EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62017CJ0660

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 19 de junho de 2019.
RF contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Envio da petição inicial por telecópia — Apresentação extemporânea do original da petição inicial na Secretaria do Tribunal Geral — Atraso no encaminhamento do correio — Conceito de “força maior ou caso fortuito”.
Processo C-660/17 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:509

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de junho de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de anulação — Envio da petição inicial por telecópia — Apresentação extemporânea do original da petição inicial na Secretaria do Tribunal Geral — Atraso no encaminhamento do correio — Conceito de “força maior ou caso fortuito”»

No processo C‑660/17 P,

que tem por objeto um recurso nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de novembro de 2017,

RF, com sede em Gdynia (Polónia), representada por K. Komar‑Komarowski, radca prawny,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por J. Szczodrowski, G. Meessen e I. Rogalski, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas (relator), L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 24 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a RF pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de setembro de 2017, RF/Comissão (T‑880/16, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2017:647), por meio do qual este último julgou inadmissível o recurso que tinha por objeto a anulação da Decisão C (2016) 5925 final da Comissão, de 15 de setembro de 2016, que indeferiu o seu recurso no processo COMP AT.40251 — transporte ferroviário, transporte de mercadorias (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia

2

Do título III do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, intitulado «Processo perante o Tribunal de Justiça», faz parte o artigo 45.o, que dispõe:

«O Regulamento de Processo fixa prazos de dilação tendo em consideração as distâncias.

O decurso do prazo não extingue o direito de praticar o ato, se o interessado provar a existência de caso fortuito ou de força maior.»

3

No título IV do referido Estatuto, relativo ao Tribunal Geral, o artigo 53.o, primeiro e segundo parágrafos, prevê:

«O processo no Tribunal Geral rege‑se pelo Título III.

Este processo é precisado e completado, na medida do necessário, pelo Regulamento de Processo. […]»

Regulamento de Processo do Tribunal Geral

4

O título III, intitulado «Das ações e recursos diretos», do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 4 de março de 2015 (JO 2015, L 105, p. 1), que entrou em vigor em 1 de julho de 2015, contém um capítulo I, intitulado «Disposições gerais». Este capítulo está subdividido em cinco secções, a quarta das quais, consagrada aos prazos, compreende os artigos 58.o a 62.o do referido regulamento.

5

O artigo 58.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, relativo ao cálculo dos prazos, prevê:

«1.   Os prazos processuais previstos nos Tratados, no Estatuto e no presente regulamento calculam‑se do modo seguinte:

[…]

b)

um prazo fixado em semanas, meses ou anos termina no fim do dia que, na última semana, no último mês ou no último ano, tenha a mesma denominação ou o mesmo número que o dia em que ocorreu o acontecimento ou se praticou o ato a partir do qual se deve contar o prazo; se, num prazo fixado em meses ou anos, não houver, no último mês, o dia determinado para o seu termo, o prazo termina no fim do último dia desse mês;

[…]»

6

O artigo 60.o deste regulamento, sob a epígrafe «Prazo de dilação em razão da distância», dispõe:

«Os prazos processuais são acrescidos de um prazo de dilação em razão da distância único de dez dias.»

7

O artigo 73.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Entrega de um ato processual em papel na Secretaria», previa, no seu n.o 3:

«Em derrogação ao disposto no artigo 72.o, n.o 2, segundo período, a data e a hora em que uma cópia integral do original assinado de um ato processual […] dá entrada na Secretaria por telecopiador são tomadas em consideração para efeitos do respeito dos prazos processuais, na condição de o original assinado do ato […] ser entregue na Secretaria, o mais tardar, dez dias depois. O artigo 60.o não é aplicável a este prazo de dez dias.»

8

Este artigo 73.o foi suprimido por ocasião das alterações do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 11 de julho de 2018 (JO 2018, L 240, p. 68), por meio das quais a utilização da aplicação informática «e‑Curia» se tornou obrigatória para a entrega dos atos processuais.

9

Nos termos do artigo 126.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se um recurso for manifestamente inadmissível, o Tribunal Geral pode decidir a todo o tempo, por despacho fundamentado, pondo termo à instância.

Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo do Tribunal Geral

10

Na parte III.A.2, relativa à apresentação dos atos processuais e respetivos anexos através de telecopiador, os n.os 79 a 81 das Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (JO 2015, L 152, p. 1) previam:

«79.

A data de entrega de um ato processual por telecopiador só é tomada em consideração para efeitos do cumprimento de um prazo se o documento original com a assinatura manuscrita do representante, transmitido por telecopiador, for apresentado na Secretaria, o mais tardar, dez dias depois, como previsto no artigo 73.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

80.

O documento original com a assinatura manuscrita do representante deve ser expedido sem demora, imediatamente após a sua transmissão por telecopiador, sem correções ou modificações, por mais pequenas que sejam.

81.

Em caso de divergência entre o documento original com a assinatura manuscrita do representante e a cópia anteriormente entrada na Secretaria por telecopiador, a data de receção tomada em consideração é a da entrega do documento original assinado.»

Antecedentes do litígio e despacho recorrido

11

Uma vez que o recurso da RF é um recurso de anulação, devia, em conformidade com o artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, ser interposto no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação da decisão contra a qual o recurso era dirigido, da sua notificação ou do dia em que a RF tenha tomado conhecimento da mesma.

12

No caso vertente, a decisão controvertida foi publicada em 19 de setembro de 2016. O prazo de recurso de dois meses, acrescido do prazo de dilação em razão da distância de dez dias previsto no artigo 60.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, expirava, assim, em 29 de novembro de 2016 à meia‑noite.

13

Em 18 de novembro de 2016, a RF fez chegar à Secretaria do Tribunal Geral, por telecópia, a petição inicial do recurso de anulação. O original assinado da petição deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de dezembro de 2016, ou seja, após o termo do prazo de dez dias previsto no artigo 73.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

14

Por cartas de 20 de dezembro de 2016, 7 de março de 2017 e 19 de junho de 2017, a Secretaria do Tribunal Geral pediu à recorrente informações relativas à data em que a decisão controvertida lhe tinha sido comunicada e explicações relativas à apresentação extemporânea da petição.

15

Por cartas de 28 de dezembro de 2016, 28 de abril de 2017 e 27 de junho de 2017, a recorrente apresentou as explicações pedidas.

16

Em especial, na sua carta de 28 de dezembro de 2016, a RF alegou que a petição em papel tinha sido enviada no próprio dia em que foi transmitida ao Tribunal Geral por telecópia e, portanto, o mais cedo possível relativamente a esta última data. Segundo a recorrente, era razoável considerar que a petição inicial em papel ia chegar ao Tribunal Geral antes do termo do prazo de dez dias. O facto de o Tribunal Geral só a ter recebido em 5 de dezembro de 2016 devia ser considerado um atraso excecional, abrangido pelo artigo 45.o, n.o 2, conjugado com o artigo 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Isso era corroborado pelo facto de o prazo de dez dias ter sido igualmente considerado razoável tanto no Regulamento de Processo do Tribunal Geral quanto nas Disposições Práticas de Execução deste Regulamento de Processo (n.o 80). Concluiu que se devia considerar que a petição inicial tinha sido apresentada dentro do prazo.

17

Na sua carta de 27 de junho de 2017, a RF juntou os documentos comprovativos de que a encomenda postal com o original assinado da petição tinha sido depositada na Poczta Polska, principal operador de serviços postais na Polónia, em 18 de novembro de 2016. Segundo a RF, este facto comprova que agiu com a diligência exigida para apresentar a petição em papel no prazo de dez dias a contar da sua transmissão por telecópia. O facto de a encomenda postal se encontrar ainda na Polónia em 2 de dezembro de 2016 e só ter sido entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de dezembro de 2016, ou seja, 17 dias após o envio por telecópia, não lhe é imputável.

18

Na referida carta, a RF sublinhou igualmente que o envio da petição em papel tinha sido confiado à Poczta Polska devido às garantias oferecidas por esse operador público. Além disso, observou que, a partir do momento da entrega da encomenda com a petição, esta ficou totalmente fora do seu controlo.

19

Após ter recordado, no n.o 15 do despacho recorrido, o caráter de ordem pública dos prazos de recurso previstos no artigo 263.o TFUE, o Tribunal Geral salientou, no n.o 16 do referido despacho, que estes prazos só podem ser derrogados em circunstâncias verdadeiramente excecionais de caso fortuito ou de força maior.

20

Nos n.os 17 e 18 do despacho recorrido, o Tribunal Geral recordou que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito» compreendem um elemento objetivo, relativo às circunstâncias anormais e alheias ao recorrente, e um elemento subjetivo relativo à obrigação de o recorrente se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal adotando medidas adequadas sem se sujeitar a sacrifícios excessivos. Em particular, o recorrente deve controlar cuidadosamente a tramitação do processo iniciado e, designadamente, demonstrar que agiu com diligência para respeitar os prazos previstos. Deste modo, os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito» não se aplicam a uma situação em que uma pessoa diligente e avisada tinha objetivamente condições para evitar que expirasse um prazo de recurso.

21

O Tribunal Geral sublinhou, no n.o 19 do referido despacho, que, para ser qualificado de «caso fortuito» ou de «força maior», um acontecimento deve apresentar um caráter inevitável, de modo que esse acontecimento se torne a causa determinante da apresentação extemporânea da petição.

22

No n.o 20 do despacho recorrido, o Tribunal Geral considerou que a circunstância de o artigo 73.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo estabelecer um prazo de dez dias não implica que o encaminhamento do correio com o original assinado da petição num prazo superior a dez dias constitua um caso fortuito ou de força maior. No n.o 21 do referido despacho, salientou que a mera lentidão no encaminhamento do correio, a menos que existam outras circunstâncias específicas, como um problema administrativo, uma catástrofe natural ou uma greve, não pode constituir, por si só, um caso fortuito ou de força maior contra o qual a recorrente não se podia proteger.

23

No n.o 26 do despacho recorrido, o Tribunal Geral declarou que a recorrente se tinha limitado a indicar, em resposta a um pedido de informações do Tribunal Geral, por um lado, que tinha enviado a encomenda postal com o original assinado da petição por carta registada com aviso de receção e, por outro, que, tendo em conta os seus conhecimentos, tinha considerado que, normalmente, o documento enviado chegaria à Secretaria do Tribunal Geral antes de terminar o prazo de dez dias. O Tribunal Geral considerou que, apesar de lhe incumbir vigiar cuidadosamente o procedimento de encaminhamento do correio, a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento a este respeito.

24

Por outro lado, o Tribunal Geral salientou, no n.o 27 do referido despacho, que a RF não tinha invocado nenhuma outra circunstância específica, como um problema administrativo, uma catástrofe natural ou uma greve.

25

No n.o 28 do despacho recorrido, o Tribunal Geral observou, pois, que a recorrente não tinha provado, como lhe incumbia, que a duração do encaminhamento do correio tinha sido a causa determinante da apresentação extemporânea da petição, no sentido de que se tratou de um acontecimento com caráter inevitável contra o qual não se podia precaver.

26

O Tribunal Geral concluiu, no n.o 29 do referido despacho, que a RF não tinha demonstrado a existência de um caso fortuito ou de força maior no processo em apreço e, por conseguinte, julgou o recurso de anulação manifestamente inadmissível.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

27

A RF conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o despacho recorrido e devolver o processo ao Tribunal Geral para reapreciação e decisão quanto ao mérito, sujeita a recurso;

no caso de o Tribunal de Justiça considerar que estão reunidas as condições para a adoção de uma decisão definitiva, anular o despacho recorrido e acolher, na sua totalidade, os pedidos apresentados em primeira instância;

condenar a Comissão Europeia nas despesas.

28

A RF pede, além disso, que determinados documentos sejam admitidos como novas provas.

29

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a RF nas despesas.

Quanto ao pedido de admissão de novas provas

30

O pedido de admissão de novas provas deve ser indeferido. Com efeito, em conformidade com o artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e com o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso para o Tribunal de Justiça é limitado às questões de direito, com exclusão de qualquer apreciação dos factos, pelo que são inadmissíveis novos elementos de prova na fase de recurso [v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 1995, Henrichs/Comissão, C‑396/93 P, EU:C:1995:280, n.o 14, e Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2008, Provincia di Ascoli Piceno e Comune di Monte Urano/Apache Footwear e o., C‑464/07 P(I), não publicado, EU:C:2008:49, n.o 12].

Quanto ao recurso

31

A RF invoca quatro fundamentos de recurso.

Quanto ao primeiro e segundo fundamentos

Argumentos das partes

32

Com o seu primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 45.o e 53.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a RF acusa o Tribunal Geral de ter equiparado, nos n.os 17 a 22 do despacho recorrido, o conceito de «força maior» ao de «caso fortuito». Remetendo para o n.o 22 do Despacho de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão (C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256), a RF recorda que o prazo de dilação em razão da distância de dez dias previsto pelo Regulamento de Processo do Tribunal Geral corresponde ao período de tempo em que qualquer correspondência, proveniente de qualquer ponto da União, deveria normalmente poder chegar à Secretaria do Tribunal Geral, sem que se possa excluir que esse período de tempo seja excedido. Daí conclui que exceder esse prazo por razões imputáveis ao operador postal corresponde incontestavelmente a um caso fortuito, ou seja, a circunstâncias imprevisíveis.

33

Alega que este argumento encontra apoio no n.o 80 das Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, segundo o qual o documento original com a assinatura do representante deve ser expedido sem demora, imediatamente após a sua transmissão por telecopiador.

34

Por último, a RF alega que a interpretação do conceito de «caso fortuito» dada pelo Tribunal Geral no despacho recorrido estabelece uma discriminação, uma vez que uma parte com domicílio na Polónia não pode beneficiar da regulamentação que permite às partes cuja residência está afastada geograficamente da sede do Tribunal Geral enviar um requerimento por telecopiador. Com efeito, para essas partes, na medida em que o original assinado corre o risco de apenas chegar ao Tribunal após o termo do prazo de dez dias, o envio da petição por telecopiador não tem nenhuma utilidade. Ora, não se lhes pode exigir que apresentem pessoalmente a sua petição na Secretaria do Tribunal Geral.

35

Com o seu segundo fundamento, a RF considera que o Tribunal Geral violou o artigo 126.o do seu Regulamento de Processo, ao considerar que o recurso é manifestamente inadmissível.

36

A Comissão contesta a procedência desses fundamentos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

37

Cumpre observar que, segundo jurisprudência constante relativa ao respeito dos prazos de recurso, os conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» compreendem os mesmos elementos e as mesmas consequências jurídicas. O Tribunal Geral não incorreu em erro de direito ao recordar, no n.o 17 do despacho recorrido, que estes conceitos incluem um elemento objetivo, relativo às circunstâncias anormais e alheias à recorrente, e um elemento subjetivo relativo à obrigação de esta se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal adotando medidas adequadas sem se sujeitar a sacrifícios excessivos (Acórdão de 15 de dezembro de 1994, Bayer/Comissão, C‑195/91 P, EU:C:1994:412, n.o 32; Despachos de 8 de novembro de 2007, Bélgica/Comissão, C‑242/07 P, EU:C:2007:672, n.o 17, e de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão, C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256, n.o 19).

38

O Tribunal de Justiça salientou que o recorrente deve controlar cuidadosamente o desenvolvimento do processo iniciado e, nomeadamente, dar provas de diligência para respeitar os prazos previstos (Acórdão de 15 de dezembro de 1994, Bayer/Comissão, C‑195/91 P, EU:C:1994:412, n.o 32; Despachos de 8 de novembro de 2007, Bélgica/Comissão, C‑242/07 P, EU:C:2007:672, n.o 17, e de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão, C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256, n.o 19), e que os conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» não se aplicam a uma situação em que uma pessoa diligente e avisada teria objetivamente tido a possibilidade de evitar que expirasse um prazo de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 1984, Ferriera Valsabbia/Comissão, 209/83, EU:C:1984:274, n.o 22, e Despacho de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão, C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256, n.o 20).

39

Ora, no caso em apreço, a recorrente limita‑se a afirmar que o prazo de dilação em razão da distância de dez dias previsto pelo Regulamento de Processo do Tribunal Geral foi excedido devido a razões imputáveis ao operador postal, sem provar, como salientou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, que tinha tomado todas as medidas adequadas para se precaver contra tal acontecimento, uma vez que o envio do original assinado imediatamente após a transmissão da cópia por telecópia é apenas uma das medidas a tomar para esse efeito.

40

Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o facto de o Regulamento de Processo do Tribunal Geral prever um prazo único de dez dias para o envio de um original após uma transmissão por comunicação eletrónica não implica que o encaminhamento do correio num prazo superior a dez dias constitua um caso fortuito ou de força maior. À semelhança do prazo único de dilação em razão da distância previsto no artigo 60.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o prazo de dez dias que figurava no artigo 73.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral permitia ter em conta as distâncias mais ou menos longas a percorrer e a rapidez variável dos operadores postais. Este prazo corresponde, assim, não ao tempo máximo garantido para o encaminhamento do correio, mas ao período de tempo em que qualquer carta, proveniente de qualquer ponto da União, deveria normalmente poder chegar à Secretaria do Tribunal Geral, sem que se possa excluir que esse período de tempo seja excedido (v., por analogia, Despacho de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão, C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256, n.o 22).

41

Contrariamente ao que sustenta a recorrente, um prazo de entrega do correio superior a dez dias não é um acontecimento imprevisível, mas constitui uma possibilidade que pode ocorrer apesar das indicações dos operadores postais.

42

Assim, a mera lentidão no encaminhamento do correio não pode constituir, sem outras circunstâncias específicas, um caso fortuito ou um caso de força maior contra o qual a recorrente não se podia precaver (v., neste sentido, Despacho de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão, C‑138/14 P, não publicado, EU:C:2014:2256, n.o 23).

43

Pelas mesmas razões, não se pode deduzir do n.o 80 das Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que, quando o documento original com a assinatura do representante tiver sido expedido sem demora, imediatamente após o seu envio por telecópia, qualquer receção deste documento após o prazo de dez dias deva ser considerada como se tratando de um caso fortuito ou de força maior. Com efeito, estas disposições práticas, que contêm explicações e conselhos às partes, a fim de as incentivar a estar atentas ao cumprimento dos prazos, não podem, em qualquer caso, ser contrárias ao artigo 45.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

44

Quanto à existência de uma alegada discriminação resultante da jurisprudência relativa ao conceito de «caso fortuito», o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que só pode haver exceções à aplicação das regulamentações da União relativas a prazos processuais em circunstâncias verdadeiramente excecionais, de caso fortuito ou de força maior, de acordo com o artigo 45.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, uma vez que a aplicação estrita dessas regras corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (Despacho de 8 de novembro de 2007, Bélgica/Comissão, C‑242/07 P, EU:C:2007:672, n.o 16 e jurisprudência referida).

45

O facto de não admitir que a lentidão dos serviços postais possa, por si só, constituir um caso fortuito ou de força maior é uma regra que se aplica a todos os sujeitos de direito, independentemente do lugar da sua residência ou do lugar de envio do documento em causa. A aplicação desta regra permite evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário dos sujeitos de direito, não sendo nenhum deles beneficiado quando invoca e demonstra a ocorrência inesperada de um caso fortuito ou de um caso de força maior.

46

Por conseguinte, os dois primeiros fundamentos devem ser julgados improcedentes.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

47

Com o seu terceiro fundamento, a RF alega que o Tribunal Geral considerou erradamente que esta não tinha demonstrado a existência de um caso fortuito, na aceção do artigo 45.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, e critica, a este respeito, as declarações que figuram no n.o 26 do despacho recorrido. Alega que é difícil imaginar que «medidas suplementares» poderia ter tomado para evitar atrasos na entrega das encomendas, uma vez que consultou o trajeto do envio no âmbito do serviço «Acompanhamento do envio — Tracking», ainda que, a partir de um dado momento, tenha perdido o controlo subsequente do envio. Considera que a tese do Tribunal Geral de que poderia ter influenciado o prazo de entrega não tem fundamento.

48

A Comissão considera que o terceiro fundamento deve ser julgado inadmissível, na medida em que a recorrente, sem alegar uma desvirtuação dos elementos de prova submetidos ao Tribunal Geral, contesta a apreciação que este fez dos mesmos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

49

Há que observar que, no n.o 26 do despacho recorrido, o Tribunal Geral recordou que a própria recorrente tinha indicado que tinha enviado a encomenda postal com o original assinado da petição por carta registada com aviso de receção, mas não tinha demonstrado ter feito outra diligência. No n.o 27 do referido despacho, o Tribunal Geral salientou que a RF não tinha invocado outra circunstância específica, como um problema administrativo, uma catástrofe natural ou uma greve. No n.o 28, concluiu que a recorrente não tinha provado, como lhe incumbia, que a duração do encaminhamento do correio tinha sido a causa determinante da apresentação extemporânea da petição, no sentido de que se tratava de um acontecimento com caráter inevitável contra o qual não se podia precaver.

50

Ora, tais elementos constituem constatações de facto e avaliações de prova que não compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar, exceto em caso de desvirtuação, que não é alegada no processo em apreço. Com efeito, como foi recordado no n.o 30 do presente acórdão, a competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitada às questões de direito.

51

Tendo em conta estas conclusões factuais, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 29 do despacho recorrido, que a recorrente não tinha demonstrado a existência de um caso fortuito ou de força maior no processo em apreço.

52

Nestas circunstâncias, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

53

Com o quarto fundamento, a RF considera que a interpretação dada pelo Tribunal Geral ao artigo 45.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, segundo a qual o atraso do operador postal que implica que o prazo de dilação em razão da distância seja excedido não está abrangido pelo conceito de «caso fortuito», constitui uma violação do artigo 1.o, do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 14.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Alega que esta interpretação implica uma desigualdade de tratamento em função do lugar de domicílio e, por conseguinte, é discriminatória. Segundo a RF, a restrição assim efetuada aos direitos fundamentais em causa não é indispensável nem proporcionada ao objetivo prosseguido.

54

A Comissão sustenta que o quarto fundamento é inadmissível, por ser demasiado vago, e que, em qualquer caso, é improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

55

O princípio da proteção jurisdicional efetiva constitui um princípio geral do direito da União que atualmente se encontra plasmado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que corresponde, no direito da União, ao artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v. Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2026, n.o 40 e jurisprudência referida).

56

Este princípio, que consiste em assegurar a qualquer pessoa um processo equitativo, não obsta a que seja previsto um prazo para a interposição de um recurso judicial (Despacho de 16 de novembro de 2010, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, C‑73/10 P, EU:C:2010:684, n.o 48 e jurisprudência referida).

57

O Tribunal de Justiça tem igualmente entendido que o direito a uma proteção jurisdicional efetiva não é de modo nenhum afetado pela aplicação rigorosa da regulamentação da União respeitante aos prazos processuais, que, segundo jurisprudência constante, corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (Despacho de 16 de novembro de 2010, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, C‑73/10 P, EU:C:2010:684, n.o 49 e jurisprudência referida).

58

Resulta, além disso, da jurisprudência que uma derrogação da referida regulamentação não pode ser justificada pela circunstância de estarem em jogo direitos fundamentais. Com efeito, as regras relativas aos prazos de recurso são de ordem pública e devem ser aplicadas pelo juiz para garantir a segurança jurídica e a igualdade dos sujeitos de direito perante a lei (Despacho de 16 de novembro de 2010, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, C‑73/10 P, EU:C:2010:684, n.o 50 e jurisprudência referida).

59

Por último, como resulta do n.o 45 do presente acórdão, a aplicação da regra de que a lentidão dos serviços postais não pode, por si só, estar na origem da existência de um caso fortuito ou de força maior permite evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário dos sujeitos de direito, uma vez que nenhum deles deve ser favorecido quando invoca e prova a ocorrência inesperada de um caso fortuito ou de um caso de força maior.

60

Por conseguinte, o quarto fundamento é improcedente.

61

Não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos do presente recurso, deve ser‑lhe negado provimento.

Quanto às despesas

62

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

63

Tendo a Comissão pedido a condenação da RF nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O pedido de admissão de novas provas é indeferido.

 

2)

É negado provimento ao recurso.

 

3)

A RF é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

Top