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Document 62017CC0603

Conclusões do advogado-geral H. Saugmandsgaard Øe apresentadas em 24 de janeiro de 2019.
Peter Bosworth e Colin Hurley contra Arcadia Petroleum Limited e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Convenção de Lugano II — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) — Competência em matéria de contratos individuais de trabalho.
Processo C-603/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:65

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 24 de janeiro de 2019 ( 1 )

Processo C‑603/17

Peter Bosworth,

Colin Hurley

contra

Arcadia Petroleum Limited e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido)]

«Reenvio prejudicial — Competência judiciária, reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial — Convenção de Lugano II — Título II, Secção 5 — Competência em matéria de contratos individuais de trabalho — Ações de indemnização intentadas por várias sociedades do mesmo grupo contra antigos administradores — Conceitos de “contrato individual de trabalho” e de “empregador” — Ações baseadas em fundamentos jurídicos que, no direito substantivo, se considera terem natureza extracontratual — Condições em que essas ações são em “matéria” contratual e/ou de contratos individuais de trabalho, para efeitos da Convenção de Lugano II»

I. Introdução

1.

Com o seu pedido de decisão prejudicial, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) submeteu ao Tribunal de Justiça quatro questões sobre a interpretação da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007 ( 2 ) (a seguir «Convenção de Lugano II»).

2.

Essas questões foram colocadas no contexto de um litígio que opõe o único acionista e várias sociedades de um grupo de sociedades multinacional aos seus antigos administradores a propósito de ações de indemnização de um prejuízo causado por uma fraude, alegadamente cometida contra essas sociedades, da qual esses administradores teriam sido os principais arquitetos e beneficiários.

3.

Na fase atual do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio deve determinar se os tribunais de Inglaterra e do País de Gales têm competência para apreciar essas ações de indemnização, ou se são os tribunais suíços, enquanto órgãos jurisdicionais do Estado do domicílio dos antigos administradores em causa, que devem pronunciar‑se sobre a totalidade ou parte desses pedidos. A resposta depende de essas ações serem, ou não, «em matéria de contratos individuais de trabalho», na aceção das disposições do Título II, Secção 5, da Convenção de Lugano II (a seguir «Secção 5»).

4.

Neste contexto, as questões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio levantam questões jurídicas complexas sobre a interpretação dos conceitos‑chave da referida Secção 5, ou seja, o de «contrato individual de trabalho», de «trabalhador» e de «empregador». Também levantam a questão de saber se, e, sendo caso disso, em que condições, uma ação, intentada entre as partes de tal «contrato» e com base num fundamento jurídico que, para o direito substantivo, tem natureza extracontratual, pode integrar o âmbito dessa mesma secção.

5.

Nas presentes conclusões, exporei as razões pelas quais os administradores, desempenhando as suas funções com total autonomia, não estão vinculados à sociedade para a qual exercem essas funções através de um «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5. A título subsidiário, explicarei, por um lado, por que motivo uma ação, intentada entre as partes do referido «contrato» e baseada num fundamento jurídico de natureza extracontratual, está, em princípio, abrangida por essa secção quando o litígio tenha surgido por ocasião da relação de trabalho e, por outro lado, por que razão o «empregador», na aceção das disposições da referida secção, não é apenas e necessariamente a pessoa com quem o trabalhador celebrou formalmente um contrato de trabalho.

II. A Convenção de Lugano II

6.

A Secção 5, intitulada «Competência em matéria de contratos individuais de trabalho», inclui, entre outros, os artigos 18.o e 20.o da Convenção de Lugano II.

7.

O artigo 18.o, n.o 1, dessa convenção dispõe que «[e]m matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o».

8.

O artigo 20.o, n.o 1, da referida convenção prevê que «[u]m empregador só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território o trabalhador tiver domicílio».

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

9.

O grupo Arcadia é composto, nomeadamente, pelas sociedades Arcadia London, Arcadia Switzerland e Arcadia Singapore. Esse grupo é detido a 100% pela sociedade Farahead Holdings Ltd (a seguir «Farahead»). À época dos factos em causa no processo principal, Peter Bosworth e Colin Hurley (a seguir, conjuntamente, «demandados no processo principal»), atualmente com domicílio na Suíça, eram, respetivamente, chief executive officer (CEO) e chief financial officer (CFO) do referido grupo. Além disso, eram os administradores das três sociedades Arcadia em questão. Cada um deles tinha também um contrato de trabalho com uma dessas sociedades, contratos esses que tinham sido elaborados pelos próprios ou sob a sua direção.

10.

Em 12 de fevereiro de 2015, as três referidas sociedades Arcadia e a Farahead (a seguir, conjuntamente, «Arcadia») intentaram na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do foro da Rainha (Secção Comercial), Reino Unido] várias ações de indemnização contra diversas pessoas, entre as quais os demandados no processo principal. Estas ações destinam‑se a obter a reparação do prejuízo que o grupo sofreu devido a uma série de operações fraudulentas implicando as sociedades Arcadia e realizadas entre abril de 2007 a maio de 2013.

11.

Segundo a Arcadia, os demandados no processo principal foram os principais arquitetos e beneficiários dessa fraude. Enquanto CEO e CFO do grupo, associaram‑se aos outros réus para desviar o essencial dos lucros das operações controvertidas e esconderam da Farahead essas operações. Por seu lado, os demandados contestam firmemente essas acusações.

12.

Na sua petição inicial, a Arcadia alegou que os comportamentos danosos pretensamente levados a cabo pelos demandados no processo principal consubstanciavam (1) o facto ilícito (tort) de associação de malfeitores com recurso a meios ilegais (unlawful means conspiracy) (2) o facto ilícito de violação das obrigações de lealdade e de boa fé (breach of fiduciary duty) e (3) uma violação de obrigações contratuais, expressas e/ou implícitas (breach of express and/or implied contractual duties), decorrentes dos respetivos contratos de trabalho.

13.

Por contestação de 9 de março de 2015, os demandados alegaram que, de acordo com o disposto na Convenção de Lugano II, os órgãos jurisdicionais de Inglaterra e do País de Gales não são competentes para conhecer das ações da Arcadia intentadas contra eles. Com efeito, essas ações são em «matéria de contrato individual de trabalho» e, por isso, estão abrangidas pela Secção 5. Consequentemente, só os órgãos jurisdicionais do Estado dos seus domicílios, ou seja, os tribunais suíços, têm competência para o efeito.

14.

Posteriormente, os recorrentes no processo principal alteraram a petição inicial. Renunciaram a invocar a violação das obrigações decorrentes dos contratos de trabalho dos demandados no processo principal e suprimiram as referências à violação dessas obrigações contratuais enquanto meio ilícito utilizado no contexto do facto ilícito de associação de malfeitores.

15.

Por Acórdão de 1 de abril de 2015, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do foro da Rainha (Secção Comercial)] considerou que os órgãos jurisdicionais de Inglaterra e do País de Gales são competentes para conhecer das ações intentadas pela Arcadia no que toca ao facto ilícito de associação de malfeitores com recurso a meios ilegais (unlawful means conspiracy). Além disso, considerou que esses órgãos jurisdicionais também são competentes para apreciar essas ações no que toca ao facto ilícito de violação das obrigações de lealdade e de boa fé (breach of fiduciary duty), embora não tenham competência para examinar as ações intentadas com base nesse fundamento pela Arcadia London e pela Arcadia Singapore relativamente a factos ocorridos quando cada uma dessas sociedades estava vinculada por contrato de trabalho a P. Bosworth ou a C. Hurley. Com efeito, nessa medida, e apenas nessa medida, as ações propostas pela Arcadia são em «matéria de contrato individual de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5.

16.

Os demandados no processo principal interpuseram recurso desse acórdão para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil), Reino Unido]. Esse recurso foi julgado improcedente por acórdão de 19 de agosto de 2016. Todavia, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) autorizou os interessados a interpor recurso.

17.

Nestas circunstâncias, este último órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Qual é o critério correto para determinar se uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador ou antigo trabalhador (a seguir “trabalhador”) constitui uma “matéria de” contrato individual de trabalho na aceção do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da [Convenção de Lugano II]?

a)

Para que uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador esteja abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II], é suficiente que a conduta controvertida do trabalhador também pudesse ter sido invocada pelo empregador como violação das obrigações do contrato individual de trabalho — ainda que a ação efetivamente intentada pelo empregador não tenha como fundamento, não invoque, nem alegue qualquer violação desse contrato, mas se baseie (por exemplo) num ou mais dos fundamentos indicados [no processo principal]?

b)

Em alternativa, é correto o critério segundo o qual uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II] caso a obrigação na qual a ação efetivamente se baseia decorra do contrato de trabalho? Em caso afirmativo, conclui‑se daí que uma ação exclusivamente baseada na violação de uma obrigação criada à margem do contrato de trabalho (e que, eventualmente, não é uma obrigação “livremente consentida” pelo trabalhador) não está abrangida pelo âmbito de aplicação dessa secção 5?

c)

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?

2)

No caso de uma sociedade e uma pessoa singular celebrarem um “contrato” (na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da [Convenção de Lugano II]), em que medida é necessário existir uma relação de subordinação entre a sociedade e a pessoa singular para que o referido contrato constitua um “contrato individual de trabalho” para efeitos da secção 5 [do título II da referida convenção]? Pode existir uma relação desta natureza quando a pessoa singular tem a capacidade de determinar (e determina efetivamente) as condições do seu contrato com a sociedade, dispõe de controlo e de autonomia sobre as operações de gestão correntes da atividade da sociedade, bem como sobre a execução das suas próprias obrigações, mas os acionistas da sociedade podem pôr termo a essa relação?

3)

Caso as disposições do título II, secção 5, da [Convenção de Lugano II] apenas se apliquem a ações que, de outro modo, estariam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, desta convenção, qual o critério correto para determinar se uma ação está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido artigo 5.o, n.o 1?

a)

É correto o critério segundo o qual uma ação está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, caso a conduta controvertida possa ser considerada uma violação de uma obrigação contratual, ainda que a ação efetivamente intentada pelo empregador não tenha como fundamento, não invoque, nem alegue uma violação desse contrato?

b)

Em alternativa, é correto o critério segundo o qual uma ação apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, [da Convenção de Lugano II] caso a obrigação em que efetivamente se baseia seja uma obrigação contratual? Em caso afirmativo, conclui‑se daí que uma ação exclusivamente baseada na violação de uma obrigação criada à margem do contrato (e que, eventualmente, não é uma obrigação “livremente consentida” pelo trabalhador) não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1?

c)

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?

4)

Em circunstâncias em que:

a)

As sociedades A e B são ambas parte de um grupo de sociedades;

b)

O demandado X exerce, de facto, o cargo de administrador‑geral desse grupo de sociedades (como P. Bosworth no Grupo Arcadia: […]); X está empregado por uma sociedade do grupo, a sociedade A (e, portanto, é um trabalhador da sociedade A) (como era P. Bosworth durante certos períodos de tempo […]); e, segundo o direito interno, não é um empregado da sociedade B;

c)

A sociedade A intenta uma ação contra X, a qual está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II]; e

d)

A outra sociedade do grupo, sociedade B, também intenta uma ação contra X em virtude de uma conduta semelhante à que fundamenta a ação intentada pela sociedade A contra X;

qual é o critério correto para determinar se a ação intentada pela sociedade B está abrangida pelo âmbito de aplicação da secção 5 [da Convenção de Lugano II]? Em particular:

A resposta à questão depende da existência de um “contrato individual de trabalho”, na aceção da secção 5 [do título II da Convenção de Lugano II], entre X e a sociedade B, e, em caso afirmativo, qual o critério correto para determinar se existia um contrato dessa natureza?

A sociedade B deve ser considerada o “empregador” de X para efeitos da secção 5 do título II da [Convenção de Lugano II], e/ou está a ação intentada contra X (v. quarta questão, alínea d)) abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II], tal como a ação intentada pela sociedade A contra X está abrangida pelo âmbito de aplicação destas disposições? Em particular:

a)

A ação intentada pela sociedade B apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 18.o [da Convenção de Lugano II] no caso de a obrigação em que se baseia ser uma obrigação decorrente do contrato de trabalho entre a sociedade B e X?

b)

Em alternativa, está essa ação abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 18.o [da Convenção de Lugano II] no caso de a conduta controvertida objeto da ação constituir violação de uma obrigação decorrente do contrato de trabalho entre a sociedade A e X?

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?»

18.

A decisão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de outubro de 2017. Os demandados no processo principal, a Arcadia, a Confederação Suíça e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. As mesmas partes, com exceção da Confederação Suíça, fizeram‑se representar na audiência que teve lugar em 13 de setembro de 2018.

IV. Análise

A.   Considerações preliminares

19.

A Convenção de Lugano II é uma convenção internacional que vincula a União aos Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e à Confederação Suíça. Só raramente foram submetidas ao Tribunal de Justiça questões relativas à sua interpretação. Trata‑se, porém, de um instrumento paralelo ao Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 3 ), com o mesmo objeto e que define as mesmas regras de competência que esse regulamento. Por conseguinte, a extensa jurisprudência do Tribunal de Justiça aplicável ao referido regulamento é transponível para as disposições dessa Convenção. ( 4 ).

20.

As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio inserem‑se no seguinte contexto jurídico. A Arcadia considera que os órgãos jurisdicionais ingleses são competentes, ao abrigo do artigo 6.o, ponto 1, da Convenção de Lugano II, para conhecer das ações que intentou contra os demandados no processo principal. Com efeito, essas ações estão estreitamente ligadas a ações similares intentadas contra três outras pessoas com domicílio em Inglaterra e no País de Gales ( 5 ).

21.

Todavia, os interessados contestam a competência desses órgãos jurisdicionais. Alegam que estas ações são «em matéria de contratos individuais de trabalho» e se integram no âmbito da Secção 5.

22.

A este propósito, recordo que, por força do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, a competência judiciária para as ações intentadas nesta matéria é regida pelas disposições da Secção 5. Conforme decorre do artigo 20.o, n.o 1, dessa convenção, um «empregador» só pode intentar uma ação contra um «trabalhador» nos tribunais do Estado do domicílio deste último. Por outro lado, segundo o Tribunal de Justiça, as disposições desta Secção têm caráter taxativo ( 6 ). Por conseguinte, se essa secção for aplicável, a Arcadia não pode portanto invocar o artigo 6.o, ponto 6, da referida convenção.

23.

Com efeito, a Secção 5 tem por objetivo, entre outros ( 7 ), proteger o trabalhador, considerado a parte mais fraca no contrato, por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses ( 8 ). Para o efeito, esta Secção priva o empregador de fazer qualquer opção de competência para intentar a ação e oferece ao trabalhador a vantagem de, em princípio, só poder ser demandado perante os órgãos jurisdicionais que se considera lhe serem mais familiares.

24.

A decisão sobre a exceção de incompetência arguida pelos demandados no processo principal depende da extensão do âmbito de aplicação da Secção 5. A este respeito, o artigo 18, n.o 1, da Convenção de Lugano II, aplica‑se, recordo‑o, às ações «em matéria de contratos individuais de trabalho». Desses termos resultam duas condições: por um lado, deve existir um tal «contrato» entre as partes; por outro, o pedido deve ter uma certa conexão com esse «contrato».

25.

As segunda e quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio dizem fundamentalmente respeito à primeira dessas condições, enquanto as primeira e terceira questões têm a ver com a segunda. Debruçar‑me‑ei sobre a interpretação do conceito de «contrato individual de trabalho» (B), em seguida sobre a problemática do nexo que deve existir entre a ação e o «contrato» (C), antes de regressar ao conceito de «empregador», na aceção da Secção 5 (D).

B.   Quanto ao conceito de «contrato individual de trabalho» (segunda questão)

26.

Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se contratos como os que foram celebrados entre os demandados no processo principal e determinadas sociedades do grupo Arcadia podem ser qualificados como «contratos individuais de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5. Esse órgão jurisdicional pretende apurar em que medida, para efeitos dessa qualificação, é necessário que exista uma relação de subordinação entre um particular e a sociedade que recorre aos seus serviços. Interroga‑se sobre se essa relação pode existir quando o particular decide os termos do seu contrato e dispõe do controlo total e de total autonomia na gestão corrente dos negócios da sociedade e na execução das suas próprias funções, mas os acionistas desta última têm o poder de pôr termo ao contrato. Além disso, o referido órgão jurisdicional pretende saber quais as condições que permitem inferir, para efeitos dessa Secção, a existência desses «contratos» entre os demandados no processo principal e as sociedades Arcadia, com as quais nunca houve formalmente um contrato ( 9 ).

1. Quanto à admissibilidade

27.

Como referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Arcadia não contestou nos órgãos jurisdicionais nacionais das instâncias inferiores que, relativamente a cada uma das sociedades com quem tinham formalmente celebrado um contrato de trabalho, os demandados no processo principal tivessem o estatuto de trabalhador. Segundo os interessados, não é, portanto, necessário que o Tribunal de Justiça responda a esta problemática para a resolução do litígio no processo principal.

28.

Não compartilho deste ponto de vista. No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo artigo 267.o TFUE, compete exclusivamente ao juiz nacional apreciar, atendendo às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça ( 10 ).

29.

De resto, parece‑me, por um lado, que esta não contestação se explica pelo facto de a Arcadia ter inicialmente considerado que a existência de um contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo, trazia ínsita a qualificação de «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5. Ora, o grupo acabou por alterar o seu entendimento e contesta firmemente essa qualificação. Por outro lado, as partes discutiram, em todas as fases do processo nacional, a questão de saber se, entre os interessados e as sociedades do grupo com as quais não haviam formalmente celebrado contrato, existiam esses «contratos» ( 11 ). Por conseguinte, impõe‑se, obviamente, uma resposta do Tribunal de Justiça.

2. Quanto ao mérito

30.

Importa recordar que, à época dos factos controvertidos, os demandados no processo principal exerciam no grupo Arcadia funções de administradores, na aceção do direito das sociedades. Mais exatamente, P. Bosworth era o chief executive officer (CEO) de facto ( 12 ) do grupo e C. Hurley era o chief financial officer de facto (CFO). Além disso, os demandados eram os administradores, juridicamente e/ou de facto ( 13 ), da Arcadia London, da Arcadia Switzerland e da Arcadia Singapore.

31.

Além disso, cada um dos demandados no processo principal celebrou um contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo ( 14 ), com uma sociedade especifica do grupo Arcadia. Porém, a identidade dessa sociedade variou ao longo do tempo, tendo os demandados sido, alternadamente, empregados, nomeadamente, da Arcadia London e da Arcadia Singapore — mas não da Arcadia Switzerland. Esses contratos estipulavam que os interessados deviam desempenhar funções de direção precisas unicamente para a sociedade que os empregava. A única remuneração que recebiam do grupo era a que estava estipulada nesses contratos para essas funções precisas, sendo paga pela sociedade‑empregadora.

32.

Neste contexto, cabe perguntar, antes de mais, se, para efeitos da aplicação das regras de competência constantes da Convenção de Lugano II, há lugar a distinguir, desde logo, entre as relações que existiam entre os demandados no processo principal e as sociedades do grupo Arcadia com as quais tinham celebrado um contrato formal, na aceção do direito substantivo, e as que existiam entre eles e as outras sociedades do grupo Arcadia. Não o creio, e isso por duas razões.

33.

Em primeiro lugar, o conceito de «contrato individual de trabalho», na aceção do artigo 18, n.o 1, da Convenção de Lugano II, deve ser interpretado não por referência à lex causae ou à lex fori, mas autonomamente, a fim de garantir a aplicação uniforme das regras de competência constantes dessa convenção em todos os Estados partes ( 15 ).

34.

No que toca a essa definição autónoma, resulta do Acórdão Holterman que existe um «contrato individual de trabalho» quando uma pessoa realiza durante um certo tempo, a favor de outra pessoa e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração ( 16 ). Por conseguinte, um tal «contrato» existe sempre que as características de uma relação de trabalho — prestação, remuneração e subordinação — estejam de facto reunidas. Como alegado pelos demandados no processo principal, pela Confederação Suíça e pela Comissão, pode, portanto, existir um tal «contrato» entre duas pessoas mesmo no caso de, para o direito substantivo aplicável, não haver qualquer contrato celebrado e se tratar de uma relação de trabalho puramente factual ( 17 ).

35.

Esclareço que esta interpretação respeita os termos da Secção 5, já que a expressão «contrato individual de trabalho» não implica a celebração formal de um contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo. De resto, a utilização dessa expressão nos instrumentos que vinculam os Estados‑Membros e/ou a União em matéria de direito internacional privado remonta à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma, em 19 de junho de 1980 ( 18 ). Ora, quando da adoção dessa convenção, preferiu‑se essa expressão à de «relação de trabalho», proposta no anteprojeto da referida convenção, fundamentalmente porque esta última expressão era desconhecida em alguns ordenamentos jurídicos nacionais ( 19 ). Seria, portanto, erróneo opor «contrato» e «relação» no âmbito da Secção 5 ( 20 ).

36.

Consequentemente, a inexistência de um contrato formal, na aceção do direito substantivo, entre os demandados no processo principal e uma dada sociedade Arcadia não obsta a que, para efeitos das disposições da Secção 5, dos factos não deva ser inferida a existência de um «contrato». Inversamente, os contratos celebrados entre os interessados e outras sociedades do grupo não têm necessariamente de ser considerados «contratos individuais de trabalho», na aceção da referida Secção.

37.

Em segundo lugar, da decisão de reenvio resulta que, independentemente das estipulações dos contratos em questão, as diferentes afetações dos demandados no processo principal, enquanto trabalhadores desta ou daquela sociedade Arcadia, e as suas mudanças no interior do grupo não alteraram, factualmente, a natureza das funções que aí exerceram nem tiveram consequências ao nível das funções respetivas de CEO e de CFO de todas as sociedades Arcadia e do próprio grupo. Em resumo, essas afetações eram puramente formais. Os referidos contratos foram redigidos pelos interessados, ou sob a sua orientação, sendo eles que escolhiam os termos destes contratos e também o celebrar o referido contrato com uma sociedade e não com outra ( 21 ).

38.

Assim, há que determinar, em seguida, se se deve considerar que a relação que existia entre os demandados no processo principal, enquanto administradores, e cada uma das sociedades Arcadia, independentemente da existência, ou não, de um contrato formal entre eles em determinado momento, corresponde a um «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5.

39.

Uma pessoa, ao aceitar o cargo de administrador de uma sociedade, aceita livremente as obrigações correspondentes a essas funções. Do mesmo modo, ao confiar tal cargo social a essa pessoa, a sociedade assume voluntariamente certas obrigações a seu respeito. Em especial, as funções de administrador de uma sociedade são, regra geral, exercidas contra remuneração ( 22 ). Há, portanto, obrigações livremente assumidas entre a sociedade e o administrador, que são «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Lugano II e do Regulamento Bruxelas I. Em meu entender, é indiferente que esse administrador tenha sido formalmente nomeado (administrador formal) ou que, sem o ter sido, se comporte efetivamente como tal (administrador de facto) ( 23 ).

40.

Assim, no âmbito das «obrigações contratuais» que vinculam o administrador e a sociedade, o primeiro fornece à segunda uma prestação contra remuneração. Em conformidade com as explicações fornecidas no n.o 34 das presentes conclusões, a sua relação deve apenas ser qualificada de «contrato individual de trabalho», na aceção da Secção 5, se, no exercício das suas funções, o administrador estiver subordinado à sociedade.

41.

A este respeito, no Acórdão Holterman, o Tribunal de Justiça declarou que, para os efeitos da Secção 5, a existência de um vínculo de subordinação «deve ser apreciada em função de todos os elementos e de todas as circunstâncias que caracterizam as relações entre as partes» ( 24 ). O Tribunal de Justiça afirmou também que um administrador que tenha suficiente participação no capital social para influenciar, de modo «não negligenciável», as pessoas habitualmente competentes para lhe dar instruções e controlar a sua execução não está subordinado à sociedade.

42.

Seria um erro ler este raciocínio a contrario, no sentido de que um administrador que não detém uma participação no capital social, como era o caso dos demandados no processo principal, está, apenas por esse facto, subordinado à sociedade. Embora o Tribunal de Justiça tenha indicado, nesse acórdão, uma circunstância que exclui, em qualquer caso, uma subordinação, não se pronunciou sobre os elementos que a podem caracterizar.

43.

No que diz respeito a esses elementos, é possível inspirarmo‑nos na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente ao conceito de «trabalhador», na aceção do artigo 45.o TFUE e de determinadas diretivas de harmonização. Segundo essa jurisprudência, o que caracteriza um vínculo de subordinação é o facto de um trabalhador se encontrar sob a direção de outra pessoa, a qual não só lhe define as tarefas a realizar, mas sobretudo a forma de as executar, devendo ainda o trabalhador respeitar as suas instruções e as normas internas. A fim de determinar a existência de um tal vínculo de subordinação, importa, portanto, ter em atenção a autonomia e a flexibilidade de que o trabalhador dispõe para escolher o horário, o local e as modalidades de execução das tarefas que lhe foram confiadas e/ou a vigilância e o controlo que o empregador exerce sobre a forma como o trabalhador executa as suas funções ( 25 ).

44.

Como alegado pelo grupo Arcadia e pela Confederação Suíça, daqui resulta que o administrador só está subordinado à sociedade se estiver sujeito à direção efetiva de outra pessoa no exercício e na organização das suas funções. A existência dessa direção é apreciada à luz da natureza das funções em questão, do âmbito em que são exercidas, da extensão dos poderes do interessado e do controlo de que é efetivamente objeto no âmbito da sociedade ( 26 ).

45.

Ora, por hipótese, administradores, como os demandados no processo principal, os quais, segundo as indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, na sua qualidade de CEO e de CFO, estão investidos dos mais amplos poderes para administrar a sociedade e atuar em seu nome e por sua conta e dispõem de total controlo e de total autonomia na gestão quotidiana dos seus negócios e no exercício das suas funções — o que fica demonstrado precisamente, no presente caso, pelo facto de os seus sucessivos contratos de trabalho terem sido elaborados pelos próprios ou sob a sua orientação, que tinham sido da sua escolha os termos desses contratos e o respetivo empregador formal — não estão, nestas funções, subordinados à sociedade.

46.

Em especial, contrariamente ao que alegam os demandados no processo principal, a subordinação não se pode confundir com as diretrizes gerais dadas ao administrador pelos sócios no que respeita à orientação dos negócios da sociedade. Essas diretrizes gerais não dizem respeito ao próprio desempenho das funções do administrador nem ao modo como as organiza. Um administrador tem por dever agir a favor da sociedade e, a esse título, pode receber instruções razoáveis relativas à sua missão. Pelas mesmas razões, os mecanismos de controlo previstos na lei, de que os acionistas dispõem, não caracterizam, por si só, a existência desse vínculo de subordinação. Qualquer mandatário deve prestar contas ao seu mandante. Além disso, a simples circunstância de esses mesmos acionistas terem o poder de destituir o administrador não basta para caracterizar esse vínculo. O facto de disporem desse poder de destituição não significa que se possam imiscuir na forma de dirigir a sociedade. Ainda, no âmbito de qualquer mandato, o mandante pode pôr fim unilateralmente à relação com o seu mandatário sem que essa circunstância demonstre, ela própria, uma subordinação.

47.

Atento o que precede, sou de opinião que, no presente processo, existiam, efetivamente, entre os demandados no processo principal e cada uma das sociedades Arcadia, «obrigações contratuais» recíprocas, abrangidas pelo artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Lugano II. Umas vezes, essas obrigações foram formalizadas em contratos, outras vezes não. Em todo o caso, essas obrigações não podem ser consideradas «contratos individuais de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5.

48.

Contrariamente ao que alegam os demandados no processo principal, esta interpretação não é posta em causa pelos Acórdãos Danosa ( 27 ) e Balkaya ( 28 ). A este propósito, recordo que, no primeiro acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, relativamente à Diretiva 92/85/CEE ( 29 ), que embora «não se possa excluir» que os membros de um órgão dirigente de uma sociedade não se subsomem ao conceito de «trabalhador», na aceção desta diretiva, «tendo em conta as funções específicas que lhes são confiadas, bem como o quadro em que estas são exercidas e o modo como o são», um administrador de uma sociedade está subordinado a essa sociedade pois (1) dela faz parte integrante (2) deve prestar contas da sua gestão a outro órgão social e com ele colaborar e (3) pode ser destituído pela Assembleia Geral ( 30 ). No acórdão Balkaya ( 31 ), o Tribunal de Justiça transpôs esse raciocínio para a Diretiva 98/59/CE ( 32 ) e, fundando‑se em indícios semelhantes, qualificou o diretor de uma sociedade como «trabalhador», na aceção dessa diretiva.

49.

Todavia, a interpretação que o Tribunal de Justiça dá de um conceito integrado num domínio regulamentar do ordenamento jurídico da União não pode ser automaticamente transposta para um domínio distinto ( 33 ). Como já indiquei, trata‑se apenas de uma fonte de inspiração. O conceito de «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5, deve ser interpretado por referência, principalmente, ao sistema e aos objetivos da Convenção de Lugano II e do Regulamento Bruxelas I ( 34 ), bem como aos princípios gerais que decorrem dos ordenamentos jurídicos nacionais ( 35 ). Esses precedentes só podem, portanto, ser transpostos para esses instrumentos com circunspeção. Noto, aliás, que no acórdão Holterman o Tribunal de Justiça não aplicou essa jurisprudência expressis verbis, antes se tendo contentado em referi‑la pontualmente.

50.

A este propósito, sublinho que os três indícios a que o Tribunal atendeu no Acórdão Danosa ( 36 ) para declarar que o administrador de uma sociedade é um «trabalhador», na aceção da Diretiva 92/85, estão presentes no que respeita à vasta maioria deles. Com efeito, em certa medida, esses administradores estão em geral (1) «integrados» na sociedade (2) devem prestar contas a outro órgão social — conselho de administração ou conselho fiscal, assembleia geral, etc. — e (3) podem ser destituídos por esse órgão.

51.

Ora, embora o Tribunal de Justiça tenha decidido alargar aos administradores das sociedades, nos Acórdãos Danosa ( 37 ) e Balkaya ( 38 ), a proteção contra o despedimento oferecida pelas diretivas de harmonização da União, transpor a lógica desses acórdãos para as regras de competência constantes do Regulamento Bruxelas I e da Convenção de Lugano II levaria a que grande parte do contencioso existente entre uma sociedade e os seus administradores fosse vista sob o prisma do conceito de «contrato individual de trabalho», passando, portanto, a ficar abrangida pelas disposições da Secção 5.

52.

A este propósito, devo recordar que, nos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados‑Membros, a relação existente entre as sociedades e os seus dirigentes não integra o âmbito do direito do trabalho mas o do direito das sociedades. Os administradores são órgãos sociais. As funções do administrador e os poderes e obrigações que daí decorrem resultam dos estatutos da sociedade e das disposições legais que lhe são aplicáveis. Por certo, em alguns Estados‑Membros, entre os quais o Reino Unido, administradores e sociedades podem enquadrar os respetivos direitos e obrigações num contrato — que pode ser um contrato de gestão, de mandato ou de trabalho ( 39 ). Isto posto, o direito das sociedades está sempre no centro da sua relação.

53.

Em especial, o contencioso da responsabilidade dos administradores para com a sociedade comercial e os seus acionistas, pano de fundo do presente processo, é um contencioso que faz parte do direito das sociedades, sendo geralmente objeto de disposições específicas no ordenamento jurídico dos Estados‑Membros, que regem as condições e o âmbito dessa responsabilidade ( 40 ).

54.

Uma dissonância tão flagrante entre as qualificações nacionais e a utilizada para efeitos da Convenção de Lugano II e do Regulamento Bruxelas I não facilitaria a aplicação desses instrumentos e a previsibilidade das regras de competência que definem. Além disso, as desvantagens práticas que resultariam de uma aplicação generalizada da Secção 5 aos administradores de sociedades seriam muito pouco adaptadas à especificidade do contencioso relativo à respetiva responsabilidade e pouco conformes com o objetivo da boa administração da justiça. Nesta matéria, a responsabilidade coletiva, ou solidária, dos diferentes administradores de uma sociedade pelos prejuízos causados à sociedade na sua gestão é uma solução habitual ( 41 ). Ora, por força da Secção 5, cada uma dessas pessoas devia ser demandada separadamente perante os órgãos jurisdicionais do seu próprio domicílio, não sendo possível agrupar esse contencioso num único foro.

55.

Além disso, recordo que as regras de competência do Regulamento Bruxelas I e, por extensão, as da Convenção de Lugano II devem ser interpretadas em coerência com as normas de conflito constantes do Regulamento Roma I ( 42 ). Ora, embora esse regulamento inclua, no seu artigo 8.o, disposições relativas aos «contratos individuais de trabalho», também prevê, no seu artigo 1.o, ponto 2, alínea f), que «[a]s questões reguladas pelo direito das sociedades», relativas, nomeadamente, ao seu «funcionamento interno» dele, são excluídas.

56.

A este respeito, é normalmente aceite que integram esta categoria as questões ligadas aos poderes e ao funcionamento dos órgãos da sociedade, incluindo dos administradores, e à respetiva responsabilidade para com ela e com os acionistas ou associados, em caso de uso incorreto desses poderes ( 43 ). Atenta a exclusão assim prevista no Regulamento Roma I, a determinação da lei aplicável a essas questões resolve‑se por meio das normas de conflito de cada Estado‑Membro.

57.

Tendo em conta tudo o que antecede, duvido muito que o legislador da União e os autores da Convenção de Lugano II tenham pretendido alargar a aplicação da Secção 5 ao contencioso da responsabilidade civil dos administradores. Os interesses aí em causa são, de resto, bem diferentes dos que envolvem a responsabilidade dos trabalhadores para com os seus empregadores. O equilíbrio que se deve procurar não é o mesmo, e as normas de direito internacional privado participam desse equilíbrio ( 44 ).

58.

Por outras palavras, não é possível, para efeitos do disposto na Secção 5, optar por uma interpretação do conceito de «subordinação» idêntica àquela pela qual o Tribunal de Justiça optou nos acórdãos Danosa ( 45 ) e Balkaya ( 46 ), sob pena de se criar uma verdadeira confusão entre as normas de direito do trabalho e as de direito das sociedades, suscetível de se justificar no contexto desses acórdãos, mas particularmente inoportuna no quadro das regras de competência constantes da Convenção de Lugano II.

59.

A interpretação proposta nos n.os 45 a 47 das presentes conclusões também não é posta em causa pelo argumento dos demandados no processo principal segundo o qual as regras da Secção 5 não diferenciam entre categorias de trabalhadores. Com efeito, não sugiro ao Tribunal de Justiça que estabeleça distinções, não previstas pelos autores da Convenção de Lugano II, entre trabalhadores subordinados. Apenas proponho que opte por um conceito de «subordinação», para efeitos da aplicação desta Secção, que atenda às especificidades do direito das sociedades e à realidade da administração de sociedades.

60.

Atento o conjunto das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão que um administrador de uma sociedade que dispõe do controlo total e de total autonomia na gestão corrente dos negócios da sociedade que representa e na execução das suas próprias funções não está subordinado a essa sociedade e, portanto, não tem com ela um «contrato individual de trabalho», na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II. A circunstância de os acionistas da referida sociedade terem o poder de destituir esse administrador não põe em causa esta interpretação.

C.   Quanto ao critério que permite determinar se uma ação é em «matéria de» contrato individual de trabalho (primeira e terceira questões)

61.

À partida, se o Tribunal de Justiça entender, como lhe sugiro, que não podem existir «contratos individuais de trabalho», na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, entre administradores de uma sociedade tão omnipotentes como os demandados no processo principal e as sociedades para as quais desempenhavam as suas funções, não haverá necessariamente que responder às primeira e terceira questões do órgão jurisdicional de reenvio. Assim, só a título subsidiário sobre elas me debruço.

62.

Feita esta precisão, recordo que, no presente caso, as ações intentadas pela Arcadia contra os demandados no processo principal têm por fundamento, no essencial, o facto ilícito de associação de malfeitores com recurso a meios ilegais (unlawful means conspiracy) e o facto ilícito de violação das obrigações de lealdade e de boa fé (breach of fiduciary duty). Ora, no ordenamento jurídico inglês, esses fundamentos jurídicos têm natureza extracontratual (tort).

63.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apurar, com as suas primeira e terceira questões, se uma ação, intentada entre as partes de um «contrato individual de trabalho» e baseada nesses fundamentos jurídicos extracontratuais, está abrangida pela Secção 5 e, se assim for, em obediência a que critérios.

64.

Segundo a Arcadia, a Secção 5 não é aplicável a essas ações, uma vez que não se fundam numa obrigação decorrente dos contratos de trabalho dos demandados no processo principal ( 47 ), mas na violação de deveres legais que existem independentemente desses contratos. Com efeito, a referida Secção é, pela sua própria natureza, uma subdivisão da categoria «matéria contratual», a que se refere o artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Lugano II. Ora, uma ação baseada em tais fundamentos jurídicos integra «matéria de responsabilidade extracontratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, dessa Convenção, e está, por conseguinte, excluída dessa mesma Secção.

65.

Em contrapartida, os demandados no processo principal afirmam que, para efeitos da aplicação da Secção 5, o critério decisivo é o de saber se, independentemente da norma de direito substantivo em que o empregador baseia o seu pedido, o comportamento imputado pode consubstanciar um incumprimento das obrigações contratuais resultantes do contrato individual de trabalho, que poderia alegar ( 48 ). Ora, é o que sucede no presente caso. A este respeito, é pacífico que a Arcadia podia ter baseado as suas ações na violação das obrigações contratuais, expressa ou implícitas (breach of express and/or implied contractual duties), resultantes dos contratos de trabalho dos interessados ( 49 ). A referida Secção seria, portanto, aplicável ao litígio no processo principal.

66.

Tendo em conta os argumentos das partes no processo principal, e para propor uma resposta exaustiva às questões do órgão jurisdicional de reenvio, considero ser útil debruçarmo‑nos, antes de mais e de uma forma mais geral, sobre a problemática das ações em matéria de responsabilidade extracontratual intentadas entre os cocontratantes e analisar as soluções aplicáveis nesta matéria no âmbito do artigo 5.o, ponto 1, e do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento de Bruxelas I e da Convenção de Lugano II(1). Em seguida, explicarei as razões pelas quais, em meu entender, o objetivo de proteção prosseguido pela Secção 5 requer uma solução diferente (2).

1. Problemática das ações em matéria de responsabilidade extracontratual intentadas entre cocontratantes

67.

No plano teórico, no domínio da responsabilidade civil, a distinção entre o que é matéria contratual e o que integra matéria extracontratual depende, em regra, da natureza da obrigação invocada pelo demandante contra o demandado. Em suma, trata‑se de determinar se essa obrigação resulta da violação de um dever que decorre imediatamente da lei e é oponível erga omnes (como é o caso da obrigação extracontratual), ou, pelo contrário, do efeito de um acordo de vontades entre duas pessoas (caso em que a obrigação é contratual) ( 50 ).

68.

Todavia, pode acontecer que um mesmo comportamento danoso configura, simultaneamente, um incumprimento contratual e um incumprimento de uma obrigação legal oponível erga omnes. Verifica‑se então um concurso de responsabilidades (ou um concurso de obrigações contratuais e extracontratuais).

69.

A fraude de que os demandados no processo principal são acusados pelo grupo Arcadia dá lugar a esse concurso de responsabilidades. Com efeito, existe no ordenamento jurídico inglês um dever geral de não entrar em conluio para prejudicar alguém. Não cumprir esse dever configura um facto ilícito de natureza civil (tort of conspiracy). Sem prejuízo, o facto de um trabalhador lesar o seu empregador configura um incumprimento da sua obrigação contratual de lealdade. Os comportamentos lesivos são, portanto, potencialmente geradores de duas responsabilidades distintas.

70.

Face a um tal concurso de responsabilidades, alguns ordenamentos jurídicos nacionais, nomeadamente o inglês, deixam ao demandante a opção de fundar a ação contra o seu cocontratante em responsabilidade extracontratual e/ou contratual ( 51 ). Em contrapartida, outros ordenamentos há, nomeadamente o francês, que excluem em princípio essa opção, em conformidade com a regra apelidada de «não‑cumulação»: o demandante não pode invocar uma obrigação extracontratual contra o seu cocontratante quando os factos que alega também configuram um incumprimento contratual.

71.

O Regulamento Bruxelas I e a Convenção de Lugano II retomam a dicotomia entre «matéria contratual» (artigo 5.o, ponto 1) e «matéria de responsabilidade extracontratual» (artigo 5.o, ponto 3), e preveem regras de competência diferentes conforme uma ação se integre numa ou noutra dessas categorias. A problemática do concurso de responsabilidades por um mesmo comportamento estende‑se, portanto, a esses instrumentos. Nesse preciso contexto, trata‑se de saber se a opção do demandante entre basear a ação contra o seu cocontratante em responsabilidade contratual e/ou em responsabilidade extracontratual é determinante para efeitos da competência judiciária.

72.

O Tribunal de Justiça debruçou‑se uma primeira vez sobre a questão no seu acórdão Kalfelis ( 52 ). O processo que esteve na origem desse acórdão era relativo a um particular que intentou uma ação contra o seu banco, a fim de ser ressarcido pelo prejuízo que sofrera no âmbito de operações em Bolsa, baseando‑se cumulativamente em (1) responsabilidade contratual (2) responsabilidade extracontratual e (3) enriquecimento sem causa (quase‑contratual). Colocava‑se, designadamente, a questão de saber se o Tribunal competente, por força do artigo 5.o, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, para se pronunciar sobre a responsabilidade extracontratual também o era no que toca aos fundamentos de ordem contratual e quase‑contratual.

73.

A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «matéria de responsabilidade extracontratual ou quase‑contratual» deve ser definido de forma autónoma no sentido de abranger «qualquer ação que tenha em vista desencadear a responsabilidade do réu e que não esteja relacionada com a “matéria contratual” na aceção do [ponto] 1 do artigo 5.o» da Convenção de Bruxelas. Lida isoladamente, esta passagem parece indicar que a escolha do demandante em alicerçar a ação contra o seu cocontratante em responsabilidade extracontratual é irrelevante para efeitos da competência judiciária: esta acabará, em todo o caso, por ser definida por referência à categoria «matéria contratual». Todavia, o Tribunal de Justiça precisou «que o tribunal competente, nos termos do ponto 3 do artigo 5.o [da referida Convenção], para conhecer do elemento da ação baseado em facto ilícito não o é para conhecer dos outros elementos da mesma ação não baseados em facto ilícito» ( 53 ).

74.

Apesar do caráter ligeiramente ambíguo da sua resposta, parece que o Tribunal de Justiça considerou, nesse acórdão, que cada um dos fundamentos jurídicos invocados pela recorrente devia ser qualificado como «matéria contratual» ou «matéria de responsabilidade extracontratual», ou seja, servindo as diversas regras de direito substantivo como causa para os seus pedidos. A competência judiciária é, portanto, suscetível de variar em função da norma substantiva que é invocada ( 54 ). Tenho a precisar que, para efeitos do Regulamento de Bruxelas I ou da Convenção de Lugano II, não se trata de adotar a qualificação jurídica prevista pelo direito nacional. Na realidade, para o Tribunal de Justiça, a regra invocada remete para uma obrigação. É essa obrigação que, para efeitos desses instrumentos, deverá ser qualificada, autonomamente, de «contratual» — se «livremente assumida» pelas partes ( 55 ) — ou «extracontratual ou quase‑contratual» — se não se enquadrar na primeira categoria. Quando, no quadro de uma mesma ação, o demandante invoque fundamentos jurídicos distintos, invoca obrigações diferentes — contratual, extracontratual, etc. — suscetíveis de serem da competência de outros tantos tribunais ( 56 ).

75.

O Tribunal de Justiça debruçou‑se de novo sobre essa problemática no acórdão Brogsitter ( 57 ). No processo que esteve na origem deste acórdão, um particular exigia uma indemnização aos seus cocontratantes com fundamento, nomeadamente, em responsabilidade extracontratual, decorrente, designadamente, das normas do direito alemão contra a concorrência desleal. Nesse quadro, acusava‑os, em especial, de terem violado um dever de exclusividade resultante do contrato que haviam celebrado. O Tribunal de Justiça foi então questionado sobre a qualificação que, nos termos do Regulamento Bruxelas I, devia ser dada a essas ações.

76.

Tomando como ponto de partida o dictum do acórdão Kalfelis, ( 58 ) segundo o qual o conceito de «matéria extracontratual» abrange qualquer ação que tenha em vista desencadear a responsabilidade do réu e que não esteja relacionada com «matéria contratual», o Tribunal de Justiça entendeu que, para incluir as ações em causa numa ou noutra dessas categorias, havia que verificar «se estas revestem, independentemente da sua qualificação no direito nacional, natureza contratual» ( 59 ).

77.

Segundo o Tribunal de Justiça, o mesmo se passa «se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato» ( 60 ) e que «[é] o caso, a priori, se a interpretação do contrato […] for indispensável para estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, o caráter ilícito do comportamento censurado […]» ( 61 ). Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional nacional «determinar se as ações intentadas […] têm por objeto um pedido de reparação cuja causa ( 62 ) possa ser razoavelmente considerada uma violação dos direitos e das obrigações do contrato […], o que se torna indispensável para decidir do recurso» ( 63 ).

78.

O acórdão Brogsitter ( 64 ) representa, a meu ver, uma alteração da perspetiva adotada no acórdão Kalfelis ( 65 ). Com efeito, o Tribunal de Justiça parece ter alterado o seu ponto de vista no exercício de qualificação das ações, para efeitos das regras de competência estabelecidas no artigo 5.o, ponto 1, e no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I e da Convenção de Lugano II. Afastou‑se de uma qualificação que tomava como ponto de partida o fundamento jurídico material invocado pelo demandante para adotar uma qualificação baseada nos factos que justificam o pedido. A forma como o demandante formula o pedido parece ser irrelevante para efeitos dessa análise.

79.

Não é, contudo, certo o alcance exato do acórdão Brogsitter ( 66 ). A este respeito, a Arcadia alega que o «critério Brogsitter» está consubstanciado no n.o 25 desse acórdão: uma ação é «em matéria contratual» quando se afigure indispensável interpretar o contrato para estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, o caráter ilícito do comportamento censurado em sede de responsabilidade extracontratual. Compartilho deste entendimento. Em meu entender, o Tribunal de Justiça qualificava como «contratuais» as ações em matéria de responsabilidade extracontratual cuja procedência depende do conteúdo das obrigações contratuais que vinculam as partes no litígio ( 67 ).

80.

Em contrapartida, os demandados no processo principal entendem que o «critério Brogsitter» está consubstanciado nos n.os 24 e 29 desse acórdão: uma ação é «em matéria contratual» quando o comportamento em causa possa ser considerado — ou seja, possa constituir — um incumprimento das obrigações contratuais, que o demandante pode, ou não, invocar. A esse título, trata‑se não de saber se se afigura indispensável conhecer o conteúdo das obrigações contratuais para decidir da legalidade do comportamento em sede de responsabilidade extracontratual, mas de saber se existe uma correspondência potencial entre esse comportamento e o conteúdo dessas obrigações. Uma vez que, tendo em conta os factos, o referido comportamento pode configurar, simultaneamente, um facto ilícito extracontratual e um incumprimento contratual, e que o recorrente poderia assim invocar um ou outro, a qualificação contratual é relevante para efeitos da competência judiciária.

81.

Ora, o Tribunal de Justiça parece, em determinados acórdãos recentes, ter compreendido o acórdão Brogsitter ( 68 ) da mesma forma que os demandados no processo principal. Em especial, no acórdão Holterman, que dizia igualmente respeito, recordo‑o, a uma situação em que eram invocados fundamentos jurídicos diferentes na mesma ação de indemnização, o Tribunal de Justiça considerou que para determinar se essa ação era «em matéria contratual» ou «em matéria de responsabilidade extracontratual», apenas havia que verificar se o comportamento em causa pod[ia] ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais ( 69 ). Porém, o Tribunal de Justiça limitou‑se a reafirmar esse critério sem verdadeiramente o aplicar (ou explicar), pelo que é difícil estar certo do sentido que o Tribunal de Justiça lhe pretendia atribuir.

82.

De tudo o que precede resulta, do meu ponto de vista, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça é, no mínimo, ambígua no que respeita ao modo como o artigo 5.o, ponto 1, e o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I e da Convenção de Lugano II devem ser aplicados em caso de concurso de responsabilidades potenciais por um mesmo comportamento. Seria útil que o Tribunal de Justiça clarificasse a sua posição a este respeito.

83.

Em meu entender, para efeitos da articulação entre o artigo 5.o, ponto 1, e o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I e da Convenção de Lugano II, tendo em conta os objetivos de segurança jurídica, de previsibilidade e de boa administração da justiça inerentes a esses instrumentos, é preferível optar pela lógica seguida no Acórdão Kalfelis ( 70 ) e qualificar uma ação como «contratual» ou «de responsabilidade extracontratual» à luz do fundamento jurídico material invocado pelo demandante. Pelo menos, o Tribunal de Justiça deveria ater‑se à leitura estrita do Acórdão Brogsitter ( 71 ) que figura no n.o 79 das presentes conclusões. Dito de outro modo, se uma ação proposta pelos cocontratantes não se basear numa obrigação resultante do contrato mas em normas do instituto da responsabilidade civil extracontratual, e se não se afigurar indispensável conhecer o conteúdo das obrigações contratuais para decidir sobre a legalidade do comportamento censurado, essa ação deve integrar‑se no artigo 5.o, ponto 3, dos referidos instrumentos ( 72 ).

84.

Decerto, admito, fazer depender a competência judiciária do fundamento jurídico material invocado pelo demandante autoriza até certo ponto um forum shopping, já que este poderá, em certa medida, escolher o seu tribunal invocando as normas adequadas. Além disso, um mesmo comportamento danoso, apreendido pelo demandante na perspetiva de fundamentos jurídicos diferentes, poderia teoricamente integrar a competência de juízes distintos, implicando assim um risco de partição do litígio. Neste contexto, uma solução como a que é proposta pelos demandados no processo principal exclui a possibilidade do tal forum shopping e apresenta a vantagem de permitir uma concentração dos litígios surgidos por ocasião de uma relação contratual no foro contratual.

85.

Importa, todavia, relativizar os problemas já apontados. Com efeito, os próprios autores da Convenção de Lugano II e do Regulamento Bruxelas I permitiram um certo forum shopping, ao oferecer ao demandante opções no que respeita às competências. Em caso de concurso de responsabilidades, os foros contratual e extracontratual apresentam ambos uma conexão estreita com o litígio, e estes instrumentos não preveem uma hierarquia entre os foros em questão. Quanto ao risco de partição do litígio, conforme o próprio Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão Kalfelis ( 73 ), o demandante pode sempre intentar a ação nos tribunais do domicílio do demandado, em conformidade com o artigo 2.o dos referidos instrumentos, que serão então competentes para se pronunciarem sobre a integralidade do litígio.

86.

Reconheço também que há um aspeto prático que pesa na balança. Com efeito, enquanto certos ordenamentos jurídicos, nomeadamente o inglês, impõem aos demandantes regras de strict pleading, devendo estes indicar na petição não apenas os factos e o objeto do pedido, mas também os fundamentos jurídicos em que se apoiam, outros ordenamentos jurídicos, entre os quais o francês, não submetem os demandantes ao cumprimento de tal requisito. Contudo, mais uma vez aqui, é importante uma certa relativização. O facto de um demandante não ser obrigado a indicar o fundamento jurídico que utiliza não significa que o mesmo não deva ser tomado em consideração quando seja apresentado.

87.

Mas, para além destas considerações, a posição que defendo é essencialmente motivada por um imperativo de simplicidade das regras de competência. Recordo que o objetivo da segurança jurídica impõe que o juiz nacional a quem seja submetido o litígio possa pronunciar‑se com facilidade sobre a sua própria competência, sem se ver forçado a proceder a uma análise do mérito do processo ( 74 ).

88.

A este respeito, fazer depender a competência do fundamento jurídico material (ou da obrigação) invocado(a) pelo demandante oferece ao juiz do processo uma lógica simples: como já indiquei, é essa obrigação que esse juiz deverá qualificar de «contratual» ou «extracontratual», na aceção do Regulamento Bruxelas I ou da Convenção de Lugano II. Inversamente, exigir do juiz que qualifique a ação à luz dos factos — existe um incumprimento contratual que o demandante poderia ter invocado? — torna muito mais complexa a sua missão. Como a Arcadia alegou, isso equivale a obrigá‑lo a ponderar várias hipóteses sobre a forma como um processo poderia ser julgado. Verificar através dos factos, na fase da determinação da competência, a correspondência entre esse comportamento e o conteúdo das obrigações contratuais nunca é tarefa simples. Em muitos casos, seria particularmente penoso para o juiz determinar ou mesmo imaginar, nessa fase, o conteúdo dessas obrigações: isso obrigaria a apurar a lei aplicável, a qual determinará não apenas o método de interpretação do contrato — essencial para se conhecer o teor — mas também todos os ulteriores termos (implied terms) que essa lei impõe a um contrato desse tipo. A previsibilidade das regras de competência correria o risco de se ressentir devido a essa dificuldade.

89.

Além disso, recordo que, em princípio, o juiz a quem é submetido o litígio deve poder facilmente determinar a sua competência com base apenas nas alegações do demandante ( 75 ). Inversamente, obrigar o juiz a aceitar uma apreciação global dos factos implica, na prática, que o demandado poderia iludir a regra da competência em «matéria de responsabilidade extracontratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento de Bruxelas I e da Convenção de Lugano II, apenas invocando a existência de um contrato entre as partes e a possível concordância entre o comportamento imputado e as obrigações que acarreta ( 76 ).

90.

Por último, recordo ainda que em «matéria contratual» no âmbito do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I e da Convenção de Lugano II, e fora dos casos específicos indicados na alínea b) do referido número, a competência é atribuída ao tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. Ora, interrogo‑me sobre a aplicação dessa regra se a ação do demandante não se fundasse precisamente numa obrigação contratual específica, embora essa ação, à luz dos factos, devesse ser qualificada de «contratual».

2. Transposição desta problemática para a Secção 5

91.

Isto posto, tal como já anteriormente referi, a problemática das ações de responsabilidade civil entre cocontratantes clama, em meu entender, por uma resposta diferente no que se refere à aplicação da Secção 5.

92.

A este respeito, tendo nomeadamente em conta a existência de uma divergência linguística entre as versões alemã, inglesa e francesa do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II e do Regulamento de Bruxelas I ( 77 ), há que atribuir importância, antes de mais, à sistemática destes instrumentos e ao objetivo de proteção prosseguido pela Secção 5 ( 78 ).

93.

Ora, o caráter autónomo e imperativo dessa Secção no âmbito destes instrumentos, bem como esse mesmo objetivo de proteção, obrigam, em meu entendimento, a que o empregador não possa contornar a referida Secção formulando o seu pedido simplesmente no terreno extracontratual ( 79 ). Neste âmbito, o empregador não tem opção, Se assim não fosse, essa Secção deixaria de ter qualquer efeito útil ( 80 ). Estes elementos fazem, nesta matéria, com que a balança penda para uma qualificação baseada não nos fundamentos jurídicos materiais invocados pelo demandante, mas nos factos do litígio.

94.

Consequentemente, sou de opinião que uma ação é «em matéria de contrato individual de trabalho», para efeitos da Secção 5, quando exista, na perspetiva dos factos, um certo nexo material entre essa ação e um tal «contrato». É o que acontece quando a ação se refere a um diferendo surgido por ocasião da relação de trabalho, quer o demandante baseie a ação no referido «contrato», quer não, tendo pouco relevo o facto de se afigurar ou não indispensável conhecer o conteúdo das obrigações contratuais para decidir sobre o mérito. Esta condição deve ser apreciada de forma ampla. Dito de outro modo, desde que essa condição esteja preenchida, mesmo uma pretensão que assente nas normas do instituto da responsabilidade civil extracontratual (como o conspiracy claim da Arcadia), que, em princípio, estaria abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento de Bruxelas I ou da Convenção de Lugano II, integra‑se na Secção 5 ( 81 ).

95.

No que diz respeito, mais precisamente, à problemática subjacente às questões do órgão jurisdicional de reenvio, ou seja, a de uma ação de indemnização proposta pelo empregador contra o trabalhador, entendo que essa ação está abrangida pela Secção 5 se, como o Tribunal de Justiça decidiu no Acórdão Holterman, o primeiro invocar irregularidades alegadamente cometidas pelo segundo no exercício das suas funções ( 82 ).

96.

Não posso, contudo, deter‑me aí. Com efeito, se situações há em que a alegada irregularidade se insere claramente no próprio desempenho das funções atribuídas ao trabalhador e, inversamente, casos em que essa irregularidade não tem qualquer nexo com essas funções ( 83 ), existem também inúmeras «zonas cinzentas». É o que acontece quando o trabalhador, ao cometer a irregularidade controvertida, não estava a atuar no cumprimento das suas funções, embora essa irregularidade lhe possa ser associada por um nexo temporal, de localização ou, ainda, de meios ( 84 ). Será, portanto, necessário afinar o critério proposto no número anterior?

97.

Penso que não. Em meu entender, embora sejam possíveis afinações em termos de direito substantivo, no que respeita às condições para o desencadeamento da responsabilidade do trabalhador, era pouco oportuno complicar a análise para efeitos da competência judiciária. Importa recordar que, nesta matéria, o tribunal deve poder decidir facilmente sem ter de proceder a uma análise aprofundada dos factos.

98.

Atentas as considerações que precedem, proponho que só fiquem excluídas do âmbito da Secção 5 as ações propostas pelo empregador contra o trabalhador que tenham por objeto um comportamento danoso que não esteja associado por uma qualquer circunstância objetiva — de local, tempo, meios ou fins — às funções exercidas pelo trabalhador ( 85 ).

99.

Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento da Arcadia segundo o qual, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as normas sobre competência especial são de interpretação restritiva, não permitindo uma interpretação que vá além das hipóteses expressamente nelas previstas ( 86 ).

100.

Com efeito, na minha opinião, essa jurisprudência implica simplesmente que não é possível haver um afastamento em relação aos termos claros dessas regras especiais, ainda que fosse no sentido do objetivo que prosseguem.

101.

Ora, a interpretação que proponho em nada se afasta dos termos do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, cuja importância, de resto, deve ser relativizada neste aspeto, tendo em conta a divergência linguística já referida. Numa situação em que um trabalhador causa um dano ao seu empregador, a relação de trabalho é, regra geral, um elemento contextual determinante. Essa relação colocou o trabalhador no local onde a irregularidade foi cometida — por exemplo, as instalações do empregador — ou disponibilizou‑lhe os meios para a cometer — como o acesso a certas informações confidenciais. Em suma, fora dos casos em que não exista qualquer tipo de ligação às funções do trabalhador, existe, entre uma ação de indemnização do empregador e as obrigações resultantes do «contrato individual de trabalho», um nexo material suficiente para justificar que essa ação se refira ao «contrato», como exigem os termos dessa disposição.

102.

Essa mesma interpretação também não é posta em causa pelo argumento da Arcadia segundo o qual só uma ação que seja, por natureza, «em matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Lugano e do Regulamento de Bruxelas I, pode ser «em matéria de contratos individuais de trabalho», para efeitos das disposições da secção 5. É verdade que um «contrato individual de trabalho» é uma categoria de contrato abrangida pela referida «matéria contratual». Nessa medida, esta secção constitui uma lex specialis relativamente ao mencionado artigo 5.o, ponto 1, Todavia, esta observação não impede que se aprecie a ligação entre a ação e o «contrato» de uma forma mais generosa no âmbito da referida secção, uma vez que tal é necessário para garantir a imperatividade desta secção.

103.

Tendo em conta o conjunto das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às primeira e terceira questões que uma ação proposta por um empregador contra um trabalhador é «em matéria de» contrato individual de trabalho, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano, quando se refira a um diferendo surgido por ocasião da relação de trabalho, independentemente dos fundamentos de direito substantivo invocados pelo empregador na petição inicial. Em especial, uma ação de indemnização proposta pelo empregador contra o trabalhador integra‑se no âmbito da Secção 5 quando o comportamento imputado está relacionado, de facto, com as funções exercidas pelo trabalhador.

D.   Quanto ao conceito de «empregador», em especial no contexto de um grupo de sociedades (quarta questão)

104.

Os demandados no processo principal foram objeto ações intentadas nos órgãos jurisdicionais de Inglaterra e do País de Gales, recordo‑o, pela Arcadia London, a Arcadia Singapore e a Arcadia Switzerland, bem como pelo único acionista do grupo, a Farahead. Ora, os interessados só tiveram contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo, com uma sociedade Arcadia, cuja identidade variou ao longo do tempo. Por esse motivo, através da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se as ações intentadas contra um trabalhador por uma pessoa que não é o seu empregador, na aceção do direito substantivo — como acontece, no presente caso, com as outras sociedades do grupo que não a sociedade empregadora —, podem estar abrangidas pela Secção 5 e, se a resposta for afirmativa, em que condições.

105.

Bem entendido, mais uma vez ainda, não será necessário responder a esta questão se o Tribunal de Justiça considerar, como proponho, que os demandados no processo principal não tinham «contratos individuais de trabalho», na aceção das disposições da Secção 5, com qualquer uma das sociedades Arcadia. Por conseguinte, é também a título subsidiário que respondo a essa questão, e partindo da hipótese de que os interessados são «trabalhadores», na aceção dessas disposições.

106.

Feita esta precisão, uma ação só está abrangida pela Secção 5, nos termos das suas disposições, se for intentada por uma ou outra das partes no «contrato individual de trabalho» — trabalhador ou empregador — contra a outra parte. Nesse âmbito, o empregador é, tipicamente, a pessoa singular ou coletiva para a qual o trabalhador efetua durante um determinado período, em seu benefício e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais lhe paga uma remuneração.

107.

Em compensação, uma ação intentada contra o trabalhador ou o empregador por um terceiro a esse «contrato», ou intentada contra esse terceiro por uma dessas partes no contrato, não se integram nesta secção. No entanto impõe‑se fazer duas ressalvas, especialmente no caso dos grupos de sociedades.

108.

Por um lado, como já referi no âmbito da análise da segunda questão, a qualificação autónoma de «contrato individual de trabalho» e, a este propósito, o critério do vínculo de subordinação permitem considerar que uma sociedade com a qual o trabalhador não celebrou contrato, na aceção do direito substantivo, tem de qualquer modo um tal «contrato» com ele. Num grupo de sociedades, o «empregador» do trabalhador que formalmente tem um contrato com a sociedade A pode, portanto, ser a sociedade B, ou mesmo ambas as sociedades, dependendo de quem exerce o poder de direção efetivo ( 87 ).

109.

Por outro lado, se, de acordo com esse critério, um trabalhador tiver um «contrato individual de trabalho» apenas com a sociedade A, mas contra ele for intentada uma ação pela sociedade B, o objetivo de proteção prosseguido pela Secção 5 justifica a adoção de uma perspetiva que atenda à realidade do litígio: se a ação intentada pela sociedade B disser respeito ao comportamento do trabalhador quando executava o seu «contrato» em relação à sociedade A, então a sociedade B devia também ser considerada o «empregador», na aceção do artigo 20.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II. Sociedades do mesmo grupo deviam estar sujeitas às mesmas restrições em termos de competência jurisdicional ( 88 ). Não o estando, temo, mais uma vez ainda, que fique à disposição dos empregadores internacionais uma certa possibilidade de contorno da Secção 5. Quando exista um vínculo orgânico e económico entre essas duas sociedades e a segunda tiver interesse na boa execução do contrato, tal não irá contrariar o objetivo de segurança jurídica ( 89 ). De resto, isso permitia, oportunamente, evitar a multiplicidade de foros competentes para uma mesma relação de trabalho e contribuiria assim para a boa administração da justiça.

110.

Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quarta questão que quando, no contexto de um grupo de sociedades, um trabalhador tem um contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo, com uma determinada sociedade, mas é demandado judicialmente por outra sociedade, esta segunda sociedade pode ser considerada o «empregador» do trabalhador, para efeitos das disposições da secção 5, se:

o trabalhador desempenha as suas funções, de facto, em favor e sob a direção dessa segunda sociedade, ou

a segunda sociedade intenta uma ação contra o trabalhador devido a um comportamento tido por ocasião da execução do seu contrato com a primeira sociedade.

V. Conclusão

111.

Atento o conjunto das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido):

1)

O artigo 18.o, n.o 1, da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 («Convenção de Lugano II»), deve ser interpretado no sentido de que o administrador de uma sociedade que dispõe do controlo total e de total autonomia na gestão corrente dos negócios da sociedade que representa e na execução das suas próprias funções não está subordinado a essa sociedade e, portanto, não possui com ela um «contrato individual de trabalho», na aceção dessa disposição. A circunstância de os acionistas da referida sociedade terem o poder de destituir esse administrador não põe em causa esta interpretação.

2)

Uma ação proposta pelo empregador contra o trabalhador é intentada «em matéria de» contrato individual de trabalho, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, quando se refira a um diferendo surgido por ocasião da relação de trabalho, independentemente dos fundamentos de direito substantivo invocados pelo empregador na petição inicial. Em especial, a ação de indemnização proposta pelo empregador contra o trabalhador integra‑se no Título II, Secção 5, desta Convenção quando o comportamento imputado está relacionado, de facto, com as funções exercidas pelo trabalhador.

3)

Quando, no contexto de um grupo de sociedades, um trabalhador tem um contrato de trabalho, na aceção do direito substantivo, com uma determinada sociedade, e é demandado judicialmente por outra sociedade, esta segunda sociedade pode ser considerada o «empregador» do trabalhador, para efeitos das disposições do Título II, Secção 5, da Convenção de Lugano, se:

o trabalhador desempenha as suas funções, de facto, em favor e sob a direção dessa segunda sociedade, ou

essa mesma segunda sociedade intenta uma ação contra o trabalhador devido a um comportamento tido por ocasião da execução do seu contrato com a primeira sociedade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2007, L 339, p. 1. Convenção cuja celebração foi aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 (JO 2009, L 147, p. 1).

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»). Este regulamento substituiu a Convenção relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968 (JO 1972, L 299, p. 32, a seguir «Convenção de Bruxelas»). Acabou por também ser recentemente substituído pelo Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

( 4 ) É importante, além disso, para a interpretação dessa Convenção, ter em consideração as decisões nacionais relativas a esses instrumentos. V. artigo 1.o do Protocolo relativo à interpretação uniforme da [Convenção de Lugano II] e ao Comité Permanente (JO 2007, L 339, p. 27) e Acórdãos de 2 de abril de 2009, Gambazzi (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.o 36), e de 20 de dezembro de 2017, Schlömp (C‑467/16, EU:C:2017:993, n.os 46 a 51).

( 5 ) Essa disposição estabelece que, havendo vários requeridos, uma pessoa pode ser demandada perante «o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente».

( 6 ) V. Acórdãos de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratórios Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.os 19 e 20), de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.o 51), e de 21 de junho de 2018, Petronas Lubricants Italy (C‑1/17, EU:C:2018:478, n.o 25).

( 7 ) As regras de competência constantes da Convenção de Lugano II e do Regulamento Bruxelas I prosseguem, de um modo geral, o objetivo de garantir a segurança jurídica. Devem, a esse título, possuir um alto grau de previsibilidade: o demandante deve poder identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir, e o requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado. Além disso, essas regras visam assegurar uma boa administração da justiça. V. Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Besix (C‑256/00, EU:C:2002:99, n.o 26), e de 10 de abril de 2003, Pugliese (C‑437/00, EU:C:2003:219, n.o 16).

( 8 ) V. considerando 13 do Regulamento Bruxelas I bem como os acórdãos de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.os 44 e 60), e de 21 de junho de 2018, Petronas Lubricants Italy (C‑1/17, EU:C:2018:478, n.o 23).

( 9 ) Este segundo aspeto é abordado pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua quarta questão. Todavia, penso ser útil examiná‑lo desde já.

( 10 ) V., designadamente, Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 19 e jurisprudência referida).

( 11 ) V. Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil)] 19 de agosto de 2016, Peter Miles Bosworth and Colin Hurley vs Arcadia Petroleum Ltd e o., [2016] EWCA Civ 818, n.os 90 e 91.

( 12 ) Um administrador de facto é uma pessoa que, sem ter sido formalmente nomeada administrador de uma sociedade, exerce efetivamente essas funções.

( 13 ) P. Bosworth foi nomeado administrador da Arcadia Singapore durante um certo período, e C. Hurley, por seu lado, foi nomeado administrador da Arcadia London e, em seguida, da Arcadia Singapore. Independentemente destas nomeações, os interessados exerceram, de facto, essas funções em todas as sociedades Arcadia em causa durante todo o período correspondente aos factos no processo principal.

( 14 ) Da decisão de reenvio não se percebe com clareza se essa qualificação é efetuada ao abrigo da lex causae ou da lex fori.

( 15 ) V. Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, a seguir «Acórdão Holterman, EU:C:2015:574, n.os 35 a 37).

( 16 ) V. Acórdão Holterman, n.os 39 a 45 e 49. O Tribunal de Justiça referiu‑se igualmente, nos dois primeiros números, ao facto de trabalhador e empregador estarem vinculados por um laço duradouro que insere o primeiro no quadro de uma determinada organização dos negócios do segundo. No entanto, o facto de o Tribunal de Justiça não ter usado este elemento na resposta ao n.o 49 desse acórdão e no dispositivo indica, em meu entender, que não o considera uma condição para a qualificação do «contrato individual de trabalho», na aceção da Secção 5, mas uma mera descrição deste tipo de contrato.

( 17 ) V., por analogia, Relatório relativo à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de Mario Giuliano, professor da Universidade de Milão, e Paul Lagarde, professor da Universidade de Paris I (JO 1980, C 282, p. 1), sobretudo p. 25. V. igualmente Baker Chiss, C., «Compétence judiciaire, reconnaissance et exécution des décisions en matière civile et commerciale — Compétence — Règles de compétences spéciales — Règles de compétence protectrices des parties faibles — Contrat de travail — Articles 20 à 23 du règlement (UE) n.o 1215/2012», JurisClasseur Droit international, fasc. 584‑155, 15 de setembro de 2014, § 29 a 38 e 46; Merrett, L., Employment Contracts in Private International Law, Oxford University Press, 2011, p. 62 a 77, e Grušić, U., The European Private International Law of Employment, Cambridge University Press, 2015, p. 78‑83.

( 18 ) JO 1980, L 266, p. 1.

( 19 ) V. Grušić, U., op. referida, p. 61‑62.

( 20 ) Essa interpretação é, de resto, essencial para efeitos do cumprimento do objetivo de proteção prosseguido pela Secção 5. A interpretação do conceito de «contrato individual de trabalho», na aceção dessa secção, deve, por conseguinte, ser suficientemente ampla para abranger o conjunto dos trabalhadores que tenham necessidade de proteção, designadamente os que se encontram numa relação de trabalho «atípica», sem verdadeiro contrato, embora igualmente dependentes do seu empregador.

( 21 ) A Arcadia alegou, aliás, nos órgãos jurisdicionais nacionais que a escolha que os demandados no processo principal fizeram de ser formalmente empregados pela Arcadia London ou pela Arcadia Singapore, mas não pela Arcadia Switzerland, explica‑se simplesmente pelo facto de que, na Suíça, seriam tributados de acordo com um regime fiscal que proíbe o trabalho remunerado nesse Estado. V. Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil)], 19 de agosto de 2016, Peter Miles Bosworth and Colin Hurley vs Arcadia Petroleum Ltd e o., [2016] EWCA Civ 818, n.o 71.

( 22 ) Era o que sucedia no presente caso. O facto de as remunerações respetivas dos demandados no processo principal terem sido integralmente pagas por uma única sociedade do grupo Arcadia é, em minha opinião, irrelevante. A forma que a remuneração assume e o modo como o seu pagamento está organizado não tem importância. V., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins (C‑9/12, EU:C:2013:860, n.os 39 e 40).

( 23 ) V. Acórdão Holterman, n.os 53 e 54. V. igualmente, sobre o conceito de «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, Acórdãos de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 15), e de 17 de setembro de 2002, Tacconi (C‑334/00, EU:C:2002:499, n.o 23).

( 24 ) V. Acórdão Holterman, n.os 46 e 47.

( 25 ) V., neste sentido, Acórdãos de 3 de julho de 1986, Lawrie‑Blum (66/85, EU:C:1986:284, n.o 18); de 13 de janeiro de 2004, Allonby (C‑256/01, EU:C:2004:18, n.o 72); de 4 de dezembro de 2014, FNV Kunsten Informatie en Media (C‑413/13, EU:C:2014:2411, n.os 36 e 37), e de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o. (C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 45).

( 26 ) V., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2010, Danosa (C‑232709, EU:C:2010:674, n.o 47), e, nesse sentido, conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:2015:309, n.o 32).

( 27 ) Acórdão de 11 de novembro de 2010 (C‑232/09, EU:C:2010:674).

( 28 ) Acórdão de 9 de julho de 2015 (C‑229/14, EU:C:2015:455).

( 29 ) Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1992, L 348, p. 1).

( 30 ) Acórdão de 11 de novembro de 2010, Danosa (C‑232/09, EU:C:2010:674, n.os 48 a 51).

( 31 ) Acórdão de 9 de julho de 2015 (C‑229/14, EU:C:2015:455, n.os 37 a 41).

( 32 ) Diretiva do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO 1998, L 225, p. 16).

( 33 ) V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2015, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, EU:C:2009:257, n.os 33 a 40), e as conclusões que apresentei nos processos apensos Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:312, n.o 112).

( 34 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:309, n.o 25).

( 35 ) V., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Schneider (C‑386/12, EU:C:2013:633, n.o 18), de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins (C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 28), e de 14 de julho de 2016, Granarolo (C‑196/15, EU:C:2016:559, n.o 23).

( 36 ) Acórdão de 11 de novembro de 2010 (C‑232/09, EU:C:2010:674).

( 37 ) Acórdão de 11 de novembro de 2010 (C‑232/09, EU:C:2010:674).

( 38 ) Acórdão de 9 de julho de 2015 (C‑229/14, EU:C:2015:455).

( 39 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Holterman Ferho Exploitatie e o. (C‑47/14, EU:C:2015:309, nota 28). V. Companies Act 2006, Part 10, Chapter 5, § 227, sob a epígrafe «Director’s service contracts». Em contrapartida, noutros Estados‑Membros, nomeadamente em França, o cúmulo de um cargo num órgão social com um contrato de trabalho só é possível se o administrador exercer funções técnicas distintas e dissociáveis das inerentes a esse cargo. Se for caso disso, o interessado terá então dois estatutos independentes: as funções de administrador serão sujeitas às regras do direito das sociedades, enquanto as funções de trabalhador estão sujeitas às regras protetoras do direito do trabalho, recebendo o administrador duas remunerações distintas. V. Bavozet, F., «dirigeants salariés et assimilés. —Affiliation au régime des salariés. ‑ Conditions de cumul d’un contrat de travail et d’un mandat social», JurisClasseur, fasc. S‑7510, 7 de fevereiro de 2018.

( 40 ) V., a título de exemplo, artigo L. 223‑22 do code de commerce (Código Comercial) francês, artigos 236.o e seguintes da Ley de Sociedades de Capital (Lei das Sociedades de Capitais) espanhola, de 2 de julho de 2010 (BOE n.o 161, de 3 de julho de 2010, p. 58472), e artigos 361.o e 363.o a 365.o da Selskabsloven (Lei das Sociedades) dinamarquesa. Essas regras foram parcialmente harmonizadas pelos artigos 106.o e 152.o da Diretiva (UE) n.o 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativa a determinados aspetos do direito das sociedades (JO 2017, L 169, p. 46). V. igualmente artigo 51.o do Regulamento (CE) n.o 2157/2001 do Conselho, de 8 de outubro de 2001, relativo ao estatuto da sociedade europeia (SE) (JO 2001, L 294, p. 1).

( 41 ) V., a título exemplificativo, artigo L. 223‑22 do Código Comercial francês e artigo 237.o da Lei das Sociedades de Capitais espanhola.

( 42 ) Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6). V. considerando 7 do referido regulamento, bem como o Acórdão de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.os 43 a 45).

( 43 ) Geralmente entende‑se que estas questões dizem respeito à lex societatis. V. Relatório Giuliano‑Lagarde, já referido, p. 12; Cour de cassation (França), 1.a Secção Civil, 1 de julho de 1997, n.o 95‑15.262; M. X c. Societé Africatours; Cohen, D., «La responsabilité civile des dirigeants sociaux en droit international privé», Revue critique de droit international privé, 2003, p. 585, e Menjucq, M., Droit international et européen des sociétés, L.G.D.J, Paris, 2011 (3.a edição), pp. 116 a 117.

( 44 ) Trata‑se de uma ponderação delicada entre, por um lado, o objetivo de proteger os interesses dos sócios e assegurar a confiança necessária ao bom funcionamento de qualquer empresa, garantindo, sob pena de responsabilização/punição, que os administradores se revelam razoáveis e, por outro, a necessidade de não paralisar a administração das sociedades por meio de uma responsabilização sistemática e excessiva, pois administrar implica a assunção de riscos. V. Guyon, Y., «Responsabilité civile des dirigeants», JurisClasseur Sociétés Traité, § 1 e doutrina citada.

( 45 ) Acórdão de 11 de novembro de 2010 (C‑232/09, EU:C:2010:674).

( 46 ) Acórdão de 9 de julho de 2015 (C‑229/14, EU:C:2015:455).

( 47 ) Critério tido em vista, no essencial, na primeira e terceira questões prejudiciais, alínea b).

( 48 ) Critério tido em vista, no essencial, na primeira e terceira questões prejudiciais, alínea a).

( 49 ) O que, de resto, o grupo tinha feito na petição inicial, antes de reconsiderar após os demandados terem suscitado a questão da aplicação da Secção 5.

( 50 ) É certo que todas as obrigações têm a sua origem primeira na lei, pois nenhuma existiria se a lei não o permitisse (pela imposição de regras que determinam o efeito obrigatório das convenções e respetivas validades, etc.).

( 51 ) No direito substantivo dos Estados‑Membros, as responsabilidades contratual e extracontratual podem estar sujeitas a regimes diferentes em termos de ónus de prova, de extensão do ressarcimento disponível, de prescrição, etc. Pode, portanto, ser do interesse do demandante optar por uma ou outra via.

( 52 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (189/87, EU:C:1988:459).

( 53 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988, Kalfelis (189/87, EU:C:1988:459, n.os 16 a 19).

( 54 ) De resto, o Tribunal de Justiça veio mais tarde confirmar esta perspetiva. V., designadamente, Acórdão de 16 de maio de 2013, Melzer (C‑228/11, EU:C:2013:305, n.o 21). V. igualmente Zogg, S., «Accumulation of Contractual and Tortious Causes of Action Under the Judgments Regulation», Journal of Private International Law, 9:1, pp. 39 a 76, especialmente p. 42 e 43.

( 55 ) Acórdão de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 15).

( 56 ) Segundo esta abordagem, no presente processo, as diferentes claims da Arcadia contra os demandados no processo principal assentam em várias causas — breach of fiduciary duty, conspiracy, etc. — que devem ser qualificadas em separado. A este respeito, o facto ilícito de conspiracy remete, como já indiquei, para a violação de um dever legal oponível erga omnes e constitui, portanto, «matéria de responsabilidade extracontratual». Em contrapartida, o facto ilícito de breach of fiduciary duty configura uma causa de pedir em «matéria contratual». Com efeito, os deveres de confiança em questão eram livremente assumidos pelos demandados no processo principal para com a Arcadia (v. n.o 39 das presentes conclusões).

( 57 ) Acórdão de 13 de março de 2014 (C‑548/12, EU:C:2014:148).

( 58 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (189/87, EU:C:1988:459, n.o 17).

( 59 ) Acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.os 20 e 21) (sublinhado por mim).

( 60 ) Acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 24). Este ponto foi, no essencial, reproduzido na resposta ao n.o 29 do acórdão e no seu dispositivo.

( 61 ) Acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 25).

( 62 ) O Tribunal de Justiça parece ter adotado uma aceção do conceito de «causa de pedir» que não remete para a norma de direito substantivo invocada pelo demandante como base da sua pretensão (sentido em que esse conceito é utilizado no n.o 74 das presentes conclusões) mas para os factos invocados na ação.

( 63 ) Acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 26).

( 64 ) Acórdão de 13 de março de 2014 (C‑548/12, EU:C:2014:148).

( 65 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (189/87, EU:C:1988:459).

( 66 ) Acórdão de 13 de março de 2014 (C‑548/12, EU:C:2014:148).

( 67 ) V., para um entendimento semelhante, conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Holterman Ferho Explotatie e o. (C‑47/14, EU:2015:309, n.o 48), e conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Granarolo (C‑196/15, EU:C:2015:851, n.os 14 e 18). O advogado‑geral P. Cruz Villalón tinha ainda proposto, nas suas conclusões, que este critério fosse transposto para a Secção 5.

( 68 ) Acórdão de 13 de março de 2014 (C‑548/12, EU:C:2014:148).

( 69 ) Acórdão Holterman, n.os 32 e 71, que remete para os n.os 24 a 27 do Acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148). Embora o Tribunal de Justiça tenha tido em vista esses quatro pontos, acabou por só atribuir importância ao primeiro. V., igualmente, acórdão de 14 de julho de 2016, Granarolo (C‑196/15, EU:C:2016:559, n.o 21).

( 70 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (189/87, EU:C:1988:459, n.o 20).

( 71 ) Acórdão de 13 de março de 2014 (C‑548/12, EU:C:2014:148).

( 72 ) Segundo esta abordagem, as ações propostas pela Arcadia, na medida em que se baseiam no facto jurídico ilícito de conspiracy, entrariam nesta categoria, pressupondo que a Secção 5 não é aplicável. Com efeito, não é necessário conhecer o conteúdo das obrigações contratuais que vinculam os demandados no processo principal à Arcadia para declarar que um comportamento constitutivo desse ilícito é ilegal.

( 73 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (189/87, EU:C:1988:459, n.o 20).

( 74 ) Acórdãos de 3 de julho de 1997, Benincasa (C‑269/95, EU:C:1997:337, n.o 27), e de 28 de janeiro de 2015, Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 61).

( 75 ) V. Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa (C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 62).

( 76 ) V., por analogia, Acórdão de 4 de março de 1982, Effer (38/81, EU:C:1982:79, n.o 7).

( 77 ) Com efeito, enquanto a redação das duas últimas versões é relativamente ampla («in matters relating to individual contracts of employment»; «en matière de contrat individuel de travail»), a da primeira versão é sensivelmente mais restrita («[b]ilden ein individueller Arbeitsvertrag oder Ansprüche aus einem individuellen Arbeitsvertrag den Gegenstand des Verfahrens»).

( 78 ) V., por analogia, acórdão de 30 de maio de 2013, Genil 48 e Comercial Hostelera de Grandes Vinos (C‑604/11, EU:C:2013:344, n. 38 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça salientou que esse objetivo de proteção deve ser tomado em conta na interpretação das disposições da Secção 5. V. Acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia (C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 60).

( 79 ) Os «jogos de advogados» que essa perspetiva desencadearia são particularmente evidentes quando, como no presente caso, o demandante invoca inicialmente a violação do contrato e, em seguida, altera a sua petição, retirando‑lhe os aspetos contratuais.

( 80 ) Os órgãos jurisdicionais de Inglaterra e do País de Gales têm, sobre isto, precedentes judiciais ricos em ensinamentos. Inicialmente, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e do País de Gales), Secção do foro da Rainha (Secção Comercial)] tinha considerado, no seu acórdão Swithenbank Foods Ltd. v Bowers, juiz McGonigal ([2002] 2 All ER (Comm) 974, n.os 24 a 26), que a Secção 5 é apenas aplicável quando o empregador baseia a sua ação contra o trabalhador no contrato de trabalho. Este acórdão foi revogado pelo Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil)] no seu acórdão Alfa Laval Tumba v Separator Spares ([2012] EWCA Civ 1569, n.os 24 e 25), precisamente para evitar o risco de essa Secção ser contornada, em benefício de uma leitura ampla e centrada na substância do litígio.

( 81 ) V., no mesmo sentido, Hess, B., Pfeiffer, T., e Schlosser, The Brussels I Regulation 44/2001: Application and Enforcement in the EU (relatório Heidelberg) C. H. Beck, Munich, 2008, n.os 356 a 359; Merrett, L., «Jurisdiction over individual contracts of employment» in Dickinson, A., e Lein, E. (eds.), The Brussels I regulation Recast, Oxford University Press, 2015, p. 242 e 243; Grušić, U., op. citada., p. 92; Baker Chiss, C., op. citada., § 49 e 50. O facto de uma ação poder ter por base um incumprimento de obrigações contratuais é uma boa indicação a este respeito. No entanto, não constitui em si mesmo um critério, tendo em conta a sua complexidade, salientada no n.o 88 das presentes conclusões.

( 82 ) Acórdão Holterman, n.o 49. Podendo uma mesma pessoa desempenhar diversas funções numa empresa, é às funções exercidas no âmbito da relação de trabalho que importa atribuir importância.

( 83 ) Duas hipóteses extremas podem ser apresentadas. Por um lado, o caso de um motorista que, durante as entregas, causa um acidente ao conduzir alcoolizado um camião da empresa. Por outro, o de um motorista que também causa um acidente com danos para o empregador, num dia livre, fora do seu local de trabalho, com o seu veículo pessoal.

( 84 ) Tenho em vista casos em que o facto foi cometido durante o horário de trabalho, ou no local de trabalho, ou que só foi tornado possível graças às funções desempenhadas, ou ainda cujo cometimento foi facilitado graças às referidas funções.

( 85 ) Numa situação em que um trabalhador exerce funções como trabalhador, e outras funções ao abrigo de outro estatuto, importa verificar a que funções está associado o facto em causa: a Secção 5 só será aplicável caso se trate das funções exercidas enquanto trabalhador.

( 86 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 27 de setembro de 1988, Kalfelis (189/87, EU:C:1988:459, n.o 19), de 20 de janeiro de 2005, Engler (C‑27/02, EU:C:2005:33, n.o 43), e de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.o 28).

( 87 ) V., por analogia, Acórdão de 15 de dezembro de 2011, Voogsgeerd (C‑384/10, EU:C:2011:842, n.os 59 a 65).

( 88 ) V., neste sentido, Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil)], Samengo‑Turner v J & H Marsh & McLennan (Services) Ltd, [2007] EWCA Civ 732, n.os 32 a 35, e James Petter v EMC Europe Limited, EMC Corporation, [2015] EWCA Civ 828, n.os 20 e 21.

( 89 ) V., por analogia, Acórdão de 10 de abril de 2003, Pugliese (C‑437/00, EU:C:2003:219, n.os 23 e 24).

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