Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62017CJ0702

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 21 de março de 2019.
    Unareti SpA contra Ministero dello Sviluppo Economico e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
    Reenvio prejudicial — Mercado interno do gás natural — Concessões de serviço público de distribuição — Cessação antecipada de concessões no termo de um período de transição — Reembolso devido pelo novo concessionário ao antigo concessionário — Princípio da segurança jurídica.
    Processo C-702/17.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:233

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    21 de março de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Mercado interno do gás natural — Concessões de serviço público de distribuição — Cessação antecipada de concessões no termo de um período de transição — Reembolso devido pelo novo concessionário ao antigo concessionário — Princípio da segurança jurídica»

    No processo C‑702/17,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 15 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2017, no processo

    Unareti SpA

    contra

    Ministero dello Sviluppo Economico,

    Presidenza del Consiglio dei Ministri — Dipartimento per gli Affari Regionali,

    Autorità Garante per l’Energia Elettrica il Gas e il Sistema Idrico — Sede di Milano,

    Presidenza del Consiglio dei Ministri — Conferenza Stato Regioni ed Unificata,

    Ministero per gli affari regionali — Dipartimento per gli affari regionali e le autonomie,

    Conferenza Unificata Stato Regioni e Enti Locali,

    sendo interveniente:

    Lucia Sanfilippo,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

    advogado‑geral: N. Wahl,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Unareti SpA, por G. Caia, A. Clarizia, M. Midiri e S. Colombari, avvocati,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Sclafani, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, G. Gattinara e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do direito da União em matéria de concessões de serviço público e do princípio da segurança jurídica.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Unareti SpA ao Ministero dello Sviluppo Economico (Ministério do Desenvolvimento Económico, Itália), à Presidenza del Consiglio dei Ministri — Dipartimento per gli Affari Regionali (Presidência do Conselho de Ministros — Departamento dos Assuntos Regionais, Itália), à Autorità Garante per l’Energia Elettrica il Gas e il Sistema Idrico — Sede di Milano (Autoridade para a Energia Elétrica, o Gás e o Sistema Hídrico — Sede de Milão, Itália), à Presidenza del Consiglio dei Ministri — Conferenza Stato Regioni ed Unificata (Presidência do Conselho de Ministros — Conferência Estado Regiões e Unificada, Itália), ao Ministero per gli affari regionali — Dipartimento per gli affari regionali e le autonomie (Ministério dos Assuntos Regionais — Departamentos dos Assuntos Regionais e da Autonomia, Itália) e à Conferenza Unificata Stato Regioni e Enti Locali (Conferência Unificada Estado Regiões e Autarquias Locais, Itália) a respeito de um recurso de anulação, por um lado, do decreto ministeriale n.o 74951 recante «Approvazione del documento “Linee Guida su criteri e modalità applicative per la valutazione del valore del rimborso degli impianti di distributzione del gas naturale”» (Decreto Ministerial n.o 74951 relativo à aprovação do documento «Orientações relativas aos critérios e modalidades de aplicação para efeitos da determinação do valor de reembolso das instalações de distribuição de gás natural»), de 22 de maio de 2014 (GURI n.o 129, de 6 de junho de 2014), e, por outro lado, do decreto interministeriale n.o 106, regolamento recante modifica al decreto del 12 novembre 2011, n.o 226, concernente i criteri di gara per l’affidamento del servizio di distribuzione del gas naturale (Decreto Interministerial n.o 106, regulamento que altera o Decreto n.o 226, de 12 de novembro de 2011, relativo aos critérios do concurso público para adjudicação do serviço de distribuição de gás natural), de 20 de maio de 2015 (GURI n.o 161, de 14 de julho de 2015).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 24.o da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94), prevê:

    «Os Estados‑Membros devem designar, ou solicitar às empresas proprietárias ou responsáveis pelas redes de distribuição que designem, por um período a determinar pelos Estados‑Membros atendendo a aspetos de eficiência e equilíbrio económico, o operador ou operadores das redes de distribuição […]»

    Direito italiano

    4

    O artigo 14.o do decreto legislativo n.o 164, attuazione della direttiva n.o 98/30/CE recante norma comuni per il mercato interno del gas naturale, a norma dell’articolo 41 della legge 17 maggio 1999, n.o 144 (Decreto Legislativo n.o 164, que transpõe a Diretiva 98/30/CE relativa a regras comuns para o mercado do gás natural, em conformidade com o artigo 41.o da Lei n.o 144, de 17 de maio de 1999), de 23 de maio de 2000 (GURI n.o 142, de 20 de junho de 2000), prevê que a atividade de distribuição de gás natural é, em princípio, uma atividade de serviço público concedida pelos municípios a concessionários escolhidos exclusivamente através de convites à apresentação de propostas, por um período que não pode exceder doze anos.

    5

    Em relação às concessões atuais de distribuição de gás natural que não foram adjudicadas através de procedimento público, o artigo 15.o, n.o 5, do referido decreto legislativo precisa:

    «Relativamente à atividade de distribuição de gás, as concessões existentes à data de entrada em vigor do presente decreto, assim como as concessões adjudicadas às sociedades, decorrentes da transformação dos atuais gestores prosseguem até ao termo do prazo fixado, se este termo se verificar antes do final do período de transição previsto no n.o 7. As concessões em vigor, relativamente às quais não esteja previsto o termo do prazo, ou cujo termo ocorra depois de terminado o período transitório, manter‑se‑ão até ao fim do período transitório. Neste caso, é reconhecido aos titulares das concessões em vigor o direito a um reembolso, a suportar pela nova entidade gestora […], calculado em conformidade com o disposto nas convenções ou nos contratos e, no que não decorra da vontade das partes, segundo os critérios fixados nas alíneas a) e b) do artigo 24.o do regio decreto n.o 2578 [approvazione del testo unico della legge sull’assunzione direta dei pubblici servizi da parte dei comuni e delle province (Decreto Real n.o 2578, aprovação do texto codificado da lei sobre a execução direta dos serviços públicos pelos municípios e províncias) (GURI n.o 52, de 4 de março de 1926)], de 15 de outubro de 1925. A avaliação do lucro cessante decorrente da resolução antecipada do relatório de gestão está sempre excluída.»

    6

    O referido artigo 24.o do Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, dispõe que, no âmbito do regime relativo ao resgate, pelos municípios, de serviços concessionados, importa ter em consideração os seguintes critérios:

    «a)

    [O] valor industrial da instalação e do material móvel e imóvel correspondente, atendendo ao período de tempo decorrido desde o início efetivo da atividade e às eventuais obras de recuperação efetuadas nas instalações ou ao material, bem como às cláusulas do contrato de concessão relativas à propriedade do referido material no termo da referida concessão;

    b)

    adiantamentos ou subsídios pagos pelos municípios, bem como o montante das taxas proporcionais de registo previamente pagas pelos concessionários e prémios eventualmente pagos aos municípios adjudicantes, sempre tendo em consideração os elementos indicados na alínea anterior.»

    7

    O artigo 5.o, n.os 2 e 3, do decreto n.o 226 del ministro dello sviluppo economico e del ministro per i rapporti con le regioni e la coesione territoriale recante regolamento per i criteri di gara e per la valutazione dell’offerta per l’affidamento del servizio della distribuzione del gas naturale, in attuazione dell’articolo 46‑bis del decreto legge 1 ottobre 2007, n.o 159, convertito in legge, con modificazioni, dalla legge 29 novembre de 2007, n.o 222 (Decreto n.o 226 do ministro do Desenvolvimento Económico e do ministro responsável pelas Relações com as Regiões e pela Coesão Territorial, que institui o Regulamento para os critérios de concurso e para a avaliação da proposta relativa à atribuição do serviço público de distribuição de gás natural, em execução do artigo 46.o‑A do Decreto‑Lei n.o 159, de 1 de outubro de 2007, convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 222, de 29 de novembro de 2007), de 12 de novembro de 2011 (suplemento ordinário do GURI n.o 22, de 27 de janeiro de 2012), na sua versão inicial, dispõe:

    «2.   O valor do reembolso pago aos titulares das concessões que devam terminar, para as quais não tenha sido fixado um termo ou esteja previsto um prazo de caducidade natural posterior à data de cessação do serviço prevista no aviso de concurso para a nova concessão, é calculado com base no estabelecido nas convenções ou contratos, de acordo com o disposto no artigo 15.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 164, de 23 de maio de 2000, conforme alterado, em especial no que respeita aos casos de cessação antecipada do contrato relativamente ao seu termo natural.

    3.   Quando o método de cálculo do valor a reembolsar ao titular a que se refere o n.o 2 não decorra do contrato, incluindo quando seja genericamente indicado que o reembolso deve ser efetuado a preços de mercado, aplicam‑se os critérios indicados nas alíneas a) e b) do artigo 24.o, n.o 4, do Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, com as modalidades especificadas nos n.os 5 a 13, unicamente à parte das instalações propriedade da entidade gestora cuja cessão gratuita à entidade local concedente, no termo natural da concessão, não esteja prevista.»

    8

    O artigo 4.o, n.o 6, do decreto‑legge n.o 69 convertito, con modificazioni, dalla legge 9 agosto 2013 n.o 98, disposizioni urgenti per il rilancio dell’economia (Decreto‑Lei n.o 69, convertido em lei, com modificações, através da Lei n.o 98, de 9 de agosto de 2013, que contém disposições urgentes com vista ao relançamento da economia), de 21 de junho de 2013 (suplemento ordinário do GURI n.o 144, de 21 de junho de 2013), prevê que, para facilitar a tramitação dos concursos para a adjudicação do contrato de distribuição de gás e reduzir os custos das autarquias locais e das empresas, «o Ministério da Economia pode aprovar orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor de reembolso das instalações de distribuição de gás natural, em conformidade com o disposto no artigo 5.o do Decreto n.o 226, de 12 de novembro de 2011».

    9

    As «Orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor de reembolso das instalações de distribuição de gás natural», mencionadas pelo Decreto‑Lei n.o 69, de 21 de junho de 2013, foram aprovadas pelo Decreto Ministerial n.o 74951, de 22 de maio de 2014.

    10

    O artigo 1.o, n.o 16, do decreto‑legge n.o 145 convertito, con modificazioni, dalla legge 21 febbraio 2014 n.o 9, interventi urgenti di avvio del piano «destinazione Italia» per il contenimento delle tariffe elettriche e del gas, per l’internazionalizzazione, lo sviluppo e la digitalizzazione delle imprese, nonché misure per la realizzazione di opere pubbliche ed EXPO 2015 (Decreto‑Lei n.o 145, convertido em lei, com modificações, através da Lei n.o 9, de 21 de fevereiro de 2014, relativo a medidas urgentes de lançamento do plano «destino Itália» com o objetivo de manter as tarifas da eletricidade e do gás, para a internacionalização, o desenvolvimento e a digitalização das empresas, bem como medidas para a realização de obras públicas e a EXPO 2015), de 23 de dezembro de 2013 (GURI n.o 300, de 23 de dezembro de 2013), alterou o artigo 15.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 164, de 23 de maio de 2000, substituindo, no que toca aos aspetos não regulados pelas referidas convenções ou contratos, a referência aos critérios das alíneas a) e b) do artigo 24.o do Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, pela referência «às Orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor de reembolso a que se refere o artigo 4.o, n.o 6, do Decreto‑Lei n.o 69, de 21 de junho de 2013».

    11

    O decreto‑legge del 24 giugno 2014, n.o 91 convertito con modificazioni, dalla legge 11 agosto 2014 n.o 116, disposizioni urgenti per il settore agricolo, la tutela ambientale e l’efficientamento energetico dell’edilizia scolastica e universitaria, il rilancio e lo sviluppo delle imprese, il contenimento dei costi gravanti sulle tariffe elettriche, nonché per la definizione immediata di adempimenti derivanti dalla normativa europea (Decreto‑Lei n.o 91, convertido em lei, com modificações, através da Lei n.o 116, de 11 de agosto de 2014, relativo a disposições urgentes para o setor agrícola, proteção do ambiente, eficiência energética nos edifícios escolares e nas universidades, para o relançamento e desenvolvimento de empresas, para a redução de custos com as tarifas da eletricidade e para a implementação de medidas que garantam o cumprimento do direito da União Europeia), de 24 de junho de 2014 (GURI n.o 144, de 24 de junho de 2014), veio introduzir outra alteração no artigo 15.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 164, de 23 de maio de 2000, estabelecendo que o reembolso é calculado em conformidade com o disposto nas convenções e contratos, «desde que celebrados em data anterior à da entrada em vigor» do Decreto n.o 226, de 12 de novembro de 2011.

    12

    O artigo 5.o, n.o 2, do Decreto n.o 226, de 12 de novembro de 2011, conforme alterado pelo Decreto Interministerial no 106, de 20 de maio de 2015, prevê que o critério de determinação convencional se aplica «desde que os documentos contratuais tenham sido outorgados antes de 11 de fevereiro de 2012 e incluam todos os elementos metodológicos, como uma tabela com os preços dos diversos tipos de ativos a aplicar ao inventário de bens atualizado e o tratamento da depreciação material, incluída a duração útil dos diversos tipos de ativos, para o cálculo e verificação do valor de reembolso inclusive pela autoridade». Este artigo acrescenta, no seu n.o 3, que, caso o método de cálculo do valor de reembolso «não decorra de documentos contratuais outorgados antes de 11 de fevereiro de 2012, inclusive quando seja genericamente indicado que o reembolso deve ser calculado com base no Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, sem especificação do método, ou que deve ser efetuado a preços de mercado», as regras especificadas nos n.os 5 a 13 do artigo 5.o do Decreto n.o 226, de 12 de novembro de 2011, aplicam‑se «unicamente à parte das instalações propriedade da entidade gestora cuja cessão gratuita à entidade local concedente, no termo natural da concessão, não esteja prevista, segundo as modalidades de funcionamento especificadas nas orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor de reembolso».

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    13

    Resulta da decisão de reenvio que a Unareti assegura o serviço público de distribuição de gás natural em 213 municípios de Itália, localizados principalmente na Lombardia, numa rede de cerca de 7650 km e um volume de distribuição anual de cerca de 2 mil milhões de metros cúbicos de gás.

    14

    A Unareti pediu ao Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) a anulação das «Orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor do reembolso das instalações de distribuição de gás natural» aprovadas pelo Decreto Ministerial n.o 74951, de 22 de maio de 2014.

    15

    Posteriormente, completou a sua petição através de pedidos de anulação do Decreto Interministerial n.o 106, de 20 de maio de 2015.

    16

    A Unareti referiu, nomeadamente, que os decretos impugnados eram contrários ao princípio da segurança jurídica na medida em que podia encontrar‑se retroativamente privada da possibilidade de se referir, para o cálculo do reembolso a que tem direito enquanto antigo concessionário, às cláusulas contratuais ou ao Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, e de consultar as «Orientações relativas aos critérios e modalidades operacionais para a determinação do valor do reembolso das instalações de distribuição de gás natural» aprovadas pelo Decreto Ministerial n.o 74951, de 22 de maio de 2014, o que lhe é desfavorável.

    17

    Por Acórdão de 14 de outubro de 2016, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) negou provimento a esse pedido.

    18

    A Unareti recorreu desta decisão para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

    19

    Esse órgão jurisdicional explica que é chamado a conciliar a abertura do mercado em causa à concorrência e a proteção das relações contratuais já constituídas. Para esse efeito, considera necessário que o Tribunal de Justiça interprete «as normas pertinentes do direito da União» e o princípio da segurança jurídica, designadamente, à luz dos Acórdãos de 17 de julho de 2008, ASM Brescia (C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 71), e de 12 de dezembro de 2013, Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation (C‑362/12, EU:C:2013:834, n.o 44), a fim de saber se se opõem às alterações introduzidas pelos decretos impugnados.

    20

    É nestas condições que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Esses princípios e normas opõem‑se a uma legislação nacional […] que prevê a aplicação retroativa dos critérios de determinação do montante dos reembolsos devidos aos antigos concessionários, com repercussão sobre as relações negociais anteriores, ou se essa aplicação é justificada, mesmo à luz do princípio da proporcionalidade, pela exigência de proteção de outros interesses públicos, de âmbito europeu, relativos à necessidade de permitir uma melhor proteção da concorrência no mercado de referência, juntamente com uma maior proteção dos utentes do serviço que, de forma indireta, podem sofrer os efeitos de um eventual aumento dos montantes devidos aos antigos concessionários?»

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    21

    Importa, antes de mais, rejeitar a argumentação através da qual o Governo italiano sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível na medida em que não respeita as exigências do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    22

    Nos termos deste artigo, para além do texto das questões submetidas ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, o pedido de decisão prejudicial deve conter, primeiro, uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam, segundo, o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar no caso concreto e, sendo caso disso, a jurisprudência nacional pertinente e, em terceiro lugar, a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal [Acórdão de 26 de maio de 2016, NN (L) International, C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 22].

    23

    Ora, resulta dos termos da decisão de reenvio que esta respeita essas condições, na medida em que expõe suficientemente a matéria de facto do litígio no processo principal, constante dos n.os 13 a 15 do presente acórdão, na medida em que informa o Tribunal de Justiça do quadro jurídico nacional pertinente, recordado nos n.os 4 a 12 do presente acórdão, e na medida em que permite ao Tribunal de Justiça compreender as razões, mencionadas nos n.o 16 e 19 do presente acórdão, que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União em matéria de concessões de serviço público e do princípio da segurança jurídica no âmbito do litígio no processo principal.

    24

    Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto à questão prejudicial

    25

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União em matéria de concessões de serviço público, lido à luz do princípio da segurança jurídica, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que altera as normas de referência para o cálculo do reembolso a que têm direito os titulares de concessões de distribuição de gás natural adjudicadas sem concurso, devido à cessação antecipada das referidas concessões, tendo em vista uma nova adjudicação após concurso.

    26

    Importa recordar que, em matéria de concessões de serviço público, o direito derivado da União aplicável no processo principal, a saber, o artigo 24.o da Diretiva 2009/73, limita‑se a prever que os Estados‑Membros designem um ou mais operadores da rede de distribuição para um determinado período que determinam em função de considerações de eficiência e equilíbrio económico.

    27

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, embora uma concessão de serviço público não seja regulada pelas diretivas relativas às diferentes categorias dos contratos públicos (v., designadamente, Acórdão de 21 de julho de 2005, Coname, C‑231/03, EU:C:2005:487, n.o 16), resulta do direito primário da União que as autoridades públicas estão obrigadas, quando tencionem adjudicar essa concessão, a respeitar as regras fundamentais do Tratado FUE em geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 7 de dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C‑324/98, EU:C:2000:669, n.o 60).

    28

    Mais especialmente, na medida em que essa concessão apresente um interesse transfronteiriço certo, a sua adjudicação, sem transparência alguma, a uma empresa situada no Estado‑Membro ao qual está sujeita a entidade adjudicante constitui uma diferença de tratamento em detrimento das empresas que possam ter interesse nessa concessão que estão situadas noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

    29

    A menos que se justifique por circunstâncias objetivas, essa diferença de tratamento, que, ao excluir todas as empresas situadas noutro Estado‑Membro ao qual está sujeita a entidade adjudicante, prejudica principalmente estas últimas, constitui uma discriminação indireta em função da nacionalidade, proibida nos termos dos artigos 49.o e 56.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 60).

    30

    Dito isto, há que salientar que as regras mencionadas nos n.os 26 a 29 do presente acórdão são relativas às obrigações impostas à entidade adjudicante na atribuição de uma concessão de serviço público de distribuição de gás natural, em especial nos casos em que esta apresenta um interesse transfronteiriço certo.

    31

    Ora, esse não é o objetivo nem o efeito dos decretos impugnados no processo principal, que dizem respeito às normas de referência para o cálculo do reembolso previsto pelo direito nacional, a saber, o artigo 15.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 164, de 23 de maio de 2000, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, em benefício do titular de uma concessão durante o seu período de vigência adjudicada sem concurso prévio e denunciada antecipadamente tendo em vista uma nova adjudicação num concurso público ao abrigo da legislação nacional, a saber, o artigo 14.o do mesmo decreto legislativo, não considerando a Diretiva 2009/73 suspender as atuais concessões de distribuição de gás.

    32

    Daqui resulta que a suspensão das concessões existentes, cujas consequências são em parte determinadas pelos decretos impugnados no processo principal, não decorre do direito da União em matéria de concessões de serviço público de distribuição de gás.

    33

    Além disso, a alteração das normas de referência introduzidas por esses decretos, que tem por objetivo limitar em certos casos a possibilidade de o beneficiário do reembolso se referir às cláusulas do contrato de concessão ou ao Decreto Real n.o 2578, de 15 de outubro de 1925, não pode, por si só, ser constitutiva de uma diferença de tratamento em detrimento das empresas potencialmente interessadas por um serviço como o explorado pela Unareti e situadas no território de um Estado‑Membro diferente da Itália. Com efeito, tal alteração das normas de referência é indistintamente aplicável às empresas com sede em Itália e às que têm a sua sede noutro Estado‑Membro.

    34

    Nestas circunstâncias, importa recordar que, embora o princípio da segurança jurídica se imponha, ao abrigo do direito da União, a quaisquer autoridades nacionais, só é assim quando estão incumbidas da aplicação do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 65 e jurisprudência aí referida).

    35

    Ora, como foi mencionado nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, as autoridades italianas, ao porem termo antecipadamente às concessões existentes e ao adotarem os decretos impugnados no processo principal, não atuaram no exercício da sua obrigação de aplicação do direito da União.

    36

    Esta característica do processo principal distingue‑a, neste sentido, das mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que deram origem aos Acórdãos de 17 de julho de 2008, ASM Brescia (C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 71), e de 12 de dezembro de 2013, Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation (C‑362/12, EU:C:2013:834), nas quais o princípio da segurança jurídica teve aplicação, atendendo à existência de obrigações decorrentes do direito da União, com base nas quais incumbia às autoridades nacionais competentes, respetivamente, justificar uma diferença de tratamento em derrogação das regras mencionadas nos n.os 27 a 29 do presente acórdão, e reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União.

    37

    Importa, por conseguinte, responder à questão submetida que o direito da União em matéria de concessões de serviço público, lido à luz do princípio da segurança jurídica, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que altera as normas de referência para o cálculo do reembolso a que têm direito os titulares de concessões de distribuição de gás natural adjudicadas sem concurso devido à cessação antecipada das referidas concessões, tendo em vista uma nova adjudicação mediante concurso.

    Quanto às despesas

    38

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O direito da União em matéria de concessões de serviço público, lido à luz do princípio da segurança jurídica, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que altera as normas de referência para o cálculo do reembolso a que têm direito os titulares de concessões de distribuição de gás natural adjudicadas sem concurso devido à cessação antecipada das referidas concessões, tendo em vista uma nova adjudicação mediante concurso.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

    Top