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Document 62017CJ0377

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 4 de julho de 2019.
Comissão Europeia contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 15.° — Artigo 49.° TFUE — Liberdade de estabelecimento — Honorários dos arquitetos e dos engenheiros pelas prestações de planeamento — Tarifas mínimas e máximas.
Processo C-377/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:562

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

4 de julho de 2019 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 15.o — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Honorários dos arquitetos e dos engenheiros pelas prestações de planeamento — Tarifas mínimas e máximas»

No processo C‑377/17,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 23 de junho de 2017,

Comissão Europeia, representada por W. Mölls, L. Malferrari e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por T. Henze e D. Klebs e, em seguida, por D. Klebs, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada pela:

Hungria, representada por M. Z. Fehér, G. Koós e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, L. Bay Larsen, S. Rodin (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de novembro de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de fevereiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao manter tarifas obrigatórias para os arquitetos e os engenheiros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.o TFUE e do artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, alínea g), e n.o 3, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

Quadro jurídico

Direito da União

2

O considerando 40 da Diretiva 2006/123 tem a seguinte redação:

«A noção de “razões imperiosas de interesse geral” a que se referem determinadas disposições da presente diretiva foi desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos artigos 43.o e 49.o do Tratado, e pode continuar a evoluir. Esta noção, na aceção que lhe é dada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, abrange, pelo menos, os seguintes domínios: […] a proteção dos destinatários de serviços […], a proteção do ambiente e do ambiente urbano, incluindo o planeamento urbano e o ordenamento do território […], a proteção da propriedade intelectual, os objetivos da política cultural […]»

3

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro.»

4

O artigo 15.o da referida diretiva enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos estabelecem algum dos requisitos referidos no n.o 2 e devem assegurar que esses requisitos sejam compatíveis com as condições referidas no n.o 3. Os Estados‑Membros devem adaptar as respetivas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de forma a torná‑las compatíveis com as referidas condições.

2.   Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos condicionam o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício ao cumprimento de algum dos seguintes requisitos não discriminatórios:

[…]

g)

Tarifas obrigatórias mínimas e/ou máximas que o prestador tem que respeitar;

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem verificar se os requisitos referidos no n.o 2 observam as condições seguintes:

a)

Não discriminação: os requisitos não podem ser direta ou indiretamente discriminatórios em razão da nacionalidade ou, tratando‑se de sociedades, do local da sede;

b)

Necessidade: os requisitos têm que ser justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)

Proporcionalidade: os requisitos têm que ser adequados para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir este objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.

[…]

5.   No relatório de avaliação mútua previsto no n.o 1 do artigo 39.o, os Estados‑Membros devem indicar:

a)

Os requisitos que tencionam manter e as razões pelas quais consideram que esses requisitos observam as condições referidas no n.o 3;

b)

Os requisitos que foram suprimidos ou simplificados.

6.   A partir de 28 de dezembro de 2006, os Estados‑Membros só podem introduzir quaisquer novos requisitos do tipo referido no n.o 2, se os mesmos estiverem em conformidade com as condições previstas no n.o 3.

[…]»

Direito alemão

5

As tarifas dos arquitetos e dos engenheiros são regidas pelo Honorarordnung für Architekten und Ingenieure (Regulamento sobre os Honorários dos Arquitetos e dos Engenheiros), de 10 de julho de 2013 (BGBl. I, p. 2276, a seguir «HOAI»).

6

O § 1 do HOAI tem a seguinte redação:

«O presente regulamento rege o cálculo das remunerações das prestações de base dos arquitetos e dos engenheiros (mandatários) que tenham sede na Alemanha, sempre que as referidas prestações de base sejam abrangidas pelo presente regulamento e fornecidas a partir do território alemão.»

7

Nos termos do § 3 do HOAI:

«1.   Os honorários relativos a prestações de base do planeamento de superfícies, do planeamento de obras e do planeamento especializado são regulamentados com efeitos vinculativos nas partes 2 a 4 do presente regulamento. Os honorários de serviços de consultoria referidos no anexo 1 não são regulamentados com efeitos vinculativos.

2.   As prestações de base que são geralmente necessárias à execução conforme de um mandato figuram nos perfis de prestação. Os perfis de prestação estão subdivididos em fases de prestação, em conformidade com as disposições das partes 2 a 4.

3.   A lista das prestações especiais a que se refere o presente regulamento e os perfis de prestação e respetivos anexos não é exaustiva. É possível acordar prestações especiais igualmente para perfis de prestações e fases de prestações que àquelas não pertencem, desde que não constituam prestações de base. Os honorários das prestações especiais podem ser acordados livremente.

4.   Deve ser respeitado sempre o caráter económico da prestação.»

8

O § 7 do HOAI prevê:

«1.   Os honorários terão por base o acordo escrito, adotado pelas partes contratantes no momento em que o mandato foi outorgado, e enquadram‑se nos montantes mínimos e máximos fixados pelo presente regulamento.

2.   Se os custos ou superfícies elegíveis determinados não figurarem nas escalas previstas nas tabelas de honorários constantes do HOAI, os honorários podem ser acordados livremente.

3.   Os montantes mínimos fixados no presente regulamento podem ser reduzidos em casos excecionais, mediante acordo escrito.

4.   Os montantes máximos fixados no presente regulamento só podem ser excedidos em caso de prestações de base extraordinárias ou de duração invulgarmente longa, mediante acordo escrito. Neste caso, não são tidas em conta as circunstâncias que já tiverem sido determinantes para a classificação em escalões de honorários ou para a classificação no quadro dos montantes mínimos e máximos.»

9

As partes 2 a 4 do HOAI, referidas no § 3, n.o 1, deste regulamento, incluem disposições pormenorizadas relativas aos montantes mínimos e máximos para o planeamento de superfícies, o planeamento de obras e o planeamento especializado. Algumas destas disposições permitem a redução dos preços mínimos em casos excecionais, em conformidade com o § 7, n.o 3, do referido regulamento.

10

O § 44, n.o 7, do HOAI prevê:

«Se os custos do planeamento de obras de engenharia civil que tenham uma grande extensão e sejam construídas em condições iguais de construção forem desproporcionados em relação aos honorários calculados, é aplicável o § 7, n.o 3.»

11

O § 52, n.o 5, do HOAI prevê:

«Se os custos do planeamento de estruturas de suporte de obras de engenharia civil que têm uma grande extensão e que sejam construídas em condições de construção iguais forem desproporcionados em relação aos honorários calculados, é aplicável o § 7, n.o 3.»

12

O § 56, n.o 6, do HOAI tem a seguinte redação:

«Se os custos de planeamento de equipamento técnico de obras de engenharia civil de grande extensão que sejam construídas em condições de construção iguais forem desproporcionados em relação aos honorários calculados, é aplicável o § 7, n.o 3.»

Procedimento pré‑contencioso

13

Após ter procedido a uma avaliação do cumprimento das obrigações impostas pela Diretiva 2006/123, a Comissão organizou conversações bilaterais com alguns Estados‑Membros, relativas, nomeadamente, às tarifas obrigatórias previstas pelas legislações nacionais. Foi neste contexto que a Comissão deu início a um processo EU Pilot, no qual a República Federal da Alemanha tomou posição em 10 de março de 2015 a fim de justificar as disposições do HOAI relativas às tarifas dos arquitetos e dos engenheiros.

14

Por notificação para cumprir de 18 de junho de 2015, a Comissão chamou a atenção das autoridades alemãs para o facto de as disposições do HOAI relativas às tarifas poderem infringir o artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, alínea g), e n.o 3, da Diretiva 2006/123 e o artigo 49.o TFUE.

15

Por carta de 22 de setembro de 2015, a República Federal da Alemanha contestou as acusações que lhe eram imputadas. Alegou que o HOAI não restringia a liberdade de estabelecimento e que, mesmo admitindo que fosse esse o caso, uma eventual restrição deste tipo teria sido justificada por razões imperiosas de interesse geral. Salientou igualmente que as disposições nacionais em causa regulavam apenas situações puramente internas, que não podiam ser apreciadas à luz da Diretiva 2006/123 e do artigo 49.o TFUE.

16

Em 25 de fevereiro de 2016, a Comissão emitiu um Parecer fundamentado no qual reiterou os argumentos que tinha exposto na notificação para cumprir. A Comissão convidou esse Estado‑Membro a tomar, no prazo de dois meses a contar da receção desse parecer, as medidas necessárias para lhe dar cumprimento. A República Federal da Alemanha respondeu ao referido parecer em 13 de maio de 2016, mantendo a sua argumentação.

17

A Comissão, por considerar que a República Federal da Alemanha não tinha sanado a infração imputada, intentou a presente ação.

18

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2017, foi admitida a intervenção da Hungria no litígio, em apoio do pedido da República Federal da Alemanha.

Quanto à ação

Argumentos das partes

19

A Comissão alega, em primeiro lugar, que o HOAI comporta uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 49.o TFUE e pela Diretiva 2006/123. Considera que esta regulamentação, que institui um sistema de tarifas mínimas e máximas para as prestações dos arquitetos e dos engenheiros, impede a entrada no mercado alemão de novos fornecedores provenientes de outros Estados‑Membros. A este respeito, sustenta que o HOAI limita as possibilidades de estes, para os quais é menos fácil angariar clientela no mercado alemão, oferecerem prestações equivalentes às que são propostas pelos fornecedores já estabelecidos na Alemanha a preços inferiores aos previstos pela tarifa obrigatória ou prestações superiores a preços que excedem as tarifas máximas previstas.

20

Esta instituição considera que a densidade da oferta de serviços pelos arquitetos e pelos engenheiros na Alemanha é irrelevante para a existência das restrições em causa à liberdade de estabelecimento. A este propósito, alega que o artigo 15.o da Diretiva 2006/123 não faz referência à situação do mercado e que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758), considerou que a fixação de honorários mínimos para advogados constituía uma restrição à livre prestação de serviços, quando o mercado era caracterizado pela presença de um número extremamente elevado de advogados.

21

Por outro lado, sustenta que o HOAI, embora tenha por objeto modalidades de prestação de serviços pelos arquitetos e pelos engenheiros, cria entraves, em razão dos seus efeitos, ao acesso ao mercado enquanto tal.

22

Além disso, a Comissão deduz da redação do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 que esta se aplica igualmente no caso de situações puramente internas.

23

Em segundo lugar, a Comissão considera que as restrições à liberdade de estabelecimento que o HOAI comporta não podem ser justificadas pelas razões imperiosas de interesse geral invocadas pela República Federal da Alemanha.

24

Em primeiro lugar, a Comissão considera que a manutenção de um nível elevado de prestações não pode, no caso vertente, justificar a restrição em causa. Não pode ser inferido do Acórdão de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758), que o Tribunal de Justiça considerou legal qualquer regulamentação que fixe tarifas mínimas quando o mercado é caracterizado por um número elevado de fornecedores dos serviços em causa. A prova de que as tarifas eram suscetíveis de assegurar a qualidade desses serviços devia ser feita pela República Federal da Alemanha.

25

Em especial, a Comissão considera que este Estado‑Membro devia ter demonstrado que o abandono das tarifas mínimas levava a fixar um nível de preços para essas prestações que podia gerar incertezas quanto à qualidade destas. Resulta dos dados do Eurostat que a taxa bruta de exploração no caso das prestações de arquitetos na Alemanha é claramente mais elevada do que noutros Estados‑Membros, quando não existe nenhum indício de que a qualidade dos serviços prestados nos outros Estados‑Membros seja menor em razão da prática de margens inferiores. Além disso, a Comissão alega que o HOAI vai além do que é necessário para alcançar o objetivo pretendido, na medida em que os prestadores que pretendem oferecer os seus serviços a um preço mais baixo em relação às tarifas mínimas não têm a possibilidade de provar que satisfazem todas as exigências impostas pela regulamentação nacional.

26

A Comissão observa que o recurso frequente à faculdade, prevista pelo HOAI, de celebrar uma convenção sobre as despesas de construção e de fixar honorários inferiores às tarifas mínimas, sem que uma diminuição da qualidade dos serviços seja de lamentar, fragiliza a argumentação da República Federal da Alemanha.

27

Em segundo lugar, a Comissão rejeita a argumentação segundo a qual o objetivo de proteção dos consumidores através da eliminação da assimetria de informação entre os consumidores e os prestadores de serviços seria alcançado pelo elevado nível qualitativo dos serviços, que seria, ele próprio, garantido pela imposição de tarifas mínimas. Segundo a Comissão, esta argumentação baseia‑se na premissa errada segundo a qual tais tarifas garantem a qualidade dos serviços fornecidos.

28

Por outro lado, a Comissão observa que o artigo 22.o da Diretiva 2006/123 obriga os prestadores a informar os destinatários do preço de um serviço ou do método de cálculo desse preço. As autoridades nacionais podem prever a publicação de informações sobre os preços correntemente praticados enquanto indícios da prática do mercado. Além disso, observa que a República Federal da Alemanha não explicou as razões pelas quais não existia uma assimetria de informação no caso de prestações de consultoria, as quais não estão sujeitas às tarifas obrigatórias previstas pelo HOAI.

29

Esta instituição considera que os estudos invocados por este Estado‑Membro não permitem demonstrar a existência de uma correlação entre os preços dos serviços e a qualidade destes. Refere igualmente que as razões pelas quais o pretenso efeito de incentivo das tarifas mínimas conduziria às consequências descritas em termos gerais pela República Federal da Alemanha não resultam das explicações adiantadas pelo referido Estado‑Membro. A Comissão considera que a carta do Conselho Europeu das Câmaras de Engenheiros, de 5 de novembro de 2015, remete para a declaração do referido Conselho, de 26 de setembro de 2015, que descreve de maneira positiva os sistemas que asseguram uma remuneração uniforme, previsível e transparente, para certos tipos de prestações, sem, no entanto, enquadrar de forma vinculativa as tarifas fixadas por estas. A Comissão entende que resulta da referida declaração que medidas menos restritivas do que as previstas pelo HOAI permitem alcançar os objetivos procurados. Considera que, para obter o nível de qualidade esperado, haveria que adotar medidas alternativas às previstas pelo HOAI, tais como regras relativas às qualificações profissionais e à responsabilidade profissional.

30

Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que os objetivos de assegurar a manutenção e a perenidade das empresas de serviços assim como o rendimento dos prestadores são de natureza puramente económica e não constituem razões imperiosas de interesse geral.

31

Em terceiro lugar, a Comissão considera que, contrariamente ao que alega a República Federal da Alemanha, as regras tarifárias previstas pelo HOAI não são adequadas para alcançar o objetivo de proteção dos consumidores, uma vez que não os informam sobre o caráter apropriado dos preços propostos nem os colocam em situação de verificar, apesar da grelha tarifária prevista pelo HOAI, os montantes praticados. Segundo esta instituição, esta grelha tarifária, embora permita aos consumidores distinguir mais facilmente as diferentes prestações que lhes são propostas e possa eventualmente ser útil para classificar as prestações em função da sua importância, não justifica por isso a obrigação de recorrer às tarifas mínimas e máximas fixadas em função dessa subdivisão.

32

Em quarto lugar, a Comissão salienta que o § 7, n.os 3 e 4, do HOAI, que permite uma certa flexibilidade na aplicação das tarifas obrigatórias, foi concebido como uma exceção, interpretada de forma restritiva pelos órgãos jurisdicionais alemães. Assim, só é possível derrogar, por acordo escrito, as tarifas máximas em caso de prestações de base extraordinárias ou de duração invulgarmente longa.

33

Alega igualmente que, por força do § 7, n.o 3, do HOAI, as derrogações às tarifas mínimas são permitidas em casos específicos, relativos às prestações fornecidas por engenheiros e não por arquitetos.

34

As derrogações às tarifas mínimas são, segundo a Comissão, igualmente interpretadas de forma estrita pelos órgãos jurisdicionais alemães. Referindo‑se à jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), a Comissão sustenta que um fornecedor não pode repercutir sobre os seus clientes economias de custos realizadas na sua empresa, por racionalização, se isso levar a fixar um preço que seja inferior às tarifas mínimas. No que respeita, mais particularmente, ao Acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), de 22 de maio de 1997, a Comissão alega que resulta do referido acórdão que mesmo o caso de uma colaboração duradoura baseada numa proposta de um arquiteto ou de um engenheiro que preveja tarifas inferiores às tarifas mínimas constitui uma infração ao HOAI, uma vez que cada contrato deve ser considerado separadamente. A Comissão conclui que o sistema alemão não é suficientemente flexível para se poder considerar que é conforme com o direito da União.

35

Além disso, a Comissão sustenta, por um lado, que a República Federal da Alemanha não expôs as razões pelas quais as tarifas máximas devem supostamente contribuir para a eliminação das assimetrias de informação entre os consumidores e os prestadores no que respeita à qualidade dos serviços fornecidos. Esta instituição conclui, por outro lado, que o objetivo de proteção dos clientes no que respeita à fixação de honorários excessivos pode ser alcançado disponibilizando ao cliente uma informação adequada, através da qual este possa avaliar de que modo o preço que lhe é pedido se situa em relação aos preços habituais do mercado. Essa medida seria menos restritiva do que a que resulta do sistema tarifário previsto pelo HOAI.

36

A República Federal da Alemanha alega, em primeiro lugar, que o HOAI não viola o artigo 49.o TFUE nem a Diretiva 2006/123, na medida em que, por um lado, prevê tarifas mínimas e máximas em matéria de honorários apenas para prestações de base abrangidas pelo planeamento das superfícies, dos edifícios e dos restantes planeamentos especializados, em relação aos quais a garantia de um padrão de qualidade elevado corresponde a um objetivo de interesse geral, e não para prestações de consultoria, cujos honorários são livremente negociáveis entre as partes.

37

Por outro lado, o HOAI prevê numerosas exceções, a fim de garantir que possam ser acordados honorários corretos em cada caso particular, o que traduziria o elevado grau de flexibilidade desta regulamentação que permitiria a operadores provenientes de outros Estados‑Membros da União Europeia acederem ao mercado alemão em condições de concorrência eficaz.

38

A este respeito, a República Federal da Alemanha baseia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente no Acórdão de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, EU:C:2009:270), segundo a qual tarifas mínimas e máximas não constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços quando o regime que as prevê é caracterizado por uma flexibilidade que permite uma certa modulação das tarifas em função da natureza das prestações que foram fornecidas. Ora, no caso em apreço, o HOAI prevê efetivamente essa flexibilidade, no que respeita tanto às tarifas mínimas como às tarifas máximas.

39

Por outro lado, sustenta que resulta do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874), que situações puramente internas não devem ser apreciadas à luz da liberdade de estabelecimento e da Diretiva 2006/123, uma vez que nem uma nem outra são aplicáveis a tais situações.

40

Além disso, este Estado‑Membro considera que a Comissão não expôs as razões pelas quais o acesso ao mercado seria restringido pelas tarifas mínimas e máximas previstas pelo HOAI, nem demonstrou a existência de restrições concretas à liberdade de estabelecimento. Referiu‑se unicamente às «eventuais restrições» e limitou‑se a sustentar que a situação do mercado é «irrelevante». Ora, o referido Estado‑Membro invoca, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual não há restrição quando os eventuais efeitos de uma medida sobre a liberdade de estabelecimento são demasiado aleatórios e demasiado indiretos, bem como o considerando 69 da Diretiva 2006/123, cuja redação recorda, em substância, essa jurisprudência. Por conseguinte, considera que, no caso em apreço, a medida a avaliar, que nem sequer diz respeito ao acesso ao mercado, não produz nenhum efeito concreto na liberdade de estabelecimento e que a Comissão não fez a prova, que lhe incumbia, da existência desse efeito.

41

A República Federal da Alemanha faz referência, em seguida, a documentos provenientes das organizações profissionais dos arquitetos e dos engenheiros, dos quais resulta que o HOAI não impede o acesso ao mercado alemão e não entrava a liberdade de estabelecimento no território desse Estado‑Membro.

42

Em segundo lugar e a título subsidiário, a República Federal da Alemanha alega que o sistema tarifário previsto pelo HOAI é justificado por razões imperiosas de interesse geral, a saber, a garantia da qualidade das prestações de planeamento, a proteção dos consumidores, a segurança arquitetónica, a preservação da cultura arquitetónica e a construção ecológica. Segundo este Estado‑Membro, o objetivo principal do HOAI é garantir um padrão de qualidade elevado das prestações de arquitetos e de engenheiros.

43

A República Federal da Alemanha sublinha que uma prestação de planeamento de qualidade corresponde ao objetivo de proteção dos consumidores em dois aspetos, na medida em que garante a segurança dos edifícios e na medida em que visa evitar erros na execução dos trabalhos, a qual é igualmente mais rápida e menos dispendiosa. O referido Estado‑Membro acrescenta que a fixação das tarifas mínimas é apoiada tanto pelas organizações profissionais dos donos da obra como pelas associações de consumidores.

44

A República Federal da Alemanha contesta a argumentação da Comissão através da qual esta considera que a restrição em causa à liberdade de estabelecimento não é justificada. Alega, nomeadamente, que a preservação de uma estrutura de mercado baseada em pequenas e médias empresas é um objetivo desejável, na medida em que tem por efeito garantir a existência de um número elevado de prestadores e contribuir para uma concorrência baseada numa «melhor qualidade». Este Estado‑Membro salienta que a conclusão da Comissão relativa às taxas brutas de exploração na Alemanha pode ser consideravelmente falseada pela estrutura das empresas ativas no seu território. Acrescenta que a possibilidade de celebrar um acordo sobre as despesas de construção, que existiu entre o ano de 2009 e o ano de 2014, foi declarada ilegal pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) em 2014.

45

Em terceiro lugar, a República Federal da Alemanha considera que a fixação de tarifas mínimas é adequada para assegurar o objetivo de garantia de um nível elevado de qualidade das prestações. A este respeito, o Tribunal de Justiça reconheceu, no seu Acórdão de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758), no seu princípio, a existência de um vínculo, num mercado caracterizado por uma forte assimetria de informação entre prestadores e destinatários de serviços, bem como pela presença de um número elevado de prestadores, entre a introdução de uma tarifa mínima para prestadores de serviços e a preservação da qualidade destes últimos, e isso mesmo que tenha deixado ao órgão jurisdicional nacional o cuidado de declarar a existência e a pertinência desse vínculo no litígio no processo principal. De resto, o Tribunal de Justiça reconheceu aos Estados‑Membros uma margem de apreciação em situações comparáveis, pelo que não se pode exigir que estes demonstrem um nexo de causalidade no sentido de uma condição sine qua non entre a qualidade e o preço de uma prestação no mercado nacional. O referido Estado‑Membro precisa que, mesmo na falta de exigência nesse sentido, se baseou, no âmbito da adoção do HOAI, em estudos detalhados relativos à fixação de tarifas mínimas e máximas e no efeito destas.

46

Segundo a República Federal da Alemanha, as tarifas mínimas e máximas são adequadas para alcançar o objetivo de qualidade procurado desde que exista uma ligação entre o preço e a qualidade, na medida em que um volume de trabalho importante efetuado por pessoal altamente qualificado se repercute sobre o preço, que passa a ser mais elevado. Se o preço for inferior a um determinado nível, pode supor‑se que esse preço só pode ser obtido através de qualidade inferior das prestações.

47

A este respeito, salienta a existência de um risco de «seleção adversa» no mercado das prestações de planeamento na Alemanha. Assim, na medida em que os consumidores não estão suficientemente informados e não estão em condições de se aperceberem das diferenças de qualidade, optariam sistematicamente pela proposta menos dispendiosa, pelo que a concorrência só se baseava nos preços. Tendo em conta esta assimetria de informação entre prestadores e consumidores, cumulada com uma presença forte de prestadores no mercado, na prática, só já seria possível continuar a ser competitivo e a realizar lucros oferecendo prestações de qualidade menor, o que levaria a uma situação de «risco moral» ou de «seleção adversa».

48

O referido Estado‑Membro considera que, com a fixação legal de tarifas mínimas, a importância do preço enquanto fator de concorrência é reduzida, o que permitiria prevenir essa deterioração da qualidade das prestações.

49

A República Federal da Alemanha sustenta ainda que a fixação de tarifas mínimas previstas pelo HOAI não vai além do que é necessário para alcançar os objetivos enunciados e que não existe medida menos restritiva, dado que o HOAI tem em conta a natureza das prestações em causa, só impõe essas tarifas às prestações de planeamento e prevê numerosas exceções à sua aplicação.

50

As medidas alternativas propostas pela Comissão não são adequadas para substituir as tarifas obrigatórias. Assim, regras de acesso à profissão garantem unicamente que os membros de uma profissão dispõem da qualificação exigida, ao passo que um sistema de tarifas obrigatórias permitiria assegurar o fornecimento de prestações de qualidade. Com efeito, por um lado, o acesso às atividades profissionais sujeitas ao HOAI não é limitado na Alemanha, uma vez que, em princípio, qualquer pessoa pode exercer essas atividades desde que respeite essa regulamentação. Por outro lado, a introdução de eventuais regulamentações que regulam o acesso às profissões em causa constitui uma restrição da liberdade de estabelecimento bastante mais importante do que a que resulta do HOAI.

51

Além disso, a República Federal da Alemanha considera que a alternativa que consiste em prever regras de responsabilidade e de seguro de responsabilidade profissional obrigatório também não é convincente. Com efeito, as regras relativas aos honorários que figuram no HOAI devem assegurar, de maneira preventiva, uma qualidade elevada das prestações, ao passo que as regras de responsabilidade e de seguro, uma vez que só se aplicam quando tenha havido um dano, são, por natureza, inadequadas para proteger interesses gerais como a segurança das construções, a cultura arquitetónica ou a ecologia.

52

Por sua vez, a alternativa proposta pela Comissão que consiste em prever regras relativas ao exercício da profissão permitiria apenas obter uma qualidade mínima das prestações efetuadas e não o padrão qualitativo elevado procurado pela regulamentação controvertida. Com efeito, para alcançar o objetivo de qualidade procurado, haveria que obrigar todos os prestadores em causa a aderir a organizações profissionais incumbidas de supervisionar a qualidade das prestações fornecidas ou excluir do mercado aqueles que não são membros dessas organizações.

53

Por último, a República Federal da Alemanha contesta a alternativa que consiste na publicação de informações sobre os preços correntemente praticados enquanto indícios da prática do mercado. Este Estado‑Membro considera que essa publicação não resolveria o problema da assimetria de informação e poderia mesmo reforçar a «espiral» descendente dos preços.

54

Em quarto lugar, a República Federal da Alemanha sustenta que as tarifas máximas não constituem um obstáculo à liberdade de estabelecimento e que, de qualquer modo, são justificadas pela proteção dos consumidores. Com efeito, permitem garantir a transparência dos honorários e das prestações correspondentes. Asseguram igualmente a proteção dos consumidores, evitando que suportem um encargo exageradamente pesado, resultante de honorários excessivos. Por outro lado, são adequadas à realização dos objetivos enunciados.

55

A Hungria, interveniente em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha, partilha, em substância, da argumentação deste Estado‑Membro.

Apreciação do Tribunal de Justiça

56

Antes de mais, há que examinar a regulamentação nacional em causa tendo em conta o artigo 15.o da Diretiva 2006/123 antes de proceder, sendo caso disso, ao exame dessa regulamentação tendo em conta as disposições do artigo 49.o TFUE.

57

A título preliminar, há que rejeitar a argumentação do Governo alemão segundo a qual o artigo 15.o da Diretiva 2006/123 não é aplicável a situações puramente internas, ou seja, a situações em que os factos estão confinados ao interior de um único Estado‑Membro.

58

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que as disposições do capítulo III da Diretiva 2006/123, relativas à liberdade de estabelecimento dos prestadores, devem ser interpretadas no sentido de que se aplicam igualmente a uma situação em que todos os elementos pertinentes estão confinados a um único Estado‑Membro (Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 110).

59

Em seguida, importa recordar que, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos preveem exigências como as previstas no n.o 2 deste artigo e devem assegurar que essas exigências sejam compatíveis com as condições referidas no n.o 3 do mesmo artigo.

60

O artigo 15.o, n.o 2, alínea g), da referida diretiva visa as exigências que sujeitam o exercício de uma atividade ao respeito pelo prestador de tarifas mínimas e/ou máximas.

61

Decorre dos n.os 5 e 6 do referido artigo 15.o que é permitido aos Estados‑Membros manter ou, se for caso disso, introduzir exigências do tipo das referidas no n.o 2 do mesmo artigo, desde que estejam em conformidade com as condições referidas no n.o 3 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2015, Rina Services e o., C‑593/13, EU:C:2015:399, n.o 33).

62

As referidas condições dizem respeito, em primeiro lugar, ao caráter não discriminatório das exigências em causa, que não podem ser direta ou indiretamente discriminatórias em razão da nacionalidade ou, no que diz respeito às sociedades, em razão do local da sede estatutária, em segundo lugar, ao seu caráter necessário, a saber, que as exigências devem ser justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral, e, em terceiro lugar, à sua proporcionalidade, devendo as referidas exigências ser adequadas para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ir além do necessário para alcançar esse objetivo e não devendo outras medidas menos restritivas alcançar o mesmo resultado.

63

O artigo 15.o da Diretiva 2006/123 visa, neste sentido, no entanto, conciliar a competência regulamentar dos Estados‑Membros no que respeita às exigências a avaliar em aplicação deste artigo, por um lado, e o exercício efetivo da liberdade de estabelecimento, por outro.

64

Daqui decorre, em particular, que, embora seja verdade que compete ao Estado‑Membro que invoca uma razão imperiosa de interesse geral para justificar uma exigência na aceção do referido artigo 15.o demonstrar que a sua regulamentação é adequada e necessária com vista a alcançar o objetivo legítimo prosseguido, esse ónus da prova não pode ir ao ponto de exigir que este Estado‑Membro demonstre, de maneira positiva, que nenhuma outra medida imaginável permite realizar o referido objetivo nas mesmas condições (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália, C‑518/06, EU:C:2009:270, n.o 84 e jurisprudência referida; de 24 de março de 2011, Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.o 123; e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 55). Tal exigência equivaleria, com efeito, na prática, a privar o Estado‑Membro em causa da sua competência regulamentar no domínio considerado.

65

Isto impõe‑se ainda mais porquanto, como salienta a República Federal da Alemanha, um Estado‑Membro deve poder justificar uma «exigência a avaliar» por uma razão imperiosa de interesse geral a partir da introdução da referida exigência e, portanto, por hipótese, sem necessariamente dispor de elementos de prova empíricos quanto ao resultado produzido por esta em comparação com o resultado produzido por outras medidas.

66

No caso em apreço, as exigências decorrentes do HOAI, uma vez que fixam as tarifas mínimas e máximas em matéria de prestações de planeamento fornecidas por arquitetos e engenheiros, são abrangidas pelo artigo 15.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2006/123.

67

Por conseguinte, enquanto exigências referidas nessa disposição, as tarifas em causa devem, para ser conformes com os objetivos desta diretiva, preencher as três condições enunciadas no artigo 15.o, n.o 3, desta, a saber, serem não discriminatórias, serem necessárias e serem proporcionadas à realização de uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO, C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 54).

68

Quanto à primeira condição prevista no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123, há que declarar que as exigências referidas no n.o 66 do presente acórdão não são direta nem indiretamente discriminatórias em razão da nacionalidade ou, no que diz respeito às sociedades, do local da sua sede estatutária, na aceção da alínea a) desta disposição, pelo que esta condição está preenchida.

69

Quanto à segunda condição, a República Federal da Alemanha indica que as tarifas mínimas visam alcançar um objetivo de qualidade das prestações de planeamento, de proteção dos consumidores, de segurança das construções, de preservação da cultura arquitetónica e de construção ecológica. Quanto às tarifas máximas, estas visam assegurar a proteção dos consumidores garantindo a transparência dos honorários tendo em conta as prestações correspondentes e impedindo tarifas excessivas.

70

A este respeito, há que declarar que os objetivos relativos à qualidade dos trabalhos e à proteção dos consumidores foram reconhecidos pelo Tribunal de Justiça como razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2000, Corsten, C‑58/98, EU:C:2000:527, n.o 38; de 8 de setembro de 2010, Stoß e o., C‑316/07, C‑358/07 a C‑360/07, C‑409/07 e C‑410/07, EU:C:2010:504, n.o 74; e de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o., C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 74).

71

Quanto aos objetivos de preservação da cultura arquitetónica e de construção ecológica, podem ser ligados aos objetivos mais gerais de preservação do património cultural e histórico, bem como de proteção do ambiente, que constituem igualmente razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 1991, Comissão/França, C‑154/89, EU:C:1991:76, n.o 17, e de 14 de dezembro de 2004, Comissão/Alemanha, C‑463/01, EU:C:2004:797, n.o 75).

72

Importa, aliás, sublinhar que o considerando 40 da Diretiva 2006/123 confirma que a proteção dos destinatários dos serviços, a proteção do ambiente e os objetivos de política cultural constituem razões imperiosas de interesse geral.

73

Quanto à terceira condição referida no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123, esta pressupõe que estejam reunidos três elementos, a saber, que a exigência seja apta a garantir a realização do objetivo prosseguido e que não vá além do necessário para o alcançar e que esse objetivo não possa ser alcançado por uma medida menos restritiva.

74

A este respeito, um Estado‑Membro que, como a República Federal da Alemanha no caso vertente, invoca uma razão imperiosa de interesse geral para justificar uma medida que adotou deve apresentar elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Comissão/Bélgica, C‑296/12, EU:C:2014:24, n.o 33 e jurisprudência referida).

75

Neste contexto, importa sublinhar, a título preliminar, que, na medida em que o respeito dos objetivos de segurança das construções, de preservação da cultura arquitetónica e de construção ecológica está diretamente ligado à qualidade dos trabalhos de planeamento, tanto a aptidão do HOAI para atingir estes três primeiros objetivos como a sua necessidade para esse efeito deverão ser admitidas se se demonstrar que a mesma é adequada e necessária para garantir essa qualidade.

76

No que respeita, em primeiro lugar, à aptidão do HOAI para atingir os objetivos visados, a República Federal da Alemanha alega que, em razão da ligação existente entre o preço de um serviço e a qualidade deste, a fixação das tarifas mínimas é adequada para alcançar o objetivo que consiste em garantir um nível de qualidade elevado das prestações fornecidas.

77

Por outro lado, a fixação dessas tarifas é igualmente adequada para alcançar o objetivo de proteção dos consumidores, compensando as consequências da assimetria de informação entre os arquitetos e os engenheiros, por um lado, e os consumidores, por outro, a qual pode levar a que a concorrência seja baseada unicamente nos preços e que os consumidores escolham os seus prestadores apenas em função do preço das suas prestações.

78

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que não se pode excluir a priori que a fixação de uma tarifa mínima permite evitar que os prestadores sejam incitados, num contexto como o de um mercado caracterizado pela presença de um número extremamente elevado de prestadores, a praticarem uma concorrência que pode traduzir‑se em propor prestações com desconto com o risco de deterioração da qualidade dos serviços prestados (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 67).

79

No caso em apreço, não é contestado que, como sustenta a República Federal da Alemanha, um número muito elevado de operadores intervém no mercado das prestações de planeamento no domínio da construção nesse Estado‑Membro.

80

Do mesmo modo, a afirmação da República Federal da Alemanha segundo a qual esse mercado é caracterizado por uma forte assimetria de informação, relativa ao facto de os prestadores de serviços disporem de competências técnicas que a maior parte dos seus clientes não possui, pelo que estes últimos têm dificuldades em apreciar a qualidade das prestações de planificação oferecidas, não é utilmente contestada pela Comissão.

81

Daqui resulta que a República Federal da Alemanha fez prova bastante de que, tendo em conta as especificidades do mercado e dos serviços em causa, pode existir um risco de os prestadores de planeamento no domínio da construção que operam nesse Estado‑Membro praticarem uma concorrência que pode traduzir‑se em propor prestações com desconto, ou mesmo na eliminação dos operadores que oferecem prestações de qualidade através de uma seleção adversa.

82

Neste contexto, a imposição de tarifas mínimas pode ser suscetível de contribuir para limitar esse risco, ao impedir que prestações sejam oferecidas a preços insuficientes para assegurar, a longo prazo, a qualidade das mesmas.

83

Acresce que a República Federal da Alemanha apresentou diferentes estudos que corroboram a sua posição, segundo a qual, num mercado como o mercado alemão, caracterizado por um elevado número de pequenas e médias empresas, a fixação de tarifas mínimas em matéria de prestações de planeamento pode constituir uma medida adequada para garantir um nível qualitativo elevado destas.

84

Nestas condições, o argumento da Comissão segundo o qual o preço não constitui, enquanto tal, uma indicação da qualidade da prestação não pode bastar para afastar o risco evocado pela República Federal da Alemanha de que a convergência dos dois fatores mencionados nos n.os 79 e 80 do presente acórdão conduza a uma deterioração da qualidade dos serviços prestados em matéria de planeamento, nem a demonstrar que esse risco não pode ser limitado por uma medida que exclui a oferta de prestações a preços demasiado baixos.

85

Além disso, embora a Comissão critique a República Federal da Alemanha por esta não ter demonstrado que a supressão das tarifas mínimas implicaria uma diminuição da qualidade, há que sublinhar que, como decorre dos n.os 64 e 65 do presente acórdão, não cabe a este Estado‑Membro apresentar tal prova, mas apenas demonstrar que o HOAI é suscetível de contribuir significativamente para os objetivos prosseguidos ao limitar o risco de degradação da qualidade das prestações de planeamento.

86

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da Comissão segundo o qual a taxa bruta de exploração, no que se refere a prestações de arquitetos na Alemanha, é nitidamente mais elevada do que noutros Estados‑Membros, quando não existe nenhum indício de que a qualidade dos serviços prestados nos outros Estados‑Membros seja menor em razão da prática de margens inferiores.

87

Com efeito, o quadro reproduzido pela Comissão indica a taxa bruta de exploração para as prestações dos arquitetos nos Estados‑Membros durante o ano de 2014, sem, todavia, fazer, no que respeita à República Federal da Alemanha, uma distinção entre as prestações de planeamento, sujeitas às tarifas mínimas, e as prestações de consultoria, que não o são. Além disso, esse quadro reflete a situação do mercado ao longo de um só um ano, pelo que nenhuma conclusão relativa à evolução do mercado após a introdução das tarifas mínimas pode ser daí inferida. Por último, há que salientar que, como sustenta a República Federal da Alemanha, a taxa bruta de exploração depende de um certo número de fatores, tais como a estrutura das empresas, o custo do trabalho ou o recurso a prestações de serviços a montante, e não apenas da pressão concorrencial no mercado em causa.

88

Decorre das constatações efetuadas nos n.os 75 a 87 do presente acórdão que a existência de tarifas mínimas para as prestações de planeamento é, em princípio, atendendo às características do mercado alemão, suscetível de contribuir para garantir um nível de qualidade elevado das prestações de planeamento e, por conseguinte, para realizar os objetivos procurados pela República Federal da Alemanha.

89

Todavia, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo visado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, EU:C:2009:141, n.o 55, e de 15 de outubro de 2015, Grupo Itevelesa e o., C‑168/14, EU:C:2015:685, n.o 76; e Despacho de 30 de junho de 2016, Sokoll‑Seebacher e Naderhirn, C‑634/15, EU:C:2016:510, n.o 27).

90

No caso em apreço, a Comissão alega, em substância, que a regulamentação alemã não prossegue o objetivo de assegurar um nível elevado de qualidade das prestações de planeamento de maneira coerente e sistemática, uma vez que o próprio exercício de prestações de planeamento não é reservado, na Alemanha, a pessoas que exercem uma atividade regulamentada, pelo que, seja como for, não existe nenhuma garantia de que as prestações de planeamento sejam efetuadas por prestadores que tenham demonstrado a sua aptidão profissional para o fazer.

91

A este respeito, a República Federal da Alemanha indicou, com efeito, nos seus articulados que as prestações de planeamento não eram reservadas a determinadas profissões que estão sujeitas à supervisão obrigatória ao abrigo da legislação profissional ou através de câmaras de artes e ofícios, uma vez que outros prestadores de serviços que não os arquitetos e os engenheiros, não sujeitos a regulamentações profissionais, têm o direito de fornecer essas prestações.

92

Ora, a circunstância de as prestações de planificação poderem ser fornecidas na Alemanha por prestadores que não demonstraram a sua aptidão profissional para o fazer traduz uma incoerência na regulamentação alemã à luz do objetivo de preservação de um nível de qualidade elevado das prestações de planificação prosseguido pelas tarifas mínimas. Com efeito, apesar da constatação feita no n.o 88 do presente acórdão, importa observar que essas tarifas mínimas não podem ser adequadas para alcançar esse objetivo se, como resulta dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça, o exercício das prestações que lhe estão submetidas não for, ele próprio, acompanhado de garantias mínimas que permitam assegurar a qualidade das referidas prestações.

93

Por conseguinte, há que declarar que a República Federal da Alemanha não conseguiu demonstrar que as tarifas mínimas previstas pelo HOAI são adequadas para garantir a realização do objetivo que consiste em garantir um nível de qualidade elevado das prestações de planeamento e em assegurar a proteção dos consumidores.

94

Em contrapartida, no que diz respeito às tarifas máximas, estas são suscetíveis, como sustenta a República Federal da Alemanha, de contribuir para a proteção dos consumidores ao aumentar a transparência das tarifas praticadas pelos prestadores e ao impedir estes últimos de praticar honorários excessivos.

95

Todavia, como salientou o advogado‑geral no n.o 111 das suas conclusões, a República Federal da Alemanha não demonstrou as razões pelas quais o facto de pôr à disposição dos clientes uma orientação em matéria de preços para as diferentes categorias de prestações referidas pelo HOAI, sugerida pela Comissão como medida menos restritiva, não é suficiente para alcançar o referido objetivo de maneira adequada. Daqui resulta que a exigência que consiste na fixação de tarifas máximas não pode ser considerada proporcionada a esse objetivo.

96

Resulta do conjunto das considerações que precedem que, ao manter tarifas obrigatórias para as prestações de planificação dos arquitetos e dos engenheiros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, alínea g), e n.o 3, da Diretiva 2006/123.

97

Tendo em conta o que precede, não há que examinar a regulamentação em causa à luz do artigo 49.o TFUE.

Quanto às despesas

98

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que a condenar a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão.

99

Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A Hungria suportará, por conseguinte, as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Ao manter tarifas obrigatórias para as prestações de planeamento dos arquitetos e dos engenheiros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.o, n.o 1, n.o 2, alínea g), e n.o 3, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.

 

2)

A República Federal da Alemanha é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão.

 

3)

A Hungria suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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