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Document 62017CJ0093

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de novembro de 2018.
Comissão Europeia contra República Helénica.
Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado — Auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno — Obrigação de recuperação — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Empresa que exerce simultaneamente atividades civis e militares — Inexecução — Interesses essenciais da segurança de um Estado‑Membro — Artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE — Sanções financeiras — Sanção pecuniária compulsória — Quantia fixa — Capacidade de pagamento — Fator “n” — Fatores que estão na base da avaliação da capacidade de pagamento — Produto interno bruto — Ponderação dos votos do Estado‑Membro no Conselho da União Europeia — Nova regra de votação no Conselho.
Processo C-93/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:903

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de novembro de 2018 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado — Auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno — Obrigação de recuperação — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento — Empresa que exerce simultaneamente atividades civis e militares — Inexecução — Interesses essenciais da segurança de um Estado‑Membro — Artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE — Sanções financeiras — Sanção pecuniária compulsória — Quantia fixa — Capacidade de pagamento — Fator “n” — Fatores que estão na base da avaliação da capacidade de pagamento — Produto interno bruto — Ponderação dos votos do Estado‑Membro no Conselho da União Europeia — Nova regra de votação no Conselho»

No processo C‑93/17,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 260.o, n.o 2, TFUE, que deu entrada em 22 de fevereiro de 2017,

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Helénica, representada por K. Boskovits e A. Samoni‑Rantou, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

declarar que, não tendo adotado todas as medidas necessárias à execução do Acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia (C‑485/10, não publicado, a seguir «acórdão que declara o incumprimento», EU:C:2012:395), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE;

ordenar à República Helénica o pagamento à Comissão de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 34974 euros por cada dia de atraso na execução do acórdão que declara o incumprimento, a contar da data da prolação do acórdão no presente processo até à data da execução do acórdão que declara o incumprimento;

ordenar à República Helénica o pagamento à Comissão de uma quantia fixa, cujo valor resulta da multiplicação do montante diário de 3828 euros pelo número de dias de duração da infração, compreendidos entre a data da prolação do acórdão que declara o incumprimento e a data em que este Estado‑Membro pôs termo à infração ou, na falta de cessação da infração, a data da prolação do acórdão no presente processo; e

condenar a República Helénica nas despesas.

Quadro jurídico

2

O artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE dispõe:

«As disposições dos Tratados não prejudicam a aplicação das seguintes regras:

[…]

b)

Qualquer Estado‑Membro pode tomar as medidas que considere necessárias à proteção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra; tais medidas não devem alterar as condições de concorrência no mercado interno no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares.»

Antecedentes do litígio

3

A Hellenic Shipyards SA (Ellinika Nafpigeia AE, a seguir «ENAE»), proprietária de um estaleiro naval civil e militar grego situado em Skaramagkas (Grécia), é especializada na construção de navios militares. Em 1985, a ENAE cessou as suas atividades e foi liquidada. Em setembro de 1985, a Elliniki Trapeza Viomichanikis Anaptixeos AE (a seguir «ETVA»), um banco helénico pertencente ao Estado grego, adquiriu a ENAE. Em 18 de setembro de 1995, a ETVA vendeu 49% das ações da ENAE aos trabalhadores desta sociedade.

4

Em 1998, no âmbito de um projeto de modernização da sua frota de submarinos, a República Helénica celebrou com a ENAE um contrato, denominado «Arquimedes», para a construção de três submarinos «HDW classe 214», bem como para a construção opcional de um quarto, e um contrato, denominado «Neptuno II», para a modernização de três submarinos «HDW classe 209».

5

Em 2001, a República Helénica decidiu privatizar a ENAE. Em 11 de outubro de 2001, foi assinado um acordo de venda das ações da ENAE entre, por um lado, a ETVA e os trabalhadores da ENAE e, por outro, um consórcio constituído pela Howaldtswerke‑Deutsche Werft GmbH (a seguir «HDW») e a Ferrostaal AG (a seguir, em conjunto, «HDW‑Ferrostaal»). A HDW‑Ferrostaal criou a Greek Naval Shipyard Holding (Elliniki Nafpigokataskevastiki AE Chartofylakeiou, a seguir «GNSH»), detida em partes iguais pela HDW e pela Ferrostaal, com o objetivo de gerir a sua participação na ENAE.

6

Em janeiro de 2005, a ThyssenKrupp AG adquiriu a HDW. Em novembro de 2005, a ThyssenKrupp adquiriu as ações da GNSH detidas pela Ferrostaal. Assim, a partir dessa data, a ThyssenKrupp detinha a totalidade das participações sociais e o controlo da ENAE. A GNSH e a ENAE foram integradas na ThyssenKrupp Marine Systems AG, uma divisão da ThyssenKrupp especializada em sistemas para navios militares e navios comerciais especializados.

7

Nesse contexto, a República Helénica adotou, entre 1996 e 2003, várias medidas consistindo em injeções de capital, garantias e empréstimos a favor da ENAE, que foram objeto de várias decisões do Conselho da União Europeia e da Comissão.

8

Em 2 de julho de 2008, a Comissão adotou a Decisão 2009/610/CE, de 2 de julho de 2008, relativa às medidas C 16/04 (ex NN 29/04, CP 71/02 e CP 133/05) implementadas pela Grécia a favor da Hellenic Shipyards (JO 2009, L 225, p. 104), cujos artigos 2.o, 3.o, 8.o, 9.o e 11.o a 15.o dispõem que essas medidas constituem auxílios incompatíveis com o mercado interno.

9

De acordo com os artigos 5.o e 6.o desta decisão, os auxílios nela especificados, apesar de previamente autorizados pela Comissão, foram aplicados de forma abusiva, impondo‑se recuperá‑los.

10

Nos termos do artigo 16.o da Decisão 2009/610, a garantia de indemnização concedida pela ETVA à HDW‑Ferrostaal, que prevê a indemnização destas por eventuais auxílios de Estado recuperados junto da ENAE, constitui um auxílio implementado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que é incompatível com o mercado interno. Consequentemente, essa garantia devia ser imediatamente cancelada.

11

Constatando que os auxílios a recuperar beneficiaram exclusivamente as atividades civis da ENAE, a Comissão decidiu, no artigo 17.o da referida decisão, que os auxílios deviam ser recuperados sobre a parte civil dos ativos dessa sociedade.

12

O artigo 18.o da Decisão 2009/610 intimava a República Helénica a proceder à recuperação imediata dos auxílios definidos nos artigos 2.o, 3.o, 5.o, 6.o, 8.o, 9.o e 11.o a 15.o desta decisão. Segundo o artigo 18.o, a República Helénica devia adotar as medidas necessárias à execução da referida decisão no prazo de quatro meses a contar de 13 de agosto de 2008, data da sua notificação.

13

Dada a situação económica difícil da ENAE, a República Helénica alegou que a recuperação integral dos auxílios em causa podia levar à insolvência desta e, consequentemente, afetar as suas atividades militares, incluindo a construção e a modernização dos submarinos «HDW classe 214» e «HDW classe 209», de tal forma que poderia prejudicar os interesses essenciais da segurança da República Helénica, na aceção do artigo 346.o TFUE. A fim de evitar essa eventualidade, a Comissão, a República Helénica e a ENAE chegaram, após negociações durante o período compreendido entre junho e outubro de 2010 e as cartas de compromisso da ENAE e da República Helénica, datadas, respetivamente, de 27 e 29 de outubro de 2010, a um acordo, nos termos do qual a Decisão 2009/610 seria considerada corretamente executada, sob reserva da observância dos seguintes compromissos:

interrupção das atividades civis da ENAE durante um período de quinze anos, a partir de 1 de outubro de 2010;

os ativos da ENAE relacionados com as atividades civis seriam vendidos e o produto da venda seria entregue às autoridades gregas. Se dos leilões não resultasse a venda de todos ou de parte desses ativos civis, a ENAE transferi‑los‑ia para o Estado grego a título de execução alternativa da obrigação de recuperação dos auxílios em causa. Neste caso, o Estado grego deveria assegurar que nenhum dos referidos ativos fosse novamente adquirido pela ENAE ou pelos seus atuais ou futuros acionistas durante o referido período de quinze anos;

a ENAE renunciaria à concessão de uma doca seca cuja utilização não era necessária para prosseguir as suas atividades militares. O Estado grego garantiria que esta concessão e o terreno por ela abrangido não seriam novamente adquiridos pela ENAE ou pelos seus acionistas atuais ou futuros durante o referido período de quinze anos;

a ENAE renunciaria à garantia de indemnização prevista no artigo 16.o da Decisão 2009/610 e não iniciaria nenhum processo com fundamento ou com ela relacionado. A República Helénica deveria invocar a nulidade desta garantia perante qualquer órgão judicial ou extrajudicial;

nos seis meses seguintes à aceitação da lista dos compromissos pela Comissão, a República Helénica entregaria a esta provas da restituição da doca seca ao Estado grego e as informações atualizadas relativas à venda em leilão dos ativos civis da ENAE. Além disso, a República Helénica informaria anualmente a Comissão sobre o andamento da recuperação dos auxílios incompatíveis, incluindo a apresentação de provas de que a ENAE já não prosseguia atividades civis, informações sobre a propriedade e utilização dos ativos restituídos ao Estado grego, bem como sobre a utilização do terreno visado pela concessão da doca seca.

14

Em 8 de outubro de 2010, considerando que a República Helénica não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força da Decisão 2009/610, a Comissão intentou uma ação por incumprimento contra a República Helénica, em aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, destinada a fazer declarar que esta não tinha tomado, nos prazos estabelecidos, todas as medidas necessárias para cumprir esta decisão.

15

Por carta de 1 de dezembro de 2010, a Comissão informou a República Helénica de que, caso os compromissos enumerados no n.o 13 de presente acórdão fossem efetivamente implementados, a Comissão consideraria a Decisão 2009/610 plenamente executada. Essa instituição precisou na mesma carta que os ativos da ENAE, afetos às suas atividades civis, deviam ser vendidos ou transferidos para o Estado grego nos seis meses seguintes à referida carta.

16

Em 28 de junho de 2012, o Tribunal de Justiça, no acórdão que declara o incumprimento, declarou que, não tendo tomado, no prazo fixado, todas as medidas necessárias à execução da Decisão 2009/610 e não tendo apresentado à Comissão, no prazo fixado, as informações enumeradas no artigo 19.o dessa decisão, a República Helénica incumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o, 3.o, 5.o, 6.o, 8.o, 9.o e 11.o a 19.o da referida decisão.

Procedimento pré‑contencioso

17

Na sequência da prolação do acórdão que declara o incumprimento, os serviços da Comissão trocaram várias cartas com as autoridades helénicas sobre o andamento da recuperação dos auxílios incompatíveis.

18

Nesse contexto, o Parlamento helénico adotou a Lei n.o 4099/2012, que entrou em vigor em 20 de dezembro de 2012. O seu artigo 169.o, n.o 2, enuncia que, «[a] partir da entrada em vigor da presente lei, o direito de uso exclusivo concedido à [ENAE] pelo artigo 1.o, n.o 15, da Lei n.o 2302/1995 […], conforme completado pelo artigo 6.o, n.o 1, da Lei n.o 2941/2011, está abolido na medida em que respeita à parte do terreno do Estado ABK 266 com uma área de […] (216663,985 m2) indicada [no plano topográfico publicado no anexo I da presente lei], bem como à zona litoral situada em frente ao terreno público ABK suprarreferido.»

19

Em 11 de janeiro de 2013, a ENAE e os seus proprietários à data intentaram no Tribunal Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (a seguir «Tribunal Arbitral CCI») uma ação de indemnização contra a República Helénica por pretensa violação, em primeiro lugar, de um acordo‑quadro (Framework Agreement) celebrado em março de 2010 entre a República Helénica, a ENAE, a HDW, a ThyssenKrupp e a Abu Dhabi Mar LLC, que, em 2009, adquiriu 75,1% das ações da ENAE detidas pela ThyssenKrupp, cujo artigo 11.o remetia para a obrigação da República Helénica de recuperar o auxílio de Estado; em segundo lugar, de um acordo de execução (Implementation Agreement) entre as mesmas partes nesse acordo‑quadro, que devia dirimir diversos diferendos relativos à execução dos contratos «Arquimedes» e «Neptuno II»; e, em terceiro lugar, de contratos de construção e de modernização dos submarinos celebrados no âmbito desses acordos. Em 23 de abril de 2014, a República Helénica também intentou no Tribunal Arbitral CCI uma ação de indemnização contra a ENAE e os seus acionistas por violação do acordo de execução e dos contratos de construção e de modernização dos submarinos e, nomeadamente, da obrigação de entregar os submarinos nas condições e nos prazos previstos.

20

Além disso, o Parlamento helénico adotou a Lei n.o 4237/2014, que entrou em vigor em 12 de fevereiro de 2014 e cujo artigo 12.o enuncia que, tendo em conta os interesses de segurança nacional da República Helénica, é suspensa a prossecução de todas as formas de execução contra os bens móveis e imóveis da ENAE.

21

Através do artigo 26.o da Lei n.o 4258/2014, que entrou em vigor em 14 de abril de 2014, a República Helénica atribuiu à marinha de guerra o projeto relativo à construção e à modernização dos submarinos por a ENAE não ter respeitado os seus compromissos contratuais para assegurar as capacidades operacionais necessárias à defesa e à segurança nacionais. Esta disposição previa igualmente que a marinha de guerra prosseguiria os trabalhos sobre os submarinos nas instalações da ENAE sem contrapartida, pagando os salários e as cotizações sociais dos trabalhadores a título de retribuição pelo trabalho realizado.

22

Em 27 de novembro de 2014, considerando que a Decisão 2009/610 ainda não tinha sido executada, a Comissão enviou uma notificação para cumprir às autoridades helénicas, em conformidade com o artigo 260.o, n.o 2, TFUE, concedendo‑lhes um prazo de execução de dois meses.

23

Na notificação para cumprir, a Comissão observou que as autoridades helénicas não tinham recuperado o montante dos auxílios incompatíveis nem lhe tinham dado informações sobre a execução da Decisão 2009/610.

24

As autoridades gregas responderam à notificação para cumprir por carta de 23 de janeiro de 2015. Por um lado, assinalaram a atitude obstrutiva e a falta de cooperação da ENAE na implementação dos compromissos inscritos na carta de 1 de dezembro de 2010. Por outro lado, invocaram a necessidade de essa sociedade continuar operacional ainda durante 18 a 20 meses para que a marinha de guerra pudesse terminar, nas instalações da ENAE, a construção e a modernização dos submarinos previstas nos contratos «Arquimedes» e «Neptuno II».

25

Em 4 de dezembro de 2015, as autoridades helénicas enviaram à ENAE uma ordem de cobrança de 523352889,23 euros, o que representava cerca de 80% do valor a recuperar, incluindo os juros calculados até 30 de novembro de 2015. Em 5 de fevereiro de 2016, a ENAE interpôs no Dioikitiko Protodikeio Athinon (Tribunal Administrativo de Primeira Instância de Atenas, Grécia) um recurso de anulação dessa ordem de cobrança. Em março de 2016, as autoridades fiscais helénicas adotaram atos de execução da referida ordem de cobrança. Em 13 de abril de 2016, a ENAE deduziu no mesmo tribunal oposição aos referidos atos de execução. Em 23 de maio de 2016, a ENAE apresentou no mesmo tribunal pedidos de suspensão da execução dos atos acima mencionados. A Comissão interveio nesses processos na qualidade de amicus curiae, ao abrigo do artigo 29.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

26

Em 29 de setembro de 2016, o Dioikitiko Protodikeio Athinon (Tribunal Administrativo de Primeira Instância de Atenas) indeferiu os pedidos de suspensão da execução apresentados pela ENAE.

27

Na sequência dos indeferimentos referidos, as autoridades helénicas deram início, em 3 de fevereiro de 2017, a um processo de execução dos ativos civis da ENAE. Em 6 de fevereiro de 2017, as autoridades em questão procederam a penhoras junto de três bancos em que a ENAE tinha contas. Todavia, a República Helénica não recuperou nenhum montante devido a penhoras anteriores efetuadas por outros credores e devido à difícil situação financeira dessa empresa.

28

Em paralelo, em 12 de maio de 2016, a ENAE e os seus acionistas solicitaram ao Tribunal Arbitral CCI medidas cautelares contra os atos administrativos nacionais adotados pelas autoridades helénicas em dezembro de 2015 e em março de 2016, tendo em vista a recuperação dos auxílios de Estado em causa. O Tribunal Arbitral CCI indeferiu esse pedido de medidas provisórias. Pediram ainda ao Tribunal Arbitral CCI que proibisse as autoridades gregas de iniciarem qualquer processo de insolvência contra a ENAE durante o processo arbitral.

29

Por despacho provisório de 5 de agosto de 2016, o Tribunal Arbitral CCI indeferiu o pedido da ENAE e dos seus acionistas, declarando que não podia interferir na execução da Decisão 2009/610. Declarou, todavia, que a cobrança dos auxílios em causa poderia provocar a insolvência da ENAE e, portanto, proibiu a República Helénica de tomar uma medida de nacionalização da ENAE, de assumir o controlo da administração dessa sociedade ou de submeter a ENAE e seus ativos a um processo de insolvência, sem a informar previamente.

30

Em 13 de fevereiro de 2017, as autoridades helénicas informaram a Comissão da sua intenção de submeter a ENAE a um procedimento de liquidação especial nos termos da Lei n.o 4307/2014, que entrou em vigor em 15 de novembro de 2014 (a seguir «gestão especial»), e pediram para se reunir com a Comissão para discutir as condições de aplicação desse procedimento.

31

Foi nestas condições que, em 22 de fevereiro de 2017, a Comissão intentou a presente ação.

Factos ocorridos após a propositura da ação no Tribunal de Justiça

32

Em 8 de março de 2017, teve lugar uma reunião relativa à colocação da ENAE em gestão especial. No decurso dessa reunião, as autoridades helénicas apresentaram à Comissão um plano pormenorizado para colocar a ENAE na gestão especial proposta.

33

Em 21 de março de 2017, foram apreendidos dois reservatórios flutuantes pertencentes à ENAE.

34

Em 10 de abril de 2017, a ENAE apresentou um pedido de medidas provisórias no Tribunal Arbitral CCI, requerendo a adoção de medidas cautelares que proibiriam as autoridades helénicas de iniciar um processo para submeter essa sociedade a uma gestão especial ao abrigo da Lei n.o 4307/2014. O Tribunal Arbitral CCI recordou, na sua decisão de 27 de junho de 2017, que a sua decisão era iminente. Considerou, assim, que a abertura de um processo de gestão especial contra a ENAE teria por efeito privar os seus acionistas do controlo sobre a sociedade e que o administrador especial, escolhido pelos credores, poderia tomar decisões que afetassem a posição da ENAE no processo arbitral. Neste contexto, o Tribunal Arbitral CCI decidiu que as autoridades helénicas se deviam abster, até à adoção da sua decisão final, de qualquer medida de cobrança que implicasse, direta ou indiretamente, uma alteração do controlo da gestão da ENAE, designadamente os processos de insolvência e a colocação desta sociedade em gestão especial.

35

Em 29 de junho de 2017, as autoridades helénicas enviaram uma carta à ENAE, solicitando‑lhe o pagamento dos 20% remanescentes do montante dos auxílios a recuperar, incluindo os juros calculados até 30 de junho de 2017, ou seja, 95098200,99 euros. Uma vez que esse pagamento não foi efetuado, as autoridades fiscais foram incumbidas de recuperar este montante por carta de 31 de julho de 2017 do Ypourgeio Oikonomias kai Anaptyxis (Ministério da Economia e do Desenvolvimento, Grécia).

36

Em 12 de outubro de 2017, as autoridades helénicas iniciaram um processo nos tribunais gregos para submeter a ENAE ao processo de gestão especial instaurado ao abrigo do artigo 68.o da Lei n.o 4307/2014, que entrou em vigor em 15 de novembro de 2014.

37

No decurso do processo, o Tribunal de Justiça deferiu três pedidos da República Helénica relativos à apresentação de novos documentos em aplicação do artigo 128.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em cada caso, foi concedido um prazo à Comissão para lhe permitir tomar posição sobre esses documentos.

38

Decorre dos referidos documentos, primeiro, que, no seu Acórdão n.o 725/2018, de 8 de março de 2018, o Monomeles Protodikeio Athinon [Tribunal de Primeira Instância (juiz singular) de Atenas, Grécia] deferiu o pedido das autoridades gregas, colocou a ENAE em gestão especial e nomeou um gestor especial.

39

Segundo, resulta desses mesmos documentos que, em 26 de março de 2018, a autoridade independente das receitas públicas ter tentado, por uma declaração de crédito feita em 22 de março de 2018, apresentar junto do administrador especial os créditos da República Helénica relativos à restituição dos auxílios em causa no âmbito do processo de gestão especial dessa sociedade. Mais concretamente, essa autoridade anunciou um montante de 713883282,19 euros, acrescido de juros devidos pelo atraso no pagamento da dívida. Este montante inclui os montantes de 524896095,75 euros e de 95171888,92 euros que o Estado grego deve recuperar para dar cumprimento à Decisão 2009/610 e ao acórdão que declara o incumprimento.

40

O administrador especial foi notificado de todas estas ações por carta registada entregue nos correios.

41

Terceiro, decorre dos documentos apresentados pela República Helénica em aplicação do artigo 128.o, n.o 2, do Regulamento de Processo que, em 26 de junho de 2018, através de um protocolo de entrega, a ENAE, representada pelo seu administrador especial, entregou a posse do terreno ABK 266, bem como da parte do litoral situada em frente ao mesmo à Etaireia Akiniton Dimosiou A.E. (Sociedade de Bens Imóveis do Estado SA, a seguir «ETAD»).

Quanto ao incumprimento

Argumentos das partes

42

A Comissão acusa a República Helénica de não ter tomado as medidas necessárias à execução do acórdão que declara o incumprimento, uma vez que passaram vários anos sobre a adoção da Decisão 2009/610 e sobre a prolação desse acórdão, sem que as autoridades helénicas tenham recuperado os auxílios de Estado em causa junto da ENAE.

43

Em primeiro lugar, a Comissão alega que a República Helénica não adotou todas as medidas que, em princípio, são necessárias à execução de uma decisão como a Decisão 2009/610.

44

Com efeito, tendo introduzido a moratória prevista no artigo 12.o da Lei n.o 4237/2014, as autoridades helénicas tornaram mais difícil a cobrança dos auxílios.

45

Só em dezembro de 2015 e em março de 2016 as autoridades helénicas adotaram atos administrativos nacionais para efeitos da recuperação parcial dos auxílios de Estado em causa junto da ENAE. Contudo, esses atos não conduziram à recuperação de qualquer montante junto desta empresa.

46

Em segundo lugar, a Comissão alega que a República Helénica também não respeitou os compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010, compromissos que são considerados um método alternativo de execução da Decisão 2009/610.

47

A este respeito, a Comissão sustenta, primeiro, que a venda dos ativos civis da ENAE não teve lugar e que esta contestava a lista dos ativos civis.

48

Segundo, a Comissão alega que, embora o Parlamento helénico tenha votado uma lei relativa à restituição da doca seca, a República Helénica ainda não enviou uma carta pertinente que indique com precisão a zona restituída nem fez prova de que os terrenos já não são utilizados pela ENAE.

49

Terceiro, a não ser a resolução tomada pelo conselho de administração da ENAE, em 14 de abril de 2010, segundo a qual esta empresa deixa as suas atividades civis, as autoridades helénicas não forneceram qualquer outra prova que demonstre que a referida empresa se absteve de atividades civis a partir da data dessa resolução.

50

Quarto, estas autoridades nunca enviaram documentos suscetíveis de demonstrar que a garantia de indemnização referida no artigo 16.o da Decisão 2009/610 foi abolida e que nunca foi utilizada.

51

Quinto, as referidas autoridades nunca apresentaram relatórios sobre o estado em que se encontrava a aplicação desta decisão.

52

Sexto, a Comissão recorda que o único meio de defesa suscetível de ser invocado pela República Helénica é o relativo à impossibilidade absoluta de executar corretamente a Decisão 2009/610, demonstrando a inexistência de ativos recuperáveis. Ora, em tal caso, o Estado‑Membro deve provocar a liquidação e a cessação definitiva da atividade da empresa beneficiária.

53

No caso vertente, as autoridades helénicas nunca invocaram a impossibilidade absoluta de recuperar os auxílios em causa. Por um lado, limitaram‑se a afirmar que uma recuperação completa implicaria a liquidação dos estaleiros navais, o que teria um impacto negativo sobre os interesses da defesa nacional, e, por outro, atribuíram a falta de recuperação aos entraves da ENAE, apesar de esses entraves não justificarem a inexecução da Decisão 2009/610.

54

Quanto aos interesses da defesa nacional invocados pela República Helénica que apenas dizem respeito à construção dos submarinos nas instalações da ENAE para a marinha de guerra, a Comissão observa que a derrogação prevista no artigo 346.o TFUE visa casos excecionais e claramente determinados, pelo que não se presta a uma interpretação extensiva. Consequentemente, cabe a este Estado‑Membro demonstrar que esta derrogação é necessária à proteção dos seus interesses essenciais de segurança.

55

Neste contexto, a Comissão contesta a procedência da argumentação relativa aos interesses de segurança invocados pela República Helénica. As autoridades helénicas nunca explicaram por que razão a construção e a modernização dos submarinos deviam necessariamente ter lugar nas instalações da ENAE e não nas de outros estaleiros navais gregos, nomeadamente após a atribuição à marinha de guerra, prevista no artigo 26.o da Lei n.o 4258/2014, do projeto de construção e de modernização dos submarinos.

56

A República Helénica replica que tomou todas as medidas necessárias à execução do acórdão que declara o incumprimento.

57

Este Estado‑Membro observa que o artigo 12.o da Lei n.o 4237/2014 não constitui uma medida suscetível de tornar mais difícil a recuperação dos auxílios em causa, uma vez que a suspensão da execução dos ativos da ENAE prevista neste artigo só se aplica na medida em que uma execução afete a construção e a manutenção dos submarinos da marinha militar, o que está em conformidade com o artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE. Por outro lado, a circunstância de as autoridades helénicas terem posteriormente tomado medidas de execução contra a ENAE demonstra que o artigo 12.o dessa lei não impede que se proceda a essa recuperação.

58

A República Helénica invoca, em seguida, os seus interesses essenciais de segurança, na aceção do artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE, alegando que a recuperação não deve entravar a continuação das atividades militares do maior e mais produtivo estaleiro naval da Grécia nem o amplo poder de apreciação de que dispõe para escolher as medidas que considere necessárias.

59

Com efeito, a República Helénica não pode provocar a insolvência da ENAE, na medida em que tal processo afetaria o conjunto dos ativos dessa empresa e poria em perigo a boa continuação das atividades militares do estaleiro naval e, por conseguinte, as capacidades de defesa deste Estado‑Membro. Pelas razões expostas, as autoridades helénicas deram prioridade à execução dos compromissos a que se refere a carta de 1 de dezembro de 2010.

60

A este respeito, a República Helénica observa, no que respeita à venda dos ativos civis da ENAE, que se deparou com a obstrução desta sociedade, que não estava de acordo com a lista dos ativos civis para venda.

61

Devido a essas obstruções, as autoridades helénicas dirigiram à referida sociedade ordens de cobrança e de penhora.

62

Como essas medidas não deram lugar a nenhum reembolso devido a penhoras anteriores de outros credores e à manifesta falta de ativos suficientes da ENAE, as autoridades helénicas consideraram que era necessário submeter essa sociedade a uma gestão especial por força das disposições da Lei n.o 4307/2014. Com efeito, segundo a República Helénica, após a atribuição das atividades de construção dos submarinos à marinha de guerra, as autoridades helénicas podiam tomar medidas de liquidação contra a ENAE, sem comprometer a execução de programas militares.

63

Neste contexto, a República Helénica sustenta que a sujeição da ENAE a uma gestão especial é a medida adequada para liquidar essa sociedade, dado que esta medida está em plena conformidade com as exigências do direito da União, uma vez que o processo permite a venda em leilão da totalidade ou parte dos ramos ou dos ativos isolados da referida sociedade sob a responsabilidade de um administrador independente e sob fiscalização judicial. Este processo de gestão especial, que pode ser concluído num período de doze meses após a designação do administrador especial, assegura, pelo menos, as mesmas garantias que as do processo de insolvência ordinário e é muito mais célere e transparente. O referido processo permite evitar a depreciação do valor dos ativos em questão e garante a venda dos ativos militares da ENAE como um ramo único, de acordo com os interesses essenciais de segurança da República Helénica.

64

No que diz respeito à restituição dos terrenos concedidos à ENAE para seu uso exclusivo, a República Helénica sustenta que, em 20 de dezembro de 2012, o direito de utilização desses terrenos foi revogado pelo artigo 169.o, n.o 2, da Lei n.o 4099/2012. A República Helénica afirma que as cópias da transcrição na conservatória do registo de hipotecas competente geograficamente, comunicadas à Comissão, demonstram que os referidos terrenos foram restituídos. Segundo este Estado‑Membro, o facto de esses mesmos terrenos já não serem utilizados pela ENAE resulta do facto de esta empresa não exercer nenhuma atividade civil desde 2010.

65

Por outro lado, a República Helénica considera que a restituição dos terrenos em causa é uma medida de execução da Decisão 2009/610, uma vez que, na falta de ativos suficientes, as autoridades helénicas devem proceder à liquidação de todos os ativos civis da ENAE. Dito isto, este Estado‑Membro sustenta que a avaliação desses terrenos, a preços de 2008, demonstra que representam 60% do valor total dos ativos civis da ENAE ou 58% da infraestrutura não militar do estaleiro naval. Considerando este cálculo, a venda dos ativos civis da ENAE incide, na realidade, sobre apenas uma pequena parte do valor do ramo civil desta empresa.

66

Quanto à cessação das atividades civis da ENAE, a República Helénica alega que o conselho de administração desta sociedade adotou expressamente uma decisão quanto a este aspeto e que a nova administração da referida sociedade confirmou repetidamente que a ENAE já não exercia qualquer atividade civil desde 2010. Este Estado‑Membro acrescenta que a ENAE não publicou balanços após 30 de setembro de 2011, devido à sua má situação económica.

67

Finalmente, no que respeita à garantia de indemnização prevista no artigo 16.o da Decisão 2009/610, a República Helénica alega que cabe à ENAE denunciá‑la. Além disso, este Estado‑Membro observa que a questão da aplicação dessa garantia não surgiu em nenhum processo, de modo que as autoridades helénicas não puderam invocar a sua nulidade.

Apreciação do Tribunal de Justiça

68

A título preliminar, cabe recordar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Estado‑Membro destinatário de uma decisão que o obriga a recuperar auxílios ilegais e declarados incompatíveis com o mercado interno é obrigado, por força do artigo 288.o TFUE, a tomar todas as medidas adequadas para assegurar a execução dessa decisão. Esse Estado deve conseguir obter uma cobrança efetiva dos montantes devidos a fim de eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial proporcionada por esses auxílios (Acórdão de 9 de novembro de 2017, Comissão/Grécia, C‑481/16, não publicado, EU:C:2017:845, n.o 23).

69

Com efeito, a recuperação de um auxílio ilegal e declarado incompatível com o mercado interno deve ser efetuada imediatamente e em conformidade com os procedimentos previstos pelo direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estes permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para este efeito, os Estados‑Membros em causa devem tomar todas as medidas previstas nos respetivos sistemas jurídicos, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo do direito da União (v, neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Comissão/Grécia, C‑481/16, não publicado, EU:C:2017:845, n.o 24).

70

No que respeita às hipóteses em que os auxílios de Estado ilegalmente pagos devem ser recuperados junto de empresas beneficiárias em dificuldade ou insolventes, há que recordar que tais dificuldades não afetam a obrigação de recuperação do auxílio. O Estado‑Membro é, por conseguinte, consoante os casos, obrigado a promover a liquidação da sociedade, a inscrever o seu crédito no passivo daquela ou a adotar todas as medidas que permitam o reembolso do auxílio (Acórdão de 17 de janeiro de 2018, Comissão/Grécia, C‑363/16, EU:C:2018:12, n.o 36).

71

Ora, no caso vertente, resulta dos autos que, tendo em conta a situação económica difícil da ENAE e a fim de não provocar a insolvência desta sociedade, não comprometer a execução dos programas «Arquimedes» e «Neptuno II» para a marinha de guerra e, assim, não comprometer os interesses essenciais de segurança da República Helénica, na aceção do artigo 346.o TFUE, a Comissão, este Estado‑Membro e a ENAE tinham‑se comprometido a aplicar um método alternativo de recuperação para que a Comissão pudesse considerar a Decisão 2009/610 integralmente executada.

72

Consequentemente, a fim de determinar se a República Helénica adotou todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão que declara o incumprimento, há que verificar se esse Estado‑Membro respeitou os compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010 ou se os auxílios de Estado em causa, definidos nos artigos 2.o, 3.o, 5.o, 6.o, 8.o, 9.o e 11.o a 15.o da Decisão 2009/610, foram integralmente recuperados pelo referido Estado‑Membro e se as informações enumeradas no artigo 19.o desta decisão foram apresentadas à Comissão.

73

Importa começar por precisar que, no que respeita ao processo por incumprimento nos termos do artigo 260.o, n.o 2, TFUE, deve considerar‑se como data de referência para apreciar a existência desse incumprimento a data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir emitida em conformidade com essa disposição (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 32).

74

No caso em apreço, como recordado no n.o 22 do presente acórdão, uma vez que, em 27 de novembro de 2014, a Comissão enviou à República Helénica uma notificação para cumprir, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 260.o, n.o 2, TFUE, a data de referência mencionada no número anterior é a do termo do prazo fixado nessa notificação, a saber, 27 de janeiro de 2015.

75

Ora, no que diz respeito aos compromissos referidos na carta de 1 de dezembro de 2010, é pacífico que, na referida data de 27 de janeiro de 2015, as autoridades helénicas não os tinham respeitado.

76

Com efeito, decorre dos autos que a única medida tomada pela República Helénica na referida data era a adoção da Lei n.o 4099/2012, que entrou em vigor em 20 de dezembro de 2012.

77

No entanto, há que precisar, a este respeito, que resulta dos autos que tanto o Tribunal Arbitral CCI como o Monomeles Protodikeio Athinon [Tribunal de Primeira Instância (juiz singular) de Atenas] declararam que, apesar da entrada em vigor dessa lei, a ENAE não tinha efetivamente restituído o terreno público objeto da concessão da doca seca.

78

Segundo o protocolo de 26 de junho de 2018, a ENAE procedeu à entrega da posse do terreno ABK 266, incluindo a doca seca cuja utilização lhe tinha sido atribuída por concessão, bem como da parte litoral situada à frente daquele. Contudo, a República Helénica não demonstrou que essa sociedade tinha efetivamente entregado ao Estado grego a posse desse terreno antes de 27 de janeiro de 2015.

79

Assim, não se pode concluir que a ENAE renunciou à concessão da doca seca, como exigido pelos compromissos mencionados na carta de 1 de dezembro de 2010.

80

No que respeita ao argumento da República Helénica de que a circunstância de o referido terreno ter deixado de ser utilizado pela ENAE resulta do facto de esta sociedade não exercer nenhuma atividade civil desde 2010, o que decorre da decisão do conselho de administração da referida sociedade datada de 14 de abril de 2010, cabe observar que não decorre nem dessa decisão nem dos autos que a ENAE tenha interrompido as suas atividades civis no sentido dos compromissos mencionados na carta de 1 de dezembro de 2010.

81

Com efeito, a referida decisão do conselho de administração não pode visar o compromisso de interrupção das atividades civis da ENAE durante um período de quinze anos a partir de 1 de dezembro de 2010, uma vez que é anterior à carta de compromisso da ENAE, de 27 de outubro de 2010. Esta decisão limita‑se a mencionar o facto de, em relação com um acordo de mútuo da ENAE, «a atividade não naval estar atualmente totalmente interrompida».

82

Além disso, convidada pelo Tribunal de Justiça, a República Helénica não conseguiu fornecer documentos suscetíveis de demonstrar que a ENAE tinha cumprido a obrigação de cessação das suas atividades civis durante um período de quinze anos.

83

Assim, não tendo demonstrado que a ENAE tinha interrompido as suas atividades civis a partir de 1 de dezembro de 2010, a República Helénica não provou que esta sociedade tinha deixado de utilizar o terreno público objeto da concessão da doca seca.

84

No que se refere ao compromisso relativo à venda dos ativos civis da ENAE ou à sua restituição ao Estado grego, é manifesto que essa venda ou essa restituição não teve lugar. Consequentemente, este compromisso não foi respeitado.

85

No que respeita à garantia de indemnização prevista no artigo 16.o da Decisão n.o 2009/610, importa notar que, segundo a carta de 1 de dezembro de 2010, a ENAE devia renunciar à mesma e não intentar uma ação com fundamento nela ou com ela relacionada. Não resulta dos autos que tal renúncia tenha tido lugar nem que a República Helénica tivesse abolido esta garantia por via legislativa. Por conseguinte, não respeitou este compromisso.

86

Nos termos do acordo entre a Comissão, a República Helénica e a ENAE resultante da carta de 1 de dezembro de 2010, todos os compromissos deviam ser respeitados a fim de poder provar que a Decisão 2009/610 tinha sido corretamente executada. Assim, basta que apenas um desses compromissos não seja respeitado para concluir que este método de recuperação foi infrutífero. Ora, há que concluir que os compromissos enumerados no n.o 13 do presente acórdão não foram respeitados.

87

Quanto à obrigação principal da República Helénica de recuperar integralmente os auxílios de Estado em causa, como definidos nos artigos 2.o, 3.o, 5.o, 6.o, 8.o, 9.o e 11.o a 15.o da Decisão 2009/610, basta observar que é manifesto que as autoridades helénicas não respeitaram esta obrigação e não apresentaram à Comissão as informações enumeradas no artigo 19.o desta decisão.

88

Relativamente ao argumento da República Helénica de que os interesses essenciais de segurança, na aceção do artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE, não lhe permitiam provocar a insolvência da ENAE, na medida em que tal procedimento teria afetado todos os ativos dessa sociedade e prejudicado a boa continuação das atividades militares do estaleiro naval e, por conseguinte, as capacidades de defesa deste Estado‑Membro, quando existia uma medida mais adequada para liquidar a referida sociedade, que tinha em conta os interesses essenciais de segurança do referido Estado‑Membro, a saber, a sua sujeição a uma gestão especial, cabe precisar que a possibilidade de sujeitar a ENAE a uma gestão especial estava à disposição das autoridades gregas antes do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, ou seja, 27 de janeiro de 2015, uma vez que a Lei n.o 4307/2014 entrou em vigor em 15 de novembro de 2014.

89

Ora, resulta dos autos que o pedido de abertura deste procedimento só foi apresentado em 12 de outubro de 2017.

90

Consequentemente, mesmo admitindo que a República Helénica possa invocar validamente os seus interesses essenciais de segurança, na aceção do artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE, na fase da recuperação dos auxílios de Estado em causa, basta salientar que, em 27 de janeiro de 2015, este Estado‑Membro não tinha tomado a medida que ele próprio considerava adequada aos seus interesses essenciais de segurança.

91

Assim, a República Helénica não pode validamente sustentar que tomou todas as medidas necessárias a fim de aplicar o processo de recuperação dos auxílios de Estado em causa. Como tal, o acórdão que declara o incumprimento continua, em 27 de janeiro de 2015, por executar.

92

Consequentemente, há que declarar que, não tendo tomado, à data em que terminou o prazo fixado, todas as medidas necessárias à execução do acórdão que declara o incumprimento, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE.

Quanto às sanções pecuniárias

Quanto à sanção pecuniária compulsória

Argumentação das partes

93

Em primeiro lugar, a Comissão considera que o incumprimento imputado à República Helénica se mantém no momento da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça.

94

Mais especificamente, quanto à declaração de crédito de 22 de março de 2018, pela qual a República Helénica informou o administrador especial da ENAE dos seus créditos relativos à restituição dos auxílios em causa no âmbito do processo de gestão especial dessa sociedade, a Comissão considera que é a inscrição na tabela dos créditos relativos à restituição dos auxílios em causa que pode ser considerada, em princípio, uma medida adequada e suscetível de assegurar a eliminação da distorção da concorrência, desde que essa medida seja seguida da recuperação da totalidade do montante dos referidos auxílios ou da liquidação da empresa e da cessação definitiva das suas atividades, se essa recuperação não for possível no decurso do processo de insolvência. A simples declaração desses créditos não basta para que se possa considerar que esse Estado‑Membro cumpriu a sua obrigação de recuperação. A Comissão acrescenta que, em conformidade com o artigo 77.o da Lei n.o 4307/2014, a inscrição formal na tabela de créditos é efetuada após a transferência dos ativos da empresa em causa decorrentes da gestão especial a que essa empresa está sujeita, e não antes dessa transferência.

95

No que diz respeito ao protocolo de entrega pelo qual a ENAE entregou a posse do terreno ABK 266 e da parte do litoral situada à frente daquele à ETAD, a Comissão observa que o protocolo data de 26 de junho de 2018. Consequentemente, essa entrega é tardia porque, de acordo com a carta de 1 de dezembro de 2010, devia ter sido efetuada no prazo de seis meses a seguir à carta. Por outro lado, a Comissão alega que a República Helénica ainda não transmitiu um mapa que indique claramente os terrenos entregues ao Estado nem elementos de prova que demonstrem que a ENAE deixou de utilizar esses terrenos.

96

Em segundo lugar, quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória, a Comissão baseia‑se na sua Comunicação SEC(2005) 1658, de 12 de dezembro de 2005, intitulada «Aplicação do artigo [260.o TFUE]» (JO 2007, C 126, p. 15), para propor que o montante da sanção pecuniária compulsória diária seja calculado multiplicando um montante fixo de base uniforme de 670 euros por um coeficiente de gravidade de 5 numa escala de 1 a 20 e um coeficiente de duração de 3, ou seja, o coeficiente máximo. O resultado obtido seria seguidamente multiplicado por um fator «n», calculado em 3,48 para a República Helénica, que se destina a refletir a capacidade de pagamento do Estado‑Membro visado e que toma para o efeito como elementos o produto interno bruto (PIB) desse Estado‑Membro e o número de votos de que dispõe no Conselho.

97

No que se refere ao coeficiente de gravidade, a Comissão sublinha o caráter fundamental das disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, o efeito prejudicial que os auxílios incompatíveis e não recuperados tiveram no setor naval, o montante considerável do auxílio não recuperado e a repetição do comportamento ilícito deste Estado‑Membro no domínio dos auxílios de Estado.

98

Quanto ao coeficiente de duração, a Comissão observa que o incumprimento dura há vários anos desde a prolação do acórdão que declara o incumprimento, e há mais de 8 anos desde a notificação da Decisão 2009/610.

99

Relativamente ao fator «n», a Comissão alega que o cálculo deve ser efetuado com base na evolução do PIB da República Helénica durante o ano mais recente em relação ao qual estejam disponíveis dados económicos fiáveis e na ponderação dos votos deste Estado‑Membro no Conselho.

100

No que diz respeito à ponderação dos votos no Conselho, a Comissão entende que a modificação do sistema de votação no Conselho a partir de 1 de abril de 2017 não significa que deva adaptar a sua proposta de fator «n». Acrescenta que, no momento da propositura da ação, o antigo sistema de ponderação de votos não tinha expirado. Consequentemente, o fator que resulta do antigo sistema de ponderação de votos continua a ser uma base de referência útil para o cálculo das sanções.

101

Nestas condições, a Comissão considera que a sanção pecuniária compulsória diária de 34974 euros se adapta às circunstâncias e é proporcionada ao incumprimento alegado, bem como à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em questão.

102

A República Helénica alega, em primeiro lugar, que, através da declaração de crédito de 22 de março de 2018, apresentou os seus créditos no âmbito do processo de gestão especial ao administrador especial da ENAE. Este Estado‑Membro acrescenta que, através do protocolo de 26 de junho de 2018, esta sociedade também efetuou a entrega da posse do terreno ABK 266, incluindo a doca seca cuja utilização lhe foi atribuída por concessão, bem como da parte do litoral situada à frente deste. Segundo o referido Estado‑Membro, esta entrega da posse é uma parte importante da execução de uma obrigação de recuperação dos auxílios de Estado em causa.

103

Em segundo lugar, a República Helénica contesta os coeficientes de gravidade e de duração da infração considerados pela Comissão.

104

A este propósito, alega que a Comissão não teve em consideração uma série de elementos que atenuam a gravidade da infração, como o facto de a ENAE já não exercer nenhuma atividade civil desde 2010, pelo que deixou de exercer qualquer tipo de pressão concorrencial sobre outras empresas do setor naval. Invoca também as várias dificuldades com que se deparou aquando da execução da Decisão 2009/610, como, nomeadamente, a decisão do Tribunal Arbitral CCI de 27 de junho de 2017. Contesta também a pretensa repetição do comportamento ilícito da sua parte no domínio dos auxílios de Estado. Pelas razões expostas, considera que os coeficientes de gravidade e de duração não podem ser superiores a 1.

105

No que respeita à capacidade de pagamento, a República Helénica considera, por um lado, que o fator «n» deve ser atualizado com os dados financeiros mais recentes. A este respeito, este Estado‑Membro sustenta que a Comissão não teve em consideração a situação real da economia grega e, em especial, o facto de o referido Estado‑Membro continuar sujeito a um programa de ajustamento macroeconómico, uma vez que não se pode financiar eficazmente nos mercados financeiros.

106

Por outro lado, a República Helénica considera que o fator «n» não está corretamente calculado, porquanto, desde 1 de abril de 2017, o Tratado abandonou definitivamente o sistema de ponderação de votos no Conselho e substituiu‑o por um sistema de dupla maioria de Estados‑Membros e de populações, segundo o qual cada Estado‑Membro tem apenas um voto no Conselho. Assim, a República Helénica considera que os Estados‑Membros cuja população e o PIB são comparáveis aos seus sofreram uma redução significativa da sua influência no Conselho.

Apreciação do Tribunal de Justiça

107

A título preliminar, cabe recordar que incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que considere necessário, adotar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações análogas ao direito da União (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 63).

108

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória só se justifica, em princípio, quando o incumprimento que decorre da inexecução de um acórdão anterior perdura até à apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 64).

109

No caso em apreço, a República Helénica sustenta que, à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça, executou os compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010 e na Decisão 2009/610.

110

A este respeito, a República Helénica alega que apresentou os seus créditos no âmbito do processo de gestão especial ao administrador especial da ENAE, e que efetuou a entrega da posse do terreno ABK 266, incluindo a doca seca cuja utilização lhe foi atribuída por concessão, bem como da parte do litoral situada à frente desse terreno.

111

Em primeiro lugar, quanto à argumentação relativa à apresentação dos créditos, no caso em apreço, é manifesto que, à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça, a República Helénica não inscreveu os créditos relativos à restituição dos auxílios em causa na tabela de créditos. Com efeito, não resulta dos autos que o administrador especial tenha inscrito os créditos na tabela de créditos. Por outro lado, em conformidade com o artigo 77.o da Lei n.o 4307/2014, a inscrição formal na tabela de créditos é efetuada após a transferência dos ativos da empresa em causa decorrentes da gestão especial a que essa empresa está sujeita, e não antes dessa transferência. Ora, é pacífico que tal transferência de ativos não teve lugar. Assim, a República Helénica não pode utilmente alegar que, através da declaração de crédito de 22 de março de 2018, apresentou os seus créditos no âmbito do processo de gestão especial ao administrador especial da ENAE.

112

Em qualquer caso, a inscrição dos créditos relativos à restituição dos auxílios em causa na tabela de créditos não basta, por si só, para dar cumprimento à obrigação de executar o acórdão que declara o incumprimento (Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 103). Com efeito, tal inscrição é, em princípio, considerada uma medida adequada e suscetível de assegurar a eliminação da distorção da concorrência, desde que a medida seja seguida da recuperação da totalidade do montante dos referidos auxílios ou da liquidação da empresa e da cessação definitiva das suas atividades, se essa recuperação for impossível no decurso do processo de insolvência (Acórdão de 17 de janeiro de 2018, Comissão/Grécia, C‑363/16, EU:C:2018:12, n.o 42).

113

Em segundo lugar, quanto à argumentação relativa à entrega da posse do terreno ABK 266, basta precisar que, em qualquer caso, se trata apenas de uma execução parcial da obrigação de recuperação. Essa transferência não assegura, por si só, a cobrança integral dos auxílios de Estado em questão nem o respeito de todos os compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010.

114

Como tal, a República Helénica não pode alegar que, à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça, tomou todas as medidas necessárias para efeitos da execução do acórdão que declara o incumprimento.

115

Atendendo ao exposto, há que concluir que o incumprimento imputado à República Helénica continuou até à apreciação dos factos concretos pelo Tribunal de Justiça.

116

Nestas condições, a condenação da República Helénica no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória constitui um meio financeiro adequado para a incitar a tomar as medidas necessárias para pôr termo ao incumprimento declarado e para assegurar a execução completa do acórdão que declara o incumprimento.

117

É jurisprudência constante que a sanção pecuniária compulsória deve ser determinada em função do grau de persuasão necessário para que o Estado‑Membro que não executa um acórdão de incumprimento modifique o seu comportamento e ponha termo à infração imputada (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 68).

118

No exercício do seu poder de apreciação na matéria, incumbe ao Tribunal de Justiça fixar a sanção pecuniária compulsória de modo que esta seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada ao incumprimento declarado e à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 69).

119

As propostas da Comissão relativas à sanção pecuniária compulsória não vinculam o Tribunal de Justiça e constituem apenas uma base de referência útil. De igual modo, orientações como as constantes das comunicações da Comissão não vinculam o Tribunal de Justiça, mas contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação empreendida pela própria Comissão, quando esta instituição faz propostas ao Tribunal de Justiça. Com efeito, no âmbito de um processo baseado no artigo 260.o, n.o 2, TFUE, relativo a um incumprimento que persiste num Estado‑Membro, não obstante o facto de esse mesmo incumprimento já ter sido declarado num primeiro acórdão proferido nos termos do artigo 258.o TFUE ou do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, o Tribunal de Justiça é livre de fixar a sanção pecuniária compulsória aplicada no montante e sob a forma que considerar adequados para incitar esse Estado‑Membro a pôr termo ao incumprimento das obrigações decorrentes desse primeiro acórdão do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 70).

120

Para efeitos da fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, os critérios de base a ter em consideração para assegurar a sua natureza coerciva, tendo em vista uma aplicação uniforme e efetiva do direito da União, são, em princípio, a gravidade da infração, a sua duração e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Para aplicar estes critérios, importa ter em conta, em particular, as consequências da inexecução para os interesses privados e públicos e a urgência em levar o Estado‑Membro em causa a cumprir as suas obrigações (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 71).

121

Em primeiro lugar, quanto à gravidade da infração, importa sublinhar, como o advogado‑geral assinalou no n.o 124 das suas conclusões, o caráter fundamental das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado.

122

Com efeito, as regras objeto da Decisão 2009/610 e do acórdão que declara o incumprimento constituem a expressão de uma das missões essenciais conferidas à União Europeia pelo artigo 3.o, n.o 3, TUE, a saber, o estabelecimento de um mercado interno, bem como pelo protocolo (n.o 27) relativo ao mercado interno e à concorrência, o qual, em aplicação do artigo 51.o TUE, faz parte integrante dos Tratados, e nos termos do qual o mercado interno inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada.

123

A importância das disposições da União infringidas num caso como o presente reflete‑se, designadamente, no facto de, com o reembolso dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno, se eliminar a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial que aqueles proporcionam e, com essa restituição, o beneficiário perder a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes (Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 127).

124

Quanto ao incumprimento declarado no presente processo, cabe recordar, primeiro, que a República Helénica não recuperou integralmente os auxílios de Estado em questão nem respeitou os compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010. Contudo, atendendo ao princípio recordado no n.o 118 do presente acórdão, segundo o qual a sanção pecuniária compulsória deve ser adaptada às circunstâncias e proporcionada ao incumprimento declarado, importa ter em conta o facto de a ENAE, representada pelo seu administrador especial, ter entregado a posse do terreno ABK 266, incluindo a doca seca cuja utilização lhe foi atribuída por concessão, bem como a parte do litoral situada à frente do terreno à ETAD, e que esse terreno representa uma parte significativa dos ativos civis da ENAE.

125

Segundo, cabe sublinhar o caráter considerável do montante do auxílio não recuperado. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 125 das suas conclusões, o montante a recuperar aumenta continuamente com os juros aplicáveis e, no momento da audiência, excedia 670 milhões de euros, ou seja, mais de 2,6 vezes o montante inicial.

126

Terceiro, importa ter em conta o facto de o mercado da construção naval ser transfronteiriço. Este setor económico está disperso em quase todos os Estados‑Membros. Consequentemente, o efeito prejudicial dos auxílios incompatíveis não recuperados tem impacto sobre as empresas não só na Grécia mas também no resto da União.

127

Quarto, no que respeita ao argumento da República Helénica de que existem circunstâncias que atenuam a gravidade da infração, em particular dificuldades como a obstrução e a falta de cooperação da ENAE na concretização dos compromissos descritos na carta de 1 de dezembro de 2010 e os efeitos da decisão do Tribunal Arbitral CCI de 27 de junho de 2017, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, dificuldades jurídicas, políticas ou práticas com que o Estado‑Membro em causa se depare para aplicar uma decisão que ordena a recuperação de auxílios ilegais, sem fazer uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão modalidades alternativas de aplicação dessa decisão que teriam permitido superar essas dificuldades, não podem justificar o incumprimento por parte desse Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem por força do direito da União. O mesmo se diga no que respeita aos pretensos problemas internos encontrados durante a execução da decisão da Comissão (Acórdão de 9 de novembro de 2017, Comissão/Grécia, C‑481/16, não publicado, EU:C:2017:845, n.o 29). Assim, nestas condições, as dificuldades invocadas pela República Helénica não podem ser consideradas, no presente caso, circunstâncias atenuantes.

128

Finalmente, há que constatar uma repetição do comportamento ilícito deste Estado‑Membro no domínio dos auxílios de Estado. Com efeito, a República Helénica foi condenada, por um lado, no âmbito de ações ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, por inexecução de decisões de recuperação de auxílios, nos processos que deram origem aos Acórdãos de 1 de março de 2012, Comissão/Grécia (C‑354/10, não publicado, EU:C:2012:109), de 17 de outubro de 2013, Comissão/Grécia (C‑263/12, não publicado, EU:C:2013:673), de 9 de novembro de 2017, Comissão/Grécia (C‑481/16, não publicado, EU:C:2017:845), e de 17 de janeiro de 2018, Comissão/Grécia (C‑363/16, EU:C:2018:12), e, por outro, no âmbito de ações ao abrigo do artigo 228.o, n.o 2, terceiro parágrafo, CE, no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia (C‑369/07, EU:C:2009:428).

129

No caso em apreço, há que observar que a violação das regras do Tratado em matéria de auxílios de Estado reveste um caráter importante.

130

Em segundo lugar, quanto à duração da infração, esta deve ser avaliada tomando em consideração o momento em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos e não o momento em que a Comissão intenta a ação no Tribunal (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 78).

131

Nestas condições, uma vez que a República Helénica não conseguiu demonstrar que pôs termo ao incumprimento da sua obrigação de executar plenamente o acórdão que declara o incumprimento, há que considerar que o referido incumprimento se mantém há mais de seis anos desde a data da prolação do referido acórdão, o que constitui uma duração considerável.

132

Em terceiro lugar, quanto à capacidade de pagamento e, mais concretamente, à proposta da Comissão de multiplicar o montante de base por um coeficiente específico aplicável à República Helénica, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que esse método de cálculo constitui um instrumento adequado a refletir a capacidade de pagamento do Estado em causa, mantendo simultaneamente uma diferenciação razoável entre os diversos Estados‑Membros (Acórdão de 7 de julho de 2009, Comissão/Grécia, C‑369/07, EU:C:2009:428, n.o 123).

133

Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 132 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça aceitou constantemente, para calcular as sanções financeiras, ter em conta o PIB do Estado‑Membro em questão e o número de votos de que dispõe no Conselho (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2000, Comissão/Grécia, C‑387/97, EU:C:2000:356, n.o 88; de 25 de novembro de 2003, Comissão/Espanha, C‑278/01, EU:C:2003:635, n.o 59; de 10 de janeiro de 2008, Comissão/Portugal, C‑70/06, EU:C:2008:3, n.o 48; e de 4 de junho de 2009, Comissão/Grécia, C‑109/08, EU:C:2009:346, n.o 42).

134

Quanto ao critério PIB, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que há que ter em conta a evolução recente do PIB de um Estado‑Membro, tal como se apresenta à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 81 e jurisprudência referida).

135

Há, portanto, que ter em conta o facto, por um lado, de o PIB da República Helénica ter diminuído em mais de 25% entre 2010 e 2016 e, por outro, de, em 2017, o PIB aumentar pela primeira vez desde 2007. A importância desta crise económica é, portanto, devidamente tida em consideração pelo Tribunal de Justiça na determinação do montante da sanção pecuniária compulsória.

136

Quanto ao critério do número de votos de que um Estado‑Membro dispõe no Conselho, cabe precisar que, por força do artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo (n.o 36) relativo às disposições transitórias, a partir de 1 de novembro de 2014, entrou em vigor um novo processo de maioria qualificada, a dupla maioria.

137

Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, deste protocolo, os Estados‑Membros podem ainda, até 31 de março de 2017, solicitar uma votação com base na regra de maioria qualificada anterior.

138

Assim, desde 1 de abril de 2017, o sistema de ponderação de votos é substituído pelo sistema de dupla maioria, segundo o qual a maioria qualificada é obtida se reunir 55% dos membros do Conselho ou 72% se a proposta não provier da Comissão ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e representar, pelo menos, 65% da população total da União.

139

Tendo em conta as modalidades do novo sistema de dupla maioria e as diferenças que apresenta em relação ao antigo sistema de ponderação de votos, o novo sistema de dupla maioria não é diretamente transponível para o mecanismo de cálculo das sanções e não pode, por conseguinte, substituir efetivamente para este efeito o antigo sistema de ponderação de votos.

140

Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 140 das suas conclusões, o novo sistema de dupla maioria não fornece critérios satisfatórios para determinar adequadamente a capacidade de pagamento dos Estados‑Membros.

141

Além disso, há que salientar que, na sua jurisprudência posterior a 1 de abril de 2017, data a partir da qual o antigo sistema de ponderação de votos deixou de ser aplicável, o Tribunal de Justiça apenas tem em conta, para efeitos da apreciação da capacidade de pagamento dos Estados‑Membros, o PIB do Estado‑Membro em causa (Acórdãos de 22 de fevereiro de 2018, Comissão/Grécia, C‑328/16, EU:C:2018:98, e de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358).

142

Neste contexto, para efeitos da apreciação da capacidade de pagamento da República Helénica, não há que ter em conta o critério do número de votos de que esse Estado‑Membro dispunha no Conselho ou o novo sistema de dupla maioria, mas é necessário basear‑se no PIB do referido Estado‑Membro enquanto fator predominante.

143

No que respeita à periodicidade da sanção pecuniária compulsória, há que ter em conta a especificidade, invocada pela República Helénica, das operações de recuperação dos auxílios em causa.

144

Afigura‑se particularmente difícil para a República Helénica conseguir, num prazo curto, executar completamente a Decisão 2009/610 e, portanto, o acórdão que declara o incumprimento, tendo em conta que as operações indispensáveis para tal não podem ser instantâneas e o seu impacto não pode ser visível imediatamente.

145

Face a esta particularidade, é previsível que o referido Estado‑Membro consiga aumentar substancialmente o grau de execução da Decisão 2009/610, sem alcançar a sua execução completa em tal prazo.

146

Daqui resulta que a eventual constatação do termo da infração em causa só poderia ocorrer no final de um período que permitisse uma avaliação de conjunto dos resultados obtidos.

147

Assim, importa determinar uma sanção pecuniária compulsória semestral, a fim de permitir à Comissão apreciar o progresso das medidas de execução de tal acórdão, à luz da situação existente no termo do período em questão.

148

Há, pois, que condenar a República Helénica a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória de 7294000 euros por cada semestre de atraso na implementação das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão que declara o incumprimento, a partir da data da prolação do presente acórdão e até à execução completa do referido acórdão.

Quanto à quantia fixa

Argumentos das partes

149

No que respeita ao montante de uma quantia fixa, a Comissão propõe ao Tribunal de Justiça que a determine multiplicando um montante diário pelo número de dias em que a infração persista.

150

Para o cálculo da quantia fixa, a Comissão propõe a aplicação do mesmo coeficiente de gravidade e do mesmo fator «n» que no âmbito da sanção pecuniária compulsória. Em contrapartida, o montante de base fixo para calcular a quantia fixa seria fixado em 220 euros por dia. Diferentemente do cálculo da sanção pecuniária compulsória, não seria aplicado um coeficiente de duração porque a duração da infração já é tomada em conta com a multiplicação de um montante diário pelo número de dias de subsistência do incumprimento.

151

Nesta base, a Comissão propõe a adoção de uma quantia fixa calculada multiplicando o montante de 3828 euros pelo número de dias decorridos entre a prolação do acórdão que declara o incumprimento e a data do cumprimento pelo Estado‑Membro das suas obrigações, ou, não se verificando, a data de prolação do presente acórdão.

152

A República Helénica não apresentou argumentos específicos relativos à quantia fixa. Na medida em que, para o seu cálculo, a Comissão utiliza critérios idênticos aos utilizados para o cálculo da sanção pecuniária compulsória, como a gravidade e a duração da infração, impõe‑se ter em conta os argumentos apresentados pela República Helénica em relação à sanção pecuniária compulsória.

Apreciação do Tribunal de Justiça

153

A título preliminar, cabe recordar que o Tribunal de Justiça está habilitado, no exercício do poder de apreciação que lhe é conferido no domínio considerado, a aplicar cumulativamente uma sanção pecuniária compulsória e uma quantia fixa (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 96).

154

A condenação no pagamento de uma quantia fixa e a fixação do montante eventual dessa quantia devem, em cada caso, depender de todos os elementos pertinentes relacionados com as características do incumprimento declarado e com a atitude do Estado‑Membro demandado no processo iniciado com base no artigo 260.o TFUE. A este respeito, este investe o Tribunal de Justiça de um amplo poder de apreciação para decidir da aplicação, ou não, de uma sanção dessa natureza e determinar, se for caso disso, o seu montante (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 97).

155

No presente processo, o conjunto dos elementos jurídicos e factuais que levaram à declaração do incumprimento constitui um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações ao direito da União análogas requer a adoção de uma medida dissuasiva, como a aplicação de uma quantia fixa.

156

Nestas circunstâncias, cabe ao Tribunal de Justiça, no exercício do seu poder de apreciação, fixar o montante dessa quantia fixa, de modo a que a mesma seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada à infração praticada (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 99).

157

Entre os fatores pertinentes para este efeito figuram, designadamente, elementos como a gravidade da infração declarada e o período durante o qual essa infração subsistiu desde a prolação do acórdão que a declarou (Acórdão de 31 de maio de 2018, Comissão/Itália, C‑251/17, não publicado, EU:C:2018:358, n.o 100).

158

As circunstâncias concretas a tomar em conta resultam, nomeadamente, das considerações que figuram nos n.os 120 a 142 do presente acórdão, relativas à gravidade e à duração da infração, bem como à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa.

159

Atendendo às considerações expostas, o Tribunal considera que procede a uma apreciação justa das circunstâncias concretas fixar em 10000000 euros o montante da quantia fixa que a República Helénica deverá pagar.

160

Consequentemente, há que condenar a República Helénica a pagar à Comissão a quantia fixa de 10000000 euros.

Quanto às despesas

161

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Helénica e tendo sido declarada a existência do incumprimento, há que condenar esta última nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

Uma vez que, na data em que terminou o prazo fixado na notificação para cumprir emitida em 27 de novembro de 2014 pela Comissão Europeia, não tinha tomado todas as medidas necessárias à execução do Acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia (C‑485/10, não publicado, EU:C:2012:395), a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE.

 

2)

A República Helénica é condenada a pagar à Comissão Europeia uma sanção pecuniária compulsória no montante de 7294000 euros por cada período de seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão até à data de execução do Acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Grécia (C‑485/10, não publicado, EU:C:2012:395).

 

3)

A República Helénica é condenada a pagar à Comissão Europeia uma quantia fixa de 10000000 euros.

 

4)

A República Helénica é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.

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