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Document 62017CC0186
Opinion of Advocate General Tanchev delivered on 6 June 2018.
Conclusões do advogado-geral E. Tanchev apresentadas em 6 de junho de 2018.
Conclusões do advogado-geral E. Tanchev apresentadas em 6 de junho de 2018.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:399
Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
EVGENI TANCHEV
apresentadas em 6 de junho de 2018 (1)
Processo C‑186/17
flightright GmbH
contra
Iberia Express SA
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha)]
«Pedido de decisão prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.° 261/2004 — Artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° — Indemnização aos passageiros em caso de cancelamento ou atraso considerável dos voos — Voo de ligação perdido numa viagem com vários segmentos — Atraso de curta duração no primeiro segmento mas atraso considerável no destino final — Responsabilidade pela indemnização quando a transportadora aérea contratual não opera quaisquer voos na viagem e cada segmento é operado por transportadoras aéreas operadoras distintas»
I. Introdução
1. A transportadora do primeiro voo numa cadeia de voos é responsável pelo pagamento da indemnização a um passageiro, nos termos do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004 (2), quando esse primeiro voo apenas sofre um atraso de curta duração, mas deste resulta um atraso considerável em relação ao destino final do passageiro?
2. Esta é, no essencial, a questão que se submete à apreciação do Tribunal de Justiça neste pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha).
3. O Tribunal de Justiça já se debruçou sobre uma questão desta natureza no seu Acórdão Folkerts (3) mas num contexto em que os voos de ligação eram operados pela mesma transportadora aérea operadora e no qual o que estava em causa era saber se o direito do passageiro a indemnização nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 dependia da verificação das condições estabelecidas no artigo 6.° do mesmo regulamento (4).
4. No entanto, há diferenças consideráveis no plano fáctico entre o processo que deu origem ao Acórdão Folkerts e o processo principal em apreço. A questão que aqui se coloca não é tanto saber se deve haver lugar ao pagamento da indemnização, mas antes quem a deve pagar.
5. No processo principal, houve diferentes transportadoras aéreas a operar cada segmento dos voos de ligação numa determinada viagem, mas foi outra transportadora aérea, que não operou nenhuma parte da viagem, que foi designada no momento da reserva como a prestadora do serviço. Assim, no processo principal, ao contrário do contexto do Acórdão Folkerts, não existe relação contratual entre qualquer uma das transportadoras aéreas operadoras e os passageiros que sofreram atrasos, sendo que a transportadora aérea operadora responsável pelo atraso de curta duração no primeiro voo não estava envolvida na operação dos segmentos seguintes da viagem.
6. É pois neste contexto factual que o Tribunal de Justiça é chamado a aprofundar a sua jurisprudência constante relativa à interpretação do Regulamento n.° 261/2004.
II. Quadro jurídico
7. Os considerandos 1, 2, 4, 7 e 8 do Regulamento n.° 261/2004 enunciam:
«(1) A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.
(2) As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.
[…]
(4) Por conseguinte, a Comunidade deverá elevar os níveis de proteção estabelecidos [pelo Regulamento (CEE) n.º 295/91 do Conselho, de 4 de Fevereiro de 1991, que estabelece regras comuns relativas a um sistema de compensação por recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares (5)], quer para reforçar os direitos dos passageiros, quer para garantir que as transportadoras aéreas operem em condições harmonizadas num mercado liberalizado.
(7) A fim de assegurar a aplicação efetiva do presente regulamento, as obrigações nele previstas deverão recair sobre a transportadora aérea operadora que operou ou pretende operar um voo, quer seja em aeronave própria, alugada em regime de dry lease ou wet lease, ou de qualquer outra forma.
(8) O presente regulamento não deverá limitar os direitos da transportadora aérea operadora à indemnização por qualquer pessoa, incluindo terceiros, ao abrigo do direito aplicável.
[…]»
8. O artigo 2.° do Regulamento n.° 261/2004 estabelece as seguintes definições:
«b) “Transportadora aérea operadora”, uma transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa coletiva ou singular que tenha contrato com esse passageiro;
[…]
h) “Destino final”, o destino que consta do bilhete apresentado no balcão de registo ou, no caso de voos sucessivos, o destino do último voo; os voos sucessivos alternativos disponíveis não são tomados em consideração se a hora original planeada de chegada for respeitada;»
9. O artigo 3.°, n.° 5, do Regulamento n.° 261/2004 enuncia:
«O presente regulamento aplica‑se a qualquer transportadora aérea operadora que forneça transporte a passageiros abrangidos pelos n.os 1 e 2. Sempre que uma transportadora aérea operadora, que não tem contrato com o passageiro, cumprir obrigações impostas pelo presente regulamento, será considerado como estando a fazê‑lo em nome da pessoa que tem contrato com o passageiro.»
10. O artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 261/2004 enuncia:
«Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a [...] receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.° [...]»
11. O artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 tem a epígrafe «Direito a indemnização» e enuncia no seu n.° 1:
«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:
a) 250 euros para todos os voos até 1 500 quilómetros;
b) 400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros;
c) 600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).
Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.»
12. O artigo 13.° do Regulamento n.° 261/2004 tem a epígrafe «Direito de recurso» e enuncia:
«Se a transportadora aérea operadora tiver pago uma indemnização ou tiver cumprido outras obrigações que por força do presente regulamento lhe incumbam, nenhuma disposição do presente regulamento pode ser interpretada como limitando o seu direito de exigir indemnização, incluindo a terceiros, nos termos do direito aplicável. Em especial, o presente regulamento em nada limita o direito de uma transportadora aérea operante de pedir o seu ressarcimento a um operador turístico, ou qualquer outra pessoa, com quem tenha contrato. Do mesmo modo, nenhuma disposição do presente regulamento pode ser interpretada como limitando o direito de um operador turístico ou de um terceiro, que não seja um passageiro, com quem uma transportadora aérea operadora tenha um contrato, de pedir o seu ressarcimento ou uma indemnização à transportadora aérea operadora nos termos do direito relevante aplicável.»
III. Factos no processo principal e questão prejudicial
13. No processo principal, a flightright GmbH (a seguir «flightright») propôs uma ação contra a transportadora aérea espanhola Iberia Express SA (a seguir «Iberia Express») pedindo a indemnização prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004. Resulta do despacho de reenvio que a flightright intentou esta ação em nome de dois passageiros que lhe cederam o seu direito à indemnização prevista no referido regulamento, cada uma no montante de 600 euros.
14. Nos termos do despacho de reenvio, os passageiros reservaram uma viagem com três segmentos, para duas pessoas, de Berlim, na Alemanha, a São Salvador, Salvador, com a Elumbus GmbH (a seguir «Elumbus»), um sítio Internet de reservas de viagens. A Elumbus é um agente de reservas autorizado para a transportadora aérea Air Berlin PLC & Co Luftverkehrs KG (a seguir «Air Berlin»).
15. Na fatura emitida pela Elumbus figurava a Air Berlin como prestadora do serviço. O documento de reserva foi emitido pela Elumbus e enumerava a mesma referência de reserva para a Air Berlin, a Iberia Líneas Aéreas de España SA (a seguir «Iberia») e a Avianca SA (a seguir «Avianca»), sendo estas últimas duas das três transportadoras aéreas operacionais da viagem.
16. O primeiro segmento da viagem era de Berlim, Alemanha, a Madrid, Espanha. Foi operado pela Iberia Express.
17. O segundo segmento da viagem era de Madrid, Espanha, a São José, Costa Rica. Foi operado pela Iberia. A Iberia Express é uma filial detida na totalidade pela Iberia.
18. O terceiro segmento da viagem era de São José, Costa Rica, a São Salvador, Salvador. Foi operado pela Avianca, uma transportadora aérea colombiana com um acordo de partilha de códigos com a Iberia (6).
19. O primeiro voo chegou a Madrid com um atraso de 59 minutos. Consequentemente, os passageiros perderam o seu voo de ligação. Os passageiros acabaram por chegar ao seu destino final, São Salvador, com um atraso de 49 horas (7) após terem sido transferidos para voos alternativos.
20. O Amtsgericht Wedding (Tribunal de Primeira Instância de Wedding) julgou improcedente o pedido da flightright, uma vez que a Iberia Express apenas havia operado o voo de Berlim para Madrid, mas não os restantes voos. Além disso, a Iberia Express não interveio na reserva e planeamento da totalidade da viagem. Por conseguinte, o Amtsgericht Wedding (Tribunal de Primeira Instância de Wedding) considerou que a Iberia Express só era responsável pelo atraso no voo de Berlim para Madrid, aceitando o argumento da Iberia Express no sentido de que, neste segmento, que compreendia mais de 1 500 km, se registou um atraso de apenas 59 minutos e, assim, não havia qualquer direito à indemnização prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004.
21. A flightright interpôs recurso dessa decisão no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlin).
22. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a decisão do Tribunal de Justiça no processo Folkerts (8) é aplicável ao processo principal, no qual o voo inicial que se atrasou e o voo de ligação perdido são operados por diferentes transportadoras aéreas (9).
23. Neste contexto, o Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim) decidiu suspender a instância no processo principal e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Existe igualmente um direito a indemnização nos termos do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004, quando um passageiro, devido a um atraso relativamente reduzido à chegada, perde um voo de ligação e chega ao destino final com um atraso superior a três horas, mas ambos os voos foram operados por diferentes transportadoras aéreas e a reserva da totalidade dos voos foi efetuada por um operador turístico através de outra transportadora aérea?»
24. Os Governos alemão, italiano e polaco, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. A flightright, a Iberia Express, o Governo alemão e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar no dia 21 de março de 2018.
IV. Apreciação
A. Síntese do problema
25. É evidente que o Regulamento n.° 261/2004 não foi concebido tendo em mente a prática específica que está em causa no processo principal. Isto é, a transportadora aérea A emite um bilhete ao abrigo de um contrato para uma viagem com vários segmentos (a seguir «transportadora aérea contratual») e não opera nenhum dos segmentos dessa viagem, mas atribui os vários segmentos às diferentes transportadoras aéreas B, C e D. Estes acordos ocorrem geralmente no âmbito de uma prática conhecida por partilha de códigos (code sharing) (10).
26. Nos termos da definição prevista no artigo 2.°, alínea b), do Regulamento n.° 261/2004, B, C e D são, cada uma, uma «transportadora aérea operadora» na aceção do Regulamento n.° 261/2004, sendo que é neste conceito que assenta a responsabilidade ao abrigo do Regulamento n.° 261/2004.
27. Todas as obrigações constantes do Regulamento n.° 261/2004 são impostas, não à transportadora aérea contratual, mas à «transportadora aérea operadora». Com efeito, conforme salientado pela Comissão durante a audiência, nos termos do artigo 5.° do Regulamento n.° 261/2004, a inexistência de vínculo contratual entre os passageiros em causa e a transportadora aérea operadora é irrelevante, desde que, como sucede no processo principal, a transportadora aérea operadora tenha ela própria uma relação contratual com a transportadora aérea contratual.
28. Esta situação pode ser problemática por três razões.
29. Em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabeleceu limiares acima dos quais nasce o direito a indemnização pelo atraso, fixados num mínimo de três horas após a hora de chegada prevista (11). Conforme salientou o órgão jurisdicional de reenvio relativamente aos factos do litígio no processo principal, este limiar não é alcançado se o segmento pelo qual a Iberia Express era responsável for isoladamente considerado, uma vez que neste segmento o atraso foi de apenas 59 minutos.
30. Isto conduz-nos ao segundo problema. Quanto aos factos do litígio no processo principal, no qual uma transportadora aérea contratual emitiu um bilhete para uma viagem com três segmentos, o «voo» que deve ser sujeito a avaliação quanto ao atraso é composto por três voos distintos ou os três consideram‑se um só? No processo principal, é apenas nesta última hipótese que o limiar estabelecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça é alcançado, uma vez que o atraso no destino final foi de 49 horas.
31. Em terceiro lugar, se o «voo» englobar toda a viagem de Berlim a São Salvador, como pode a Iberia Express ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização nos termos do Regulamento n.° 261/2004 por um atraso de 49 horas, quando foi apenas a transportadora aérea operadora de uma pequena parte da viagem? De igual modo, como poderia a Air Berlin, a transportadora aérea contratual ser considerada responsável, quando o Regulamento n.° 261/2004 não impõe obrigações às transportadoras aéreas contratuais, mas antes, como já foi referido, as impõe às transportadoras aéreas operadoras?
32. São estes os tópicos a analisar a fim de responder à questão submetida pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim).
B. Síntese das observações das partes
33. A flightright e a Comissão defendem a resposta afirmativa à questão submetida. Na sua opinião, a decisão do Acórdão Folkerts é transponível para os factos do processo principal porque a identidade das transportadoras aéreas operadoras é irrelevante.
34. O Governo alemão toma a posição contrária, alegando que houve direito a indemnização no processo Folkerts somente porque todos os segmentos da viagem foram operados pela mesma transportadora. Este é, no entender do Governo alemão, o elemento de ligação necessário. O Governo alemão também manifesta a sua preocupação pelo facto de as transportadoras aéreas que asseguram sobretudo segmentos iniciais regionais (regional feeder legs) poderem sair penalizadas se os pedidos de indemnização puderem dizer respeito a atrasos consideráveis subsequentes no destino final de uma viagem com vários segmentos.
35. Segundo o Governo polaco, existe direito a indemnização quer se o operador turístico tiver atuado como agente autorizado em nome das transportadoras aéreas, quer se as transportadoras aéreas, estando ao corrente da totalidade do plano de voo dos passageiros em questão, tiverem confirmado a sua disponibilidade para realizar parte do mesmo, enquanto o Governo italiano é da opinião que a Air Berlin, na qualidade de transportadora contratual, é responsável pela indemnização prevista nos artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.°, do Regulamento n.° 261/2004.
V. Proposta de resposta à questão prejudicial
36. Cheguei à conclusão de que a questão submetida deve ser respondida no sentido de que existe um direito a indemnização nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004, contra uma «transportadora aérea operadora» quando um passageiro, devido a um atraso relativamente reduzido à chegada do voo precedente, perde um voo de ligação direta e chega ao destino final com um atraso igual ou superior a três horas, mesmo quando os voos em causa tenham sido operados por diferentes transportadoras aéreas e a reserva da totalidade dos voos tenha sido efetuada por um operador turístico através de outra transportadora aérea (contratual) que não operou nenhum dos voos da viagem.
37. Saliento, antes de mais, que, nos termos do considerando 1 do Regulamento n.° 261/2004, a ação no domínio do transporte aéreo tem como objetivo garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, devendo ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral. Além disso, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as disposições do Regulamento n.° 261/2004 que concedem direitos aos passageiros aéreos, inclusive as que conferem um direito a indemnização, devem ser interpretadas em sentido amplo (12). O Regulamento n.° 261/2004 tem por objetivo reforçar a proteção dos passageiros aéreos (13), sendo que o que deve ser indemnizado nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 são os «inconvenientes ligados a uma perda de tempo irreversível» (14).
38. Por conseguinte, considero que, à luz do seu objetivo, o Regulamento n.° 261/2004 não pode ser interpretado no sentido de que impede a atribuição de uma indemnização a passageiros que sofreram claramente atrasos significativos causados por modelos de negócio que impõem uma distância nas relações jurídicas entre os passageiros e as transportadoras aéreas operadoras.
39. O Tribunal de Justiça já declarou que a referência feita no Regulamento n.° 261/2004 a diferentes tipos de atraso é compatível com o artigo 19.° da Convenção de Montreal, convenção que é parte integrante da ordem jurídica da União. O artigo 19.° da Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional («Convenção de Montreal») alude ao conceito de «atraso no transporte aéreo de passageiros», sem especificar em que fase desse transporte deve ser constatado o atraso em questão (15).
40. Neste contexto, foi decidido no Acórdão Folkerts que uma vez que o inconveniente só se materializa no destino final, quando a mesma transportadora aérea operadora opera uma série de voos de ligação e ocorre um atraso considerável no destino final e um atraso mais curto durante o percurso, «apenas importa para efeitos da indemnização fixa prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004 o atraso verificado em relação à hora programada de chegada ao destino final, entendido como destino do último voo apanhado pelo passageiro em causa» (16). Mais recentemente, o Tribunal de Justiça considerou que existe direito a indemnização sem distinção entre os passageiros que «chegam ao seu destino final através de um voo direto ou através de um voo com correspondências» (17). Consequentemente, o atraso relevante no processo principal é o atraso de 49 horas à chegada a São Salvador.
41. Esta conclusão é conforme ao «princípio da igualdade de tratamento». Uma viagem com vários segmentos operada por uma única transportadora aérea é comparável a uma outra viagem operada por diferentes transportadoras aéreas no contexto de um acordo como aquele que está em causa no processo principal (18), e não parece existir qualquer justificação objetiva para uma diferença de tratamento, em particular à luz do objetivo prosseguido pelo Regulamento n.° 261/2004. Esta conclusão funciona também como um desincentivo a que as transportadoras aéreas repartam os voos, por exemplo, entre filiais, para se subtraírem à responsabilidade pelo pagamento de indemnizações em caso de atrasos consideráveis.
42. Parece resultar dos elementos do processo que a única diferença relevante entre os factos no processo Folkerts e os factos no processo principal consiste no facto de a transportadora aérea operadora e a transportadora aérea contratual no processo Folkerts serem a mesma e de todos os voos no processo Folkerts serem operados por esta mesma entidade. No processo principal, a Air Berlin é a transportadora aérea contratual, mas todos os segmentos relevantes foram subcontratados a transportadoras aéreas operadoras.
43. Assim sendo, por que razão não pode o regime de indemnização instituído pelos artigos 5.° e 7.° do Regulamento n.° 261/2004 ser imposto à Air Berlin e não à Iberia Express, tal como foi sustentado pelo Governo italiano?
44. A resposta reside no facto de o Regulamento n.° 261/2004 não regular de todo as atividades das transportadoras aéreas contratuais. Este entendimento não é fundado apenas no teor do Regulamento n.° 261/2004, mas também no facto de este regulamento ser integralmente dirigido à «transportadora aérea operadora», como revelam os considerandos 7, 8, 14 e 19 do preâmbulo e os artigos 4.°, 5.° e 6.° (por sua vez, nos termos dos artigos 5.°, 10.°, 11.° e 13.°, o artigo 7.° é expressamente limitado às transportadoras aéreas operadoras). Estas disposições excedem largamente em número e em relevância a referência generalizada a «transportadoras aéreas» presente nos considerandos 4, 9, 12 e 22 e no artigo 3.° do Regulamento n.° 261/2004, juntamente com a definição de «transportadora aérea» dada no artigo 2.°, alínea a), do Regulamento n.° 261/2004. O considerando 7 do Regulamento n.° 261/2004 é particularmente relevante, na medida em que salienta que as obrigações previstas no regulamento «deverão recair sobre a transportadora aérea operadora que operou ou pretende operar um voo».
45. Por conseguinte, tendo a considerar que o direito a indemnização previsto no artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004, aplicável à «transportadora aérea operadora» por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, se aplica às transportadoras aéreas operadoras que tenham provocado um atraso num voo com vários segmentos que resulte num atraso no destino final que atinja os limiares do direito a indemnização, tal como definidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça.
46. Este entendimento é ainda respaldado pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 261/2004. Enquanto a proposta inicial da Comissão se dirigia quer ao operador turístico quer à transportadora aérea contratual, no caso de partilha de códigos, e tendo o Parlamento Europeu sugerido a responsabilidade partilhada de ambos, o Conselho manifestou‑se preocupado relativamente ao que tal significaria em termos de segurança jurídica para os passageiros (19). Por razões de clareza e simplicidade, o projeto de regulamento foi alterado a fim de impor obrigações exclusivamente à transportadora aérea operadora (20). Além disso, enquanto da proposta original constava uma disposição que teria exigido que no caso de partilha de códigos a transportadora aérea contratual fosse uma transportadora aérea comunitária (21), esta disposição foi posteriormente modificada, a fim de tornar a transportadora aérea operadora a referência (22). Tudo isto mostra que a transportadora aérea operadora foi deliberadamente tornada a transportadora relevante para efeitos do Regulamento n.° 261/2004 (23).
47. Por último, o mandatário da Iberia Express referiu em audiência que a Iberia Express sabia que os passageiros em causa, que esta transportou a partir de Berlim, iriam apanhar um voo de ligação em Madrid. Dada a generalização da prática da partilha de códigos, não parece que suportar os riscos que a mesma envolve represente uma sobrecarga demasiado grande para as transportadoras aéreas que beneficiam comercialmente desta prática (24), especialmente quando as consequências do atraso de um determinado voo podem ser antevistas pela transportadora aérea mediante a verificação do plano de voo dos seus passageiros. Ou seja, por outras palavras, tal como defendido pelo Governo polaco, o conhecimento da existência de voos de ligação equivale a uma forma de consentimento.
48. Como salientado pela Comissão em audiência, as transportadoras aéreas na posição da Iberia Express têm a liberdade de recusar contratar com transportadoras aéreas contratuais se o tempo de escala entre voos estiver fora da margem de risco razoável. À luz do exposto, partilho da opinião de que «o critério da indemnização não [deve ser] o nexo de causalidade, mas a culpa do operador (entendida em sentido amplo)» (25).
49. A resposta que proponho não representa, portanto, um encargo desproporcional para as transportadoras aéreas operadoras responsáveis apenas por pequenos segmentos dos voos (26). Adicionalmente, o cumprimento das obrigações do Regulamento n.° 261/2004 não prejudica o direito de uma transportadora aérea exigir uma indemnização a qualquer pessoa, incluindo a terceiros, nos termos do direito nacional e conforme previsto no artigo 13.° desse regulamento. No entanto, o objetivo do Regulamento n.° 261/2004 deve prevalecer, a saber, assegurar que os passageiros são indemnizados de maneira uniforme e imediata (27).
VI. Conclusão
50. Tendo em conta as considerações precedentes, sou da opinião que o Tribunal de Justiça deve responder do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha):
Existe um direito a indemnização nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91, contra uma «transportadora aérea operadora», quando um passageiro, devido a um atraso relativamente reduzido à chegada do voo precedente, perde um voo de ligação direta e chega ao destino final com um atraso superior a três horas, mesmo quando os voos em causa tenham sido operados por diferentes transportadoras aéreas e a reserva da totalidade dos voos tenha sido efetuada por um operador turístico através de outra transportadora aérea (contratual) que não operou nenhum dos voos da viagem.
1 Língua original: inglês.
2 Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO 2004 L 46, p. 1).
3 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑11/11, EU:C:2013:106).
4 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.os 25 e 35 a 38).
5 JO 1991, L 36, p. 5.
6 V. o sítio Internet da Avianca, disponível em https://www.avianca.com/es/en/our‑company/some‑partners/air‑partner/codeshare; da Iberia, disponível em https://www.iberia.com/gb/our‑alliances/codeshare/; e da Iberia Express, disponível em https://www.iberiaexpress.com/en/general‑info/iberia‑express/the‑company.
7 Nos termos do despacho de reenvio, esse atraso foi de 49 horas. No entanto, a flightright alegou na audiência que o atraso em causa foi de 25 horas.
8 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑11/11, EU:C:2013:106).
9 O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) já tinha submetido ao Tribunal de Justiça uma questão, no essencial, idêntica, mas que foi retirada após o requerido ter aceite a pretensão formulada. V. Despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2016, Markmann e o. (C‑479/16, não publicado, EU:C:2016:794).
10 Esta prática comum no setor da aviação visa reforçar a presença no mercado e a capacidade concorrencial. A prática consiste em uma transportadora aérea comercializar voos com o seu próprio código, embora os voos em causa sejam realizados por uma outra transportadora. Assim, um voo em regime de partilha de códigos tem diversos códigos, geralmente o da transportadora aérea que comercializa o voo e o da transportadora aérea que o opera.
11 Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.° 57).
12 Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.° 45).
13 Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.° 49).
14 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.° 39).
15 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.° 31 e jurisprudência referida).
16 Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.° 35). V. também acórdão de 7 de setembro de 2017, Bossen e o. (C‑559/16, EU:C:2017:644, n.° 23).
17 Acórdão de 7 de setembro de 2017, Bossen e o. (C‑559/16, EU:C:2017:644, n.° 24).
18 Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Folkerts (C‑11/11, EU:C:2013:106, n.os 32 e 33), e de 7 de setembro de 2017, Bossen e o. (C‑559/16, EU:C:2017:644, n.os 19, 22, 26, 28 e 29). V. ainda Acórdãos de 10 de janeiro de 2006 IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.os 95 e 98); de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 48, 49 e 60), e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.os 33 e 34).
19 Documento do Conselho 12028/02, de 25 de setembro de 2002, pp. 6 e 11.
20 Declaração da Comissão sobre a posição comum (SEC(2003) 361 final, de 25 de março de 2013), ponto 3, segundo parágrafo.
21 O artigo 3.° da proposta original dispunha, entre outros, o seguinte:
«1. O presente regulamento aplica‑se aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica e aos passageiros que têm um contrato com uma transportadora comunitária ou um operador turístico para uma viagem organizada posta à venda em território comunitário e que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica: […]
3. O presente regulamento aplica‑se a qualquer transportadora aérea ou operador turístico com a/o qual os passageiros referidos no n.° 1 […] têm um contrato. O operador turístico ou, no caso de partilha de códigos, a transportadora que efetua a comercialização estabelecerá com a transportadora que opera o voo as disposições necessárias para garantir a aplicação do disposto no presente regulamento.»
COM(2001) 784 final, de 21 de dezembro de 2001.
22 Documento do Conselho 13877/02, de 12 de novembro de 2002, pp. 10 e 11.
23 V. Orientações da Comissão para a Interpretação do Regulamento n.° 261/2004 (JO 2016, C 214, p. 5), ponto 2.2.3.
24 Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2017:787, n.° 83).
25 Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:416, n.° 60).
26 V. no geral o Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10).
27 Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.° 82), e de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 49 e 51).