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Document 62017CJ0016

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 7 de agosto de 2018.
TGE Gas Engineering GmbH - Sucursal em Portugal contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa).
Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Dedução do imposto pago a montante — Constituição e extensão do direito à dedução.
Processo C-16/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:647

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

7 de agosto de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Dedução do imposto pago a montante — Constituição e extensão do direito à dedução»

No processo C‑16/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), por Decisão de 29 de junho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de janeiro de 2017, no processo

TGE Gas Engineering GmbH – Sucursal em Portugal

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet (relator), M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de março de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da TGE Gas Engineering GmbH – Sucursal em Portugal, por A. Fernandes de Oliveira, advogado,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e R. Campos Laires, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e B. Rechena, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 44.° e 45.°, do artigo 132.o, n.o 1, alínea f), e dos artigos 167.° a 169.°, 178.°, 179.°, 192.°‑A a 194.° e 196.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva IVA»), dos artigos 10.° e 11.° do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO 2011, L 77, p. 1), e do princípio da neutralidade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a TGE Gas Engineering GmbH – Sucursal em Portugal (a seguir «TGE Sucursal em Portugal») à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) (a seguir «ATA») a propósito da recusa desta autoridade de lhe imputar o benefício de uma dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) resultante da refaturação dos custos de um agrupamento complementar de empresas (ACE).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva IVA

3

Nos termos do artigo 44.o da Diretiva IVA:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

4

O artigo 45.o desta diretiva prevê:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»

5

O artigo 132.o, n.o 1, alínea f), da referida diretiva está redigido do seguinte modo:

«Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

[...]

f)

As prestações de serviços efetuadas por agrupamentos autónomos de pessoas que exerçam uma atividade isenta ou relativamente à qual não tenham a qualidade de sujeito passivo, tendo em vista prestar aos seus membros os serviços diretamente necessários ao exercício dessa atividade, quando os referidos agrupamentos se limitarem a exigir dos seus membros o reembolso exato da parte que lhes corresponde nas despesas comuns, desde que tal isenção não seja suscetível de provocar distorções de concorrência;»

6

O artigo 167.o da Diretiva IVA enuncia:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

7

O artigo 168.o, alínea a), desta diretiva dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;»

8

Nos termos do artigo 169.o, alínea a), da referida diretiva:

«Para além da dedução referida no artigo 168.o, o sujeito passivo tem direito a deduzir o IVA aí referido, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das seguintes operações:

a)

Operações relacionadas com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 9.o, efetuadas fora do Estado‑Membro em que esse imposto é devido ou pago, que teriam conferido direito a dedução se tivessem sido efetuadas nesse Estado‑Membro;»

9

O artigo 178.o, alíneas a) e f), da Diretiva IVA prevê:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)

Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.o, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;

[...]

f)

Quando tenha de pagar o imposto na qualidade de destinatário ou adquirente em caso de aplicação dos artigos 194.° a 197.° e 199.°, cumprir as formalidades estabelecidas por cada Estado‑Membro.»

10

O artigo 179.o desta diretiva dispõe:

«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.o

Todavia, os Estados‑Membros podem obrigar os sujeitos passivos que efetuem operações ocasionais referidas no artigo 12.o a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.»

11

Nos termos do artigo 192.o‑A da referida diretiva:

«Para efeitos da aplicação da presente secção, o sujeito passivo que disponha de um estabelecimento estável no território de um Estado‑Membro em que o imposto é devido é considerado sujeito passivo não estabelecido nesse Estado‑Membro quando estejam reunidas as seguintes condições:

a)

A entrega de bens ou a prestação de serviços tributável é efetuada no território desse Estado‑Membro;

b)

Essa entrega de bens ou prestação de serviços é efetuada sem a intervenção de um estabelecimento de que o fornecedor ou prestador disponha no território desse Estado‑Membro.»

12

O artigo 193.o da Diretiva IVA enuncia:

«O IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, com exceção dos casos em que o imposto é devido por outra pessoa nos termos dos artigos 194.° a 199.° e 202.°»

13

O artigo 194.o desta diretiva prevê:

«1.   Quando as entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis forem efetuadas por sujeitos passivos que não se encontrem estabelecidos no Estado‑Membro em que o IVA é devido, os Estados‑Membros podem estabelecer que o devedor do imposto é o destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços.

2.   Os Estados‑Membros determinam as condições de aplicação do disposto no n.o 1.»

14

O artigo 196.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O IVA é devido pelos sujeitos passivos, ou pelas pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos registadas para efeitos do IVA, a quem são prestados os serviços a que se refere o artigo 44.o, se os serviços forem prestados por sujeitos passivos não estabelecidos no território do Estado‑Membro.»

Regulamento de Execução n.o 282/2011

15

Nos termos do artigo 10.o do Regulamento de Execução n.o 282/2011:

«1.   Para a aplicação dos artigos 44.° e 45.° da Diretiva [IVA], o “lugar onde o sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica” é o lugar onde são exercidas as funções da administração central da empresa.

2.   A fim de determinar o lugar a que se refere o n.o 1, são tidos em conta o lugar onde são tomadas as decisões essenciais de direção geral da empresa, o lugar da sua sede social e o lugar onde se reúnem os órgãos de gestão.

Se esses critérios não permitirem determinar inequivocamente o lugar da sede da atividade económica, o lugar onde são tomadas as decisões essenciais de direção geral da empresa constitui o critério preponderante.

3.   A existência de um endereço postal não pode determinar por si só o lugar onde o sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica.»

16

O artigo 11.o do referido Regulamento de Execução enuncia:

«1.   Para a aplicação do artigo 44.o da Diretiva [IVA], entende‑se por “estabelecimento estável” qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica a que se refere o artigo 10.o do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.

2.   Para a aplicação dos artigos a seguir indicados, entende‑se por “estabelecimento estável” qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica a que se refere o artigo 10.o do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permita efetuar as prestações de serviços que fornece:

a)

Artigo 45.o da Diretiva [IVA];

b)

A partir de 1 de janeiro de 2013, segundo parágrafo do n.o 2 do artigo 56.o da Diretiva [IVA];

c)

Até 31 de dezembro de 2014, artigo 58.o da Diretiva [IVA];

d)

Artigo 192.o‑A da Diretiva [IVA].

3.   O facto de dispor de um número de identificação IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que o sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável.»

Direito português

17

O Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto‑Lei n.o 129/98, de 13 de maio de 1998 (Diário da República, I série‑A, n.o 110, de 13 de maio de 1998), regula a inscrição das pessoas coletivas no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

18

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, este registo contém as inscrições tanto de pessoas coletivas sujeitas ao direito português ou ao direito estrangeiro como de representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que habitualmente exerçam atividade em Portugal.

19

O artigo 13.o do Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas prevê que a cada entidade inscrita neste registo é atribuído um número de identificação fiscal e este artigo regula as modalidades de atribuição desse número.

20

Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, um ACE deve refaturar às partes que o constituíram, na proporção estipulada no contrato constitutivo, os lucros ou prejuízos do exercício. Esses lucros ou prejuízos são imputados ao rendimento tributável dos membros do ACE, para efeitos do imposto sobre o rendimento.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

21

A TGE Gas Engineering GmbH, estabelecida em Bona (a seguir «TGE Bonn»), sociedade de direito alemão, obteve em Portugal, em 3 de março de 2009, o número de identificação fiscal 980410878, correspondente a uma entidade não residente sem estabelecimento estável, para a realização de um ato isolado, a saber, a aquisição de participações sociais.

22

Em 7 de abril de 2009, a TGE Sucursal em Portugal foi registada em Portugal como entidade não residente com estabelecimento estável, sob a forma de sucursal, e obteve o número de identificação fiscal 980412463.

23

Em seguida, a TGE Bonn constituiu um ACE com a Somague Engenharia, SA, denominado «Projesines Expansão do Terminal de GNL de Sines, ACE» (a seguir «ACE Projesines»). Aquando da constituição do ACE Projesines, a TGE Bonn utilizou o seu número de identificação fiscal e não o da TGE Sucursal em Portugal. O ACE Projesines obteve o seu próprio número de identificação fiscal, a saber, 508917280.

24

O objetivo do ACE Projesines era a execução do projeto de expansão do terminal de gás natural liquefeito de Sines, em Portugal. Esse terminal pertence à Redes Energéticas Nacionais, SA, uma sociedade portuguesa de eletricidade.

25

Os ACE estão sujeitos a um regime especial em Portugal. Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, um ACE deve refaturar às partes que o constituíram, na proporção estipulada no contrato constitutivo, os lucros ou prejuízos do exercício. Esses lucros ou prejuízos são imputados ao rendimento tributável dos membros do ACE, para efeitos do imposto sobre o rendimento.

26

O contrato constitutivo do ACE Projesines prevê que a Somague Engenharia contribui na proporção de 85% para os custos e que a TGE Bonn contribui na proporção de 15%. Além disso, o acordo e o regulamento interno do ACE Projesines imputam 64,29% das obrigações e do passivo à TGE Bonn, sendo os restantes 35,71% imputados à Somague Engenharia.

27

Em 4 de maio de 2009, a TGE Sucursal em Portugal celebrou um contrato de subempreitada com o ACE Projesines. O contrato de subempreitada prevê prestações recíprocas entre a TGE Sucursal em Portugal e o ACE Projesines, devendo este último refaturar os seus custos à TGE Sucursal em Portugal.

28

O ACE Projesines transferiu todas as faturas provenientes do contrato de subempreitada com a TGE Sucursal em Portugal e todas as faturas provenientes da Somague Engenharia para a Redes Energéticas Nacionais, enquanto dono da obra, respeitando o princípio geral da relação estrita, consagrado no contrato de subempreitada com a TGE Sucursal em Portugal (Full back‑to‑back general principle).

29

Para fins da imputação dos seus custos e da refaturação, o ACE Projesines utilizou o número de identificação fiscal da TGE Sucursal em Portugal e não o da TGE Bonn. Por conseguinte, o ACE Projesines indicou nas notas de débito que enviou à TGE Sucursal em Portugal o número de identificação fiscal desta e faturou o IVA nesta base. O ACE Projesines imputou 64,29% dos seus custos à TGE Sucursal em Portugal.

30

A TGE Sucursal em Portugal deduziu depois o IVA liquidado nas notas de débito emitidas pelo ACE Projesines.

31

No âmbito de uma ação inspetiva da TGE Sucursal em Portugal, relativa aos exercícios de 2009 a 2011, a ATA elaborou um relatório em que precisou que a TGE Sucursal em Portugal e a TGE Bonn são duas entidades distintas, dispondo cada uma delas de um número de identificação fiscal diferente. Segundo a ATA, dado que a TGE Sucursal em Portugal não era um membro constitutivo do ACE Projesines, este não lhe podia atribuir os seus custos e a TGE Sucursal em Portugal não podia, em consequência, deduzir o IVA relativo a estes.

32

A ATA ordenou, portanto, à TGE Sucursal em Portugal o reembolso dos montantes correspondentes a este IVA deduzido irregularmente. A TGE Sucursal em Portugal apresentou um pedido de pronúncia arbitral no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), para obter a anulação da decisão em que a ATA ordenou esse reembolso.

33

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a ATA sustenta que a TGE Sucursal em Portugal era um estabelecimento estável, dotado de personalidade e capacidade tributária distinta da TGE Bonn. Dado que apenas a TGE Bonn fazia parte do ACE Projesines, a TGE Sucursal em Portugal não tinha o direito de assumir os custos do ACE Projesines e de deduzir o IVA relativo a estes custos. O facto de as faturas do ACE Projesines aplicarem as taxas de repartição previstas no contrato constitutivo deste não é relevante a este respeito.

34

Segundo a ATA, as duas entidades tinham cada uma a sua própria personalidade fiscal e eram, por isso, duas entidades distintas para efeitos de IVA. Se a TGE Bonn tivesse querido imputar os resultados do ACE Projesines à TGE Sucursal em Portugal como entidade não residente com estabelecimento estável, deveria e poderia ter utilizado o número de identificação fiscal desta, aquando da constituição do ACE Projesines.

35

Além disso, a ATA entende que não havia uma relação imediata e direta entre as notas de débito emitidas em nome da TGE Sucursal em Portugal e as operações ativas desta última. Por isso, não há direito a dedução do IVA.

36

Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 44.°, 45.°, 132.°, n.o 1, alínea f), [167.° a 169.°], 178.°, 179.° e [192.°‑A a 194.°] e 196.° da Diretiva IVA [...], os artigos 10.° e 11.° do Regulamento de Execução [...] n.o 282/2011 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal Portuguesa recuse o direito a dedução de IVA por uma sucursal de uma sociedade de direito alemão, numa situação em que:

a sociedade de direito alemão obteve um número de identificação fiscal em Portugal para a realização de ato isolado, designadamente “aquisição de participação social”, correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável;

posteriormente, foi registada em Portugal a sucursal da referida sociedade de direito alemão, sendo‑lhe atribuído um número fiscal próprio, como estabelecimento estável desta sociedade;

depois, a sociedade de direito alemão, utilizando o primeiro número de identificação, celebrou com outra empresa um contrato de constituição de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), para execução de um contrato de empreitada em Portugal;

posteriormente, a sucursal, usando o seu número fiscal próprio, celebrou um contrato de subempreitada com o ACE, sendo nele acordadas as prestações recíprocas entre a sucursal e o ACE e que este último deveria debitar aos sub‑empreiteiros, nas proporções acordadas, custos em que incorresse;

o ACE indicou nas notas de débito que emitiu para debitar custos à sucursal o número de identificação fiscal desta e liquidou IVA;

a sucursal deduziu o IVA liquidado nas notas de débito;

as operações ativas do ACE são constituídas (por via de subempreitada), pelas operações ativas da sucursal e da outra empresa integrante do ACE, tendo aquelas faturado ao ACE a totalidade da receita que este faturou ao dono da obra?»

Quanto à questão prejudicial

37

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se os artigos 167.° e 168.° da Diretiva IVA assim como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro considere que uma sociedade que tem a sua sede noutro Estado‑Membro e a sucursal que a mesma detém no primeiro desses Estados constituem dois sujeitos passivos distintos por cada uma dessas entidades dispor de um número de identificação fiscal e, por essa razão, recuse à sucursal o direito de deduzir o IVA liquidado nas notas de débito emitidas por um ACE do qual a referida sociedade, e não a sua sucursal, é membro.

38

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o litígio no processo principal tem origem, essencialmente, nas conclusões tiradas pela Administração Fiscal competente da circunstância de a TGE Bonn e a TGE Sucursal em Portugal disporem de números de identificação fiscal diferentes e de, aquando da constituição do ACE Projesines, ter sido utilizado o número de identificação fiscal da TGE Bonn, ao passo que, na emissão das faturas respeitantes à repartição dos custos relativos ao referido agrupamento, este último utilizou o número de identificação fiscal da TGE Sucursal em Portugal.

39

A este respeito, importa lembrar, por um lado, que, nos termos do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA, quando os bens ou os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago em relação a esses bens ou serviços, se lhe foram entregues ou prestados por outro sujeito passivo. O beneficiário da prestação de serviços em causa deve, portanto, ser um sujeito passivo no sentido desta diretiva.

40

O artigo 9.o da Diretiva IVA define «sujeito passivo» como qualquer pessoa que exerça uma atividade económica, «de modo independente». Para uma aplicação uniforme da Diretiva IVA, importa especialmente que o conceito de «sujeito passivo», definido no seu título III, seja interpretado de maneira autónoma e uniforme [Acórdão de 17 de setembro de 2014, Skandia America (USA), filial Sverige, C‑7/13, EU:C:2014:2225, n.o 23].

41

Ora, tratando‑se de uma sociedade estabelecida num Estado‑Membro e da sua sucursal situada noutro Estado‑Membro, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que estas duas entidades constituem um só e mesmo sujeito passivo de IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de março de 2006, FCE Bank, C‑210/04, EU:C:2006:196, n.o 37; de 16 de julho de 2009, Comissão/Itália, C‑244/08, não publicado, EU:C:2009:478, n.o 38; e de 12 de setembro de 2013, Le Crédit Lyonnais, C‑388/11, EU:C:2013:541, n.o 34), a não ser que se constate que a sucursal exerce uma atividade económica independente. A este propósito, há que determinar se tal sucursal pode ser considerada autónoma, designadamente por suportar o risco económico que decorre da sua atividade (Acórdão de 23 de março de 2006, FCE Bank, C‑210/04, EU:C:2006:196, n.o 35).

42

No processo principal, a TGE Bonn obteve em Portugal um primeiro número de identificação fiscal para a realização de ato isolado consistente na constituição do ACE Projesines. A TGE Bonn obteve depois um segundo número de identificação fiscal para o registo da TGE Sucursal em Portugal, que foi utilizado no âmbito de todas as atividades exercidas, pela TGE Bonn e pela referida sucursal, em Portugal. É evidente que os dois números de identificação fiscal da TGE Bonn e da TGE Sucursal em Portugal são atribuíveis a uma só e mesma entidade, isto é, a TGE Bonn.

43

Daqui decorre que a TGE Bonn e a TGE Sucursal em Portugal constituem um sujeito passivo único no sentido da Diretiva IVA.

44

Importa recordar, por um lado, que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° e 168.° da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (v., nomeadamente, Acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, EU:C:2008:267, n.o 39 e jurisprudência referida; de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 44; e de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 30).

45

No caso em apreço, uma vez que se deve considerar que a TGE Bonn e a TGE Sucursal em Portugal constituem uma só e mesma entidade jurídica e, portanto, um sujeito passivo único, o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se as exigências de fundo para esta dedução estiverem cumpridas (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31).

46

Por conseguinte, desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para determinar se o sujeito passivo, enquanto destinatário das transações em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que se refere ao direito deste último à dedução desse imposto, condições adicionais que podem ter por efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito (Acórdãos de 1 de abril de 2004, Bockemühl, C‑90/02, EU:C:2004:206, n.o 51, e de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, EU:C:2008:267, n.o 64).

47

Logo, numa situação como a que está em causa no processo principal, a Administração Fiscal de um Estado‑Membro não pode recusar a um sujeito passivo a dedução do IVA pago a montante, apenas por este sujeito passivo ter utilizado um número de identificação fiscal como entidade não residente sem estabelecimento estável, aquando da constituição de um ACE, e ter utilizado o número de identificação fiscal da sua sucursal residente nesse mesmo Estado, para a refaturação dos custos desse agrupamento.

48

Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a TGE Bonn estar estabelecida na Alemanha e de a TGE Sucursal em Portugal ser o seu estabelecimento fixo em Portugal.

49

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 44.o, primeira frase, da Diretiva IVA, o lugar da prestação de serviços efetuada a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. O legislador da União escolheu este ponto de conexão como prioritário, pois, enquanto critério objetivo, simples e prático, oferece grande segurança jurídica (Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C‑605/12, EU:C:2014:2298, n.os 53 a 55). Em contrapartida, a conexão ao estabelecimento estável do sujeito passivo, prevista no artigo 44.o, segunda frase, da Diretiva IVA, é um ponto de conexão secundário que constitui uma derrogação à regra geral (Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C‑605/12, EU:C:2014:2298, n.o 56).

50

Cabe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, no quadro do litígio no processo principal, se estão reunidas as outras condições do direito a dedução do imposto pago a montante, como enumeradas no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA.

51

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à questão submetida que os artigos 167.° e 168.° da Diretiva IVA assim como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro considere que uma sociedade que tem a sua sede noutro Estado‑Membro e a sucursal que a mesma detém no primeiro desses Estados constituem dois sujeitos passivos distintos por cada uma dessas entidades dispor de um número de identificação fiscal e, por essa razão, recuse à sucursal o direito de deduzir o IVA liquidado nas notas de débito emitidas por um ACE do qual a referida sociedade, e não a sua sucursal, é membro.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

Os artigos 167.° e 168.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, assim como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro considere que uma sociedade que tem a sua sede noutro Estado‑Membro e a sucursal que a mesma detém no primeiro desses Estados constituem dois sujeitos passivos distintos por cada uma dessas entidades dispor de um número de identificação fiscal e, por essa razão, recuse à sucursal o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) liquidado nas notas de débito emitidas por um agrupamento complementar de empresas do qual a referida sociedade, e não a sua sucursal, é membro.

 

Da Cruz Vilaça

Levits

Borg Barthet

Berger

Biltgen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de agosto de 2018.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente da Quinta Secção

J. L. da Cruz Vilaça


( *1 ) Língua do processo: português.

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