse investidor detém ou controla, quando o investidor canadiano tenha apresentado a sua queixa perante o referido tribunal em nome dessa «empresa estabelecida localmente».

183

A este respeito, basta referir, como salientou o advogado‑geral no n.o 193 das suas conclusões, que essa empresa é, ela própria, um investimento desse investidor canadiano, de modo que a participação dessa empresa no processo perante os tribunais previstos e na execução da sentença não pode alterar o referido resultado do exame da comparabilidade da situação dos investidores canadianos com a dos investidores da União.

184

A igualdade de tratamento entre estas duas categorias de pessoas também não é afetada pelo facto de as Partes não terem excluído a possibilidade de o tribunal do CETA proferir uma sentença segundo a qual a coima aplicada pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro a um investidor canadiano, em razão de uma violação do artigo 101.o TFUE ou do artigo 102.o TFUE, constitui uma violação de uma das disposições do capítulo oito, secções C e D, do CETA.

185

A este respeito, deve considerar‑se que, face às disposições destas secções C e D, essa sentença é concebível unicamente na hipótese de a decisão que aplica a coima estar afetada por um dos vícios mencionados no artigo 8.10, n.o 2, do CETA ou privar o investidor dos principais atributos do seu investimento, incluindo o direito de utilizar, usufruir e dispor dele, na aceção do anexo 8‑A, ponto 1, alínea b), desse acordo. Em contrapartida, uma sentença dessa natureza não é concebível quando as regras de concorrência tiverem sido corretamente aplicadas pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro, tendo as Partes no CETA expressamente admitido, no seu artigo 17.2, «a importância de uma concorrência livre e não distorcida nas suas relações comerciais» e reconhecido que «as condutas empresariais anticoncorrenciais podem distorcer o bom funcionamento dos mercados e minar as vantagens da liberalização do comércio».

186

Ora, se uma coima afetada por um daqueles vícios ou com esse efeito de expropriação fosse aplicada pela Comissão ou por uma autoridade da concorrência de um Estado‑Membro a um investidor da União, este disporia das vias de recurso necessárias para obter a anulação da coima. Daqui resulta que, embora não se possa excluir que, em circunstâncias excecionais, uma sentença do tribunal do CETA tal como descrita no pedido de parecer possa ter como consequência neutralizar os efeitos de uma coima aplicada em razão de uma violação do artigo 101.o TFUE ou do artigo 102.o TFUE, não terá, contudo, por efeito criar uma desigualdade de tratamento em detrimento de um investidor da União ao qual seja aplicada uma coima afetada por um vício semelhante.

3. Quanto à compatibilidade com a exigência de efetividade

187

Na medida em que o pedido de parecer levanta a questão de saber se a possibilidade de o tribunal do CETA proferir uma sentença com o alcance descrito no n.o 184 do presente parecer é suscetível de prejudicar a efetividade do direito da concorrência da União, basta constatar que a neutralização da coima não cria esse risco apenas nos casos, expostos no n.o 185 do presente parecer, em que essa sentença é concebível. Com efeito, como foi exposto no número anterior do presente parecer, o direito da União permite a anulação da coima quando esta está ferida de um vício correspondente àquele que o tribunal do CETA pode declarar.

188

Uma vez que o capítulo oito, secção F, do CETA não impede, por conseguinte, a plena aplicação das disposições do Tratado FUE destinadas a assegurar a manutenção de uma concorrência não falseada no mercado interno, há que concluir, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 178 do presente parecer, que não prejudica a exigência de efetividade do direito da concorrência da União.

C.   Quanto à compatibilidade do mecanismo RLIE projetado com o direito de acesso a um tribunal independente

1. Princípios

189

No seu pedido de parecer, o Reino da Bélgica referiu‑se ao direito, enunciado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, a uma ação perante um «tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei», bem como à «efetividade do acesso à justiça» imposta no terceiro parágrafo deste artigo.

190

A este respeito, decorre do referido artigo 47.o, ao qual a União está vinculada por força da jurisprudência recordada nos n.os 165 e 167 do presente parecer, que, ao celebrar um acordo internacional que inclui o estabelecimento de organismos com características judiciais predominantes e chamados a resolver litígios, nomeadamente, entre investidores privados e Estados, como o tribunal e a instância de recurso do CETA, a União está sujeita, no que diz respeito às modalidades de acesso a esses organismos e à sua independência, ao disposto no artigo 47.o, segundo e terceiro parágrafos, da Carta.

191

Assim, tendo em conta a natureza e as especificidades desses organismos, bem como o contexto internacional em que se inserem os referidos organismos, a União deve zelar por que o capítulo oito, secção F, do CETA e qualquer outro texto que estabeleça o seu alcance garantam que, uma vez esse acordo celebrado e aplicado, os tribunais criados tenham, cada um, as características de um tribunal acessível e independente.

192

Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de o Estado terceiro com o qual a União negocia o acordo não estar abrangido pelas garantias oferecidas em direito da União. No caso em apreço, embora o Canadá não esteja, é certo, vinculado por essas garantias, a União está e, portanto, como decorre da jurisprudência recordada nos n.os 165 e 167 do presente parecer, não pode celebrar um acordo que crie tribunais competentes para proferir sentenças vinculativas em relação à União e para resolver litígios submetidos perante eles por particulares da União sem que as referidas garantias sejam oferecidas.

193

A referida conclusão também não é infirmada pelo facto de, como foi observado perante o Tribunal de Justiça, o mecanismo RLIE projetado ser «híbrido» na medida em que contém, além de características jurisdicionais, vários elementos que se baseiam em mecanismos tradicionais da arbitragem em matéria de investimento.

194

A este último respeito, importa referir que, embora as regras contidas no capítulo oito, secção F, do CETA acerca da introdução dos processos no tribunal do CETA se inspirem, em grande medida, nos mecanismos RLIE tradicionais, o mesmo não se pode dizer das regras relativas à composição desse tribunal e ao tratamento destes casos.

195

Em especial, o artigo 8.27 do CETA, que prevê a criação de um tribunal permanente de quinze membros e enuncia, no seu n.o 7, que uma secção de três membros «aprecia o processo numa base rotativa, de modo a garantir uma composição aleatória e imprevisível das secções», e o artigo 8.28, n.o 5, deste acordo, segundo o qual a secção da instância de recurso do CETA constituída para apreciar o recurso é composta por três membros selecionados aleatoriamente, contrastam com as regras em matéria de arbitragem e concretizam a vontade das Partes, expressa no n.o 6, alínea f), do Instrumento Comum Interpretativo, de que «[o] CETA afasta‑se decisivamente da abordagem tradicional da resolução de litígios no domínio do investimento e institui tribunais de investimento independentes, imparciais e permanentes, que se pautam pelos princípios dos sistemas judiciais».

196

A «mudança importante e radical nas regras de investimento e na resolução de litígios», referida a título de conclusão pelas Partes no n.o 6, alínea i), do Instrumento Comum Interpretativo, é igualmente comprovada, nos termos do n.o 6, alínea g), deste último, pelo facto de o CETA prever um mecanismo de recurso a fim de, nomeadamente, garantir a «coerência das decisões do tribunal de primeira instância».

197

Por conseguinte, sem que seja necessário saber se as Partes qualificarão formalmente estes tribunais de «órgãos judiciais» nem se os seus membros terão, como sugere a Declaração n.o 36, o título de «juiz», decorre dos elementos anteriores que os referidos tribunais exercerão essencialmente funções jurisdicionais. Serão permanentes e terão uma origem legal que reside nos atos de aprovação do CETA adotados pelas Partes. Aplicarão, no termo de um processo contraditório, regras de direito, deverão exercer as suas funções com total autonomia e proferirão decisões finais e vinculativas.

198

Quanto ao caráter obrigatório da competência dos referidos tribunais, há que salientar que essa competência se imporá não só perante o demandado, que a deverá aceitar por força do artigo 8.25 do CETA, mas também perante o investidor demandante, na hipótese de este pretender invocar diretamente as disposições do CETA. Com efeito, uma vez que o artigo 30.6 do CETA impede os investidores de invocarem diretamente o CETA nos órgãos jurisdicionais internos das Partes, qualquer ação diretamente baseada nas disposições deste acordo deverá ser proposta no tribunal do CETA. Consequentemente, qualquer recurso contra a decisão desse tribunal deverá ser interposto na instância de recurso do CETA.

199

No que diz respeito ao nível de acessibilidade e independência a que esses tribunais devem responder para que o capítulo oito, secção F, do CETA possa ser considerado compatível com o artigo 47.o da Carta, importa salientar que a inclusão no CETA de disposições em matéria de tratamento não discriminatório e de proteção dos investimentos assim como a criação de tribunais exteriores aos sistemas judiciais das Partes para assegurar o cumprimento de tais disposições têm por objetivo dar plena confiança às empresas e pessoas singulares de uma Parte de que serão tratadas, em relação aos seus investimentos no território da outra Parte, em pé de igualdade com as empresas e pessoas singulares desta última e de que beneficiarão da segurança dos seus investimentos no território dessa outra Parte.

200

Ao prever a criação de um mecanismo exterior aos sistemas judiciais das Partes, o capítulo oito, secção F, do CETA tem por objetivo, como observaram o Conselho e a Comissão, garantir que a referida confiança dos investidores estrangeiros se estenda à instância competente para declarar as eventuais violações das secções C e D deste capítulo pelo Estado de acolhimento dos seus investimentos. Verifica‑se, assim, que a independência dos tribunais previstos relativamente ao Estado de acolhimento e o acesso a esses tribunais pelos investidores estrangeiros estão indissociavelmente ligados ao objetivo do comércio livre e justo enunciado no artigo 3.o, n.o 5, TUE e prosseguido pelo CETA.

201

A garantia de acessibilidade implica que a possibilidade, prevista no artigo 8.18 do CETA, de qualquer investidor referido no artigo 8.1 deste acordo submeter um litígio perante o tribunal do CETA a fim de este declarar uma violação da referida secção C ou D seja limitada apenas por restrições proporcionadas que prossigam um objetivo legítimo e não prejudiquem a própria essência do direito de acesso, incluindo limitações relativas ao pagamento das taxas de justiça (Acórdão de 30 de junho de 2016, Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci, C‑205/15, EU:C:2016:499, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

202

A exigência de independência é inerente à missão de julgar e comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, pressupõe que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, estando, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de prejudicar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. Esta indispensável liberdade em relação a esses elementos externos exige determinadas garantias adequadas a proteger a pessoa daqueles que têm por missão julgar, tais como a inamovibilidade. O facto de estes auferirem uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui igualmente uma garantia inerente à independência judicial [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 63 e 64 e jurisprudência aí referida].

203

O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este aspeto exige o respeito da objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da regra de direito [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 65 e jurisprudência aí referida].

204

Essas garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 66].

2. Quanto à compatibilidade com a exigência de acessibilidade

205

Resulta dos artigos 8.1 e 8.18 do CETA que este acordo tem por objetivo tornar o tribunal do CETA acessível a todas as empresas e pessoas singulares do Canadá que investem na União, bem como a todas as empresas e pessoas singulares de um Estado‑Membro da União que investem no Canadá.

206

O capítulo oito, secção F, do CETA realça, a este respeito, o objetivo das Partes de adaptarem o mecanismo RLIE de maneira a que os investidores com recursos limitados para promover um processo oneroso, como as pessoas singulares e as pequenas e médias empresas, tenham, à semelhança das empresas que dispõem de maiores recursos, um acesso efetivo aos tribunais previstos.

207

Assim, as Partes enunciam, no artigo 8.39, n.o 6, desse acordo, que incumbirá ao Comité Misto CETA «avaliar a possibilidade de introduzir regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as partes demandantes que são pessoas singulares ou pequenas e médias empresas».

208

O «ónus financeiro» cuja redução é assim perspetivada deve incluir, em particular, os custos e as despesas visados no artigo 8.39, n.o 5, do referido acordo.

209

Trata‑se, por um lado, das despesas de representação e de assistência jurídica efetuadas tanto pelo investidor demandante como pela parte demandada. Resulta desse artigo 8.39, n.o 5, que o investidor incorre no risco de ter de suportar a totalidade dessas despesas no caso de o seu pedido ser julgado improcedente.

210

Por outro lado, o referido ónus financeiro consiste no pagamento dos custos do processo. A este respeito, resulta de uma leitura combinada dos artigos 8.39, n.o 5, e 8.27, n.o 14, do CETA que esses custos incluem designadamente os honorários e as despesas dos membros do tribunal designados para resolver o litígio. O investidor demandante poderá, em caso de indeferimento do seu pedido, ter de suportar a totalidade desses honorários e despesas.

211

Assim, o risco financeiro incorrido para instaurar um processo no tribunal do CETA pode ser tal que dissuada uma pessoa singular ou uma pequena ou média empresa de instaurar esse processo.

212

Esta falta de acessibilidade ao tribunal do CETA, com que muitos investidores se podem deparar, não é infirmada pela possibilidade, prevista no artigo 8.27, n.o 9, do CETA, de o processo ser apreciado por um único membro desse tribunal. Com efeito, essa redução parcial do ónus financeiro apenas será obtida, nos termos desta disposição, se a parte demandada o consentir.

213

Assim, não havendo um regime que vise garantir a acessibilidade financeira ao tribunal e à instância de recurso do CETA pelas pessoas singulares e pelas pequenas e médias empresas, o mecanismo RLIE poderá, na prática, ser acessível unicamente aos investidores que dispõem de recursos financeiros significativos. Esta situação criaria uma incoerência não só com o âmbito de aplicação pessoal do capítulo oito, secção F, do CETA, que abrange todas as empresas e pessoas singulares de uma Parte que investem no território da outra Parte, mas também com o objetivo do comércio livre e justo, enunciado no artigo 3.o, n.o 5, TUE, que o CETA visa promover, nomeadamente, através da via de ação oferecida aos investidores estrangeiros em tribunais exteriores ao sistema judicial do Estado de acolhimento.

214

Por conseguinte, a fim de apreciar a compatibilidade do capítulo oito, secção F, do CETA com o artigo 47.o da Carta, há que apreciar se as cláusulas contidas nessa secção F e nos textos que definem o seu alcance de aplicação, a respeito da melhoria da acessibilidade financeira aos tribunais previstos pelas pessoas singulares e pelas pequenas e médias empresas, traduzem compromissos de que, a partir do momento da criação desses tribunais, será instituído um regime que assegura o nível de acessibilidade exigido pelo artigo 47.o da Carta.

215

Tais compromissos não constam do artigo 8.27, n.o 15, do CETA, nos termos do qual o Comité Misto CETA «pode», mediante decisão, transformar os honorários e outros pagamentos e despesas num salário normal, nem do artigo 8.39, n.o 6, deste acordo, que prevê que o Comité Misto CETA «deve avaliar a possibilidade de introduzir» regras suplementares destinadas a reduzir o ónus financeiro que recai sobre as pessoas singulares ou as pequenas e médias empresas.

216

As restantes disposições do capítulo oito, secção F, do CETA também não contêm compromissos juridicamente vinculativos a respeito da acessibilidade financeira aos tribunais previstos pelos investidores de pequena ou média dimensão.

217

Em contrapartida, a Declaração n.o 36 enuncia que «[o] acesso dos utentes mais vulneráveis, ou seja, as [pequenas e médias empresas] e as pessoas singulares, a este novo órgão jurisdicional, será melhorado e facilitado» e prevê, para esse efeito, que «[a] adoção pelo Comité Misto, prevista pelo artigo 8.39, n.o 6, do CETA, de regras suplementares […] será efetuada de modo a que estas regras suplementares possam ser adotadas o mais rapidamente possível» e que, «[i]ndependentemente dos resultados dos debates no Comité Misto, a Comissão proporá medidas adequadas de (co)financiamento público das ações das pequenas e médias empresas perante esse órgão jurisdicional».

218

Não se pode deixar de referir que, com esta declaração, a Comissão e o Conselho se comprometem a aplicar, de forma rápida e adequada, o artigo 8.39, n.o 6, do CETA, bem como a assegurar a acessibilidade aos tribunais previstos pelas pequenas e médias empresas, e isto mesmo na hipótese de os esforços no âmbito do Comité Misto CETA fracassarem.

219

Este compromisso é suficiente para concluir, no âmbito do presente processo de parecer, que o CETA, enquanto «acordo projetado» na aceção do artigo 218.o, n.o 11, TFUE, é compatível com a exigência de acessibilidade aos referidos tribunais.

220

Com efeito, nos termos de uma frase explicativa que precede as declarações de que faz parte a Declaração n.o 36, estas declarações «fazem parte integrante do enquadramento em que o Conselho adota a decisão que autoriza a assinatura do CETA em nome da União. Serão exaradas na ata do Conselho nessa ocasião».

221

O referido compromisso da União, de garantir o acesso efetivo aos tribunais previstos por todos os investidores da União visados pelo CETA, condiciona, assim, a aprovação deste acordo pela União. Importa salientar, a este respeito, que, nos termos da Declaração n.o 36, o referido compromisso faz parte dos «princípios» com base nos quais «[a] Comissão [se] compromete[…] a prosseguir sem demora a revisão do mecanismo de resolução dos diferendos […], e em tempo útil para que os Estados‑Membros a possam ter em conta nos seus processos de ratificação». Tendo em conta o parágrafo anterior da mesma declaração, no qual o Conselho e a Comissão confirmam que as disposições do capítulo oito, secção F, do CETA não entrarão em vigor antes da ratificação do CETA por todos os Estados‑Membros, conclui‑se que a celebração do CETA pelo Conselho está prevista com base na premissa de que a acessibilidade financeira ao tribunal e à instância de recurso do CETA por todos os investidores da União visados será assegurada.

222

Atendendo a este vínculo, formulado pela União, entre a acessibilidade financeira aos referidos tribunais e a celebração do CETA, deve considerar‑se que o acordo projetado é, sob este ponto de vista, compatível com o artigo 47.o da Carta.

3. Quanto à compatibilidade com a exigência de independência

223

No que respeita ao aspeto externo da exigência de independência, que implica que os tribunais em causa desempenhem as suas funções com total autonomia, há que observar, antes de mais, que o CETA prevê, no seu artigo 8.27, n.os 4 e 5, que os membros do tribunal do CETA são nomeados por mandatos de um determinado período e devem possuir conhecimentos especializados.

224

Em seguida, no seu artigo 8.27, n.os 12 a 15, assegura que esses membros receberão uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem.

225

Por fim, garante a inamovibilidade dos referidos membros, estando a possibilidade da sua destituição, no artigo 8.30, n.o 4, do CETA, limitada ao caso de o seu comportamento ser incompatível com as obrigações enunciadas no n.o 1 deste artigo, em particular a proibição de aceitar instruções de outrem ou de se encontrar numa situação de conflito de interesses.

226

O artigo 8.28 do CETA estende a aplicabilidade do artigo 8.27, n.o 4, e do artigo 8.30 deste acordo aos membros da instância de recurso. Apesar de as outras componentes da independência, acima referidas, não serem mencionadas neste artigo 8.28 com o mesmo grau de precisão, decorre, porém, da utilização do termo «tribunais» no n.o 6, alínea f), do Instrumento Comum Interpretativo que as Partes impõem à instância de recurso os mesmos padrões de independência que ao tribunal. Esta constatação é confirmada pelo quadro de correspondências entre o Instrumento Comum Interpretativo e o texto do CETA, que figura em anexo a este instrumento e menciona o artigo 8.28 do CETA entre as disposições que correspondem ao n.o 6, alínea f), do referido instrumento.

227

Na medida em que o Reino da Bélgica e certos Governos que apresentaram observações se interrogam sobre a compatibilidade, com o aspeto externo da exigência de independência, da competência que os artigos 8.27, n.os 2 e 3, e 8.28, n.os 3 e 7, do CETA atribuem ao Comité Misto CETA para nomear os membros do tribunal e da instância de recurso e para definir ou adaptar o número, em múltiplos de três, dos membros que compõem esses tribunais, há que ter em conta que a identidade dos membros nomeados não pode ser previamente definida no texto do CETA e que o mesmo se aplica quanto aos aumentos ou às reduções do número de membros que possam ser necessários no futuro. As garantias recordadas no n.o 202 do presente parecer não podem de modo algum ser entendidas no sentido de que obstam a que um órgão não jurisdicional, como o Comité Misto CETA, seja competente para nomear, no estrito cumprimento das regras enunciadas no artigo 8.27, n.os 4 e 5, do CETA, os referidos membros e para adaptar, em múltiplos de três, o seu número. Essas garantias também não se opõem a que esse órgão seja, em conformidade com o artigo 8.30, n.o 4, do CETA, competente para destituir esses membros.

228

Resulta, além disso, dos artigos 26.1 e 26.3 do CETA que o Comité Misto CETA terá uma composição bipartida e aprovará as suas decisões de comum acordo. Estes elementos permitem considerar, como o advogado‑geral observou no n.o 267 das suas conclusões, que nem a nomeação nem a eventual destituição de um membro do tribunal ou da instância de recurso obedecerão a condições diferentes das enunciadas, nomeadamente, nos artigos 8.27, n.o 4, e 8.30, n.o 1, do CETA.

229

Pela mesma razão, deve considerar‑se que as Partes puderam estipular, no artigo 8.27, n.o 12, do CETA, sem prejudicar a exigência de independência, que o montante dos honorários mensais destinados a garantir a disponibilidade dos membros dos referidos tribunais será determinado pelo Comité Misto CETA e, no n.o 15 do mesmo artigo, que este organismo poderá decidir transformar esses honorários e outros pagamentos e despesas num salário normal e determinar as modalidades e condições aplicáveis.

230

A possibilidade de esta competência do Comité Misto CETA em matéria de remuneração não ser imediatamente exercida não implica que a remuneração dos referidos membros possa, numa primeira fase, ser aleatória. Com efeito, nos termos do artigo 8.27, n.o 14, do CETA, os honorários e as despesas dos membros dos tribunais previstos serão fixados nos termos da regra 14, n.o 1, do Regulamento Administrativo e Financeiro do CIRDI, que se refere à tabela periodicamente fixada pelo secretário‑geral do CIRDI.

231

Como o advogado‑geral salientou nos n.os 260 e 261 das suas conclusões, o caráter evolutivo destas disposições relativas à remuneração dos membros do tribunal e da instância de recurso do CETA não pode ser visto como uma ameaça à independência desses tribunais, permitindo, pelo contrário, o estabelecimento progressivo de um órgão jurisdicional composto por membros a tempo inteiro.

232

O artigo 8.31, n.o 3, do CETA, nos termos do qual o Comité Misto CETA pode, por outro lado, fazer interpretações do acordo que são vinculativas para o tribunal do CETA, e o artigo 8.10, n.o 3, deste acordo, que deve ser lido em conjugação com o referido artigo 8.31, n.o 3, também não afetam a capacidade desse tribunal — ou da instância de recurso do CETA — para exercer as suas funções com total autonomia.

233

Com efeito, em direito internacional, não é proibido nem inabitual prever‑se a possibilidade de as Partes num acordo internacional precisarem a sua interpretação à medida que a sua vontade comum relativa ao alcance desse acordo evolui. Tais precisões podem ser introduzidas pelas próprias Partes ou por um órgão instituído pelas Partes e por elas investido de um poder decisório que as vincule.

234

No caso em apreço, há que constatar que o Comité Misto CETA é, em conformidade com o artigo 26.1, n.o 1, do CETA, um comité bipartido que representa as Partes e que, nos termos dos artigos 26.1, n.o 4, alínea e), e 26.3 do CETA, está habilitado a adotar, de comum acordo, decisões vinculativas, tais como, em conformidade com os artigos 26.1, n.o 5, alínea e), e 8.31, n.o 3, do CETA, decisões de interpretação desse acordo que se impõem às Partes e aos tribunais criados pelo CETA, sem que as exigências previstas no artigo 47.o da Carta, nomeadamente a exigência de independência, sejam infringidas. Estes atos interpretativos têm os efeitos jurídicos decorrentes do artigo 31.o, n.o 3, da Convenção de Viena, nos termos do qual, para efeitos da interpretação de um tratado, ter‑se‑á em consideração «[t]odo o acordo posterior entre as Partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições».

235

Importa, além disso, salientar que a participação da União na fixação, por este Comité, dessas interpretações vinculativas é regida pelo artigo 218.o, n.o 9, TFUE. O seu acordo em qualquer decisão visada no artigo 8.31, n.o 3, do CETA deverá, em consequência, ser conforme com o direito primário da União, em especial com os princípios dele decorrentes e recordados ou precisados no presente parecer.

236

Além disso, à luz da exigência de independência do tribunal do CETA e da instância de recurso do CETA, importa que as interpretações fixadas pelo Comité Misto CETA não produzam efeitos no tratamento dos litígios que tenham sido resolvidos ou submetidos antes dessas interpretações. Com efeito, se assim não fosse, o Comité Misto CETA poderia influenciar o tratamento de litígios concretos e, por conseguinte, participar no mecanismo RLIE.

237

Embora esta garantia de inexistência de efeito retroativo e de efeito imediato nos processos pendentes não esteja expressamente prevista no artigo 8.31, n.o 3, do CETA, importa também salientar que o acordo da União em qualquer decisão referida no artigo 8.31, n.o 3, do CETA terá de ser conforme com o direito primário da União, nomeadamente com o direito a uma ação consagrado no artigo 47.o da Carta. Assim, o artigo 8.31, n.o 3, do CETA não pode ser interpretado, à luz do referido artigo 47.o, no sentido de que autoriza a União a acordar em decisões de interpretação do Comité Misto CETA que produzam efeitos no tratamento dos litígios resolvidos ou pendentes.

238

Quanto ao aspeto interno da exigência de independência, que diz respeito, nomeadamente, à imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio assim como a inexistência de qualquer interesse pessoal dos membros na resolução desse litígio, há que salientar, por um lado, que o igual distanciamento deve ser assegurado não apenas no artigo 8.27, n.os 6 e 7, do CETA, segundo o qual os processos são tratados por uma secção constituída de forma aleatória e, portanto, imprevisível para as partes, composta por três membros, nomeadamente um cidadão nacional de um Estado‑Membro da União, um cidadão nacional do Canadá e um cidadão nacional de um Estado terceiro, mas também pela remissão, feita no artigo 8.30, n.o 1, do CETA, para as orientações da IBA, das quais decorre, em conformidade com o primeiro princípio geral que estabelecem, que os membros do tribunal do CETA devem ser imparciais e independentes das partes tanto na data em que lhes é submetida uma queixa como ao longo de todo o processo, até que seja posto termo a este último.

239

Por este motivo, deve igualmente considerar‑se que o aspeto interno da exigência de independência não é posto em causa pela circunstância, realçada pelo Reino da Bélgica no seu pedido de parecer, de a remuneração dos membros do tribunal consistir, pelo menos numa primeira fase, não apenas numa remuneração mensal mas também em honorários calculados em função dos dias de trabalho consagrados a um litígio. Com efeito, os eventuais incumprimentos das exigências inscritas nas orientações da IBA, incluindo o primeiro princípio geral recordado no número anterior do presente parecer, podem conduzir à destituição do ou dos membros em causa, em conformidade com o artigo 8.30, n.o 4, do CETA.

240

Além disso, o artigo 8.30, n.o 1, deste acordo enuncia que os membros «[n]ão devem estar dependentes de qualquer governo». Embora tenha sido precisado, na nota de pé de página que acompanha esta disposição, que «o facto de uma pessoa receber uma remuneração por parte de um governo não torna, por si só, essa pessoa inelegível», há que considerar que esta precisão está, como a Comissão expôs na fase oral do processo no Tribunal de Justiça, relacionada com a circunstância de, numa primeira fase, os membros dos tribunais previstos não serem certamente contratados a tempo inteiro e poderem, designadamente, integrar membros, como professores de direito, que recebem a sua remuneração por parte de um Estado sem, no entanto, estarem direta ou indiretamente implicados na definição da política governamental desse Estado.

241

Quanto à circunstância de o artigo 8.30, n.o 1, do CETA enunciar, no seu segundo período, que os membros do tribunal do CETA não «devem aceitar instruções de nenhuma organização ou governo no que diz respeito às questões relativas ao litígio», há que salientar que este período deve ser interpretado à luz da exigência de independência contida no primeiro período do mesmo número, que implica que esses membros não podem, fora da hipótese circunscrita nos n.os 232 a 237 do presente parecer, aceitar instruções no exercício das suas funções, quer se trate de um determinado litígio ou não.

242

No que respeita, por outro lado, à inexistência de qualquer interesse pessoal dos membros na resolução do litígio, o artigo 8.30 do CETA estabelece uma proibição geral de conflito de interesses, direto ou indireto, que inclui, por remissão para as orientações da IBA, regras deontológicas em matéria de atividades externas.

243

Este artigo 8.30 recorda a competência do Comité de Serviços e Investimento, visada no artigo 8.44 deste acordo, para adotar «regras complementares» a este respeito, garantindo a utilização do termo «complementares» que esse Comité não está investido de uma competência para reduzir o alcance da proibição de conflito de interesses já contida no referido acordo, mas que se deve limitar a adaptar, ao mesmo tempo que mantém o elevado padrão de independência decorrente dessa proibição, as regras enunciadas nas orientações da IBA às realidades de um tribunal de investimento com características judiciais predominantes.

244

Tendo em conta todos estes elementos, há que concluir que o acordo projetado é compatível com a exigência de independência.

VI. Resposta ao pedido de parecer

245

Decorre de todas as considerações anteriores que o capítulo oito, secção F, do CETA é compatível com o direito primário da União.

Consequentemente, o Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) emite o seguinte parecer:

O capítulo oito, secção F, do Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em Bruxelas em 30 de outubro de 2016, é compatível com o direito primário da União Europeia.

Assinaturas

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