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Document 62017CJ0099

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 26 de setembro de 2018.
    Infineon Technologies AG contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos chips para cartões — Rede de contactos bilaterais — Troca de informações comerciais sensíveis — Contestação da autenticidade das provas — Direitos de defesa — Restrição da concorrência “pelo objetivo” — Infração única e continuada — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição — Alcance — Cálculo do montante da coima.
    Processo C-99/17 P.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:773

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    26 de setembro de 2018 ( *1 )

    Índice

     

    I. Quadro jurídico

     

    II. Antecedentes do litígio e decisão controvertida

     

    III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

     

    IV. Pedidos das partes no presente recurso

     

    V. Quanto ao presente recurso

     

    A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à insuficiência de fiscalização pelo Tribunal Geral

     

    1. Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    2. Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    3. Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    4. Quanto à quarta parte do primeiro fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    1) Quanto à primeira alegação

     

    2) Quanto à segunda alegação

     

    5. Quanto à quinta parte do primeiro fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    6. Conclusão sobre o primeiro fundamento

     

    B. Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma aplicação errada do artigo 101.o TFUE

     

    1. Quanto à primeira parte do segundo fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    2. Quanto à segunda parte do segundo fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    3. Quanto à terceira parte do segundo fundamento

     

    a) Argumentação das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à coima aplicada à recorrente, e quanto à primeira parte do primeiro fundamento na medida em que diz respeito a uma violação da competência de plena jurisdição

     

    1. Argumentação das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal de Justiça

     

    VI. Quanto à anulação parcial do acórdão recorrido

     

    VII. Quanto ao litígio em primeira instância

     

    VIII. Quanto às despesas

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos chips para cartões — Rede de contactos bilaterais — Troca de informações comerciais sensíveis — Contestação da autenticidade das provas — Direitos de defesa — Restrição da concorrência “pelo objetivo” — Infração única e continuada — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição — Alcance — Cálculo do montante da coima»

    No processo C‑99/17 P,

    que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de fevereiro de 2017,

    Infineon Technologies AG, com sede em Neubiberg (Alemanha), representada por M. Dreher, T. Lübbig e M. Klusmann, Rechtsanwälte,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por A. Biolan, A. Dawes e J. Norris‑Usher, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 28 de fevereiro de 2018,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de abril de 2018,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Infineon Technologies AG pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de dezembro de 2016, Infineon Technologies/Comissão (T‑758/14, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:737), que negou provimento ao seu recurso destinado, a título principal, à anulação da Decisão C (2014) 6250 final da Comissão, de 3 de setembro de 2014, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39574 — Chips para cartões) (a seguir «decisão controvertida»), e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

    I. Quadro jurídico

    2

    O artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

    «2.   A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

    a)

    Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o ou 102.o TFUE], ou

    […]

    3.   Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

    3

    Nos termos do artigo 31.o deste regulamento:

    «O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

    4

    Quanto ao cálculo das coimas, os pontos 20 a 23 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»), enunciam:

    «20.

    A apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso.

    21.

    Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%.

    22.

    A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

    23.

    Os acordos […] horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves. No âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente. Por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala.»

    II. Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    5

    Os antecedentes do litígio e os elementos essenciais da decisão controvertida, conforme decorrem dos n.os 1 a 40 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo para as necessidades do presente processo.

    6

    A Comissão Europeia foi informada, em 22 de abril de 2008, da existência de um cartel no setor dos chips para cartões pela Renesas Technology Corp. e suas filiais (a seguir «Renesas»), que pediram para beneficiar da imunidade em matéria de coimas nos termos da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17, a seguir «comunicação sobre a cooperação»). Após ter procedido a inspeções sem aviso prévio nas instalações de várias sociedades que operam neste setor e enviado pedidos de informações, a Comissão, em 28 de março de 2011, deu início à tramitação, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, contra, primeiro, a Koninklijke Philips NV e a Philips France SAS (a seguir, conjuntamente, «Philips»), segundo, a Renesas e, terceiro, a Samsung Electronics Co. Ltd e a Samsung Semiconductor Europe GmbH (a seguir, conjuntamente, «Samsung»).

    7

    Em abril de 2011, a Comissão encetou discussões com vista a uma transação na aceção do artigo 10.o‑A do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), com a Renesas, a Samsung e a Philips. Estas discussões foram suspensas em outubro de 2012.

    8

    Em 18 de abril de 2013, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à Renesas, à Hitachi Ltd., à Mitsubishi Electric Corp., à Samsung, à recorrente e à Philips. Nas suas observações sobre a comunicação de acusações, a recorrente e a Philips contestaram a autenticidade de certos documentos apresentados pela Samsung após o procedimento de transação. A Samsung respondeu a essas observações e forneceu outros documentos à Comissão. A autenticidade desses documentos foi, por outro lado, objeto de duas exposições de factos formuladas pela Comissão em 9 de outubro de 2013 e 25 de julho de 2014.

    9

    A audição realizou‑se em 20 de novembro de 2013.

    10

    Em 3 de setembro de 2014, a Comissão aprovou a decisão controvertida.

    11

    Nessa decisão, a Comissão declarou que quatro empresas, a saber, a recorrente, a Philips, a Renesas e a Samsung, tinham participado numa infração única e continuada ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 1) (a seguir «Acordo EEE»), no setor dos chips para cartões que abrangia o Espaço Económico Europeu (EEE) (a seguir «infração em causa»). Esta infração, que decorreu entre 24 de setembro de 2003 e 8 de setembro de 2005, teve por objeto os chips para cartões.

    12

    O mercado dos chips para cartões comportava dois segmentos, a saber, o dos chips para cartões SIM, utilizados essencialmente para telemóveis (a seguir «chips SIM»), e o dos chips para cartões não‑SIM, utilizados para a banca, a segurança e a identificação (a seguir «chips não‑SIM»). Quando da infração em causa, este mercado caracterizava‑se por uma descida constante dos preços, por uma pressão exercida sobre os preços pelos principais clientes dos fabricantes de cartões inteligentes, por desequilíbrios da oferta em relação à procura resultantes do aumento da procura e da evolução tecnológica constante e rápida, bem como pela estrutura das negociações contratuais com os clientes.

    13

    Quanto às principais características da infração em causa, a Comissão considerou que o cartel sancionado assentava num conjunto de contactos bilaterais, que eram semanais em 2003 e 2004, entre os destinatários da decisão controvertida. Segundo a Comissão, os participantes na infração concertaram as suas políticas de preços em matéria de chips para cartões através de contactos relativos à fixação de preços, nomeadamente, os preços específicos propostos aos principais clientes, os preços mínimos e os preços indicativos, à partilha de pontos de vista sobre a evolução dos preços para o semestre seguinte e às intenções em matéria de fixação de preços, mas também à capacidade de produção e respetiva utilização, ao comportamento futuro no mercado e às negociações de contratos de clientes comuns. O calendário dos contactos colusórios, cuja lista figura no quadro n.o 4 da decisão controvertida, seguia o calendário do ciclo económico. A Comissão constatou a existência de ligações entre esses contactos bilaterais em razão do objeto e das datas dos mesmos. Nos referidos contactos bilaterais, as empresas fizeram por vezes abertamente referência ao teor de outros contactos bilaterais entre os participantes na infração em causa e as informações recolhidas foram transmitidas aos concorrentes.

    14

    A Comissão qualificou a infração em causa de infração única e continuada. Com efeito, os contactos colusórios estão relacionados e têm natureza complementar. Através da sua interação, contribuíram para a produção do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais no âmbito de um plano global com um objetivo único. Segundo a Comissão, a Samsung, a Renesas e a Philips tinham conhecimento da infração na sua globalidade. Em contrapartida, a recorrente apenas foi considerada responsável por esta infração na medida em que participou em práticas colusórias com a Samsung e a Renesas, na falta de provas de contactos que tenha tido com a Philips ou da sua impressão subjetiva de participar em toda a infração em causa.

    15

    Por último, a Comissão considerou que o comportamento das empresas em causa tinha por objetivo restringir a concorrência na União Europeia e teve um efeito apreciável no comércio entre os Estados‑Membros e entre as partes contratantes no Acordo EEE.

    16

    Para efeitos do cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 e das orientações de 2006, a Comissão precisou que a infração em causa tinha sido cometida intencionalmente. Para o cálculo do montante de base, esta instituição utilizou um indicador para o valor anual das vendas assente no valor real das vendas dos produtos cartelizados, realizadas pelas empresas nos meses da sua participação ativa na infração em causa. Aplicou um coeficiente de gravidade da infração em causa de 16%. Quanto à duração desta infração, considerou uma duração de 11 meses e 14 dias para a Philips, de 18 meses e 7 dias para a recorrente, de 23 meses e 2 dias para a Renesas e de 23 meses e 15 dias para a Samsung. Aplicou um coeficiente de 16% do valor das vendas como montante adicional.

    17

    A título de circunstâncias atenuantes, a Comissão concedeu uma redução de 20% do montante da coima à recorrente pelo facto de esta apenas ser responsável pela infração em causa na medida da sua participação em acordos colusórios com a Samsung e a Renesas, e não com a Philips. Em aplicação da comunicação sobre a cooperação, concedeu a imunidade em matéria de coimas à Renesas e uma redução de 30% do montante da coima à Samsung.

    18

    No artigo 1.o da decisão controvertida, a Comissão declarou que as empresas seguintes participaram numa infração única e continuada ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e no artigo 53.o do Acordo EEE no setor dos chips para cartões que abrangia o EEE:

    a recorrente, de 24 de setembro de 2003 a 31 de março de 2005, «em razão da sua concertação com a Samsung e a Renesas» [artigo 1.o, alínea a)];

    a Philips, de 26 de setembro de 2003 a 9 de setembro de 2004 [artigo 1.o, alínea b)];

    a Renesas, de 7 de outubro de 2003 a 8 de setembro de 2005 [artigo 1.o, alínea c)], e

    a Samsung, de 24 de setembro de 2003 a 8 de setembro de 2005 [artigo 1.o, alínea d)].

    19

    No artigo 2.o dessa decisão, a Comissão aplicou coimas no montante de 82784000 euros à recorrente [artigo 2.o, alínea a)], de 20148000 euros à Philips [artigo 2.o, alínea b)], de 0 euros à Renesas [artigo 2.o, alínea c)] e de 35116000 euros à Samsung [artigo 2.o, alínea d)].

    III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    20

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de novembro de 2014, a recorrente interpôs um recurso destinado, a título principal, à anulação da decisão controvertida na parte em que lhe diz respeito e, a título subsidiário, à redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

    21

    A recorrente invocou seis fundamentos de recurso. Os seus dois primeiros fundamentos eram relativos aos direitos de defesa e ao princípio da boa administração. O terceiro fundamento era relativo a uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. O quarto fundamento, aduzido a título subsidiário, era relativo à aplicação errada do conceito de infração única e continuada. O quinto e sexto fundamentos tinham por objeto a coima.

    22

    Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes estes fundamentos e, consequentemente, negou provimento ao recurso da recorrente na íntegra.

    IV. Pedidos das partes no presente recurso

    23

    Com o seu recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    anular a decisão controvertida na parte em que lhes diz respeito;

    a título subsidiário, reduzir a coima do montante de 82874000 euros, que lhe foi aplicada na decisão controvertida, para um montante proporcionado;

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para reapreciação; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    24

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    negar provimento ao recurso;

    a título subsidiário, julgar improcedente o pedido de redução do montante da coima aplicada à recorrente; e

    condenar a recorrente nas despesas.

    V. Quanto ao presente recurso

    25

    O recorrente invoca três fundamentos em apoio do seu recurso.

    A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à insuficiência de fiscalização pelo Tribunal Geral

    26

    O primeiro fundamento da recorrente está dividido em cinco partes.

    1.   Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

    a)   Argumentação das partes

    27

    Com a primeira parte do primeiro fundamento, que diz respeito, em especial, ao n.o 160 do acórdão recorrido, a recorrente critica o Tribunal Geral por, dos onze contactos pretensamente ilegais que tiveram lugar entre ela própria e a Samsung ou a Renesas e cuja existência foi declarada pela Comissão, só ter examinado cinco, quando a recorrente tinha contestado cada um desses contactos. Esta fiscalização jurisdicional incompleta e seletiva é contrária ao artigo 263.o TFUE e conduziu a uma fiscalização insuficiente do montante da coima. Segundo a recorrente, a ilegalidade das apreciações da Comissão relativas a qualquer um dos contactos contestados devia conduzir à anulação das conclusões correspondentes da Comissão na decisão controvertida.

    28

    O Tribunal Geral também não cumpriu o dever de fundamentação previsto no artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em especial, não forneceu motivos suficientes para justificar a abordagem que expôs no n.o 160 do acórdão recorrido e a escolha dos cinco contactos fiscalizados.

    29

    Tal fiscalização seletiva não permitiu ao Tribunal Geral apreciar plenamente a gravidade da infração alegada nem fiscalizar o montante da coima aplicada. O Tribunal Geral respondeu de forma insuficiente aos argumentos da recorrente relativos à coima, como resulta do terceiro fundamento de recurso. Em especial, uma vez que a participação da recorrente na infração foi reduzida aos cinco contactos cuja existência foi provada, o Tribunal Geral não podia confirmar o montante da coima que a Comissão lhe tinha aplicado.

    30

    Quanto aos contactos não fiscalizados, o Tribunal Geral limitou‑se, em especial no n.o 153 do acórdão recorrido, a remeter para as conclusões da Comissão, sem os fiscalizar como estava obrigado a fazer.

    31

    A fiscalização seletiva efetuada pelo Tribunal Geral é contraditória e incoerente com as apreciações que fez nos n.os 136, 137 e 211 do acórdão recorrido. Com essa fiscalização seletiva, o Tribunal Geral desvirtuou as características da infração alegada pela Comissão, uma vez que os contactos examinados pelo Tribunal Geral eram insuficientes para suportar a declaração de uma infração única e continuada em relação à recorrente.

    32

    Ao não ter confirmado os outros contactos considerados pela Comissão e, em especial, ao não ter examinado os contactos alegados entre a recorrente e a Renesas no decurso de 2003, referidos no considerando 160 da decisão controvertida, o Tribunal Geral não dispunha de nenhuma base para verificar a realização de reuniões ilegais entre a Samsung e a recorrente durante esse ano. Por conseguinte, segundo a recorrente, o Tribunal Geral não dispunha de nenhuma prova, além das que ela contesta, para suportar a existência e o conteúdo dos contactos que ela alegadamente manteve com a Samsung em 2003.

    33

    A recorrente precisa que a fiscalização seletiva afeta a sua situação jurídica na medida em que a expõe a reivindicações injustificadas por parte de terceiros, tais como pedidos de indemnização.

    34

    A Comissão contesta todos estes argumentos.

    35

    Observa que a recorrente não contestou a conclusão que figura nos considerandos 38 a 41, 68, 76, 77, 246 e 297 da decisão controvertida, segundo a qual os preços dos chips para cartões eram determinados, em princípio, numa base anual. Por conseguinte, segundo a Comissão, o Tribunal Geral podia limitar‑se a verificar que a recorrente tinha participado pelo menos num contacto anticoncorrencial por ano no período compreendido entre 2003 e 2005. Com efeito, basta que os resultados económicos dos contactos anticoncorrenciais continuem a produzir os seus efeitos para além da data em que tiveram lugar.

    36

    Nestas condições, o Tribunal Geral não era obrigado a justificar a sua escolha dos cinco contactos que examinou nem a falta de exame da participação da recorrente nos outros seis contactos.

    37

    O Tribunal Geral não ficou impedido de apreciar os argumentos relativos à gravidade da infração e ao montante da coima. Em especial, o número de contactos em que a recorrente participou não tem incidência na apreciação da gravidade da infração ou na possibilidade de aplicar uma percentagem de gravidade de 16%.

    38

    Não tinha vantagem em impedir o exame dos argumentos relativos à participação da recorrente na infração única e continuada, uma vez que esta última participou em pelo menos um contacto por ano e esses contactos inseriam‑se num plano de conjunto. Também estava em condições de apreciar corretamente os argumentos relativos à natureza anticoncorrencial dos contactos com a Samsung em 24 de setembro e em 3 de novembro de 2003, uma vez que os elementos de prova fornecidos pela Renesas eram apenas uma das razões, entre outras, pelas quais o Tribunal Geral confirmou as conclusões da Comissão relativas à credibilidade da Samsung como testemunha e à troca de informações durante os referidos contactos.

    39

    O argumento da recorrente relativo à anulação total da decisão controvertida é inadmissível por força do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    40

    O argumento relativo ao n.o 153 do acórdão recorrido é inoperante, uma vez que o Tribunal Geral não tirou nenhuma consequência da referência feita aos nove contactos anticoncorrenciais diferentes dos de 3 de novembro e 27 de novembro de 2003.

    41

    A recorrente estava exposta a pedidos de indemnização em razão não da abordagem do Tribunal Geral mas da sua participação em pelo menos um contacto anticoncorrencial por ano durante os anos de 2003 a 2005.

    42

    Quanto ao argumento da recorrente relativo aos n.os 136 e 137 do acórdão recorrido, esta última confundiu dois conceitos diferentes, a saber, a prova do número de contactos anticoncorrenciais em que a recorrente participou e a demonstração do caráter anticoncorrencial desses contactos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    43

    A título preliminar, importa observar que o n.o 160 do acórdão recorrido é relativo à apreciação, pelo Tribunal Geral, da terceira parte do terceiro fundamento aduzido pela recorrente nesse Tribunal a respeito da falta de provas que permitam demonstrar a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE. Esse número tem a seguinte redação:

    «[…] a recorrente não contesta a apreciação da Comissão segundo a qual os preços eram determinados, em princípio, numa base anual, o que resulta aliás das discussões em que a recorrente tomou parte. Nestas condições, basta examinar se, nos anos de 2003 a 2005, a recorrente participou numa ou, eventualmente, em duas discussões anticoncorrenciais, em cada um desses três anos, com a Samsung ou a Renesas, para concluir pela existência ou não de uma infração ao artigo 101.o TFUE. Nestas condições, o Tribunal Geral considerou oportuno examinar, a título preliminar, cinco contactos entre a recorrente e a Samsung ou a Renesas, designadamente, os contactos de 24 de setembro de 2003 (primeiro contacto), de 3 de novembro de 2003 (segundo contacto), de 18 de março de 2004 (sexto contacto), de 1 a 8 de junho de 2004 (sétimo contacto) e de 31 de março de 2005 (décimo primeiro contacto), sendo que, segundo a Comissão, este primeiro e último contactos marcam respetivamente o início e o fim da participação da recorrente na infração em causa. Por conseguinte, só na hipótese de estes cinco contactos não permitirem demonstrar a existência da infração em causa é que o Tribunal Geral examinará se os outros contactos, como o de 17 de novembro de 2003, que a recorrente alega nos seus articulados e durante a audiência não serem ilícitos, contribuem, ou não, para demonstrar a existência desta infração.»

    44

    Após ter examinado os argumentos da recorrente relativos aos referidos cinco contactos, o Tribunal Geral considerou, no n.o 207 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido um erro ao considerar que a recorrente tinha participado em discussões anticoncorrenciais com a Samsung e a Renesas entre 24 de setembro de 2003 e 31 de março de 2005.

    45

    Em contrapartida, o Tribunal Geral não examinou os argumentos pelos quais a recorrente contestava as conclusões da Comissão relativas aos seis outros contactos bilaterais formuladas a seu respeito na decisão controvertida.

    46

    A recorrente contesta esta abordagem do Tribunal Geral com o fundamento, em substância, de que é incompatível com as exigências de uma fiscalização jurisdicional completa que abrange tanto a fiscalização da legalidade como a fiscalização do montante da coima.

    47

    A este respeito, há que recordar que o sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições consagrada no artigo 263.o TFUE, a qual, em aplicação do artigo 261.o TFUE e mediante pedido dos recorrentes, pode ser completada pelo exercício, pelo Tribunal Geral, de uma competência de plena jurisdição no que respeita às sanções aplicadas neste domínio pela Comissão (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 71).

    48

    Recorde‑se que o âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pela recorrente e tendo em conta todos os elementos de prova apresentados por esta última (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72 e jurisprudência referida).

    49

    No caso em apreço, a recorrente pretendia, designadamente, obter uma fiscalização da legalidade da declaração, pela Comissão, da sua participação numa infração única e continuada durante o período compreendido entre 24 de setembro de 2003 e 31 de março de 2005.

    50

    Como resulta do n.o 43 do presente acórdão, o Tribunal Geral justificou a limitação da sua fiscalização a cinco dos onze contactos bilaterais em causa pelo facto, não contestado pela recorrente, de os preços serem, em princípio, negociados numa base anual. Importa acrescentar a este respeito que, como resulta dos n.os 115 e 116 do presente acórdão, a recorrente não apresentou nenhum argumento admissível em sede de recurso suscetível de infirmar esta justificação.

    51

    Assim, por um lado, o Tribunal Geral expôs de forma juridicamente bastante as razões pelas quais exerceu uma fiscalização sobre um número limitado dos contactos contestados pela recorrente.

    52

    Por outro lado, há que considerar que, para confirmar a legalidade da declaração, pela Comissão, da participação da recorrente na infração em causa, o Tribunal Geral podia limitar‑se a fiscalizar as apreciações da Comissão relativas não só ao primeiro e último contactos colusórios mas também a um ou dois contactos por ano de participação.

    53

    Com efeito, no âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do acordo ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separados por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência quanto à existência desse acordo, na medida em que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado (Acórdão de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, EU:C:2006:593, n.o 169).

    54

    Além disso, segundo jurisprudência constante, o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um acordo ou ter desempenhado um papel secundário nos aspetos em que participou não é pertinente para demonstrar a existência de uma infração que lhe é imputável, dado que esses elementos apenas devem ser tomados em consideração aquando da apreciação da gravidade da infração e, sendo caso disso, da determinação do montante da coima (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 45 e jurisprudência referida).

    55

    Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento, na medida em que diz respeito à violação do artigo 263.o TFUE e do dever de fundamentação, deve ser afastada.

    56

    Uma vez que, como resulta no n.o 46 do presente acórdão, a primeira parte do primeiro fundamento abrange também a violação da competência de plena jurisdição do Tribunal Geral e, portanto, incide sobre elementos que serão examinados no âmbito do terceiro fundamento, a argumentação desenvolvida a este respeito será objeto de um tratamento conjunto com esse fundamento.

    2.   Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

    a)   Argumentação das partes

    57

    Com a segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por lhe ter atribuído erradamente, no n.o 118 do acórdão recorrido, o ónus da prova da falta de autenticidade da mensagem de correio eletrónico interna da Samsung de 3 de novembro de 2003 (a seguir «correio eletrónico de 3 de novembro de 2003»). Devido ao facto de a Comissão, a quem incumbe o ónus de provar a infração, não ter demonstrado a autenticidade desse correio eletrónico em conformidade com o princípio da boa administração e tendo em conta as sérias dúvidas suscitadas pela recorrente, este elemento de prova e outras provas apresentadas pela Samsung deviam ter sido declarados inadmissíveis.

    58

    O Tribunal Geral também cometeu erros manifestos e uma violação dos direitos de defesa ao considerar, no n.o 74 do acórdão recorrido, que o relatório de peritagem informática submetido pela recorrente não tinha concluído pela falta de autenticidade do referido correio eletrónico.

    59

    Além disso, ao afirmar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que a recorrente não tinha apresentado nenhum argumento que demonstrasse a necessidade de um relatório de peritagem independente, o Tribunal Geral violou os direitos de defesa e o direito a um processo equitativo. A recorrente, baseando‑se numa decisão da Autoridade da Concorrência francesa, entende que, atendendo às observações que apresentou e às observações da Samsung, a Comissão estava obrigada a designar um perito profissional independente para avaliar a autenticidade do correio eletrónico em causa. Isto é tanto mais válido nos processos em matéria de cartéis devido à sua natureza penal. As apreciações científicas da Comissão não são suscetíveis de afastar toda e qualquer dúvida quanto à autenticidade das provas invocadas.

    60

    O Tribunal Geral, ao basear‑se nessas provas, apreciou de maneira errada a duração e o alcance da infração em causa. Sem as provas apresentadas pela Samsung, que deviam ter sido declaradas inadmissíveis, a Comissão não teria podido estabelecer a prática de uma infração pela recorrente durante o ano de 2003 nem a participação desta numa infração única e continuada. Em especial, a recorrente contesta os n.os 143 e 144 do acórdão recorrido e a referência, no n.o 150 desse acórdão, a provas contemporâneas e a provas fornecidas pela Renesas, uma vez que estas não foram examinadas pelo Tribunal Geral.

    61

    A Comissão contesta a procedência de todos estes argumentos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    62

    A título preliminar, importa salientar que as conclusões de facto do Tribunal Geral demonstram que o correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, apresentado pela Samsung na sequência da suspensão das discussões sobre a transação, foi utilizado pela Comissão para demonstrar a existência de um contacto anticoncorrencial entre a recorrente e a Samsung no mesmo dia. A recorrente contestou a autenticidade desse correio eletrónico perante a Comissão e apresentou um relatório de peritagem nas suas observações sobre a segunda exposição de factos, no âmbito da qual o correio eletrónico lhe foi comunicado. A Comissão, sem recorrer a uma peritagem científica independente, afastou as dúvidas da recorrente com base nas suas próprias apreciações científicas quanto à autenticidade do mesmo correio eletrónico.

    63

    Com a presente parte do primeiro fundamento, a recorrente contesta a rejeição, pelo Tribunal Geral, do argumento relativo ao facto de a Comissão não ter recorrido a uma peritagem independente para se assegurar da autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, no n.o 118 do acórdão recorrido, que a Comissão dispunha de uma certa margem de apreciação para decidir sobre as medidas suplementares a tomar e que, no caso em apreço, a recorrente não tinha demonstrado que tal peritagem era necessária.

    64

    A recorrente entende que, ao atuar deste modo, o Tribunal Geral fez recair sobre ela o ónus da prova da falta de autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, viciando assim o acórdão recorrido de um erro de direito.

    65

    A este respeito, importa recordar que o princípio que prevalece no direito da União é o da livre apreciação das provas, de onde decorre, por um lado, que, desde que um elemento de prova tenha sido obtido legalmente, a sua admissibilidade não pode ser contestada no Tribunal Geral e, por outro, que o único critério para apreciar o valor das provas apresentadas reside na sua credibilidade (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 128 e jurisprudência referida).

    66

    Quando a Comissão se baseia em elementos de prova que, em princípio, são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa alegar a possibilidade de ocorrência de uma circunstância que pode afetar o valor probatório destes elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que a referida circunstância não afetou o valor probatório dos mesmos. Pelo contrário, salvo nos casos em que essa prova não possa ser apresentada pela empresa em causa, em razão do comportamento da própria Comissão, compete à empresa em causa demonstrar juridicamente, por um lado, a existência da circunstância que invoca e, por outro lado, que essa circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova em que a Comissão se baseia (Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 76).

    67

    Estas considerações são transponíveis para a situação em que a recorrente contesta, como no caso em apreço, não a credibilidade de um elemento de prova mas a sua autenticidade.

    68

    No caso em apreço, resulta tanto dos considerandos 164 a 174 da decisão controvertida como dos n.os 65, 74, 82 e 182 do acórdão recorrido que, nessa decisão, a Comissão respondeu detalhadamente às dúvidas suscitadas pela recorrente a respeito da autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003 e que, em substância, as afastou. Nestas condições, incumbe à recorrente demonstrar, perante o Tribunal Geral, que a Comissão tinha viciado a sua resposta de erros em razão de uma instrução insuficiente. Ora, a este respeito, resulta, em substância, dos n.os 65 e 82 a 84 do acórdão recorrido que a recorrente não conseguiu demonstrar a existência de tais erros.

    69

    Daqui se conclui que foi sem fazer uma inversão não justificada do ónus da prova que o Tribunal Geral pôde rejeitar os diferentes argumentos da recorrente relativos à falta de autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, com o fundamento de que esta não demonstrava que as explicações prestadas pela Comissão estavam erradas. Foi também sem fazer tal inversão que o Tribunal Geral pôde, no n.o 118 do acórdão recorrido, afastar os argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão devia ter pedido uma peritagem científica independente para estabelecer a autenticidade desse correio eletrónico.

    70

    Na medida em que a recorrente alega, neste contexto, uma violação dos seus direitos de defesa, basta observar que pôde, tanto durante o processo administrativo como do processo no Tribunal Geral, invocar os seus argumentos relativos à autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003.

    71

    Atendendo às considerações precedentes, os argumentos da recorrente relativos aos n.os 143, 144 e 150 do acórdão recorrido, na medida em que assentam na premissa errada de que o Tribunal Geral lhe atribuiu o ónus da prova da falta de autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, devem ser considerados inoperantes.

    72

    Em consequência, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.

    3.   Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

    a)   Argumentação das partes

    73

    Com a terceira parte do primeiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter violado os seus direitos de defesa e cometido um erro de direito manifesto, na medida em que declarou, no n.o 85 do acórdão recorrido, que a falta de comunicação em tempo útil à recorrente das apreciações científicas da Comissão relativas à autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, que constituíam elementos desfavoráveis, não tinha tido incidência no resultado a que a Comissão tinha chegado na decisão controvertida.

    74

    A recorrente considera que o facto de a Comissão não lhe ter comunicado as suas apreciações a privou da possibilidade de sustentar melhor as dúvidas sérias que tinha emitido a propósito da autenticidade desse correio eletrónico, de demonstrar a falta de autenticidade do mesmo ou a necessidade de uma peritagem independente para esse efeito e de responder às apreciações da Comissão. A violação dos direitos de defesa da recorrente, que foi agravada pelo facto de a fazer suportar, erradamente, o ónus da prova da falta de autenticidade do referido correio eletrónico, não pode ser compensada pela apresentação das apreciações científicas no decurso do processo no Tribunal Geral.

    75

    A Comissão contesta todos estes argumentos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    76

    Com a presente parte, a recorrente alega que o Tribunal Geral rejeitou erradamente a sua argumentação relativa ao facto de que a Comissão, ao não lhe comunicar, durante o processo administrativo, as suas próprias apreciações científicas relativas à autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, violou os direitos de defesa da recorrente.

    77

    A este respeito, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 77 e 80 do acórdão recorrido, que a Comissão devia ter comunicado as suas apreciações científicas à recorrente enquanto elementos desfavoráveis. No entanto, considerou, nos n.os 81 a 85 desse acórdão, que a recorrente não tinha demonstrado que o resultado a que a Comissão tinha chegado na decisão controvertida teria sido diferente se tal comunicação tivesse sido feita, pelo que rejeitou a argumentação da recorrente relativa à violação dos direitos de defesa.

    78

    Ao atuar deste modo, o Tribunal Geral conformou‑se com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, para uma violação dos direitos de defesa implicar a anulação do ato impugnado, é necessário que, na inexistência dessa irregularidade, o processo tivesse podido conduzir a um resultado diferente, o que cabe à empresa interessada demonstrar (Acórdão de 16 de junho de 2016, SKW Stahl‑Metallurgie e SKW Stahl‑Metallurgie Holding/Comissão, C‑154/14 P, EU:C:2016:445, n.o 69 e jurisprudência referida).

    79

    Ora, a recorrente não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ou desvirtuou os elementos de facto ou de direito quando considerou, com base em argumentos e elementos apresentados perante esse Tribunal, que a recorrente não tinha comprovado que o resultado a que a Comissão tinha chegado na decisão controvertida teria podido ser diferente se esta instituição lhe tivesse comunicado as suas apreciações científicas durante o processo administrativo.

    80

    Por conseguinte, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.

    4.   Quanto à quarta parte do primeiro fundamento

    a)   Argumentação das partes

    81

    A quarta parte do primeiro fundamento, relativa à violação da presunção de inocência, dos direitos de defesa e do dever de fundamentação, está dividida em duas alegações principais.

    82

    Com a sua primeira alegação, a recorrente contesta as apreciações do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 93 e 126 do acórdão recorrido, relativas à credibilidade da Samsung enquanto testemunha.

    83

    Em primeiro lugar, a recorrente entende que o argumento segundo o qual a Samsung é uma testemunha credível porque pediu a clemência só é válido para os elementos de prova apresentados por uma testemunha a que a Comissão já concedeu a clemência a título provisório. Ora, tal não era o caso da Samsung no momento da apresentação das provas contestadas. Tendo ficado exposta ao risco de lhe ser aplicada uma coima completa após o insucesso da transação, a Samsung não tinha nada a perder em fazer falsas declarações tanto mais que não incorreria, por força do direito coreano, em nenhum risco de sanções penais por falsas declarações.

    84

    Portanto, o Tribunal Geral devia ter‑se baseado em outras provas para suportar a existência dos contactos bilaterais entre a Samsung e a recorrente contestados. Ora, tais provas não existem. A este respeito, a recorrente critica os n.os 145 a 151 do acórdão recorrido que, na sua opinião, não podem ser considerados simples fundamentos a título exaustivo. Os n.os 148 e 149 desse acórdão, que enunciam que as provas fornecidas pela Samsung foram corroboradas por outros membros da infração, contradizem o n.o 155 do referido acórdão. O correio eletrónico da Philips, referido no n.o 147 do acórdão recorrido, baseia‑se unicamente numa «declaração por ouvir dizer» e a recorrente não teve nenhum contacto bilateral com a Philips. As passagens referidas na decisão controvertida não precisam que a NXP Semiconductors NV apresentou elementos que corroboravam as provas fornecidas pela Samsung. A circunstância, referida no considerando 157 da decisão controvertida, de que a Renesas apresentou elementos em apoio dessas provas é ilógica e contradita pela fiscalização parcial do Tribunal Geral que não examinou nem estabeleceu a existência de uma reunião entre a Renesas e a recorrente no decurso de 2003, ano dos contactos controvertidos com a Samsung. Por conseguinte, a Renesas não podia suportar os factos contestados com base em provas inadmissíveis emanadas da Samsung.

    85

    Na medida em que o testemunho da recorrente está exposto, diferentemente do da Samsung, a um risco de sanções penais em caso de falsas declarações sob compromisso de honra, o Tribunal Geral devia ter privilegiado as declarações da primeira. Devia ter concedido o benefício da dúvida à recorrente, em conformidade com o princípio in dubio pro reo.

    86

    Em segundo lugar, este princípio também foi infringido porquanto, nos n.os 123 e 124 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou a regra do sigilo profissional entre o advogado e o seu cliente à Samsung, em detrimento da recorrente. Com efeito, no que se refere à declaração em causa, o empregado da Samsung que forneceu essa declaração limitou‑se a reportar ao conselho da Samsung vagas recordações, dez anos depois da infração alegada.

    87

    Com a segunda alegação, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral considerou erradamente que os seus chips não‑SIM faziam parte da infração em causa, não fundamentou suficientemente o seu acórdão e violou o princípio in dubio pro reo.

    88

    Primeiro, o Tribunal Geral utilizou, no n.o 255 do acórdão recorrido, uma tradução incorreta do relatório interno da Samsung, desvirtuando, assim, as provas. Com base na tradução correta, o Tribunal Geral não teria podido considerar que as provas em causa suportavam a conclusão de que os chips não‑SIM eram o objeto da discussão entre a Samsung e a recorrente em 24 de setembro de 2003.

    89

    Segundo, as considerações expostas no n.o 256 do acórdão recorrido não são suscetíveis de demonstrar que as receitas ligadas aos chips não‑SIM deviam ser incluídas no cálculo do montante da coima para a totalidade do período da infração e não estavam em contradição com a abordagem enunciada no n.o 160 desse acórdão. Com efeito, os chips não‑SIM só foram mencionados, no relatório interno da Samsung utilizado para demonstrar o contacto de 24 de setembro de 2003, em relação ao ano de 2004 numa declaração extremamente geral que não se pode considerar que tenha por objetivo ou por efeito restringir a concorrência. Essa declaração não é suscetível de reduzir a incerteza da Samsung, dado que, no setor dos chips para cartões, que têm uma curta duração de vida em razão dos progressos tecnológicos constantes, os preços estão em contínua redução. Na falta de qualquer outro contacto relativo aos chips não‑SIM, as receitas referentes a esses produtos só poderiam ser tomados em conta, para o cálculo do montante da coima, no máximo, para o ano de 2004.

    90

    Terceiro, a recorrente contesta a correlação entre os chips SIM e os chips não‑SIM, declarada no n.o 257 do acórdão recorrido, na medida em que enferma de uma apreciação manifestamente errada e, consequentemente, de uma desvirtuação das provas utilizadas pela Comissão no considerando 221 da decisão controvertida. Com efeito, resulta dos considerandos 6 e 221 dessa decisão que o mercado dos chips para cartões podia ser cindido em dois segmentos. Embora a segmentação não fosse absoluta, a Comissão não constatou nenhuma correlação.

    91

    Quarto, mesmo admitindo a existência de tal correlação, o Tribunal Geral não expôs de que forma as alegadas trocas de informações a propósito dos chips SIM podiam afetar a concorrência a propósito dos chips não‑SIM. Em especial, o n.o 258 do acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado a este respeito. Por outro lado, a declaração da Renesas, referida no considerando 217 da decisão controvertida, segundo a qual a infração abrangia os dois tipos de chips e as informações relativas às aplicações não‑SIM eram pertinentes para os fornecedores de aplicações SIM, não foi suportada e foi contestada pela recorrente e pela Philips. Ora, tendo em conta essa contestação, a referida declaração devia ter sido corroborada por outros elementos para poder ser tomada em consideração.

    92

    A Comissão contesta a procedência de todos estes argumentos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    1) Quanto à primeira alegação

    93

    Com a primeira alegação, a recorrente contesta certas apreciações formuladas pelo Tribunal Geral a respeito da credibilidade da Samsung enquanto testemunha e do valor probatório atribuído a elementos de prova produzidos por esta última.

    94

    A este respeito, em primeiro lugar, importa declarar, antes de mais, que foi acertadamente que o Tribunal Geral salientou, no n.o 93 do acórdão recorrido, que o facto de o empregado da Samsung, autor da declaração de que a recorrente contesta o valor probatório, não correr o risco de incorrer em sanções penais na Coreia em caso de falsas declarações sob compromisso de honra não retirava valor probatório à sua declaração, uma vez que a Samsung, enquanto requerente no âmbito da comunicação sobre a cooperação, podia perder o benefício dessa cooperação em caso de falsas declarações.

    95

    Com efeito, qualquer tentativa de um requerente no âmbito dessa comunicação de induzir a Comissão em erro pode pôr em causa a sinceridade bem como a integralidade da sua cooperação e, portanto, privá‑lo da possibilidade de beneficiar plenamente da referida comunicação (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 138).

    96

    Em seguida, a recorrente, com a sua alegação de que as provas apresentadas pela Samsung deviam ter sido corroboradas por outros membros da infração em causa, o que não aconteceu, contesta na realidade não os n.os 148 e 149 do acórdão recorrido mas as apreciações da Comissão constantes dos considerandos 156 a 161 da decisão controvertida, segundo as quais as declarações da Samsung tinham sido corroboradas por outros membros da infração em causa. Ora, nos referidos números, o Tribunal Geral salientou, sem que a recorrente o conteste no Tribunal de Justiça, que essas apreciações não eram postas em causa naquele Tribunal.

    97

    Por conseguinte, esta alegação é inadmissível em conformidade com jurisprudência constante segundo a qual, no âmbito de um recurso em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça se encontra limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos e argumentos debatidos em primeira instância. Consequentemente, uma parte não pode invocar pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça fundamentos ou argumentos que não invocou perante o Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2016, BSH/EUIPO, C‑43/15 P, EU:C:2016:837, n.o 43, e de 13 de dezembro de 2017, Telefónica/Comissão, C‑487/16 P, não publicado, EU:C:2017:961, n.o 84).

    98

    Além disso, importa afastar o argumento relativo a uma pretensa contradição da motivação entre os n.os 148 e 149 do acórdão recorrido e o n.o 155 do mesmo acórdão. Com efeito, neste último número, sem contradizer o facto de que, no seu todo, as declarações da Samsung eram suportadas por outros membros da infração, o Tribunal Geral limitou‑se a responder a um argumento da recorrente observando que, nos considerandos 152, 157 e 158 da decisão controvertida, contestados pela recorrente, a Comissão não tinha declarado que os contactos de 3 de novembro e 17 de novembro de 2003 tinham sido corroborados por provas provenientes dos referidos outros membros.

    99

    Por último, o argumento relativo à pretensa desvirtuação das provas em razão da referência, no n.o 147 do acórdão recorrido, à NXP Semiconductors assenta numa leitura errada da decisão controvertida. Com efeito, contrariamente ao que a recorrente alega, a NXP Semiconductors é referida nos considerandos 158, 159 e 161 dessa decisão.

    100

    Em segundo lugar, quanto aos n.os 123 e 124 do acórdão recorrido, há que salientar, por um lado, que, na medida em que a recorrente invoca o caráter vago da declaração referida no n.o 123 desse acórdão, procura na realidade obter uma nova apreciação do valor probatório dessa declaração, a qual, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, está excluída da competência do Tribunal de Justiça, exceto em caso de desvirtuação deste elemento de prova (Acórdão de 12 de janeiro de 2017, Timab Industries e CFPR/Comissão, C‑411/15 P, EU:C:2017:11, n.o 153 e jurisprudência referida). Por outro lado, quanto ao argumento relativo ao n.o 124 do acórdão recorrido, basta declarar que esse número enuncia um fundamento a título exaustivo, como atesta a expressão «em todo o caso» que o introduz. Por conseguinte, este argumento é inoperante.

    101

    Consequentemente, a primeira alegação deve ser rejeitada.

    2) Quanto à segunda alegação

    102

    Com a segunda alegação, dirigida contra os n.os 255 a 258 do acórdão recorrido, a recorrente critica, em substância, o Tribunal Geral por ter desvirtuado elementos de prova, na medida em que confirmou a declaração da participação da recorrente numa infração que tinha por objeto os chips não‑SIM e confirmou a tomada em consideração das suas receitas relativas a esses produtos no cálculo do montante da coima.

    103

    Há desvirtuação quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada. Cabe às recorrentes indicar com precisão as provas que foram desvirtuadas e expor os erros de apreciação cometidos (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.os 16 e 17, e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.os 47 e 48).

    104

    Nos n.os 255 a 258 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afastou o quinto considerando invocado perante si, relativo a um erro de cálculo do montante da coima, na medida em que a Comissão tinha tido em conta os chips não‑SIM.

    105

    Em primeiro lugar, no n.o 255 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a recorrente e a Samsung tinham evocado os preços e o mercado dos chips não‑SIM durante o contacto de 24 de setembro de 2003. No n.o 256 desse acórdão, considerou que esse facto, que resultava do relatório interno de um empregado da Samsung, era suficiente para concluir que as discussões anticoncorrenciais não tinham abrangido apenas os chips SIM, mesmo que não existissem provas escritas da existência de outras trocas de informações entre a recorrente e os seus concorrentes sobre os chips não‑SIM.

    106

    A este respeito, importa salientar que, admitindo que o Tribunal Geral se baseou numa tradução incorreta desse relatório interno, não deixa de ser verdade que resulta das duas traduções apresentadas pela recorrente no Tribunal de Justiça que os preços em setores que, como a banca ou a identidade, utilizam chips não‑SIM foram efetivamente abordados no contacto de 24 de setembro de 2003. Por conseguinte, foi sem desvirtuar os elementos de prova que o Tribunal Geral constatou a existência de uma troca de informações sobre os preços dos chips não‑SIM durante esse contacto.

    107

    Em segundo lugar, no n.o 257 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acrescentou que a recorrente não tinha apresentado nenhum argumento nos seus articulados para contestar a apreciação, constante do considerando 221 da decisão controvertida, de que existia uma correlação entre os chips SIM e os chips não‑SIM. Uma vez que o Tribunal Geral considerou que as práticas anticoncorrenciais relativas aos preços dos chips SIM tinham tido necessariamente efeito nos preços dos chips não‑SIM, entendeu, no n.o 258 desse acórdão, que a circunstância de os chips SIM e os chips não‑SIM não pertencerem a um mesmo mercado de produtos não tinha influência no facto de que a Comissão podia tomar em consideração os chips não‑SIM para efeitos do cálculo do montante da coima.

    108

    Ora, no Tribunal de Justiça, a recorrente não pôs em causa a leitura, efetuada pelo Tribunal Geral, dos seus articulados em primeira instância no sentido de que a recorrente não tinha contestado a conclusão da Comissão da existência de uma correlação entre os chips SIM e os chips não‑SIM. Interrogada a este respeito na audiência no Tribunal de Justiça, a recorrente não identificou, por outro lado, nenhum elemento nos referidos articulados que indicasse que tinha contestado a referida correlação no Tribunal Geral. Por conseguinte, a contestação, no Tribunal de Justiça, por parte da recorrente, da referida correlação não é admissível.

    109

    Nestas condições, uma vez que a recorrente não contestou utilmente, no Tribunal Geral, todas as considerações formuladas na decisão controvertida para justificar a inclusão dos chips não‑SIM na infração por ela cometida, a recorrente não pode alegar que o Tribunal Geral infringiu o alcance da sua competência de plena jurisdição, ao confirmar a tomada em conta, pela Comissão, das suas receitas relativas aos referidos chips para a totalidade da duração da sua participação na infração em causa.

    110

    Consequentemente, a segunda alegação e, por conseguinte, a quarta parte do primeiro fundamento devem ser rejeitadas.

    5.   Quanto à quinta parte do primeiro fundamento

    a)   Argumentação das partes

    111

    Com a quinta parte do primeiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado os elementos de prova.

    112

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao declarar, n.o 160 do acórdão recorrido, que os preços eram determinados, em princípio, numa base anual. Com efeito, resulta dos considerandos 38 a 41, 65 e 297 da decisão controvertida que os preços foram negociados numa base anual ou trimestral, ou até com maior frequência. Ora, se o Tribunal Geral tivesse tido em conta uma negociação trimestral dos preços, necessitaria de provas suplementares para considerar que a recorrente tinha participado na infração em causa.

    113

    Em segundo lugar, desvirtuou os elementos de prova ao identificar o correio eletrónico referido nos n.os 191 a 196 do acórdão recorrido como proveniente da Samsung. Com efeito, resulta dos elementos de prova em causa e do considerando 116 da decisão controvertida que se trata de um correio eletrónico interno da recorrente. Esta desvirtuação acarretou o incumprimento da obrigação de realizar uma fiscalização completa dos argumentos da recorrente.

    114

    A Comissão contesta a procedência destes argumentos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    115

    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao declarar, n.o 160 do acórdão recorrido, que os preços eram determinados, em princípio, numa base anual.

    116

    Ora, como resulta explicitamente do n.o 160 do acórdão recorrido, sem que a recorrente, interrogada sobre este aspeto na audiência no Tribunal de Justiça, o infirme, a recorrente não contestou, no Tribunal Geral, o facto de que os preços eram negociados, em princípio, numa base anual. Portanto, o argumento relativo a esse n.o 160 é inadmissível em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 97 do presente acórdão.

    117

    Em segundo lugar, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado os elementos de facto quando da apreciação, nos n.os 191 a 196 do acórdão recorrido, do contacto com a Samsung entre 1 de junho e 8 de junho de 2004.

    118

    Importa examinar esta argumentação à luz da jurisprudência recordada nos n.os 100 e 103 do presente acórdão.

    119

    No caso em apreço, a Comissão concorda com a recorrente quanto ao facto de que, nos n.os 191 e 193 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter identificou erradamente o correio eletrónico referido nesses números ao afirmar que era proveniente da Samsung e tinha sido encontrado nas instalações desta, quando era proveniente da recorrente e tinha sido encontrado nas instalações desta última.

    120

    Todavia, no Tribunal de Justiça, a recorrente não contesta a própria existência nem o conteúdo material do correio eletrónico em causa, nem as conclusões a que o Tribunal Geral chegou com base no mesmo. Em especial, não apresenta nenhum argumento suscetível de demonstrar que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao considerar, com base no referido correio eletrónico, que a recorrente tinha participado num contacto com a Samsung e trocado, nessa ocasião, certas informações, que o Tribunal Geral, único competente para apreciar os factos, qualificou de anticoncorrenciais.

    121

    Nestas condições, há que considerar que a identificação errada do correio eletrónico em causa constitui um erro de escrita que não teve incidência na apreciação de mérito dos argumentos da recorrente relativos ao contacto que teve lugar entre 1 de junho e 8 de junho de 2004, à luz do conteúdo do referido correio eletrónico.

    122

    Na medida em que a recorrente acrescenta que, em razão da identificação errada do correio eletrónico em causa, o Tribunal Geral não cumpriu a sua obrigação de realizar uma fiscalização completa dos seus argumentos, importa observar que a sua argumentação não permite identificar os erros de direito que imputa ao Tribunal Geral, pelo que a mesma deve ser rejeitada por ser inadmissível a este respeito.

    123

    Pelo exposto, a quinta parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.

    6.   Conclusão sobre o primeiro fundamento

    124

    Tendo em todas as considerações precedentes, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente, sob reserva do exame, nos n.os 191 e seguintes do presente acórdão, da primeira parte do presente fundamento na medida em que diz respeito à violação da competência de plena jurisdição.

    B. Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma aplicação errada do artigo 101.o TFUE

    125

    O segundo fundamento invocado pela recorrente divide‑se em três partes.

    1.   Quanto à primeira parte do segundo fundamento

    a)   Argumentação das partes

    126

    Com a primeira parte do segundo fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter cometido erros de qualificação jurídica dos factos pertinentes à luz do artigo 101.o TFUE. Contesta a apreciação, feita pelo Tribunal Geral, dos contactos de 24 de setembro e 3 de novembro de 2003 com a Samsung.

    127

    Em primeiro lugar, quanto ao contacto de 24 de setembro de 2003, antes de mais, a recorrente entende que as considerações constantes do n.o 168 do acórdão recorrido não permitem declarar a existência de uma restrição da concorrência a partir do ano de 2003. Com efeito, desde logo, remetendo para os considerandos 90 e 297 da decisão controvertida, salienta que, do conjunto de indícios utilizado, só podem ser deduzidas duas referências aos preços do ano de 2003. Trata‑se, por um lado, de uma simples observação sobre o nível atual dos preços no mercado, que era notoriamente público, e, por outro, um ajustamento dos preços para o quarto trimestre de 2003 relativamente ao cliente Schlumberger Smart Cards and Terminals. Depois, a recorrente entende que as trocas de informações sobre os preços e as capacidades futuras mencionadas no n.o 168 do acórdão recorrido não podem apoiar a conclusão de que a infração alegada pôde afetar a concorrência a partir do ano 2003. Por último, o acórdão recorrido não contém nenhuma análise dos efeitos da troca de informações relativa aos preços de 2003 sobre a concorrência e o Tribunal Geral não qualificou essa troca de restrição da concorrência pelo objetivo.

    128

    Em seguida, a recorrente considera que a mera declaração — aliás, geral e desprovida de qualquer indicação quanto a uma fixação futura dos preços ou ao comportamento no mercado — relativa aos chips não‑SIM quando do contacto de 24 de setembro de 2003 não é suficiente para demonstrar a existência de uma troca ilegal de informações sensíveis a propósito desses produtos. Nem a Comissão nem o Tribunal Geral demonstraram que a partilha dessa informação podia restringir a concorrência. Por conseguinte, o Tribunal Geral, ao entender o contrário no n.o 256 do acórdão recorrido, cometeu um erro, ou desvirtuou mesmo as provas. Consequentemente, tomou erradamente em conta as receitas relativas a esses produtos para efeitos do cálculo do montante da coima aplicada à recorrente.

    129

    Em segundo lugar, quanto ao contacto de 3 de novembro de 2003, a recorrente sustenta, por um lado, que o Tribunal Geral violou o seu dever de fundamentação, uma vez que não forneceu nenhum motivo que permitisse qualificar esse contacto como constitutivo de uma troca ilegal de informações e não respondeu aos argumentos que figuram, a este respeito, nos n.os 83 a 86 da petição inicial.

    130

    Por outro lado, a apreciação, que figura nos n.os 181 a 183 do acórdão recorrido, quanto ao valor probatório das provas utilizadas para demonstrar a existência do contacto de 3 de novembro de 2003 enferma da violação do dever de fundamentação e da presunção de inocência, bem como de um erro manifesto de apreciação e de uma desvirtuação das provas. Com efeito, nem a Comissão nem o Tribunal Geral deram uma explicação suficiente sobre a existência das diferentes versões do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003 nem sobre a autenticidade do mesmo. Quanto ao conjunto de indícios referido no n.o 183 desse acórdão, que só compreende duas fontes, a recorrente precisa que o correio eletrónico da Renesas de 7 de outubro de 2003 se baseia em informações por ouvir dizer e que, sendo anterior à data do contacto de 3 de novembro de 2003, é manifesto que não pode comprovar a existência deste último. O Tribunal Geral não expôs os motivos pelos quais a Comissão podia deduzir do correio eletrónico de 7 de novembro de 2003 da Samsung, que só referia a proposta de uma futura reunião em 17 de novembro de 2003, que o contacto de 3 de novembro de 2003 tinha tido lugar. Por estes motivos, o Tribunal Geral infringiu as regras relativas ao ónus da prova, desvirtuou os elementos de prova e formulou apreciações manifestamente erradas.

    131

    A Comissão entende que estes argumentos são simultaneamente inadmissíveis, na medida em que a recorrente pretende pôr em causa as apreciações factuais do Tribunal Geral, e improcedentes.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    132

    A título preliminar, tendo em conta os argumentos da Comissão, cumpre declarar que, no essencial, com os argumentos suscitados em apoio da presente parte, a recorrente não pretende pôr em causa as apreciações factuais do Tribunal Geral, mas invoca erros de direito que este alegadamente cometeu na apreciação dos contactos com a Samsung datados de 24 de setembro e de 3 de novembro de 2003.

    133

    Em primeiro lugar, quanto ao contacto de 24 de setembro de 2003, a recorrente contesta os n.os 168 e 256 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral considerou que a infração que a recorrente cometeu começou no ano de 2003 e tinha por objeto os chips não‑SIM.

    134

    Antes de mais, é ponto assente que, como o Tribunal Geral salientou em especial nos n.os 166, 168 e 173 a 175 do acórdão recorrido, no contacto de 24 de setembro de 2003, a recorrente e a Samsung trocaram informações sensíveis relativas, designadamente, aos respetivos preços futuros.

    135

    Ora, foi devido ao próprio objeto desta troca de informações entre concorrentes que o Tribunal Geral pôde, acertadamente, qualificá‑la de infração pelo objetivo, sem que, por outro lado, como resulta dos n.os 157 a 160 do presente acórdão, os argumentos invocados pela recorrente no âmbito da segunda parte do presente fundamento sejam suscetíveis de demonstrar que esta qualificação padece de um erro de direito.

    136

    Nestas condições, mesmo admitindo que os concorrentes não tenham discutido os preços para o ano de 2003, foi sem cometer um erro de direito quanto ao início do período de infração que o Tribunal Geral considerou que a recorrente tinha participado nessa infração a partir de 24 de setembro de 2003.

    137

    Portanto, por um lado, os argumentos da recorrente com vista a demonstrar que, na reunião de 24 de setembro de 2003, os preços de 2003 não tinham sido abordados, além de que visam na realidade obter um novo exame dos factos que está excluído da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso, não são pertinentes.

    138

    Por outro lado, o Tribunal Geral não estava de forma alguma obrigado a demonstrar a existência de efeitos anticoncorrenciais para o ano de 2003. Com efeito, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é necessário analisar os efeitos de uma prática concertada quando estiver demonstrado que a mesma tem um objetivo anticoncorrencial. (Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.o 30).

    139

    Em seguida, quanto ao argumento relativo à infração referente aos chips não‑SIM, aduzido contra o n.o 256 do acórdão recorrido, importa precisar que resulta de uma leitura dos articulados da recorrente em primeira instância que, no âmbito do seu quinto fundamento invocado no Tribunal Geral, esta negou qualquer discussão sobre os chips não‑SIM, sem alegar por qualquer forma, nem sequer a título subsidiário, que a discussão sobre esses produtos quando do contacto de 24 de setembro de 2003 não podia ser qualificada de anticoncorrencial pelo objetivo. Por conseguinte, o Tribunal Geral não estava obrigado a aprofundar mais esta questão. Quanto ao restante, há que remeter para as considerações que figuram nos n.os 104 a 109 do presente acórdão.

    140

    Em segundo lugar, quanto ao contacto de 3 de novembro de 2003, a recorrente contesta as apreciações formuladas pelo Tribunal Geral nos n.os 181 a 183 e 185 do acórdão recorrido sobre, respetivamente, a existência desse contacto e a sua natureza ilícita.

    141

    Antes de mais, nos n.os 181 a 183 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, por um lado, que a recorrente não tinha feito prova de que as razões objetivas, apresentadas pela Comissão para justificar a existência de várias versões do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003, estavam erradas e, por outro, que existia um conjunto de indícios resultantes de outras provas para demonstrar o conteúdo de um contacto anticoncorrencial do mesmo dia.

    142

    A este respeito, por um lado, já foi salientado, nos n.os 68 e 69 do presente acórdão, que incumbia à recorrente contestar, no Tribunal Geral, as considerações formuladas pela Comissão na decisão controvertida a respeito da autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003 e que o Tribunal Geral expôs os motivos pelos quais a recorrente não conseguiu demonstrar que essas considerações estavam erradas.

    143

    Nestas condições, foi sem cometer um erro de direito e sem infringir o seu dever de fundamentação que o Tribunal Geral afastou os argumentos da recorrente relativos à autenticidade do correio eletrónico de 3 de novembro de 2003.

    144

    Por outro lado, quanto ao argumento pelo qual a recorrente critica o conjunto de indícios referido nos n.os 181 e 183 do acórdão recorrido, basta recordar que a apreciação dos elementos de prova está excluída, com exceção do caso da sua desvirtuação, da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso. Ora, embora a recorrente alegue que os elementos desse conjunto de indícios não são suscetíveis de suportar a existência de um contacto ilícito em 3 de novembro de 2003, não demonstra, de forma alguma, a existência de uma desvirtuação pelo Tribunal Geral desses elementos.

    145

    Em seguida, no n.o 185 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, conquanto a recorrente entendia que o contacto de 3 de novembro de 2003 não constituída uma restrição da concorrência por objetivo, que a Comissão não era obrigada a demonstrar que cada discussão ilícita constituía uma restrição desse tipo, uma vez que tinha demonstrado que as práticas em causa, consideradas no seu conjunto, constituíam uma restrição da concorrência pelo objetivo.

    146

    Ao atuar deste modo, como alega a recorrente, o Tribunal Geral declarou o caráter ilícito da discussão em causa e renunciou a examinar os argumentos apresentados por ela relativos à natureza anticoncorrencial pelo objetivo do contacto de 3 de novembro de 2003.

    147

    Todavia, atendendo às considerações formuladas nos n.os 43 a 45 do presente acórdão, tal abordagem não é contrária, nas circunstâncias do presente processo, às exigências da fiscalização da legalidade da declaração da infração. Aliás, a recorrente não sustenta que era suscetível de afetar a apreciação da adequação do montante da coima em relação à infração.

    148

    Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

    2.   Quanto à segunda parte do segundo fundamento

    a)   Argumentação das partes

    149

    Com a segunda parte do segundo fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter interpretado de maneira errada o conceito de restrição da concorrência pelo objetivo, nos n.os 172 a 176, 185 e 189 do acórdão recorrido. Segundo a recorrente, o Tribunal Geral não realizou uma análise suficiente da natureza das práticas em causa e limitou‑se, em especial nos n.os 176 e 189 desse acórdão, a um raciocínio insuficiente e a uma abordagem contraditória.

    150

    A recorrente sustenta que o Tribunal Geral, não observando a este respeito a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não analisou nem demonstrou que as trocas de informações em causa apresentavam um grau suficiente de nocividade para a concorrência no mercado dos chips para cartões. Considera que uma troca de informações esporádica sobre os preços atuais do mercado ou as futuras tendências gerais e potenciais dos preços, bem como a evolução do mercado não apresenta, por si só, tal nocividade num mercado extremamente competitivo como o referido mercado dos chips para cartões.

    151

    A recorrente precisa que a apreciação, insuficientemente fundamentada, que figura no n.o 174 do acórdão recorrido, segundo a qual o comportamento controvertido era «suscetível» de «permitir aos concorrentes limitar» a concorrência introduz duas condições incertas e diferentes do critério do grau de nocividade exigido pelo Tribunal de Justiça.

    152

    Por último, tendo em conta as diferentes características dos cinco contactos examinados pelo Tribunal Geral, este cometeu um erro ao declarar, como parece ter feito no n.o 185 do acórdão recorrido, uma restrição global da concorrência pelo objetivo.

    153

    A Comissão contesta todos estes argumentos.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    154

    Com a segunda parte do segundo fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por não ter tido em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de restrição da concorrência pelo objetivo.

    155

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o critério jurídico essencial para determinar se um acordo ou prática concertada contém uma restrição da concorrência «pelo objetivo», na aceção do artigo 101.o TFUE, reside na verificação de que esse acordo ou prática apresenta, por si próprio, suficiente grau de nocividade para a concorrência, para se considerar que não se tem de descobrir os seus efeitos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 104 e jurisprudência referida).

    156

    Para se verificar se um tipo de coordenação entre empresas apresenta suficiente grau de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «pelo objetivo», há que ter em conta nomeadamente o seu teor, os objetivos que pretende atingir e o contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há que tomar também em consideração a natureza dos bens ou serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do ou dos mercados em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de dezembro de 2013, Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, não publicado, EU:C:2013:802, n.o 36; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 117 e jurisprudência referida; e de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 105 e jurisprudência referida).

    157

    Em primeiro lugar, quanto ao contacto de 24 de setembro de 2003, resulta das constatações de facto efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 164 e 165 do acórdão recorrido que a recorrente e a Samsung trocaram informações a respeito das suas capacidades e dos seus preços, atuais e futuros, bem como da sua estratégia de evolução tecnológica. O Tribunal Geral considerou, no n.o 166 desse acórdão, que tal troca de informações sobre os preços e as capacidades é suscetível, em especial num mercado em que a oferta e a procura são concentradas, de influenciar diretamente a estratégia comercial dos concorrentes.

    158

    Em resposta aos argumentos da recorrente destinados a contestar a qualificação de restrição da concorrência pelo objetivo efetuada pela Comissão a respeito desse contacto, o Tribunal Geral recordou ainda, designadamente, a jurisprudência referida no n.o 155 do presente acórdão e considerou, nos n.os 173 e 174 do acórdão recorrido, que os fatores económicos que caracterizam o mercado em causa, não contestados pela recorrente, eram suscetíveis de demonstrar que as empresas em causa podiam obter vantagens de uma troca de informações sensíveis relativas às políticas estratégicas dos seus concorrentes em termos de preços, de capacidade e de evolução tecnológica, uma vez que essa troca podia permitir‑lhes abrandar a diminuição dos preços inerente ao mercado em causa.

    159

    Deste modo, contrariamente aos argumentos da recorrente, o Tribunal Geral conformou‑se com a jurisprudência enunciada nos n.os 155 e 156 do presente acórdão. Com efeito, o Tribunal Geral examinou o teor da troca de informações entre os concorrentes, incluindo a natureza das informações trocadas, apreciou os objetivos prosseguidos por estes últimos e teve em conta o contexto do mercado em que essas mesmas discussões tiveram lugar.

    160

    Por outro lado, contrariamente ao que a recorrente dá a entender, o facto de se qualificar a troca de informações sensíveis entre os concorrentes no mercado em causa de restrição da concorrência pelo objetivo não pode depender da frequência das trocas de informações. Com efeito, tal critério não resulta de forma alguma da jurisprudência referida nos n.os 155 e 156 do presente acórdão.

    161

    Em segundo lugar, no n.o 176 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou o argumento da recorrente de que a Comissão não tinha demonstrado que as discussões, quando do contacto de 24 de setembro de 2003, relativas à capacidade de produção podiam restringir a concorrência. Segundo o Tribunal Geral, dado que a Comissão tinha identificado as razões por que considerava que a referida troca de informações era, atendendo às características do mercado, suscetível de restringir a concorrência, não estava obrigada a demonstrar a existência de efeitos anticoncorrenciais.

    162

    Daqui resulta que o Tribunal Geral considerou, em substância, que, com o seu argumento, a recorrente criticava a Comissão por não ter demonstrado a existência de efeitos anticoncorrenciais. Ora, por um lado, no presente recurso, a recorrente não alega que o Tribunal Geral entendeu mal o alcance do seu argumento. Por outro lado, a apreciação feita pelo Tribunal Geral sobre o mesmo está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 138 do presente acórdão.

    163

    Em terceiro lugar, importa salientar que o argumento da recorrente relativo ao n.o 185 do acórdão recorrido deve ser afastado pelos motivos evocados nos n.os 145 a 147 do presente acórdão.

    164

    Por último, tendo em conta o contexto económico do mercado dos chips para cartões, conforme descrito no n.o 173 do acórdão recorrido, não se pode considerar que o motivo que figura n.o 189 desse acórdão, segundo o qual «[a] troca de informações confidenciais [relativas à intenção de aumentar os preços para toda uma categoria específica de produtos] entre concorrentes implicava necessariamente uma distorção da concorrência», padece de um erro de direito.

    165

    Consequentemente, a segunda parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

    3.   Quanto à terceira parte do segundo fundamento

    a)   Argumentação das partes

    166

    Com a terceira parte do segundo fundamento, a recorrente contesta os motivos que figuram nos n.os 215 a 224, 226 e 227 do acórdão recorrido a respeito da sua participação numa infração única e continuada.

    167

    Por um lado, sublinha uma contradição de motivos entre os n.os 215, 226 e 227 do acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral lhe imputou a responsabilidade pela totalidade da infração em causa, indicando também que ela não tinha participado na infração única e continuada no seu todo.

    168

    Por outro lado, recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a participação numa infração única e continuada requer a reunião de três condições, a saber, primeiro, a existência de um plano de conjunto que prossiga um objetivo comum, segundo, a contribuição intencional da referida empresa para esse plano e, terceiro, o conhecimento por esta, provado ou presumido, dos comportamentos infratores dos outros participantes. Ora, no caso em apreço, nem o Tribunal Geral nem a Comissão apresentaram fundamentação que permita concluir que a recorrente tinha contribuído intencionalmente para o mesmo objetivo único que a Renesas, a Samsung e a Philips. Como resulta do considerando 312 da decisão controvertida e do n.o 231 do acórdão recorrido, tanto a Comissão como o Tribunal Geral também não constataram que a recorrente tinha conhecimento do comportamento da Renesas, da Samsung e da Philips.

    169

    Assim, quer a Comissão quer o Tribuna Geral não tiveram em conta o critério relativo à intenção individual de participar num plano comum. Em contrapartida, no Acórdão de 15 de julho de 2015, voestalpine e voestalpine Wire Rod Austria/Comissão (T‑418/10, EU:T:2015:516, n.o 302), o Tribunal Geral precedeu a uma análise pormenorizada desse critério.

    170

    A Comissão contesta o mérito desta parte.

    b)   Apreciação do Tribunal de Justiça

    171

    Com a terceira parte do segundo fundamento, a recorrente imputa ao Tribunal Geral erros de direito na análise da sua participação numa infração única e continuada.

    172

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma empresa que tenha participado numa infração única e complexa através de comportamentos que lhe foram próprios, que integravam os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objetivo anticoncorrencial na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que visavam contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode ser responsável pelos comportamentos adotados por outras empresas no quadro da mesma infração relativamente a todo o período em que participou na referida infração. É o que acontece quando está provado que a referida empresa pretendia contribuir com o seu próprio comportamento para os objetivos comuns prosseguidos pelo conjunto dos participantes e tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou que podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco correspondente (Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 42, e de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce, C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.o 157).

    173

    Em contrapartida, se uma empresa participou diretamente em um ou mais comportamentos anticoncorrenciais que compõem uma infração única e continuada, mas não foi provado que, com o seu próprio comportamento, pretendia contribuir para o conjunto dos objetivos comuns prosseguidos pelos outros participantes no cartel e que tinha conhecimento de todos os outros comportamentos ilícitos projetados ou adotados pelos referidos participantes na prossecução dos mesmos objetivos, ou que podia razoavelmente prevê‑los e estava pronta a aceitar o risco correspondente, a Comissão só tem o direito de lhe imputar a responsabilidade pelos comportamentos em que participou diretamente e pelos comportamentos projetados ou adotados pelos outros participantes na prossecução dos mesmos objetivos que ela prosseguia e de que comprovadamente tinha conhecimento ou que podia razoavelmente prever e estava pronta a aceitar o risco correspondente (Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 44, e de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce, C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.o 159).

    174

    No caso em apreço, em conformidade com esta jurisprudência, o Tribunal Geral salientou, no n.o 226 do acórdão recorrido, que a declaração da existência de uma infração única é distinta da questão de saber se a responsabilidade por essa infração na sua globalidade é imputável a uma empresa.

    175

    A este respeito, resulta inequivocamente das constatações efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 229 e 231 do acórdão recorrido que, não obstante uma certa ambiguidade da decisão controvertida, da qual o Tribunal Geral expôs as principais considerações nos n.os 215, 227 e 228 desse acórdão, a Comissão, nessa decisão, considerou a recorrente responsável pela sua participação na infração em causa em razão unicamente dos seus contactos bilaterais com a Samsung e a Renesas e que não lhe imputou a responsabilidade por esta infração na sua globalidade.

    176

    Por conseguinte, o acórdão recorrido não padece de uma contradição de motivos quanto ao alcance da participação da recorrente na infração em causa.

    177

    Além disso, dado que a recorrente foi considerada responsável pela infração em causa não na sua globalidade mas apenas na medida da sua participação direta em manifestações desta infração, não é de forma alguma necessário, no caso em apreço, demonstrar que tinha conhecimento dos comportamentos colusórios dos outros membros desta infração.

    178

    Por conseguinte, importa afastar a terceira parte do segundo fundamento e, consequentemente, julgar improcedente o segundo fundamento na sua integralidade.

    C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à coima aplicada à recorrente, e quanto à primeira parte do primeiro fundamento na medida em que diz respeito a uma violação da competência de plena jurisdição

    1.   Argumentação das partes

    179

    O terceiro fundamento invocado pela recorrente compreende duas partes.

    180

    Com a primeira parte do terceiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter cometido um erro manifesto de apreciação na determinação do montante da coima, em razão da fiscalização incompleta e seletiva, como evidenciado no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, dos contactos bilaterais que ela contestou. No exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral devia ter tido em conta o número de incidentes e a participação individual de cada empresa na infração. Ao não o fazer, o Tribunal Geral não deu cumprimento à jurisprudência do Tribunal de Justiça. O Tribunal Geral também não fundamentou suficientemente a sua apreciação segundo a qual a redução do montante da coima concedida pela Comissão era adequada, ao passo que só examinou menos de metade dos contactos cuja existência tinha sido estabelecida pela Comissão e que a recorrente tinha contestado a proporcionalidade do montante da coima que lhe tinha sido aplicada com base nestes últimos contactos.

    181

    Com a segunda parte do terceiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter infringido o princípio da proporcionalidade.

    182

    Em primeiro lugar, sustenta que o Tribunal Geral não teve suficientemente em conta o facto de que tinha participado de maneira limitada na infração.

    183

    Por um lado, a recorrente alega que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 239 do acórdão recorrido, ela tinha apresentado, no n.o 172 da petição inicial e no n.o 115 da réplica entregue no Tribunal Geral, argumentos destinados a contestar a redução de 20% concedida pela Comissão.

    184

    Por outro lado, a recorrente entende que o Tribunal Geral, não se conformando assim com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não teve em conta a gravidade relativa da sua participação individual muito limitada na infração, para efeitos da determinação do montante da coima. Segundo a recorrente, este montante não reflete a realidade da sua participação nesta infração, uma vez que o Tribunal Geral só procedeu à fiscalização de um número muito limitado de contactos, a recorrente não teve conhecimento dos contactos bilaterais ocorridos entre os outros participantes na infração e só um dos contactos que a implicavam respeitava aos chips não‑SIM. Precisa que as suas receitas provenientes destes produtos representavam mais de 50% do seu volume de negócios global e que a infração relativa aos chips não‑SIM só podia dizer respeito ao ano de 2004. Por conseguinte, o Tribunal não teve suficientemente em conta a parte do volume de negócios correspondente aos produtos que eram objeto da infração, contrariamente ao que exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    185

    Em segundo lugar, a recorrente contesta os n.os 269 e 270 do acórdão recorrido sustentando que, ao aplicarem‑lhe uma coima de um montante desproporcionado, a Comissão e o Tribunal Geral violaram o artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Tribunal Geral violou a sua competência de plena jurisdição. No seu entender, o Tribunal Geral não teve em conta a participação limitada da recorrente na infração em causa. Em especial, a determinação do montante da coima resultou de um cálculo errado do volume de negócios e contrário à jurisprudência referida no n.o 269 desse acórdão. Assim, foi erradamente tomada em conta a totalidade das receitas da recorrente relativas aos chips não‑SIM durante todo o período da infração alegada. Com efeito, segundo a recorrente, a infração relativa aos chips não‑SIM só podia abranger, no máximo (quod non), o ano de 2004.

    186

    A Comissão considera que estes argumentos devem ser rejeitados.

    187

    Quanto à primeira parte, a Comissão refere que o número de contactos em que a recorrente participou não altera em nada a gravidade da sua participação na infração, uma vez que as consequências económicas dos contactos anticoncorrenciais produziram os seus efeitos posteriormente à data desses contactos.

    188

    Quanto à segunda parte deste fundamento, a Comissão entende que o argumento relativo ao facto de que, quando do exame da gravidade da sua participação na infração, o Tribunal Geral devia ter tido em conta a circunstância de que apenas alguns dos referidos contactos diziam respeito aos chips não‑SIM é irrelevante por força do artigo 170.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que foi apresentado pela primeira vez no Tribunal de Justiça. Em todo o caso, o Tribunal Geral declarou acertadamente que a infração em causa dizia respeito a esses chips.

    189

    Em primeiro lugar, a Comissão salienta que, uma vez que ela pode tomar em conta a gravidade relativa da participação de uma empresa na infração, seja quando da determinação do montante de base da coima que lhe pode aplicar seja a título de circunstâncias atenuantes ou agravantes, o Tribunal Geral confirmou acertadamente a fixação de uma percentagem de gravidade de 16% para todas as partes no cartel. A recorrente não demonstrou que a redução de 20%, efetuada a seu favor, conduzia à aplicação de uma coima de um montante excessivo, ao ponto de ser desproporcionado.

    190

    Em segundo lugar, quanto à pretensa violação do princípio da proporcionalidade, a Comissão sustenta que a aplicação de uma coima de um montante mais elevado à recorrente comparado com o das coimas aplicadas pela decisão controvertida aos outros participantes na infração resulta do facto de o valor das vendas de chips para cartões da recorrente ser o mais elevado dos quatro participantes. A este respeito, a Comissão precisa que o volume de negócios constitui um elemento objetivo que confere uma justa medida da nocividade do comportamento colusório para o jogo normal da concorrência. Nenhum dos outros fatores invocados pela recorrente é suscetível de alterar a apreciação da gravidade da infração pelo Tribunal Geral.

    2.   Apreciação do Tribunal de Justiça

    191

    Uma vez que as duas partes do terceiro fundamento se sobrepõem parcialmente, devem ser examinadas em conjunto. Por outro lado, em conformidade com o exposto no n.o 56 do presente acórdão, há que examinar também os argumentos invocados em apoio da primeira parte do primeiro fundamento, na medida em que têm por objeto o exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição.

    192

    Em primeiro lugar, cabe recordar que só o Tribunal Geral tem competência para fiscalizar a forma como a Comissão apreciou, em cada caso concreto, a gravidade dos comportamentos ilícitos. Em segunda instância, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, por um lado, examinar em que medida o Tribunal Geral tomou em consideração, de modo juridicamente correto, todos os fatores essenciais para apreciar a gravidade de um determinado comportamento à luz do artigo 101.o TFUE e do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 e, por outro, verificar se o Tribunal Geral deu resposta suficiente a todos os argumentos invocados em apoio do pedido de anulação da coima ou de redução do montante da mesma (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Laufen Austria/Comissão, C‑637/13 P, EU:C:2017:51, n.o 58).

    193

    Em segundo lugar, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a competência de plena jurisdição, reconhecida ao juiz da União no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 em conformidade com o artigo 261.o TFUE, habilita o juiz, além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 63 e jurisprudência referida, e de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Áustria/Comissão, C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.o 81).

    194

    Efetivamente, o exercício dessa competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização oficiosa e o processo é contraditório. É ao recorrente que cabe, em princípio, invocar os fundamentos contra a decisão controvertida e juntar a prova desses fundamentos (Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.o 76 e jurisprudência referida, e de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Áustria/Comissão, C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.o 83).

    195

    No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, para cumprir as exigências de uma fiscalização de plena jurisdição, na aceção do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, no que respeita à coima, o juiz da União deve, no exercício das competências previstas nos artigos 261.o e 263.o TFUE, analisar todas as alegações, de direito ou de facto, destinadas a demonstrar que o montante da coima não é adequado à gravidade e à duração da infração (Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.o 75 e jurisprudência referida, e de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Áustria/Comissão, C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.o 82).

    196

    Em terceiro lugar, a gravidade da infração deve ser objeto de uma apreciação individual (Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 102). Para a determinação do montante das coimas, há que ter em conta a duração da infração e todos os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade da mesma, tais como o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas no estabelecimento das práticas concertadas, o benefício que retiraram dessas práticas, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infrações deste tipo representam para a União Europeia (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 56 e jurisprudência referida).

    197

    Entre esses elementos conta‑se também o número e a intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 57 e jurisprudência referida).

    198

    No entanto, o Tribunal de Justiça recordou que não existe uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tidos em conta para apreciar a gravidade de uma infração (Acórdãos de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 54, e de 13 de junho de 2013, Versalis/Comissão, C‑511/11 P, EU:C:2013:386, n.o 82, e jurisprudência referida).

    199

    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Comissão pode ter em conta a gravidade relativa da participação de uma empresa numa infração e as circunstâncias particulares do processo seja quando da apreciação da gravidade da infração, na aceção do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003, seja quando do ajustamento do montante de base em função de circunstâncias atenuantes ou agravantes. A concessão dessa escolha à Comissão é conforme com a jurisprudência recordada no n.o 196 do presente acórdão, uma vez que impõe, em qualquer caso, que, na determinação do montante da coima, seja tido em conta o comportamento individual da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.os 104 e 105).

    200

    No caso em apreço, antes de mais, resulta inequivocamente da decisão controvertida e das constatações efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 215, 229 e 231 do acórdão recorrido que, embora, nessa decisão, a Comissão tenha declarado a existência de uma infração única e continuada, esta instituição considerou a recorrente responsável por esta infração apenas na medida dos contactos ilícitos que manteve com a Samsung e a Renesas entre 24 de setembro de 2003 e 31 de março de 2005. Assim, a recorrente só foi considerada responsável pela infração em causa com base nos onze contactos bilaterais constatados a seu respeito na decisão controvertida e que a recorrente contestou no Tribunal Geral.

    201

    A Comissão teve em conta esta participação limitada da recorrente na infração em causa no cálculo da coima, concedendo‑lhe uma redução de 20% a título das circunstâncias atenuantes, ao mesmo tempo que aplicou um coeficiente de gravidade de 16% idêntico para todos os participantes na infração em causa.

    202

    Em seguida, resulta inequivocamente de uma leitura da petição inicial que a recorrente pediu não só a anulação da decisão controvertida na parte em que lhe diz respeito mas também, a título subsidiário, a redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada. A este propósito, importa por outro lado precisar que, na audiência no Tribunal de Justiça, a Comissão retirou a sua argumentação segundo a qual a recorrente não tinha pedido ao Tribunal Geral para exercer a sua competência de plena jurisdição.

    203

    Com os seus fundamentos invocados no Tribunal Geral, a recorrente contestou designadamente as apreciações que a Comissão formulou sobre cada um dos onze contactos bilaterais que lhe foram imputados e criticou o cálculo do montante da coima que lhe foi aplicada no que respeita tanto ao coeficiente de gravidade de 16% como à taxa de redução de 20% concedida a título das circunstâncias atenuantes.

    204

    Daqui se conclui que, com a sua argumentação desenvolvida na petição inicial, a recorrente convidou o Tribunal Geral a examinar a realidade da sua participação na infração em causa e, sendo caso disso, o alcance exato dessa participação. Ora, esta argumentação podia ser pertinente para apreciar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 195 do presente acórdão, à luz do comportamento da recorrente, a adequação do montante da coima que lhe foi aplicada em relação à infração que cometeu.

    205

    Com efeito, embora, para apreciar a gravidade da infração cometida pela recorrente e para fixar o montante da coima, o Tribunal Geral não esteja obrigado a basear‑se no número exato de contactos bilaterais imputados à recorrente, este elemento pode no entanto constituir um elemento pertinente entre outros (v., por analogia, Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.o 132, e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 277).

    206

    Nestas condições, o Tribunal Geral não podia, sem infringir o alcance da sua competência de plena jurisdição, deixar de responder ao argumento invocado pela recorrente, segundo o qual a Comissão tinha violado o princípio da proporcionalidade ao fixar o montante da coima aplicada sem tomar em conta o número limitado de contactos em que a recorrente participou. Esta conclusão é válida tanto mais que, no caso em apreço, o Tribunal Geral se limitou a considerar cinco dos onze contactos constatados na decisão controvertida, sem responder à questão de saber se a Comissão tinha demonstrado a existência dos seis outros contactos considerados nessa decisão.

    207

    Ora, na medida em que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não fiscalizou a proporcionalidade do montante da coima aplicada em relação ao número de contactos que imputou à recorrente, nem expôs os motivos pelos quais não procedeu a essa fiscalização, cometeu um erro de direito.

    208

    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da Comissão.

    209

    É verdade que, por um lado, como o Tribunal Geral recordou no n.o 269 do acórdão recorrido, a parte do volume de negócios global proveniente da venda de produtos que são objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica dessa infração (Acórdão de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, C‑227/14 P, EU:C:2015:258, n.o 55), pelo que o facto de o volume de negócios da recorrente ser bastante superior ao das outras empresas punidas pode justificar a aplicação da coima mais elevada à recorrente.

    210

    Por outro lado, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, tendo em conta o ponto 23 das orientações de 2006, um coeficiente de gravidade de 16% só se pode justificar com base na natureza da infração em causa, uma vez que, conforme o Tribunal Geral salientou, esta se inclui nas restrições de concorrência mais graves na aceção do referido ponto 23 e que tal taxa figura entre as taxas mais baixa da escala das sanções prevista para tais infrações por força dessas orientações (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Aloys F. Dornbracht/Comissão, C‑604/13 P, EU:C:2017:45, n.o 75).

    211

    Todavia, as circunstâncias assinaladas e a jurisprudência referida nos n.os 209 e 210 do presente acórdão não podem, por si só, justificar que, nas circunstâncias deste caso, o Tribunal Geral renuncie ao exame da adequação do montante da coima em relação ao número de contactos que imputou à recorrente. Com efeito, tal exame era necessário para apreciar, designadamente, se o número limitado desses contactos justificava uma redução do montante da coima aplicada à recorrente superior à redução de 20% que lhe foi concedida a título das circunstâncias atenuantes.

    212

    Efetivamente, o Tribunal de Justiça já declarou que não é necessário conceder automaticamente uma redução suplementar por cada circunstância atenuante alegada por um requerente, mesmo admitindo que é fundada, desde que uma análise global que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes conduza a constatar o caráter proporcionado do montante da coima aplicada pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Caffaro/Comissão, C‑447/11 P, não publicado, EU:C:2013:797, n.os 103 e 104).

    213

    Ora, no caso em apreço, é precisamente essa análise global que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes que está em falta no acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral se absteve de examinar a proporcionalidade da coima em relação ao número de contactos imputados à recorrente.

    214

    Em segundo lugar, os argumentos da recorrente relativos à tomada em consideração das suas receitas ligadas aos chips não‑SIM devem ser afastados pelos motivos expostos nos n.os 104 a 109 e 139 do presente acórdão.

    215

    Consequentemente, importa acolher a primeira parte do primeiro fundamento e o terceiro fundamento na medida em que a recorrente critica o Tribunal Geral por não ter tomado em consideração, quando da apreciação do montante da coima, o número de contactos que imputou à recorrente, e rejeitá‑los quanto ao restante.

    VI. Quanto à anulação parcial do acórdão recorrido

    216

    Resulta do exposto que o acórdão recorrido padece de um erro de direito quanto ao exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição.

    217

    Nestas condições, há que anular o acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral negou provimento ao pedido subsidiário da recorrente destinado à redução do montante de coima que a Comissão lhe tinha aplicado, e negar provimento ao recurso quanto ao restante.

    VII. Quanto ao litígio em primeira instância

    218

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

    219

    No caso em apreço, tal não se verifica.

    220

    Com efeito, é ponto assente que o exame do pedido da recorrente destinado a obter a redução do montante da coima que lhe foi aplicada pela decisão controvertida é suscetível de implicar apreciações de facto, principalmente, sobre os contactos bilaterais, que contesta no âmbito da terceira parte do terceiro fundamento que apresentou no Tribunal Geral, os quais não foram objeto de uma apreciação pelo Tribunal Geral e não foram plenamente debatidos no Tribunal de Justiça.

    221

    Consequentemente, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que aprecie a proporcionalidade do montante da coima aplicada em relação ao número de contactos imputados à recorrente, eventualmente examinando se a Comissão demonstrou a existência dos seis contactos sobre os quais o Tribunal Geral ainda não se pronunciou.

    VIII. Quanto às despesas

    222

    Tendo o processo sido remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de dezembro de 2016, Infineon Technologies/Comissão (T‑758/14, não publicado, EU:T:2016:737), é anulado, na medida em que o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido subsidiário da Infineon Technologies AG destinado à redução do montante da coima que a Comissão Europeia lhe tinha aplicado.

     

    2)

    É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

     

    3)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre o pedido de redução do montante da coima aplicada à Infineon Technologies AG, à luz do sexto fundamento.

     

    4)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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