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Document 62017CJ0720

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 23 de maio de 2019.
Mohammed Bilali contra Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria).
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de asilo — Proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 19.° — Revogação do estatuto de proteção subsidiária — Erro da Administração no que respeita às circunstâncias de facto.
Processo C-720/17.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:448

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

23 de maio de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de asilo — Proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 19.o — Revogação do estatuto de proteção subsidiária — Erro da Administração relativo às circunstâncias de facto»

No processo C‑720/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por Decisão de 14 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de dezembro de 2017, no processo

Mohammed Bilali

contra

Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, C. Lycourgos (relator), E. Juhász, M. Ilešič e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de M. Bilali, por N. Lorenz, Rechtsanwältin,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Koós e G. Tornyai, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. H. S. Gijzen e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por R. Fadoju, na qualidade de agente, assistida por D. Blundell, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Mohammed Bilali ao Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Serviço Federal de Estrangeiros e Asilo, Áustria), a propósito da revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária concedido a M. Bilali.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 137, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi completada e alterada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4

O artigo 1.o desta convenção, depois de definir, nomeadamente, na secção A, o conceito de «refugiado», enuncia, na secção C:

«Esta Convenção, nos casos mencionados a seguir, deixará de ser aplicável a qualquer pessoa abrangida pelas disposições da secção A acima:

(1)

Se voluntariamente voltar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade; ou

(2)

Se, tendo perdido a nacionalidade, a tiver recuperado voluntariamente; ou

(3)

Se adquiriu nova nacionalidade e goza da proteção do país de que adquiriu a nacionalidade; ou

(4)

Se voltou voluntariamente a instalar‑se no país que deixou ou fora do qual ficou com receio de ser perseguido; ou

(5)

Se, tendo deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi considerada refugiada, já não puder continuar a recusar pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade;

Entendendo‑se, contudo, que as disposições do presente parágrafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo parágrafo (1) da secção A do presente artigo que possa invocar, para se recusar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade, razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores;

(6)

Tratando‑se de uma pessoa que não tenha nacionalidade, se, tendo deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi considerada refugiada, está em condições de voltar ao país no qual tinha a residência habitual;

Entendendo‑se, contudo, que as disposições do presente parágrafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo parágrafo (1) da secção A do presente artigo que possa invocar, para se recusar a voltar ao país no qual tinha a residência habitual, razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores.»

Direito da União

Diretiva 2011/95

5

Os considerandos 3, 8, 9, 12 e 39 da Diretiva 2011/95 enunciam:

«(3)

O Conselho Europeu, na sua reunião extraordinária em Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, decidiu desenvolver esforços para estabelecer um sistema europeu comum de asilo, baseado na aplicação integral e global da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951 (“Convenção de Genebra”), e do Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967 (“protocolo”), adicional à Convenção, afirmando dessa forma o princípio de não repulsão e assegurando que ninguém é reenviado para onde possa ser perseguido.

[…]

(8)

No Pacto Europeu sobre a imigração e o asilo, adotado em 15 e 16 de outubro de 2008, o Conselho Europeu sublinhou que subsistem grandes disparidades entre os Estados‑Membros no que diz respeito à concessão da proteção e às formas que esta reveste, tendo solicitado novas iniciativas para levar a cabo a instauração, prevista pelo Programa de Haia, de um sistema europeu comum de asilo e oferecer assim um nível de proteção mais elevado.

(9)

No Programa de Estocolmo, o Conselho Europeu reiterou o seu compromisso em relação ao objetivo de criar um espaço comum de proteção e solidariedade, com base num processo comum de asilo e num estatuto uniforme, nos termos do artigo 78.o [TFUE], para os beneficiários de proteção internacional, o mais tardar em 2012.

[…]

(12)

O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

[…]

(39)

Respondendo à solicitação do Programa de Estocolmo para que seja estabelecido um estatuto uniforme para os refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária, e com exceção das derrogações necessárias e objetivamente justificadas, os beneficiários do estatuto de proteção subsidiária deverão beneficiar dos mesmos direitos e benefícios a que têm direito os refugiados ao abrigo da presente diretiva, e deverão estar sujeitos às mesmas condições de elegibilidade.»

6

O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

[…]

f)

“Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

g)

“Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

h)

“Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]»

7

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros podem aprovar ou manter normas mais favoráveis relativas à determinação das pessoas que preenchem as condições para beneficiarem do estatuto de refugiado ou que sejam elegíveis para proteção subsidiária, bem como à determinação do conteúdo da proteção internacional, desde que essas normas sejam compatíveis com a presente diretiva.»

8

O artigo 14.o desta mesma diretiva, com a epígrafe «Revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de refugiado», prevê:

«1.   Relativamente aos pedidos de proteção internacional apresentados após a entrada em vigor da Diretiva 2004/83/CE [do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12)], os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de refugiado de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial se essa pessoa tiver deixado de ser refugiado nos termos do artigo 11.o

2.   Sem prejuízo do dever do refugiado de, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, dar a conhecer todos os factos pertinentes e fornecer toda a documentação pertinente ao seu dispor, o Estado‑Membro que tenha concedido o estatuto de refugiado deve provar, caso a caso, que a pessoa em causa deixou de ser ou nunca foi um refugiado, nos termos do n.o 1 do presente artigo.

3.   Os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de refugiado do nacional de um país terceiro ou de um apátrida se, após este ter recebido o estatuto de refugiado, for apurado pelo Estado‑Membro em questão que:

a)

Deveria ter sido ou foi excluído da qualidade de refugiado, nos termos do artigo 12.o;

b)

A sua deturpação ou omissão de factos, incluindo a utilização de documentos falsos, foi decisiva para receber o estatuto de refugiado.

4.   Os Estados‑Membros podem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto concedido a um refugiado por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial, quando:

a)

Haja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra;

b)

Tendo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro.

5.   Nas situações descritas no n.o 4, os Estados‑Membros podem decidir não conceder o estatuto a um refugiado se essa decisão de reconhecimento ainda não tiver sido tomada.

6.   As pessoas a quem se aplicam os n.os 4 ou 5 gozam de direitos constantes ou semelhantes aos que constam dos artigos 3.o, 4.o, 16.o, 22.o, 31.o, 32.o e 33.o da Convenção de Genebra, na medida em que estejam presentes no Estado‑Membro.»

9

O capítulo V da Diretiva 2011/95, intitulado «Condições de elegibilidade para proteção subsidiária», inclui, nomeadamente, o artigo 15.o da mesma, sob a epígrafe «Ofensas graves», que dispõe:

«São ofensas graves:

a)

A pena de morte ou a execução; ou

b)

A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c)

A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

10

O artigo 16.o desta diretiva prevê:

«1.   O nacional de um país terceiro ou o apátrida deixa de ser elegível para proteção subsidiária quando as circunstâncias que levaram à concessão de proteção subsidiária tiverem cessado ou se tiverem alterado a tal ponto que a proteção já não seja necessária.

2.   Para efeitos da aplicação do n.o 1, os Estados‑Membros examinam se a alteração das circunstâncias é suficientemente significativa e duradoura para que a pessoa elegível para proteção subsidiária já não se encontre perante um risco real de ofensa grave.

3.   O n.o 1 não se aplica ao beneficiário do estatuto de proteção subsidiária que possa invocar razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores para recusar valer‑se da proteção do país da sua nacionalidade ou, na eventualidade de ser apátrida, do seu antigo país de residência habitual.»

11

Nos termos do artigo 18.o da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros concedem o estatuto de proteção subsidiária ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida elegível para proteção subsidiária nos termos dos capítulos II e V.»

12

O artigo 19.o desta mesma diretiva, com a epígrafe «Revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de proteção subsidiária», dispõe:

«1.   Relativamente aos pedidos de proteção internacional apresentados após a entrada em vigor da Diretiva 2004/83/CE, os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial se essa pessoa tiver deixado de ser elegível para essa proteção nos termos do artigo 16.o

2.   Os Estados‑Membros podem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade governamental, administrativa, judicial ou parajudicial se, após ter‑lhe sido concedida proteção subsidiária, a pessoa tiver deixado de ser elegível para proteção subsidiária nos termos do artigo 17.o, n.o 3.

3.   Os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de proteção subsidiária de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida se:

a)

Após este ter recebido o estatuto de proteção subsidiária, se apurar que deveria ter sido ou foi excluído da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária nos termos do artigo 17.o, n.os 1 e 2;

b)

A sua deturpação ou omissão de factos, incluindo a utilização de documentos falsos, tiver sido decisiva para receber o estatuto de proteção subsidiária.

4.   Sem prejuízo do dever do nacional de um país terceiro ou do apátrida de, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, dar a conhecer todos os factos pertinentes e fornecer toda a documentação pertinente ao seu dispor, o Estado‑Membro que tenha concedido o estatuto de proteção subsidiária deve provar, caso a caso, que a pessoa em causa deixou de ser ou não é elegível para proteção subsidiária, nos termos dos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo.»

Diretiva 2003/109

13

A Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2003, L 16, p. 44), conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011 (JO 2011, L 132, p. 1) (a seguir «Diretiva 2003/109»), dispõe, no artigo 4.o, n.o 1‑A:

«Os Estados‑Membros não concedem o estatuto de residente de longa duração com base na proteção internacional em caso de revogação, supressão ou recusa de renovação da proteção internacional nos termos do n.o 3 do artigo 14.o e do n.o 3 do artigo 19.o da Diretiva 2004/83/CE.»

14

O artigo 9.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2003/109, conforme inserido pela Diretiva 2011/51, prevê:

«Os Estados‑Membros podem retirar o estatuto de residente de longa duração em caso de revogação, supressão ou recusa de renovação da proteção internacional, nos termos do n.o 3 do artigo 14.o ou do n.o 3 do artigo 19.o da Diretiva 2004/83/CE, se o estatuto de residente de longa duração tiver sido obtido com base na proteção internacional.»

Direito austríaco

15

O § 8 do Bundesgesetz über die Gewährung von Asyl (Lei federal relativa à concessão de asilo), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «AsylG 2005»), prevê:

«(1)   O estatuto de beneficiário da proteção subsidiária deve ser concedido a um estrangeiro

1.

que tenha apresentado um pedido de proteção internacional na Áustria, quando este pedido tenha sido indeferido em relação ao reconhecimento do estatuto de beneficiário de asilo ou

2.

ao qual tenha sido revogado o estatuto de beneficiário de asilo, quando a repulsão, a expulsão ou o afastamento do estrangeiro para o seu país de origem represente um risco efetivo de violação do artigo 2.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], do artigo 3.o [desta convenção] ou dos Protocolos n.o 6 ou n.o 13 anexos à [referida convenção], ou implique para ele, como cidadão, uma ameaça séria à vida ou à integridade, como consequência de violência indiscriminada no contexto de um conflito interno ou internacional.

[…]

(6)   Se o país de origem do requerente de asilo não puder ser determinado, o pedido da proteção internacional no que respeita à concessão do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária deve ser indeferido. Neste caso, deve ser adotada uma decisão de regresso, desde que esta não seja ilícita por força do § 9, n.os 1 e 2 [da Lei de processo relativa ao Serviço Federal de Estrangeiros e Asilo].

[…]»

16

O § 9 da AsylG 2005 dispõe:

«(1)   Deve ser tomada uma decisão oficiosa de revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária concedido a um estrangeiro quando

1.

não estejam reunidas ou deixarem de estar reunidas as condições para a concessão do estatuto de proteção subsidiária (§ 8, n.o 1);

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

Em 27 de outubro de 2009, M. Bilali, que se apresenta como apátrida, apresentou na Áustria um pedido de proteção internacional. Em 15 de março de 2010, este pedido foi indeferido pelo Bundesasylamt (Serviço Federal Competente em Matéria de Asilo, Áustria). Em 8 de abril de 2010, o Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo, Áustria) deu provimento ao recurso interposto dessa decisão de indeferimento e reenviou o processo para nova apreciação.

18

Por decisão de 27 de outubro de 2010, o Serviço Federal Competente em Matéria de Asilo indeferiu o pedido de asilo de M. Bilali, concedendo‑lhe o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, salientando que a identidade de M. Bilali não tinha sido determinada e que era provavelmente um nacional argelino. O benefício da proteção subsidiária foi‑lhe reconhecido com o fundamento de que, em razão do desemprego elevado, da falta de infraestruturas e da insegurança permanente na Argélia, M. Bilali poderia ficar exposto, em caso de regresso a este país, a um tratamento desumano na aceção do artigo 3.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

19

M. Bilali interpôs no Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo) um recurso da decisão de indeferimento do seu pedido de asilo. A decisão respeitante à concessão da proteção subsidiária, por sua vez, tornou‑se definitiva.

20

Por Acórdão de 16 de julho de 2012, o Asylgerichtshof (Tribunal em matéria de asilo) anulou a decisão que indeferiu o pedido de asilo do recorrente, salientando, nomeadamente, que, no que se refere à nacionalidade deste último, apenas tinham sido formuladas suposições.

21

Por decisão de 24 de outubro de 2012, o Serviço Federal Competente em Matéria de Asilo indeferiu novamente o pedido de asilo apresentado por M. Bilali. Além disso, o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, que lhe tinha sido concedido em 27 de outubro de 2010, foi revogado oficiosamente e foi‑lhe retirada a autorização de residência temporária que lhe tinha sido concedida enquanto beneficiário desse estatuto. Esse serviço indeferiu igualmente o pedido de concessão do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, na medida em que M. Bilali seria um nacional marroquino e adotou uma decisão de regresso deste que indicava Marrocos como país de destino.

22

O Serviço Federal Competente em Matéria de Asilo declarou que nunca estiveram reunidas as condições para a concessão da proteção subsidiária. Resulta da resposta do serviço de informação sobre o país de origem que a suposição de que a Argélia era o país de origem de M. Bilali estava errada e que este último poderia ter tanto a nacionalidade marroquina como a nacionalidade mauritana.

23

Por Acórdão de 21 de janeiro de 2016, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) negou parcialmente provimento ao recurso de M. Bilali da decisão de 24 de outubro de 2012, nomeadamente na parte em que dizia respeito às disposições dessa decisão que revogavam o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária concedido ao recorrente. Contudo, anulou as disposições da referida decisão que ordenavam o regresso do recorrente a Marrocos.

24

Quanto, nomeadamente, à nacionalidade de M. Bilali, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) declarou que este beneficiava de dupla nacionalidade, marroquina e mauritana, e que tinha declarado por diversas vezes que a sua família era originária de Marrocos. Ora, o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária foi‑lhe concedido tendo em consideração o facto de ser originário da Argélia, pelo que, segundo esse órgão jurisdicional, foi com razão que esse estatuto foi revogado em conformidade com o § 9, n.o 1, da AsylG 2005, conjugado com o § 8, n.o 1, desta lei. Além disso, esse órgão jurisdicional considerou que a revogação da autorização de residência temporária resultava da revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária. Considerou igualmente que não ficou provado que M. Bilali ficaria exposto a ameaças à vida ou à integridade em Marrocos, de tal ordem que a condução à fronteira seria contrária ao artigo 3.o da CEDH.

25

M. Bilali interpôs recurso de «Revision» daquele acórdão no órgão jurisdicional de reenvio.

26

Esse órgão jurisdicional salienta, antes de mais, que o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária foi concedido a M. Bilali por decisão do Serviço Federal Competente em Matéria de Asilo, em 27 de outubro de 2010, com o fundamento de que era nacional argelino. Precisa que essa decisão se tornou definitiva, mas que, pela sua decisão de 24 de outubro de 2012, o referido serviço revogou o estatuto de proteção subsidiária a M. Bilali por motivos de facto, verificados por ocasião de diligências de instrução realizadas posteriormente à concessão desse estatuto. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nenhum elemento indica que o atraso na recolha de informações fosse imputável a M. Bilali. Pelo contrário, este último comunicou repetidamente que não tinha a nacionalidade argelina e que era apátrida. O órgão jurisdicional de reenvio salienta ainda que o acórdão objeto do recurso que lhe foi submetido não evidencia que as «circunstâncias juridicamente relevantes» tivessem mudado após a concessão a M. Bilali do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária.

27

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) se baseou no § 9, n.o 1, ponto 1, da AsylG 2005, por força do qual há que revogar oficiosamente o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária concedido a um estrangeiro quando não estejam reunidas ou deixarem de estar reunidas as condições para a concessão desse estatuto. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é a primeira hipótese prevista nesta disposição que é aplicável ao processo nele pendente, isto é, aquela em que as condições de concessão não se verificavam no momento em que foi tomada a decisão de concessão. Esse órgão jurisdicional refere que, quando a autoridade competente pretende revogar oficiosamente este estatuto em aplicação desta primeira hipótese, essa disposição não faz nenhuma distinção consoante as condições da sua concessão não se verificavam porque o requerente não estava apto a ser protegido ou porque não tinha necessidade de ser protegido. A referida disposição também não contém qualquer limitação nos termos da qual só a obtenção fraudulenta do estatuto pode privar a decisão de concessão de autoridade jurídica. Assim, um simples erro das autoridades estaria igualmente abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.

28

Todavia, o referido órgão jurisdicional sublinha ainda que o artigo 19.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2011/95 não visa a hipótese de uma revogação do estatuto de proteção subsidiária simplesmente em razão da obtenção de novas informações pelas autoridades. Poderia concluir‑se que este estatuto não pode ser revogado, em caso de circunstâncias factuais que se mantiveram inalteradas, e apesar do erro das autoridades quanto à existência de um dos elementos de facto que justificam a concessão do estatuto, quando o beneficiário não é responsável por nenhum comportamento previsto nessa disposição.

29

Esse mesmo órgão jurisdicional salienta, no entanto, que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 prevê que os Estados‑Membros revoguem, suprimam ou recusem renovar o estatuto de proteção subsidiária se a pessoa tiver deixado de ser elegível para essa proteção nos termos do artigo 16.o da referida diretiva, ou seja, quando as circunstâncias que levaram à concessão dessa proteção tiverem cessado. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o teor dessa disposição pode ser interpretado no sentido de que as circunstâncias nele referidas são as circunstâncias conhecidas no momento da concessão do estatuto, de modo que a mudança do conhecimento da autoridade competente também implica a extinção do estatuto de proteção subsidiária.

30

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições do direito da União, em especial o artigo 19.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 […], opõem se a uma disposição do direito nacional de um Estado‑Membro respeitante à possibilidade de revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, nos termos da qual o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária pode ser revogado sem que as circunstâncias factuais que determinaram a concessão desse estatuto em si mesmas se tenham alterado, tendo apenas sofrido alteração o estado do conhecimento delas por parte da autoridade competente, e sem ter existido, a este respeito, uma deturpação nem uma omissão de factos por parte do nacional do país terceiro ou do apátrida que tenha sido decisiva para obter o estatuto de proteção subsidiária?»

Quanto à questão prejudicial

31

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro revogue o estatuto de proteção subsidiária quando concedeu esse estatuto sem que as condições para a sua concessão estivessem reunidas, baseando‑se em factos que, em seguida, se revelaram errados, embora não se possa acusar a pessoa em causa de ter induzido em erro o referido Estado‑Membro nessa ocasião.

32

A título preliminar, há que salientar que, no processo principal, a decisão que revogou o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária foi adotada em 24 de outubro de 2012, ao passo que, em conformidade com o artigo 39.o da Diretiva 2011/95, o termo do prazo de transposição do artigo 19.o desta diretiva foi fixado a 21 de dezembro de 2013.

33

Todavia, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 28 de março de 2019, Idi, C‑101/18, EU:C:2019:267, n.o 28 e jurisprudência referida).

34

Ora, no caso em apreço, foi interposto recurso de «Revision» no órgão jurisdicional de reenvio do Acórdão proferido pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), de 21 de janeiro de 2016, que negou provimento ao recurso interposto da decisão de revogação do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária de 24 de outubro de 2012. Nestas condições, não é evidente que a interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2011/95 não apresente nenhuma relação com o litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio.

35

Ao abrigo desta precisão, importa sublinhar, em primeiro lugar, que a Diretiva 2011/95, uma vez que foi adotada com fundamento, designadamente, no artigo 78.o, n.o 2, alínea b), TFUE, visa, entre outros, instituir um regime uniforme de proteção subsidiária (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 88). Decorre, aliás, do considerando 12 da referida diretiva que um dos seus principais objetivos consiste em assegurar que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional (Acórdãos de 13 de setembro de 2018, Ahmed, C‑369/17, EU:C:2018:713, n.o 37, e de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 79).

36

A este respeito, resulta do artigo 18.o da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com a definição dos termos «[p]essoa elegível para proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea f), da mesma, e dos termos «[e]statuto de proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea g), desta, que o estatuto de proteção subsidiária a que se refere esta diretiva deve, em princípio, ser concedido a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que, em caso de regresso ao seu país de origem ou ao país da sua residência habitual, corre um risco real de sofrer ofensas graves na aceção do artigo 15.o da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 47).

37

Em contrapartida, a Diretiva 2011/95 não prevê a concessão do estatuto conferido pela proteção subsidiária a nacionais de países terceiros ou a apátridas distintos dos mencionados no número anterior do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 48).

38

Ora, resulta da decisão de reenvio que a autoridade austríaca competente, que analisou o pedido de proteção internacional apresentado pelo recorrente no processo principal, cometeu um erro quando determinou a suposta nacionalidade deste último. Resulta igualmente dessa decisão que este nunca foi exposto, em caso de regresso ao seu país de origem ou ao seu país de residência habitual, a um risco real de sofrer ofensas graves, na aceção do artigo 15.o desta diretiva.

39

Além disso, embora o artigo 3.o da referida diretiva permita aos Estados‑Membros introduzir ou manter critérios mais favoráveis quanto à concessão da proteção subsidiária, o órgão jurisdicional de reenvio não mencionou nenhuma regulamentação nacional dessa natureza.

40

O artigo 19.o da Diretiva 2011/95 enuncia, por sua vez, os casos em que os Estados‑Membros podem ou devem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária.

41

Neste contexto, importa salientar, em segundo lugar, como observa o órgão jurisdicional de reenvio, que o artigo 19.o, n.o 3, alínea b), desta diretiva só prevê a perda do estatuto de proteção subsidiária se a deturpação ou omissão de factos pelo interessado tiver sido decisiva para receber tal estatuto. Acresce que nenhuma outra disposição dessa diretiva prevê expressamente que o referido estatuto deva ou possa ser retirado quando, como no processo principal, a decisão de concessão em causa foi tomada com base em elementos errados, sem deturpação ou omissão de factos da parte do interessado.

42

Todavia, há que observar, em terceiro lugar, que o artigo 19.o da Diretiva 2011/95 também não exclui expressamente que o estatuto de beneficiário da proteção subsidiária possa ser perdido quando o Estado‑Membro de acolhimento percebe que concedeu esse estatuto com base em dados errados que não são imputáveis ao interessado.

43

Assim, há que examinar se, tendo igualmente em conta a finalidade e a sistemática geral da Diretiva 2011/95, uma das outras causas de perda do estatuto de proteção subsidiária, conforme enumeradas no artigo 19.o da Diretiva 2011/95, se aplica a tal situação.

44

A este respeito, importa salientar, primeiro, que o Tribunal de Justiça já declarou que seria contrário à sistemática geral e aos objetivos da Diretiva 2011/95 conceder os estatutos que esta prevê a nacionais de países terceiros colocados em situações sem qualquer ligação à lógica da proteção internacional (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj, C‑542/13, EU:C:2014:2452, n.o 44). Ora, a situação de uma pessoa que obteve o estatuto de proteção subsidiária com base em dados errados, sem nunca ter preenchido as condições para o obter, não tem ligação alguma com a lógica da proteção internacional.

45

A perda do estatuto de proteção subsidiária em tais circunstâncias é, por conseguinte, conforme com a finalidade e a sistemática geral da Diretiva 2011/95 e, nomeadamente, com o seu artigo 18.o, que prevê a concessão do estatuto de proteção subsidiária apenas às pessoas que preenchem as referidas condições. Se o Estado‑Membro em causa não podia conceder legalmente esse estatuto, deve, por maioria de razão, estar obrigado a revogá‑lo quando o seu erro for detetado (v., por analogia, Acórdão de 24 de junho de 2015, H. T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 49).

46

Segundo, há que sublinhar que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 prevê que, no que diz respeito aos pedidos de proteção internacional apresentados, como no processo principal, após a entrada em vigor da Diretiva 2004/83, os Estados‑Membros devem revogar, suprimir ou recusar renovar o estatuto de proteção subsidiária quando o nacional de um país terceiro ou o apátrida tenha deixado de ser elegível para a proteção subsidiária nos termos do artigo 16.o da Diretiva 2011/95.

47

Em conformidade com este artigo 16.o, n.o 1, o nacional de um país terceiro ou o apátrida deixa, em princípio, de ser elegível para proteção subsidiária quando as circunstâncias que levaram à concessão da proteção subsidiária tiverem cessado ou se tiverem alterado a tal ponto que a proteção já não seja necessária. Tal alteração de circunstâncias deve ser, segundo o n.o 2 do referido artigo, suficientemente significativa e duradoura para que o interessado já não se encontre perante um risco real de ofensa grave, na aceção do artigo 15.o da referida diretiva.

48

Resulta, portanto, da própria redação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 que existe um nexo de causalidade entre a alteração das circunstâncias, prevista no artigo 16.o desta diretiva, e a impossibilidade de o interessado conservar o seu estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, pois deixou de ser fundado o seu receio originário de ofensa grave, na aceção do artigo 15. o da referida diretiva (v., por analogia, Acórdão de 2 de março de 2010, Salahadin Abdulla e o., C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105, n.o 66).

49

Ora, se é certo que tal modificação decorre, em geral, de uma alteração das circunstâncias factuais no país terceiro, tendo essa alteração atenuado as causas na origem da concessão do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, não deixa de ser verdade que, por um lado, o artigo 16.o da Diretiva 2011/95 não prevê expressamente que o seu âmbito de aplicação se limite a essa situação e que, por outro, uma alteração do estado do conhecimento do Estado‑Membro de acolhimento quanto à situação pessoal do interessado pode, da mesma forma, ter como consequência que o receio originário de que este último sofra ofensas graves, na aceção do artigo 15.o da referida diretiva, deixou de ser fundado, à luz das novas informações na posse do referido Estado‑Membro.

50

Todavia, tal sucede apenas na medida em que as novas informações de que dispõe o Estado‑Membro de acolhimento impliquem uma alteração do estado do seu conhecimento suficientemente significativa e duradoura quanto à questão de saber se o interessado preenche as condições de concessão do estatuto de proteção subsidiária.

51

Por conseguinte, resulta da leitura conjugada dos artigos 16.o e 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, à luz da sistemática geral e da finalidade desta, que, quando o Estado‑Membro de acolhimento dispõe de novas informações que demonstram que, contrariamente à sua apreciação inicial da situação de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida a quem concedeu a proteção subsidiária, baseada em elementos errados, este nunca correu o risco de ofensas graves, na aceção do artigo 15.o desta diretiva, esse Estado‑Membro deve concluir que as circunstâncias na origem da concessão do estatuto de proteção subsidiária evoluíram de tal modo que a manutenção desse estatuto já não se justifica.

52

A este respeito, a circunstância de o erro cometido pelo Estado‑Membro de acolhimento no momento da concessão desse estatuto não ser imputável ao interessado não é suscetível de alterar a conclusão de que, na realidade, este último nunca teve a qualidade de «pessoa elegível para proteção subsidiária», na aceção do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95, e, portanto, nunca preencheu as condições que justificam a concessão do estatuto de proteção subsidiária, na aceção do artigo 2.o, alínea g), da referida diretiva.

53

Em quarto lugar, há que sublinhar que essa interpretação é corroborada por uma leitura da Diretiva 2011/95 à luz da Convenção de Genebra.

54

A este respeito, decorre do artigo 78.o, n.o 1, TFUE que a política comum desenvolvida pela União em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária deve ser conforme com a Convenção de Genebra (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Ahmed, C‑369/17, EU:C:2018:713, n.o 37). Além disso, decorre do considerando 3 da Diretiva 2011/95 que, inspirando‑se nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, era intenção do legislador da União que o sistema europeu de asilo, que esta diretiva contribui para definir, se baseasse na aplicação integral e global da Convenção de Genebra (Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 30).

55

Em princípio, estas considerações só são relevantes no que respeita às condições de concessão do estatuto de refugiado e ao conteúdo deste último, na medida em que o regime previsto pela Convenção de Genebra se aplica apenas aos refugiados e não aos beneficiários do estatuto de proteção subsidiária. No entanto, os considerandos 8, 9 e 39 da Diretiva 2011/95 indicam que o legislador da União pretendeu, em resposta ao convite constante do Programa de Estocolmo, instituir um estatuto uniforme a favor de todos os beneficiários de uma proteção internacional e que, por conseguinte, optou por conceder aos beneficiários do estatuto de proteção subsidiária os mesmos direitos e vantagens de que gozam os beneficiários do estatuto de refugiado, com exceção das derrogações necessárias e objetivamente justificadas (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.os 31 e 32).

56

Além disso, há que salientar que o legislador da União se inspirou nas regras aplicáveis aos refugiados para definir as causas de perda do estatuto de proteção subsidiária. Com efeito, a redação e a estrutura do artigo 19.o da Diretiva 2011/95, relativa à perda do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, apresentam semelhanças com o artigo 14.o desta diretiva, relativo à perda do estatuto de refugiado, que se inspira, por sua vez, no artigo 1.o, secção C, da Convenção de Genebra.

57

Daqui resulta que as exigências decorrentes da Convenção de Genebra devem ser tidas em conta na interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2011/95. Neste contexto, os documentos emitidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR») beneficiam de uma pertinência particular, tendo em conta o papel confiado ao ACNUR pela Convenção de Genebra (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2013, Halaf, C‑528/11, EU:C:2013:342, n.o 44).

58

Ora, ainda que nenhuma disposição da referida convenção preveja expressamente a perda do estatuto de refugiado quando se verifique posteriormente que esse estatuto nunca devia ter sido atribuído, o ACNUR considera, no entanto, que, em tal hipótese, a decisão que concede o estatuto de refugiado deve, em princípio, ser anulada (Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, 1992, n.o 117).

59

Em quinto lugar, importa acrescentar que a perda do estatuto de proteção subsidiária, por força do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, não implica uma tomada de posição relativamente à questão distinta de saber se a pessoa em causa perde o direito a residir no Estado‑Membro em questão e pode ser expulsa para o seu país de origem (v., por analogia, Acórdão de 9 de novembro de 2010, B e D, C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661, n.o 110).

60

A este respeito, há, nomeadamente, que salientar, por um lado, que, contrariamente à perda do estatuto de proteção subsidiária em aplicação do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2011/95, a perda desse estatuto, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, desta diretiva, não está abrangida pelos casos em que os Estados‑Membros devem recusar, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1‑A, da Diretiva 2003/109, conceder o estatuto de residente de longa duração aos beneficiários da proteção internacional, nem pelos casos em que, por força do artigo 9.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros podem retirar aos referidos beneficiários o estatuto de residente de longa duração.

61

Por outro lado, resulta do artigo 2.o, alínea h), in fine, da Diretiva 2011/95 que esta não se opõe a que uma pessoa peça proteção no âmbito de «outra forma de proteção» não abrangida pelo seu âmbito de aplicação. Esta diretiva admite, assim, que os Estados‑Membros de acolhimento possam conceder, em conformidade com o seu direito nacional, uma proteção nacional acompanhada de direitos que permitem às pessoas que não beneficiam do estatuto de beneficiário da proteção subsidiária residir no território do Estado‑Membro em causa. Contudo, a concessão, por um Estado‑Membro, desse estatuto de proteção nacional não está abrangida pelo âmbito de aplicação desta (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2010, B e D, C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661, n.os 116 a 118).

62

Importa ainda acrescentar que, por ocasião das apreciações que lhe compete efetuar nos termos dos procedimentos evocados nos n.os 60 e 61 do presente acórdão, o Estado‑Membro em causa é obrigado a respeitar, nomeadamente, o direito fundamental do respeito pela vida privada e familiar da pessoa em causa, que é garantido, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo artigo 8.o da CEDH.

63

A este respeito, uma circunstância relevante é o facto de, ao contrário da hipótese prevista no artigo 19.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95, a pessoa cujo estatuto de beneficiário da proteção subsidiária foi revogado com base no artigo 19.o, n.o 1, da referida diretiva, conjugado com o artigo 16.o desta, não ter voluntariamente induzido em erro a autoridade nacional competente no momento da concessão desse estatuto.

64

Além disso, decorre dos n.os 60 e 63 do presente acórdão que a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com o artigo 16.o da mesma, adotada no n.o 51 do presente acórdão, não prejudica o efeito útil do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2011/95.

65

Resulta do exposto que há que responder à questão submetida que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com o artigo 16.o da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro deve revogar o estatuto de proteção subsidiária quando concedeu esse estatuto sem que as condições para a sua concessão estivessem reunidas, baseando‑se em factos que, em seguida, se revelaram errados, embora não se possa acusar a pessoa em causa de ter induzido em erro o referido Estado‑Membro nessa ocasião.

Quanto às despesas

66

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, lido em conjugação com o artigo 16.o da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro deve revogar o estatuto de proteção subsidiária quando concedeu esse estatuto sem que as condições para a sua concessão estivessem reunidas, baseando‑se em factos que, em seguida, se revelaram errados, embora não se possa acusar a pessoa em causa de ter induzido em erro o referido Estado‑Membro nessa ocasião.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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