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Document 62017CJ0532

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 4 de julho de 2018.
Wolfgang Wirth e o. contra Thomson Airways Ltd.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Hamburg.
Reenvio prejudicial — Transporte — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 2.o, alínea b) — Âmbito de aplicação — Conceito de “transportadora aérea operadora” — Contrato de locação em regime de wet‑lease.
Processo C-532/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:527

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

4 de julho de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 2.o, alínea b) — Âmbito de aplicação — Conceito de “transportadora aérea operadora” — Contrato de locação em regime de wet‑lease»

No processo C‑532/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha), por decisão de 29 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2017, no processo

Wolfgang Wirth,

Theodor Mülder,

Ruth Mülder,

Gisela Wirth

contra

Thomson Airways Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský (relator), M. Safjan, D. Šváby e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de W. Wirth, T. Mülder, R. Mülder e G. Wirth, por E. Stamer, Rechtsanwalt,

em representação da Thomson Airways Ltd, por P. Kauffmann, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, M. Hellmann e J. Techert, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Wolfgang Wirth, Theodor Mülder, Ruth Mülder e Gisela Wirth à Thomson Airways Ltd a respeito da existência, na esfera jurídica desta última, de uma obrigação de indemnização destes quatro passageiros por um atraso superior a três horas à chegada de um voo.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 261/2004

3

Os considerandos 1 e 7 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)

A ação da [União] no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

[…]

(7)

A fim de assegurar a aplicação efetiva do presente regulamento, as obrigações nele previstas deverão recair sobre a transportadora aérea operadora que operou ou pretende operar um voo, quer seja em aeronave própria, alugada em regime de dry lease ou wet lease, ou de qualquer outra forma.»

4

O artigo 2.o deste regulamento, com a epígrafe «Definições», dispõe, na alínea b), que, para efeitos do referido regulamento, se entende por «“Transportadora aérea operadora” uma transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa coletiva ou singular que tenha contrato com esse passageiro».

5

O artigo 3.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Âmbito», prevê, no n.o 5:

«O presente regulamento aplica‑se a qualquer transportadora aérea operadora que forneça transporte a passageiros abrangidos pelos n.os 1 e 2. Sempre que uma transportadora aérea operadora, que não tem contrato com o passageiro, cumprir obrigações impostas pelo presente regulamento, será considerado como estando a fazê‑lo em nome da pessoa que tem contrato com o passageiro.»

Regulamento (CE) n.o 2111/2005

6

Nos termos dos considerandos 1 e 13 do Regulamento (CE) n.o 2111/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2005, relativo ao estabelecimento de uma lista comunitária das transportadoras aéreas que são objeto de uma proibição de operação na Comunidade e à informação dos passageiros do transporte aéreo sobre a identidade da transportadora aérea operadora, e que revoga o artigo 9.o da Diretiva 2004/36/CE (JO 2005, L 344, p. 15):

«(1)

A ação da [União] no domínio do transporte aéreo deverá ter, prioritariamente, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros contra os riscos para a segurança. Além disso, deverão ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

[…]

(13)

O Regulamento (CEE) n.o 2299/89 do Conselho, de 24 de julho de 1989, relativo a um código de conduta para os sistemas informatizados de reserva (SIR) [(JO 1989, L 220, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 323/1999 do Conselho, de 8 de fevereiro de 1999 (JO 1999, L 40, p. 1)], confere aos consumidores que compram um bilhete de avião através de um desses sistemas o direito de serem informados da identidade da transportadora aérea operadora. No entanto, mesmo no transporte aéreo regular, existem práticas no setor, como o contrato de locação com tripulação ou a partilha de códigos quando o bilhete é reservado sem recurso a um SIR, em virtude das quais a transportadora aérea que vende o voo em seu nome não é a que o opera efetivamente e os passageiros não beneficiam do direito de serem informados da identidade da transportadora aérea que presta efetivamente o serviço.»

7

O artigo 11.o do Regulamento n.o 2111/2005, com a epígrafe «Informação sobre a identidade da transportadora aérea operadora», prevê, no n.o 1:

«O contratante de serviços de transporte aéreo deve informar o passageiro, no momento da reserva, da identidade da transportadora ou transportadoras aéreas operadoras, independentemente do meio utilizado para efetuar a reserva.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

8

Ao abrigo de um contrato de locação de uma aeronave em regime de «wet‑lease», a TUIFly GmbH fretou à Thomson Airways uma aeronave e a sua tripulação para um número estipulado de voos. Este contrato previa que a TUIFly era responsável pelo «ground handling including passenger handling, passenger welfare at all times, cargo handling, security in respect of passengers and baggage, arranging on board services etc.» («serviços em terra, incluindo a assistência aos passageiros em viagem, pelo bem‑estar dos passageiros em qualquer momento, pelo manuseamento da carga, pela segurança dos passageiros e bagagens, pela organização das prestações a bordo, etc.»). Para a realização desses voos, a TUIFly requereu as faixas horárias, vendeu os voos e obteve todas as autorizações necessárias.

9

Os demandantes no processo principal dispunham de uma confirmação de reserva para um voo com partida de Hamburgo (Alemanha) e destino a Cancún (México), tendo um número de voo com o código TUIFly. Essa confirmação indicava que as referidas reservas tinham sido emitidas pela TUIFly, mas que o voo era «efetuado» pela Thomson Airways.

10

Uma vez que o referido voo teve um atraso significativo, cuja exata duração não foi, no entanto, precisada pelo órgão jurisdicional de reenvio, os demandantes no processo principal pediram à Thomson Airways o pagamento da indemnização que consideravam ser‑lhes devida em conformidade com o disposto nos artigos 5.o e 7.o do Regulamento n.o 261/2004, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça.

11

A Thomson Airways recusou‑se a pagar essa indemnização por não ter sido a transportadora aérea operadora na aceção do artigo 2.o, alínea b), desse regulamento, pelo que não lhe incumbia o pagamento da indemnização eventualmente devida aos passageiros com base no referido regulamento no caso de um atraso igual ou superior a três horas à chegada de um voo.

12

Os demandantes no processo principal intentaram então uma ação no Amtsgericht Hamburg (Tribunal de Primeira Instância de Hamburgo, Alemanha), que deferiu a sua pretensão. Esse órgão jurisdicional decidiu que a Thomson Airways devia ser igualmente considerada uma transportadora aérea operadora, uma vez que, segundo o considerando 7 do Regulamento n.o 261/2004, é irrelevante determinar se a transportadora aérea operadora operou o voo com uma aeronave própria ou com uma aeronave alugada em regime de dry lease ou de wet lease. Por conseguinte, a transportadora aérea operadora seria tanto aquela que recorre a uma aeronave alugada com ou sem tripulação para efetuar o voo como aquela que, sendo a proprietária da aeronave e a entidade empregadora da tripulação, realiza concretamente o referido voo.

13

Por outro lado, esse órgão jurisdicional também salientou que a confirmação da reserva entregue aos demandantes no processo principal mencionava expressamente a demandada no processo principal como sendo a transportadora aérea operadora. Ora, para assegurar a realização do objetivo de proteção dos consumidores prosseguido pelo Regulamento n.o 261/2004, o consumidor deve poder confiar nas indicações que figuram na confirmação da reserva.

14

A Thomson Airways interpôs recurso do acórdão do Amtsgericht Hamburg (Tribunal de Primeira Instância de Hamburgo) para o órgão jurisdicional de reenvio, o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha), alegando que, uma vez só a transportadora aérea que assume a responsabilidade operacional do voo pode cumprir as obrigações decorrentes do Regulamento n.o 261/2004, devido à sua presença necessária nos aeroportos e às informações que possui sobre os passageiros, é esta última que deve ser considerada a transportadora aérea operadora, na aceção do referido regulamento. Dado que, no processo principal, a TUIFly assumiu a responsabilidade operacional pela realização do voo, os pedidos de indemnização deviam ter sido dirigidos contra essa transportadora.

15

Nestas circunstâncias, o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o conceito de “transportadora aérea operadora” previsto no [Regulamento n.o 261/2004] ser interpretado no sentido de que se deve considerar transportadora aérea operadora na aceção desse regulamento uma transportadora aérea que aluga a aeronave e a tripulação a outra transportadora aérea em regime de wet lease para um número de voos contratualmente estipulado, mas que não assume a responsabilidade operacional principal pela realização dos respetivos voos, sendo que a confirmação da reserva do passageiro refere que o voo é “operado por” essa mesma transportadora?»

Quanto à questão prejudicial

16

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «transportadora aérea operadora» na aceção do Regulamento n.o 261/2004 e, nomeadamente, do seu artigo 2.o, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que abrange o caso de uma transportadora aérea como a que está em causa no processo principal, que aluga a outra transportadora aérea a aeronave e a tripulação no âmbito de um contrato de locação em regime de wet lease, mas não assume a responsabilidade operacional dos voos, inclusivamente quando a confirmação da reserva de um lugar num voo entregue aos passageiros menciona que esse voo é assegurado por essa primeira transportadora.

17

A este respeito, deve salientar‑se que, nos termos do artigo 2.o, alínea b), do Regulamento n.o 261/2004, o conceito de «transportadora aérea operadora» deve ser entendido como designando a «transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa coletiva ou singular que tenha contrato com esse passageiro».

18

Esta definição prevê assim dois requisitos cumulativos para que uma transportadora aérea possa ser qualificada de «transportadora aérea operadora», os quais se prendem, por um lado, com a realização do voo em causa e, por outro, com a existência de um contrato celebrado com um passageiro.

19

No que diz respeito ao primeiro requisito, este destaca o conceito de «voo», o qual constitui o elemento central. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que este conceito deve ser entendido como «uma operação de transporte aéreo, sendo assim, de certa maneira, uma “unidade” desse transporte, realizada por uma transportadora aérea que fixa o seu itinerário» (Acórdãos de 10 de julho de 2008, Emirates Airlines, C‑173/07, EU:C:2008:400, n.o 40; de 13 de outubro de 2011, Sousa Rodríguez e o., C‑83/10, EU:C:2011:652, n.o 27; e de 22 de junho de 2016, Mennens, C‑255/15, EU:C:2016:472, n.o 20).

20

Daqui resulta que deve ser considerada transportadora aérea operadora a transportadora que, no âmbito da sua atividade de transporte de passageiros, toma a decisão de realizar um voo preciso, incluindo a fixação do seu itinerário, e, ao fazê‑lo, de criar uma oferta de transporte aéreo para os interessados. Com efeito, a adoção dessa decisão implica que essa transportadora assume a responsabilidade da realização do referido voo, incluindo, nomeadamente, a anulação ou o atraso significativo eventuais à chegada.

21

No caso em apreço, é pacífico que a Thomson Airways se limitou a alugar a aeronave e a tripulação que executaram o voo em causa no processo principal, mas que a fixação do itinerário e a realização desse voo foram decididos pela TUI Fly.

22

Nestas circunstâncias, sem haver necessidade de analisar o segundo requisito cumulativo previsto no artigo 2.o, alínea b), do Regulamento n.o 261/2004, deve declarar‑se que uma transportadora aérea, como a Thomson Airways no processo principal, que aluga uma aeronave e uma tripulação a outra transportadora aérea, não pode, em todo o caso, ser qualificada de «transportadora aérea operadora», na aceção do Regulamento n.o 261/2004 e, nomeadamente, do seu artigo 2.o, alínea b).

23

Esta solução é corroborada pelo objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, enunciado no considerando 1 do Regulamento n.o 261/2004, uma vez que permite assegurar que os passageiros transportados serão indemnizados ou receberão assistência sem ter em conta os acordos efetuados pela transportadora aérea que decidiu realizar o voo em causa com outra transportadora para concretamente o garantir.

24

Além disso, a referida solução é coerente com o princípio, enunciado no considerando 7 deste regulamento, segundo o qual, a fim de assegurar a aplicação efetiva do mesmo regulamento, as obrigações nele previstas deverão recair sobre a transportadora aérea operadora, quer a aeronave seja própria quer alugada em regime de wet lease.

25

É certo que o órgão jurisdicional de reenvio esclarece ainda que a confirmação da reserva entregue aos demandantes no processo principal menciona que o voo em causa no processo principal era «efetuado» pela transportadora aérea que alugou a aeronave e a tripulação. Todavia, ainda que esta indicação se afigure pertinente no âmbito da aplicação do Regulamento n.o 2111/2005, não pode sobrepor‑se à identificação concreta da «transportadora aérea operadora» na aceção do Regulamento n.o 261/2004, dado resultar claramente do considerando 1 do Regulamento n.o 2111/2005 que este último prossegue um objetivo diferente do visado pelo Regulamento n.o 261/2004.

26

Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o conceito de «transportadora aérea operadora» na aceção do Regulamento n.o 261/2004 e, nomeadamente, do seu artigo 2.o, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que não abrange o caso de uma transportadora aérea como a que está em causa no processo principal, que aluga a outra transportadora aérea a aeronave e a tripulação no âmbito de um contrato de locação em regime de wet lease, mas não assume a responsabilidade operacional dos voos, inclusivamente quando a confirmação da reserva de um lugar num voo entregue aos passageiros menciona que esse voo é assegurado por essa primeira transportadora.

Quanto às despesas

27

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O conceito de «transportadora aérea operadora» na aceção do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, e, nomeadamente, do seu artigo 2.o, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que não abrange o caso de uma transportadora aérea como a que está em causa no processo principal, que aluga a outra transportadora aérea a aeronave e a tripulação no âmbito de um contrato de locação em regime de wet lease , mas não assume a responsabilidade operacional dos voos, inclusivamente quando a confirmação da reserva de um lugar num voo entregue aos passageiros menciona que esse voo é assegurado por essa primeira transportadora.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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