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Document 62017CC0287

Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 29 de maio de 2018.
Česká pojišťovna a.s. contra WCZ spol. s r.o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresní soud v Českých Budějovicích.
Reenvio prejudicial — Direito das empresas — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Diretiva 2011/7/UE — Artigo 6.o, n.os 1 e 3 — Reembolso dos custos de cobrança de um crédito — Custos resultantes das interpelações feitas em razão do atraso no pagamento do devedor.
Processo C-287/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:342

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 29 de maio de 2018 ( 1 )

Processo C‑287/17

Česká pojišťovna a.s.

contra

WCZ spol. s r.o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresní soud v Českých Budějovicích (Tribunal de Primeira Instância de České Budějovice, República Checa)]

«Reenvio prejudicial — Direito das empresas — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Diretiva 2011/7/UE — Artigo 6.o, n.os 1 e 3 — Reembolso dos custos de cobrança de um crédito — Custos de interpelação»

1. 

O presente reenvio prejudicial, apresentado pelo Okresní soud v Českých Budějovicích (Tribunal de Primeira Instância de České Budějovice, República Checa), tem por objeto o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2011/7/UE ( 2 ). É apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade de seguros Česká pojišťovna, a.s. à sociedade WCZ spol. S r.o., a respeito da indemnização com os custos de cobrança suportados pela Česká pojišťovna para obter o pagamento dos prémios devidos pela WCZ.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

2.

Os considerandos 19 a 21 da Diretiva 2011/7 enunciam:

«(19)

É necessária a justa indemnização dos credores pelos custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento, a fim de desincentivar tais práticas. Os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento para os quais a presente diretiva deverá prever um montante fixo mínimo que pode ser cumulado com os juros de mora. A indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida. A indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida deverá ser determinada sem prejuízo das disposições legais nacionais, nos termos das quais um tribunal nacional pode atribuir uma indemnização ao credor por danos adicionais relacionados com o atraso do devedor no pagamento.

(20)

Além de terem direito ao pagamento de um montante fixo para cobrir custos internos suportados com a cobrança da dívida, os credores deverão igualmente ter direito ao reembolso dos outros custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento por banda de um devedor. Estes custos deverão incluir, em particular, as despesas suportadas pelos credores com o recurso aos serviços de um advogado ou com a contratação de uma agência de cobrança de dívidas.

(21)

A presente diretiva não deverá prejudicar o direito de os Estados‑Membros preverem montantes fixos para efeitos de indemnização pelos custos de cobrança da dívida que sejam superiores ao referido montante fixo e, logo, mais favoráveis para o credor, ou de aumentarem estes montantes, nomeadamente tendo em conta a inflação.»

3.

O artigo 6.o da referida diretiva, intitulado «Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, caso se vençam juros de mora em transações comerciais nos termos dos artigos 3.o ou 4.o, o credor tenha direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 [euros].

2.   Os Estados‑Membros asseguram que o montante fixo referido no n.o 1 é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida do credor.

3.   O credor, para além do montante fixo previsto no n.o 1, tem o direito de exigir uma indemnização razoável do devedor pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor. A indemnização pode incluir despesas, nomeadamente, com o recurso aos serviços de um advogado ou com a contratação de uma agência de cobrança de dívidas.»

4.

O artigo 12.o da mesma diretiva enuncia:

«[…]

3.   Os Estados‑Membros podem manter ou pôr em vigor disposições mais favoráveis ao credor do que as disposições necessárias para dar cumprimento à presente diretiva.

4.   Na transposição da presente diretiva, os Estados‑Membros decidem sobre a exclusão dos contratos celebrados antes de 16 de março de 2013.»

B.   Direito checo

5.

O artigo 369.o, n.o 1, último período, da zákon č. 513/1991, obchodní zákoník (Lei n.o 513/1991, que aprova o Código Comercial), conforme alterado pela zákon č. 179/2013 (Lei n.o 179/2013), dispõe:

«Para além dos juros de mora, o credor tem direito ao reembolso de um montante mínimo dos custos suportados com a cobrança do crédito cujo nível e condições são fixados por decreto do Governo.»

6.

O artigo 3.o do nařízení vlády č. 351/2013 (Decreto Governamental n.o 351/2013), que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, transpõe o artigo 6.o da Diretiva 2011/7 (a seguir «decreto do Governo»), dispõe:

«Em caso de obrigações recíprocas das empresas […], o montante mínimo dos custos relacionados com a apresentação de cada crédito ascende a 1200 [coroas checas (CZK) (cerca de 47 euros)].»

7.

O artigo 121.o, n.o 3, da zákon č. 40/1964, občanský zákoník (Lei n.o 40/1964, que aprova o Código Civil), dispõe:

«Os acessórios de um crédito são os juros, os juros de mora, as cláusulas penais de mora e os custos suportados com a cobrança do crédito.»

8.

O artigo 142.o, n.o 1, da zákon č. 99/1963, občanský soudní řád (Lei n.o 99/1963, que aprova o Código de Processo Civil) dispõe:

«O tribunal reconhece à parte que obteve pleno vencimento, nas custas da parte vencida, o reembolso dos custos necessários para o exercício ou para a defesa útil de um direito.»

9.

Nos termos do artigo 142.o‑A, n.o 1, do referido código:

«O demandante que obtenha ganho de causa num processo relativo à execução de uma obrigação só tem direito ao reembolso dos custos de processo nas custas de parte do demandado se, no prazo mínimo de [sete] dias antes da propositura da petição inicial no processo, tiver enviado ao demandado uma notificação de pagamento para o endereço que este escolheu como domicílio ou, se for caso disso, para a última morada conhecida.»

II. Litígio no processo principal e questão prejudicial

10.

A Česká pojišťovna e a WCZ celebraram, em 7 de novembro de 2012, um contrato de seguro que produziu efeitos a partir da mesma data.

11.

Por carta de 10 de março de 2015, a Česká pojišťovna notificou à WCZ a resolução do contrato com efeitos a partir de 25 de fevereiro de 2015, por motivo de falta de pagamento dos prémios por parte da WCZ e exigiu a esta última o pagamento dos prémios devidos, para o período compreendido entre 7 de novembro de 2014 e 26 de fevereiro de 2015, no montante de 1160 CZK (cerca de 45 euros). No total, a Česká pojišťovna enviou quatro cartas de interpelação à WCZ antes de recorrer ao órgão jurisdicional de reenvio.

12.

A Česká pojišťovna solicitou ao referido órgão jurisdicional a condenação da WCZ, por um lado, no pagamento da referida quantia de 1160 CZK (cerca de 45 euros), acrescida dos juros de mora legais, desde 25 de fevereiro de 2015 e até ao pagamento dos prémios devidos e, por outro lado, o reembolso dos custos suportados com a cobrança do seu crédito, no montante de 1200 CZK (cerca de 47 euros). Além disso, a Česká pojišťovna solicitou à WCZ o reembolso das despesas do processo.

13.

Depois de ter constatado que o direito nacional impõe aos órgãos jurisdicionais que reconheçam, a título de custas judiciais, os custos relacionados com uma única interpelação enviada ao demandado antes da propositura de uma ação judicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se há que reconhecer, além da indemnização fixa dos custos suportados com a cobrança do crédito que decorrem do artigo 6.o da Diretiva 2011/7, uma indemnização pelos custos de interpelações efetuadas em aplicação das normas processuais nacionais. Com efeito, o referido órgão jurisdicional salienta que, de acordo com o considerando 19 da referida diretiva, a indemnização fixa nos termos do artigo 6.o desta mesma diretiva deve cobrir precisamente os custos relacionados com a interpelação do demandante. Daqui resulta, em sua opinião, que reconhecer as duas indemnizações (com base no referido artigo 6.o e nas regras processuais nacionais) permite que o requerente obtenha a mesma indemnização duas vezes.

14.

Tal questão é fundamental no âmbito do processo que se encontra pendente no órgão jurisdicional de reenvio, dado que a Česká pojišťovna reclama a indemnização fixa no montante de 1200 CZK (cerca de 47 euros), em aplicação do artigo 3.o do Decreto Governamental e do artigo 6.o da Diretiva 2011/7, bem como, nos termos do direito nacional, a indemnização dos custos de representação legal, nestes se incluindo os custos suportados com a interpelação antes da propositura da ação, em conformidade com o direito nacional.

15.

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [2011/7] ser interpretado no sentido de que obriga o órgão jurisdicional a conceder a um demandante que obtenha ganho de causa num litígio relativo ao pagamento de uma dívida decorrente de uma transação comercial nos termos do artigo 3.o ou do artigo 4.o da referida diretiva, o montante de 40 euros (ou equivalente em moeda nacional), bem como o reembolso das custas processuais suportadas, incluindo o reembolso das despesas decorrentes de uma interpelação do demandado antes da propositura da ação, no valor fixado pelas disposições processuais do Estado‑Membro?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

16.

Nenhuma das partes no processo principal considerou ser necessário apresentar observações escritas no presente processo. Com efeito, só a Comissão Europeia apresentou observações ao Tribunal de Justiça. Além disso, não foi requerida a realização de uma audiência e o Tribunal não organizou oficiosamente uma audiência. No entanto, para estar em condições de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, considerei necessário convidar as partes, bem como o Governo checo, a responderem por escrito a algumas questões, às quais o Governo checo e a Comissão responderam.

IV. Análise

A.   Observação preliminar

17.

Pelas razões indicadas nos n.os 21 e 22 do Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121), a aplicabilidade ratione temporis da Diretiva 2011/7 não pode ser posta em causa no presente processo. Contrariamente ao que tinha defendido no processo que deu lugar ao referido acórdão, a Comissão refere nas suas observações esta aplicabilidade da Diretiva 2011/7, não obstante o facto de a República Checa ter feito uso da faculdade que o artigo 12.o, n.o 4, da referida diretiva deixa aos Estados‑Membros de excluírem do âmbito de aplicação da diretiva os contratos celebrados antes da data fixada no seu artigo 12.o, n.o 1, para a sua transposição. Na sua resposta às questões do Tribunal de Justiça, o Governo checo também não contestou a aplicabilidade da Diretiva 2011/7.

B.   Jurisprudência

18.

Salvo erro, o artigo 6.o da Diretiva 2011/7 ainda não foi objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça ( 3 ).

19.

Todavia, no que diz respeito à diretiva que antecedeu a Diretiva 2011/7, a saber, a Diretiva 2000/35/CE ( 4 ), o Acórdão de 10 de março de 2005, QDQ Media (C‑235/03, EU:C:2005:147), interpretou o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), desta última diretiva que corresponde, em certa medida, ao artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7.

20.

Neste último processo, o Tribunal de Justiça tinha abordado a questão de saber se no âmbito da proteção do credor prevista na Diretiva 2000/35, era possível qualificar como custos suportados com a cobrança da dívida os custos resultantes da intervenção de um advogado no procedimento de injunção de pagamento instaurado com vista à cobrança desta dívida. O Tribunal de Justiça declarou que não existindo nenhuma possibilidade, nos termos do direito nacional, de incluir no cálculo das despesas em que poderia ser condenado um particular devedor de uma dívida profissional os custos resultantes da intervenção de um advogado em benefício do credor num processo judicial de cobrança dessa dívida, a Diretiva 2000/35 não podia, por si só, servir de fundamento a essa possibilidade.

21.

Este tipo de custos foi expressamente referido no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, de entre os «custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor».

C.   As minhas propostas

22.

Após análise do objetivo e da letra bem como do contexto e da génese da Diretiva 2011/7, sou da opinião de que, contrariamente ao que o considerando 20 da referida diretiva poderia sugerir, o montante fixo de 40 euros, previsto no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva — enquanto mínimo imposto aos Estados‑Membros — não pode ser interpretado no sentido de que abrange de forma exaustiva a indemnização de determinados tipos de custos suportados com a cobrança (neste caso os custos suportados com a cobrança «internos» ou «administrativos», que incluem os custos de interpelação). Daqui resulta que a indemnização razoável, a que se refere o artigo 6.o, n.o 3, da mencionada diretiva, só pode ser interpretada no sentido de que se refere aos «outros» custos suportados com a cobrança do crédito suportados pelo credor.

1. Objetivo e letra da Diretiva 2011/7

23.

A Diretiva 2011/7, nos termos do seu artigo 1.o, tem por objetivo combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das PME (pequenas e médias empresas).

24.

Conforme mencionado no considerando 12 da referida diretiva, os atrasos de pagamento constituem um incumprimento de contrato que se tornou financeiramente atraente para os devedores na maioria dos Estados‑Membros, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juros que se aplicam aos atrasos de pagamento ( 5 ) e/ou em razão da lentidão dos processos de indemnização. O legislador considerou necessário inverter esta tendência e desincentivar esses atrasos.

25.

Esta diretiva visa, por conseguinte, uma proteção efetiva do credor contra os atrasos de pagamento ( 6 ), implicando necessariamente esta proteção que seja concedida a este último uma indemnização que compense da forma mais completa possível os custos suportados com a cobrança do crédito que suportou.

26.

Já, nesta base, a limitação da indemnização ao abrigo do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 a apenas certas categorias de custos do credor estaria em contradição com a regra fundamental segundo a qual o credor tem direito a uma indemnização razoável ( 7 ) de todos os custos de recuperação dos atrasos de pagamento.

27.

Na prática, tal limitação significaria que determinados custos do credor não seriam absolutamente indemnizados, o que é manifestamente contrário ao objetivo da diretiva de tornar os atrasos de pagamento financeiramente menos atrativos e de desincentivar esses atrasos de pagamento ( 8 ).

28.

A letra da Diretiva 2011/7 traduz bem o seu objetivo.

29.

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, o credor tem direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 euros [fixado em 1200 CZK (cerca de 47 euros) no direito checo pelo artigo 3.o do decreto governativo].

30.

De acordo com o artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva, os Estados‑Membros asseguram que o montante fixo referido no artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem estabelecer distinção entre esses custos ( 9 ).

31.

O direito do credor em ser reembolsado pelos seus custos, superiores ao montante fixo de 40 euros, resulta claramente do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, que prevê uma indemnização «pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor». Esta indemnização visa assim os «outros» custos que não sejam cobertos pelo montante fixo.

32.

Por outro lado, o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, segundo o qual os Estados‑Membros podem manter ou pôr em vigor disposições mais favoráveis ao credor do que as disposições necessárias para dar cumprimento à referida diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, nomeadamente, esta diretiva não impede as regulamentações nacionais de reconhecerem ao credor uma indemnização fixa superior ao montante mínimo fixado em 40 EUR.

33.

Assim sendo, se o legislador nacional opta por esta via, é a ele que cabe decidir as modalidades adequadas, como, por exemplo, a fixação de um montante variável em função do nível da dívida ( 10 ).

2. Considerandos 19 e 20 da Diretiva 2011/7

34.

Sabendo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «o preâmbulo de um ato [de direito da União] não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições num sentido manifestamente contrário à sua redação» ( 11 ), considero oportuno comentar os considerandos 19 e 20 da Diretiva 2011/7, que diferenciam os tipos de custos do credor, parecendo reservar os custos «internos» ou «administrativos» para a indemnização fixa que os deveria cobrir exaustivamente e os «outros» custos de cobrança para a indemnização que seja superior a 40 euros.

35.

Estes conceitos de «custos internos» ou de «custos administrativos» surgiram aquando da génese da diretiva.

36.

Na sua proposta, a Comissão tinha optado, por um lado, por uma indemnização automática dos custos suportados com a cobrança do crédito, não definidos de outra forma, calculada em função do montante em dívida (que podia ir até 1% dos créditos iguais ou superiores a 10000 euros) e, por outro, por uma indemnização razoável para todos os «outros» custos suportados com a cobrança do crédito. De acordo com a exposição de motivos, esta alteração permitiu substituir «o conceito vago de ‘custos/prejuízos suportados’ […] por um novo sistema que prevê um montante definido para os custos internos suportados para recuperar o pagamento» ( 12 ).

37.

A comissão do Parlamento Europeu responsável por examinar a referida proposta estabeleceu o limite de 40 euros, independentemente do montante do crédito ainda em dívida, porquanto «a aplicação de uma taxa de indemnização não fixa de 1% em caso de atraso no pagamento de um montante igual ou superior a 10000 euros poderia implicar custos substanciais e desproporcionados para as transações de maior valor e não refletir os custos reais» ( 13 ).

38.

Na sua posição em primeira leitura, o Parlamento manteve o limite de 40 euros. Por outro lado, precisou que a indemnização razoável, prevista no artigo 6.o, n.o 3, da referia Diretiva 2011/7 era prevista para os outros custos para além do montante de 40 euros. Esta precisão confirma o facto de que o montante fixo de 40 euros não tem por objetivo indemnizar de forma exaustiva os custos «internos» ou «administrativos» de recuperação. No entanto, foi também o Parlamento, na sua posição em primeira leitura, que introduziu a ideia, contida no considerando 19 da referida diretiva, segundo a qual a indemnização fixa se destina a limitar os custos de cobrança internos ou administrativos, tal como propôs (v. considerando 20 da referida diretiva), que o direito ao pagamento de um montante fixo dissesse respeito aos custos internos de recuperação ( 14 ).

39.

Estes conceitos passaram assim a constar dos considerandos 19 e 20 da Diretiva 2011/7, o que pode levar a pensar que os «outros» custos referidos no artigo 6.o, n.o 3, da referida diretiva são custos «externos», tanto mais que, tanto o considerando 20 como o artigo 6.o, n.o 3, da referida diretiva citam os custos incorridos pelos credores com o recurso a um advogado ou a uma agência de cobrança de dívidas, ou a serviços «externos» à empresa.

40.

Vários argumentos levam‑me a rejeitar a tese segundo a qual a referida diretiva introduziu uma categorização dos custos do credor, uns «internos» ou «administrativos» para cobrir apenas através da indemnização fixa e os «outros» ( 15 ) (ou «externos») para cobrir através de uma indemnização (razoável, de acordo com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7) complementar ( 16 ).

41.

Em primeiro lugar, uma vez que estes conceitos não existiam na Diretiva 2000/35, a qual previa, no seu artigo 3.o, n.o 1, alínea e), que o credor tinha direito a uma «indemnização razoável do devedor por todos os prejuízos relevantes sofridos devido a atrasos de pagamento» do devedor (o sublinhado é meu). Ora, a Diretiva 2011/7 que substituiu a Diretiva 2000/35 tinha por objetivo reforçar o combate contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais e não se destinava seguramente a complicar a indemnização do credor.

42.

Em segundo lugar, a categorização dos custos do credor não encontra apoio na letra do artigo 6.o da Diretiva 2011/7. De acordo com o n.o 1, desta diretiva, o montante fixo constitui um mínimo. De acordo com o artigo 6.o, n.o 2, da referida diretiva, este montante é devido sem interpelação e visa compensar os custos do credor. Nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da mesma diretiva, os «outros» custos (ou seja, aqueles que não são cobertos pelo montante fixo) podem ser reclamados pelo credor para que ocorra a «indemnização razoável».

43.

Além disso, como observa o Governo checo, uma categorização dos custos também não poderia ser deduzida da enumeração, dada a título de exemplo, dos custos que o credor pode demonstrar em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7. Com efeito, esta enumeração, introduzida no texto da diretiva com base nas alterações do Parlamento, visava unicamente explicar quais os custos que poderiam estar em causa ( 17 ) e não se destinava a alterar a regra fundamental aplicável até então sob a Diretiva 2000/35, a saber, que o credor tem direito a uma indemnização razoável de todos os custos. Talvez este exemplo tenha tido eco no Acórdão de 10 de março de 2005, QDQ Media (C‑235/03, EU:C:2005:147) (v. n.os 19 e 21 das presentes conclusões).

44.

Por último, a categorização dos custos levaria, além disso, a um paradoxo. Considero (como o Governo checo) que, em caso de atrasos no pagamento, o credor não poderia assim obter, a título de recuperação do seu crédito com a assistência de um jurista de empresa, mais do que uma indemnização fixa de 40 euros, ainda que fosse capaz de demonstrar que os seus custos foram efetivamente superiores a este montante. Em contrapartida, no caso de recorrer aos serviços de um advogado externo, uma indemnização razoável de todos os custos seria possível para um montante superior aos 40 euros fixos a título de custos internos do credor. Semelhante interpretação conduziria assim uma diferença de tratamento injustificada de situações comparáveis. Além disso, tal interpretação incentivaria, na prática, o credor a recorrer aos serviços externos de um advogado em vez de recorrer aos serviços dos seus próprios juristas, normalmente menos onerosos. Por outras palavras, uma categorização dos custos poderia provocar um aumento artificial e injustificado dos créditos objeto de um atraso de pagamento, ou mesmo a uma sobrecompensação.

45.

Em conclusão, considero que os custos referidos no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 são os «outros» custos que não os custos abrangidos pelo montante fixo, pelo que, por conseguinte, um credor pode muito bem ser indemnizado pelos custos «internos» ou «administrativos» que sejam superiores a esse montante.

46.

Por outro lado, o montante fixo de 40 euros é exigível sem que seja necessário justificar os custos suportados («sem necessidade de interpelação», nos termos do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2011/7), independentemente de serem ou não «internos», e isto, ao contrário dos outros montantes, os quais devem ser justificados.

47.

A este respeito, a Diretiva 2011/7 não esclarece de que forma, devido a um atraso de pagamento do devedor, o credor deve apresentar e justificar os custos da cobrança suportados que sejam superiores ao montante fixo de 40 euros, relativamente aos quais o artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva lhe garante um direito a indemnização. A adoção destas modalidades é deixada à apreciação do legislador nacional, o qual pode, nos termos do artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, «manter ou pôr em vigor disposições mais favoráveis ao credor do que as disposições necessárias para dar cumprimento à presente diretiva».

V. Conclusão

48.

Por estes motivos, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à questão prejudicial submetida pelo Okresní soud v Českých Budějovicích (Tribunal de Primeira Instância de České Budějovice, República Checa):

O artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, deve ser interpretado no sentido de que o credor tem direito a receber do devedor o pagamento de um montante fixo de 40 euros bem como o reembolso de todos os custos suportados com a cobrança do crédito devido a um atraso de pagamento do devedor, mas apenas relativamente à parte desses custos que seja superior ao referido montante fixo de 40 euros.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1).

( 3 ) Diversos acórdãos têm por objeto a interpretação de outras disposições desta diretiva: designadamente, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Federconsorzi e Liquidazione giudiziale dei beni ceduti ai creditori della Federconsorzi (C‑104/14, EU:C:2015:125) (sobre a interpretação dos artigos 7.o e 12.o da referida diretiva); Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121) (sobre a compatibilidade com esta diretiva e, nomeadamente, o artigo 7.o, n.os 2 e 3, de um regime nacional que permite ao credor renunciar a exigir os juros de mora e a indemnização pelos custos suportados com a cobrança em contrapartida do pagamento imediato do montante principal de dívidas exigíveis); e Acórdão de 1 de junho de 2017, Zarski (C‑330/16, EU:C:2017:418) (em substância, sobre a interpretação do artigo 12.o da referida diretiva relativo à sua transposição). Além disso, encontra‑se pendente no Tribunal de Justiça o processo Gambietz (C‑131/18), respeitante ao artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 e que tem por objeto uma situação semelhante ao presente processo.

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2000, L 200, p. 35).

( 5 ) Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121, n.o 24).

( 6 ) V., a propósito da Diretiva 2000/35, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Nemec (C‑256/15, EU:C:2016:954, n.o 50).

( 7 ) O considerando 19 da diretiva fala de uma justa indemnização.

( 8 ) V. considerando 12 da Diretiva 2011/7, in fine, segundo o qual a diretiva deve «determinar, como cláusula contratual manifestamente abusiva, a exclusão do direito a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida».

( 9 ) Contrariamente ao que podia dar a entender o considerando 20 da referida diretiva quando refere, sem estes termos, os «custos internos» e «outros custos». Voltarei a esta questão.

( 10 ) Tal é o caso da Irlanda, cuja legislação nacional [Statutory Instrument No. 580/2012 — European Communities (Late Payment in Commercial Transactions) Regulations 2012 (Instrumento Regulamentar n.o 580/2012 — União Europeia (atraso no pagamento das transações comerciais) Decreto 2012] (S.I. 580/2012) prevê um montante fixo de 40 euros se a dívida for inferior a 1000 euros, um montante fixo de 70 euros se a dívida variar entre 1000 e 10000 euros e um montante fixo de 100 euros se a dívida for superior a 10000 euros.

( 11 ) Acórdão de 19 de junho de 2014, Karen Millen Fashions (C‑345/13, EU:C:2014:2013, n.o 31).

( 12 ) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, 2009/0054 (COD), p. 7. Além disso, «[a] presente reformulação da Diretiva [2000/35] visa melhorar a eficácia e a viabilidade das vias de recurso em caso de atrasos de pagamento, mercê da introdução de um direito à recuperação de custos administrativos e à indemnização pelos custos internos ocasionados por atrasos de pagamento» (v. a referida proposta de diretiva p. 5).

( 13 ) Relatório sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, A7‑0136/2010, p. 21.

( 14 ) Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 20 de outubro de 2010 tendo em vista a adoção da diretiva 2011/.../UE do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (reformulação) EP‑PE_TC1‑COD(2009)0054.

( 15 ) Outras versões linguísticas do considerando 20 não utilizam o termo «outros», mas como a versão neerlandesa, o termo «overige», a versão italiana o termo «restanti», a versão espanhola o termo «demás», o que sugere que não existe uma diferença de tipo de custos. Outras versões linguísticas do texto da diretiva não distinguem uns e os «outros» custos. A versão em língua inglesa utiliza o termo «any», a versão em língua italiana o termo «ogni», a versão em língua neerlandesa o termo «alle», a versão em língua espanhola o termo «todos», a versão em língua grega o termo «οποιαδήποτε». Mais do que o termo «outros», estas versões referem‑se a todos os custos ou a cada um deles.

( 16 ) O Governo checo e a Comissão opõem‑se igualmente a esta categorização dos custos, sendo cada um deles objeto de um regime diferente, o que levaria a discriminações injustificadas.

( 17 ) V. alterações de 15 de outubro de 2010 apresentadas pela Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores (documento do Parlamento Europeu n.o A7‑0136/2010; ver alteração n.o 30).

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