Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62017CC0083

    Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 30 de janeiro de 2018.
    KP contra LO.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Protocolo de Haia de 2007 — Lei aplicável às obrigações alimentares — Artigo 4.o, n.o 2 — Alteração da residência habitual do credor — Possibilidade de aplicação retroativa da lei do Estado da nova residência habitual do credor, que coincide com a lei do foro — Alcance dos termos “Se o credor não puder obter alimentos do devedor” — Caso em que o credor não preenche um requisito legal.
    Processo C-83/17.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:46

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MACIEJ SZPUNAR

    apresentadas em 30 de janeiro de 2018 ( 1 )

    Processo C‑83/17

    KP, representado pela sua mãe,

    contra

    LO

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Obrigações alimentares — Impossibilidade de obter alimentos do devedor — Alteração do Estado em que o credor tem a sua residência habitual — Aplicação da lex fori»

    I. Introdução

    1.

    No âmbito do presente processo, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) solicita ao Tribunal de Justiça que interprete as disposições do Protocolo de Haia de 2007 ( 2 ), no contexto do caso em apreço, que suscita dúvidas ao órgão jurisdicional de reenvio quanto à lei aplicável em matéria de obrigações de alimentos.

    2.

    Nos últimos tempos, o Tribunal de Justiça já respondeu várias vezes a questões colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas às obrigações alimentares referidas no Regulamento (CE) n.o 4/2009 ( 3 ). Estes pedidos de decisão prejudicial eram relativos a regras de competência ( 4 ) ou a regras em matéria de execução de decisões judiciais ( 5 ).

    3.

    Os pedidos de decisão prejudicial apresentados até à data não dizem diretamente respeito ao Protocolo de Haia de 2007 nem ao artigo 15.o do Regulamento n.o 4/2009, que, no que toca a questões sobre a lei aplicável, remete para o mesmo protocolo. O presente pedido de decisão prejudicial é, portanto, o primeiro em que um órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete as regras de conflitos de leis constantes do Protocolo de Haia de 2007.

    II. Quadro jurídico

    A. Direito da União

    1.   Regulamento n.o 4/2009

    4.

    As regras de competência internacional em matéria de obrigações alimentares encontram‑se estipuladas no capítulo II («Competência») do Regulamento n.o 4/2009. O artigo 3.o deste regulamento, intitulado «Disposições gerais», é um dos principais, dispondo o seguinte:

    «São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

    a)

    O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

    b)

    O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou

    c)

    O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou

    d)

    O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.»

    5.

    O artigo 15.o do Regulamento n.o 4/2009, intitulado «Determinação da lei aplicável», que figura no capítulo III do mesmo regulamento, intitulado «Lei aplicável», prevê o seguinte:

    «A lei aplicável às obrigações alimentares é determinada de acordo com o [Protocolo de Haia de 2007] […] nos Estados‑Membros vinculados por esse instrumento.»

    2.   Protocolo de Haia de 2007

    6.

    O artigo 3.o e o artigo 4.o, n.os 1, alínea a), e 2, do Protocolo de Haia de 2007 dispõem:

    «Artigo 3.o

    Regra geral sobre a lei aplicável

    1.   Salvo disposição em contrário do presente protocolo, as obrigações alimentares são reguladas pela lei do Estado da residência habitual do credor.

    2.   Em caso de mudança da residência habitual do credor, a lei do Estado da nova residência habitual é aplicável a partir do momento em que a mudança tenha ocorrido.

    Artigo 4.o

    Regras especiais a favor de certos credores

    1.   As seguintes disposições são aplicáveis no caso de obrigações alimentares:

    a)

    Dos pais relativamente aos filhos;

    […];

    2.   Se, por força da lei referida no artigo 3.o, o credor não puder obter alimentos do devedor, é aplicável a lei do foro.

    […]».

    B. Direito alemão

    7.

    No direito alemão, a prestação de alimentos retroativos é regida pelo § 1613 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão, a seguir «BGB»). Esta disposição prevê, no seu n.o 1:

    «O credor pode, com efeitos retroativos, pedir o cumprimento ou a indemnização por incumprimento apenas a partir do momento em que o devedor de alimentos tenha sido notificado para prestar informações sobre os seus rendimentos e património, com a finalidade de ser invocado o direito a alimentos, ou em que o devedor de alimentos incorrer em mora ou estiver pendente a ação de alimentos […]».

    C. Direito austríaco

    8.

    No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que no direito austríaco é possível invocar o direito a alimentos com efeitos retroativos a três anos. Segundo jurisprudência austríaca constante, a interpelação do devedor não é condição para efeitos de execução de uma prestação de alimentos, com efeitos retroativos, devidos a menores.

    III. Matéria de facto do litígio no processo principal

    9.

    KP, o menor recorrente no processo principal, residiu até 27 de maio de 2015 com os seus pais na Alemanha. Em 28 de maio de 2015, a mãe e o menor deslocaram‑se para a Áustria, onde têm, desde então, a sua residência habitual.

    10.

    Em 18 de maio de 2015, o menor apresentou ao tribunal austríaco um pedido contra o seu pai, LO, referente a obrigações alimentares. Por petição posterior de 18 de maio de 2016, o menor ampliou este pedido para reclamar ao seu pai a prestação de alimentos com efeitos retroativos ao período de 1 de junho de 2013 a 31 de maio de 2015.

    11.

    No processo principal, o menor sustentou que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007, a lei alemã é aplicável às obrigações alimentares referentes ao período durante o qual tinha residência habitual na Alemanha. Todavia, o menor não pode obter alimentos do seu pai, porque, de acordo com o § 1613 do BGB, não estão reunidos os requisitos para invocar alimentos com efeitos retroativos. Daí que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, a lei austríaca, que não prevê qualquer condição deste tipo em relação a um menor, deva ser a lei aplicável à apreciação das obrigações alimentares relativas a esse período.

    12.

    Por seu turno, o pai do menor contrapõe, designadamente, que a aplicação subsidiária do direito em vigor no Estado do tribunal requerido, segundo o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, só pode ser tida em conta quando o processo for instaurado pela parte devedora, ou quando a autoridade requerida seja a autoridade de um Estado em que nem o credor nem o devedor têm residência habitual. Além disso, em caso de possível direito a alimentos retroativos, não se pode considerar aplicável o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 depois da mudança de residência habitual do credor.

    13.

    O órgão jurisdicional de primeira instância julgou improcedente o pedido do menor relativo à prestação de alimentos retroativos. Segundo esse órgão, de acordo com o artigo 3.o do Protocolo de Haia de 2007, o direito alemão é aplicável às obrigações alimentares do pai relativamente ao menor, no período que antecedeu a mudança do local de residência do menor. O artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 não pode, contudo, ser aplicável ao pagamento de alimentos a título retroativo. O direito a alimentos relativo ao período anterior à mudança da residência habitual do credor deve continuar a ser apreciado nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007, desde que, relativamente a este período, haja competência desse tribunal, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009.

    14.

    O tribunal de recurso confirmou esta decisão, concordando com os fundamentos aduzidos pelo tribunal de primeira instância.

    15.

    O Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) tem de examinar o recurso interposto pelo menor relativo à decisão sobre o seu direito a alimentos com efeitos retroativos.

    IV. Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

    16.

    Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve a disposição supletiva do artigo 4.o, n.o 2, do [Protocolo de Haia de 2007] ser interpretada no sentido de que só se aplica quando a petição da ação de alimentos é apresentada num [Estado‑Membro] diferente do da residência habitual do credor?

    Em caso de resposta negativa a esta questão:

    2)

    Deve o artigo 4.o, n.o 2, do [Protocolo de Haia de 2007] ser interpretado no sentido de que a expressão “não puder obter alimentos” também se refere aos casos em que o direito do lugar da residência anterior, apenas porque não estão reunidos determinados requisitos legais, não prevê o direito a alimentos retroativos?»

    17.

    O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de fevereiro de 2017.

    18.

    O Governo alemão e a Comissão apresentaram observações escritas.

    V. Análise

    A. Notas introdutórias relativas ao Protocolo de Haia de 2007

    19.

    Antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 4/2009, a competência internacional dos órgãos jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares era regida pelas regras de competência contidas na Convenção de Bruxelas ( 6 ) e no Regulamento Bruxelas I ( 7 ).

    20.

    O Regulamento n.o 4/2009 inclui, no seu âmbito de aplicação, as regras de competência em matéria de obrigações alimentares, excluindo as ações judiciais atinentes a essas obrigações do «regime de Bruxelas» ( 8 ).

    21.

    No entanto, o Regulamento n.o 4/2009 não contém qualquer disposição que determine diretamente a lei aplicável às obrigações alimentares. Até à data, a questão também não foi ainda regulamentada por outros instrumentos do direito internacional privado da União que excluem expressamente dos respetivos âmbitos de aplicação este tipo de obrigações ( 9 ).

    22.

    Segundo a proposta inicial, as regras de conflitos de leis que indicam a lei aplicável às obrigações alimentares deviam ter sido incluídas no Regulamento n.o 4/2009 ( 10 ). Isso poderia, no entanto, ter dificultado a sua adoção, uma vez que alguns Estados‑Membros não estavam dispostos a adotar um regulamento que incluísse regras de conflitos de leis. Com efeito, uma das razões aduzidas durante os trabalhos preparatórios do referido regulamento era a de que a harmonização das regras de conflitos de leis se poderia fazer através de um instrumento convencional, como o Protocolo de Haia de 2007 ( 11 ). A expressão de um sistema coerente de medidas legislativas ficou patente, por um lado, na adesão ao Protocolo de Haia de 2007 pela Comunidade ( 12 ) e, por outro, na inclusão no Regulamento n.o 4/2009 de uma disposição que prevê que a lei aplicável às obrigações alimentares é determinada em conformidade com o disposto no mesmo protocolo ( 13 ).

    B. Quanto à competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições do Protocolo de Haia de 2007

    23.

    Uma parte essencial da fundamentação do pedido de decisão prejudicial é antecedida pelas observações do órgão jurisdicional de reenvio sobre a competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições do Protocolo de Haia de 2007. Este órgão jurisdicional indica que o artigo 15.o do Regulamento n.o 4/2009 remete expressamente para o Protocolo de Haia de 2007, o que permite ao Tribunal de Justiça interpretar as disposições desse protocolo. O órgão jurisdicional de reenvio afirma também, tal como a Comissão, que a Comunidade ratificou o Protocolo de Haia de 2007, o que também justifica a competência do Tribunal de Justiça para responder a questões prejudiciais relativas a esse instrumento.

    24.

    Neste contexto, importa recordar, em primeiro lugar, que, nos termos da alínea b) do primeiro parágrafo do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, designadamente, sobre a interpretação dos atos das instituições, órgãos ou organismos da União.

    25.

    Por decisão de 30 de novembro de 2009 ( 14 ), adotada em aplicação, nomeadamente, do artigo 300.o, n.o 2, primeiro parágrafo, segundo período, e n.o 3, primeiro parágrafo, CE, o Conselho aprovou o Protocolo de Haia de 2007 em nome da Comunidade.

    26.

    Segundo jurisprudência constante, um acordo concluído pelo Conselho constitui, ao abrigo do artigo 300.o CE, no que se refere à Comunidade, um ato adotado por uma das instituições da Comunidade, na aceção das disposições do Tratado que especificam o âmbito da competência do Tribunal de Justiça em matéria de pedidos de decisão prejudicial ( 15 ).

    27.

    Atualmente, os acordos internacionais em nome da União regem‑se pelo disposto no artigo 218.o TFUE. O procedimento conducente à celebração de um acordo internacional pela União e os seus efeitos não sofreram alterações que impliquem que a jurisprudência que o Tribunal de Justiça até agora firmou sobre estas questões se tenha tornado obsoleta. O artigo 216.o, n.o 2, TFUE, correspondente ao artigo 300.o, n.o 7, CE, determina, além disso, que os acordos internacionais celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros. Isto significa que as disposições desses acordos constituem, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante da ordem jurídica da União e, no âmbito desta ordem jurídica, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a sua interpretação.

    C. Quanto à primeira questão prejudicial

    1.   Observações preliminares

    28.

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos quanto à questão de saber se o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 pode ser aplicado num processo nos tribunais do Estado‑Membro em que o credor dos alimentos tem a sua residência habitual.

    29.

    O órgão jurisdicional de reenvio indica que, de acordo com o n.o 63 do relatório Bonomi ( 16 ), a aplicação subsidiária da lei do foro, tal como estabelecido no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, é útil apenas se a ação de alimentos for proposta num tribunal de um Estado diferente do da residência habitual do credor. Caso contrário, a lei do foro coincide com a lei do Estado da residência habitual do credor, logo, com a lei que, de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007, é, em princípio, a lei aplicável às obrigações alimentares. Por conseguinte, o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 é aplicável no caso de a ação relativa às obrigações alimentares ser instaurada pelo devedor ou de a autoridade requerida ser a de um Estado diferente do da residência habitual do credor.

    30.

    Contudo, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, as passagens mencionadas do relatório explicativo partem do pressuposto de que o credor não alterou a sua residência habitual. Como tal, não é possível ter certezas sobre se o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 é aplicável quando o credor transfere a sua residência habitual para outro Estado e apresenta a um órgão jurisdicional desse Estado um pedido de pagamento de alimentos com efeitos retroativos, correspondentes a um período que antecede a alteração da sua residência habitual.

    31.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional pretende, essencialmente, saber quais as condições que devem estar reunidas para que, em circunstâncias como as do processo principal, seja aplicável o disposto no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007. Por conseguinte, proponho que, na resposta à primeira questão, o Tribunal de Justiça esclareça as condições para a aplicação desta disposição, caso o credor altere a sua residência habitual e, em seguida, reclame alimentos ao devedor, com efeitos retroativos.

    2.   Posição do Governo alemão

    32.

    O Governo alemão considera que a resposta à primeira questão não se deve cingir à interpretação literal do artigo 3.o, n.o 2, e do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007. A sistemática e a finalidade deste instrumento permitem concluir que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 apenas se pode aplicar caso o tribunal ao qual o credor apresenta o pedido de alimentos com efeitos retroativos tivesse competência para conhecer da ação de alimentos no período a que essa ação se refere.

    33.

    O Governo alemão lembra que as regras de conflitos de leis contidas no Protocolo de Haia de 2007 se baseiam no pressuposto de que deve existir uma ligação entre os factos que corroboram o direito do credor a pedir alimentos e a lei aplicável no exercício da apreciação desse direito. As regras de competência judiciária baseiam‑se num pressuposto análogo. Deve, pois, existir também um certo nexo entre o Estado cujos órgãos jurisdicionais são competentes para conhecer da ação de alimentos e a situação factual em que o credor fundamenta o seu direito a esses alimentos.

    3.   Posição da Comissão

    34.

    A Comissão considera que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 pode ser aplicado em todos os processos, incluindo processos nos tribunais do Estado em que o credor tem a sua residência habitual, e também nos casos em que o credor solicita alimentos com efeitos retroativos.

    35.

    Segundo a Comissão, o n.o 63 do relatório Bonomi, para o qual o órgão jurisdicional de reenvio remete no seu pedido de decisão prejudicial, não determina a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, mas enumera, sim, os casos em que esta disposição pode revelar‑se útil para um credor de alimentos.

    36.

    A Comissão destaca, em especial, que a condição para a aplicação da lei do foro, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, é a impossibilidade de obter alimentos «por força da lei referida no artigo 3.o [do mesmo protocolo]». Isto significa, segundo a Comissão, que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 abrange não só a lei designada como aplicável nos termos do artigo 3.o, n.o 1, desse protocolo mas também a lei designada como aplicável nos termos do seu artigo 3.o, n.o 2. No entender da Comissão, a interpretação teleológica da referida disposição conduz a conclusões idênticas. O artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 tem por objetivo privilegiar determinadas categorias de credores de alimentos face ao previsto no artigo 3.o desse protocolo, que se aplica a todos os credores de alimentos.

    4.   Análise da primeira questão prejudicial

    a)   Interpretação literal

    37.

    Gostaria de começar por salientar que uma interpretação literal do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 permitiria responder à primeira questão, com relativa facilidade e em concordância com a posição da Comissão, que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 é aplicável a todos os processos, incluindo aqueles em tribunais do Estado em que o credor tem a sua residência habitual. E mais acertada será esta resposta se se partir do pressuposto de que apenas os interesses do credor de alimentos devem ser protegidos. No entanto, a meu ver, esta abordagem parece basear‑se numa leitura demasiado superficial do Protocolo de Haia de 2007 e numa fundamentação que não contempla as conclusões de uma interpretação sistemática e teleológica.

    38.

    A Comissão refere que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, a lei do foro é aplicável em vez da lei do Estado da residência habitual do credor e da lei do Estado da nova residência habitual do credor, visto que a expressão «por força da lei referida no artigo 3.o [do Protocolo de Haia de 2007]» deve ser entendida deste modo.

    39.

    Não estou inteiramente convencido de que esta tese, efetivamente, permita confirmar que o disposto no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 determina como proceder quando o credor altera o seu local de residência habitual, pedindo depois alimentos para o período que antecedeu a sua mudança de residência. No artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 não há mais nenhuma indicação que permita adotar uma posição inequívoca sobre a matéria, porque a análise da redação de outras partes do artigo 4.o deste protocolo suscita certas dúvidas quanto a este aspeto.

    40.

    Por exemplo, quando o credor intenta uma ação contra o devedor junto da autoridade competente do Estado em que o devedor tem residência habitual, o artigo 4.o, n.o 3, do Protocolo de Haia de 2007 exige a aplicação da lex fori em primeiro lugar. Se, por força dessa lei, o credor não puder obter alimentos do devedor, é aplicável a lei do país «em que o credor tem a sua residência habitual», e não a lei do Estado referido no artigo 3.o deste protocolo, como dispõe o artigo 4.o, n.o 2, do mesmo protocolo. Tenho dúvidas sobre se, à luz da interpretação literal em que se baseia o raciocínio da Comissão, se deve prescindir do artigo 3.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 e aplicar apenas a lei do Estado da atual residência habitual do credor, mesmo que este tenha alterado sua residência habitual.

    41.

    À margem observo que, se o credor não puder obter alimentos por força da lei referida no artigo 3.o e no artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Protocolo de Haia de 2007, o artigo 4.o, n.o 4, do mesmo protocolo prevê a aplicação da lei da nacionalidade comum das partes à obrigação de alimentos. Esta disposição não determina, em contrapartida, o que fazer quando o credor pede alimentos referentes a um período durante o qual o devedor adquire a nacionalidade que o credor já antes tinha. Por maioria de razão, suscita‑se a questão de saber se a perda da nacionalidade pelo devedor também tem efeitos retroativos, o que significa que o credor não pode invocar o artigo 4.o, n.o 4, do Protocolo de Haia de 2007 no que toca ao período em que ambas as partes tiveram a mesma nacionalidade ( 17 ).

    42.

    Não estou convencido de que se possam solucionar estes problemas recorrendo exclusivamente a uma interpretação literal destas disposições.

    43.

    Mais justificadas são as dúvidas quanto à argumentação da Comissão assente numa interpretação literal se se considerar que aceitar a sua argumentação pode levar a uma situação em que o pedido de atribuição de alimentos com efeitos retroativos será apreciado com base numa lei que, em princípio — no período a que esse pedido de atribuição de alimentos se refere —, não podia ser aplicável a esses alimentos, segundo as regras de conflitos de leis do Protocolo de Haia de 2007. Esta poderia, efetivamente, ser uma lei em nada relacionada com a situação familiar das partes na obrigação de alimentos durante o período em causa. Seria, assim, aplicável uma lei que nenhuma das partes na obrigação podia ter previsto nesse período.

    44.

    Gostaria de frisar que a situação acima referida parece ser a que está também em causa no processo principal. Contudo, nada indica que, caso não tivesse havido uma alteração da residência habitual do menor, deixando, consequentemente, os tribunais austríacos de ser competentes na matéria ( 18 ), a legislação austríaca passaria a ser aplicável ao período compreendido entre 1 de junho de 2013 e 27 de maio de 2015, para determinar as obrigações alimentares do pai face ao menor ( 19 ). Também não se afigura que o direito austríaco pudesse ter sido designado pelas partes como a lei aplicável ao litígio referente à obrigação alimentar em causa ( 20 ).

    45.

    Considero, portanto, que, à luz do exposto, a primeira questão prejudicial deve ser analisada aplicando métodos de interpretação diferentes do da interpretação literal.

    46.

    Não me parece que seja possível ficar pela análise das regras de conflitos de leis do Protocolo de Haia de 2007, sem ter também em devida conta as regras de competência estabelecidas no Regulamento n.o 4/2009. É que estas últimas determinam o tribunal ou tribunais nacionais competentes para conhecer uma determinada causa. Por conseguinte, as regras de competência designam indiretamente a lei do foro, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007.

    b)   Interpretação sistemática

    1) Âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 no contexto de outras normas deste protocolo

    47.

    Tendo em conta as observações dos n.os 39 a 42 das presentes conclusões, no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 não há qualquer indicação que permita determinar claramente os casos em que pode ser aplicada esta disposição. Só uma análise do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 à luz de outras disposições do mesmo protocolo e do Regulamento n.o 4/2009 permite obter semelhante indicação.

    48.

    Por um lado, o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 não se aplica se o credor apresentar o pedido de alimentos ao órgão jurisdicional do Estado em que o devedor tem residência habitual. Estes casos encontram‑se abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 3, do Protocolo de Haia de 2007. Por outro, se o processo for tratado pelos órgãos jurisdicionais do Estado da residência habitual do credor, a lei do foro é a lei do Estado em que o credor tem a sua residência habitual, ou seja, a lei que, de acordo com o disposto no artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007, em princípio, é aplicável às obrigações alimentares. Nestes casos, não há lugar à aplicação subsidiária da lei do foro, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007.

    49.

    Isto significa que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 tem um âmbito de aplicação relativamente reduzido. Esta disposição pode ser considerada caso a ação de alimentos seja tratada por um órgão jurisdicional de um Estado que não seja o da residência habitual do devedor (em que seria aplicável o artigo 4.o, n.o 3, do Protocolo de Haia de 2007), ou do credor (em que a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, do protocolo seria inútil, visto que a lei do foro é a lei do Estado da residência habitual do credor).

    2) Relação com as regras de competência do Regulamento n.o 4/2009

    50.

    Em matéria de obrigações alimentares, a competência internacional dos órgãos jurisdicionais é determinada pelas regras de competência previstas no Regulamento n.o 4/2009.

    51.

    O artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009 atribui competência a um tribunal ou aos tribunais do local em que o requerido tem a sua residência habitual, independentemente de o demandado ser o credor ou o devedor, bem como aos órgãos jurisdicionais do lugar em que o credor tem a sua residência habitual. As autoridades judiciais destes Estados são as que melhor podem avaliar as necessidades do credor e os recursos económicos do devedor, tal como exigido pelo artigo 14.o do Protocolo de Haia de 2007.

    52.

    Exceto no caso de tribunais de Estados em que uma das partes na obrigação de alimentos tem residência, o artigo 3.o, alíneas c) e d), do Regulamento n.o 4/2009 prevê a possibilidade de os processos relacionados com obrigações alimentares serem tratados por tribunais que, nos termos da legislação do Estado de residência, sejam competentes para conhecer, respetivamente, de ações relativas ao estado das pessoas ou à responsabilidade parental, «quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes» ( 21 ).

    53.

    Em contrapartida, o artigo 7.o do Regulamento n.o 4/2009 prevê o forum necessitatis, sendo competentes os tribunais de um Estado‑Membro com o qual o litígio tenha uma «conexão suficiente», caso não seja competente nenhum outro órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, nos termos dos artigos 3.o, 4.o, 5.o e 6.o do referido regulamento. O considerando 16 do Regulamento n.o 4/2009 indica que a competência baseada no forum necessitatis pode ser exercida se uma das partes for nacional do Estado‑Membro do tribunal demandado. Uma solução semelhante está prevista no artigo 6.o do Regulamento n.o 4/2009: quando nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 3.o, 4.o e 5.o do referido regulamento, e nenhum tribunal de um Estado parte na Convenção de Lugano que não seja um Estado‑Membro for competente por força do disposto na referida Convenção, são competentes os tribunais do Estado‑Membro da nacionalidade comum das partes.

    54.

    À luz do Regulamento n.o 4/2009, as partes podem, efetivamente, escolher o tribunal competente para conhecer de questões relativas às obrigações alimentares. No entanto, segundo o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, essa escolha é limitada e, no essencial, diz respeito ao tribunal ou aos tribunais dos Estados que estão relacionados, de certa forma, com o credor ou devedor.

    55.

    De resto, no caso de o tribunal ser determinado por escolha das partes, não há o risco de, com base nas regras de conflitos de leis aplicáveis no Estado do tribunal demandado, se aplicar uma lei que uma das partes não podia prever de antemão. Visto que o credor e o devedor aceitam a atribuição de competência em matéria de apreciação das obrigações alimentares ao tribunal que escolheram, aceitam também, per se, a possibilidade de aplicação da lei designada pelas regras de conflitos de leis em vigor no Estado do tribunal em que foi intentada a ação. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao artigo 5.o do Regulamento n.o 4/2009, que diz respeito à competência baseada na comparência do requerido em juízo.

    56.

    Considero, portanto, que as regras de competência estabelecidas pelo Regulamento n.o 4/2009 se baseiam no pressuposto de que as obrigações alimentares em causa e o Estado cujo tribunal é competente para decidir estão ligados entre si. Esta conexão deve ser, pelo menos, estreita o suficiente de modo a permitir a ambas as partes na obrigação alimentar prever os órgãos jurisdicionais do Estado em que podem ser intentadas ações relativas a essa obrigação ( 22 ).

    57.

    Isto significa que, com base nas regras de competência do Regulamento n.o 4/2009, a lei do foro que pode ser aplicável, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, é a lei do Estado que tem um determinado nexo com a obrigação alimentar no processo em causa.

    3) Relação com as regras de conflito de leis do Protocolo de Haia de 2007

    58.

    Em conformidade com o disposto no artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007, a lei aplicável às obrigações alimentares é, em princípio, a lei do Estado da residência habitual do credor. Trata‑se da lei do Estado que tem um nexo estreito com a obrigação alimentar, visto ser esta a lei que melhor permite avaliar as condições de vida do credor no local em que a prestação de alimentos vai ser executada com vista a suprir as suas necessidades. Concordo com a posição do Governo alemão, que sustenta que o artigo 3.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 também remete para a existência de uma conexão entre a lei aplicável e a situação de facto de que resulta o direito do credor a alimentos. Quando o credor muda a sua residência habitual, alteram‑se também os fatores que influenciam as suas necessidades que são supridas pela prestação de alimentos. Graças ao artigo 3.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, a alteração desses fatores tem reflexo na determinação da lei aplicável à obrigação alimentar.

    59.

    A conclusão semelhante conduz a análise dos n.os 3 e 4 do artigo 4.o do Protocolo de Haia de 2007, que preveem, respetivamente, que é aplicável a lei do Estado da residência habitual do devedor e que é aplicável a lei do Estado da nacionalidade comum do credor e do devedor, caso exista (conexão com a nacionalidade). O Estado em que o devedor tem residência habitual tem um nexo com a situação pessoal das partes à obrigação de alimentos, mais não seja no que toca à possibilidade de o devedor suprir as necessidades do credor. Por seu turno, a lei da nacionalidade comum das partes, tal como referido no artigo 4.o, n.o 4, do Protocolo de Haia de 2007, não tem necessariamente um nexo com a atual situação de vida das partes. No entanto, é esta a lei designada como aplicável, com base numa determinada circunstância duradoura que, habitualmente, é do conhecimento de ambas as partes na obrigação alimentar e está relacionada com a sua situação familiar.

    60.

    A escolha da lei aplicável com base no artigo 8.o do Protocolo de Haia de 2007 também se limita à lei dos Estados que têm um determinado nexo com a situação familiar das partes na obrigação alimentar ( 23 ). Quando se procede à escolha da lei aplicável, não há risco de vir a ser aplicável uma lei que as partes não pudessem ter previsto. Por conseguinte, em caso de escolha da lei aplicável, esse nexo não tem de ser tão forte quanto o nexo em que se baseiam as regras de conflito de leis contidas nos artigos 3.o e 4.o do Protocolo de Haia de 2007.

    61.

    Uma interpretação sistemática das regras de conflitos de leis contidas no Protocolo de Haia de 2007 permite, pois, concluir que estas, tal como as regras de competência do Regulamento n.o 4/2009, também assentam na premissa de que a lei aplicável à obrigação alimentar deve ser determinada com base em circunstâncias que tenham um determinado nexo com a situação factual a que se refere a prestação de alimentos, de tal forma que a aplicação dessa lei era previsível para as partes na obrigação alimentar.

    c)   Interpretação teleológica

    62.

    Importa, portanto, esclarecer ainda se a aplicação da lei de um Estado que não tenha um nexo significativo com a situação de facto a que se reporta a prestação de alimentos não é incompatível com o objetivo das regras de competência e das regras de conflitos de leis em matéria de obrigações alimentares.

    1) Facilitar o funcionamento eficaz da justiça como objetivo das regras de competência do Regulamento n.o 4/2009

    63.

    Segundo o considerando 15 do Regulamento n.o 4/2009, as regras de competência deste regulamento têm por objetivo adaptar as regras do regime de Bruxelas de forma a proteger os interesses dos credores de alimentos e facilitar o funcionamento eficaz da justiça na União Europeia.

    64.

    No seu acórdão Sanders e Huber ( 24 ), o Tribunal de Justiça teve já ocasião de especificar que o objetivo do funcionamento eficaz da justiça deve ser entendido não apenas do ponto de vista da otimização da organização judiciária mas igualmente à luz do interesse das partes, quer se trate do requerente ou do requerido, que devem ter a possibilidade de beneficiar, designadamente, de um acesso facilitado à justiça e da previsibilidade das regras de competência.

    65.

    Ainda mais clara, a este respeito, é a opinião expressa pelo advogado‑geral N. Jääskinen numa passagem das suas conclusões, para a qual o Tribunal de Justiça remeteu no supracitado número desse acórdão. O advogado‑geral considerou que a necessidade de ter em consideração os interesses das partes no processo exigia que fosse garantida a previsibilidade da competência do tribunal, mediante um nexo estreito entre o tribunal e a causa ( 25 ).

    66.

    O Tribunal de Justiça também afirmou, indiretamente, no acórdão A ( 26 ), a necessidade de haver um nexo entre os factos subjacentes a um determinado processo em matéria de obrigações alimentares e a determinação do tribunal competente. Quando determinou se a competência para decidir um pedido relativo a uma obrigação alimentar para com uma criança é do tribunal do Estado‑Membro em que está pendente o processo de separação ou de rutura do vínculo conjugal dos pais dessa criança, ou do tribunal de outro Estado‑Membro chamado a decidir da responsabilidade parental sobre essa criança, o Tribunal pronunciou‑se a favor desta última possibilidade. Entre as razões aduzidas para adotar tal posição, o Tribunal de Justiça indicou o facto de que o órgão jurisdicional que aprecia a responsabilidade parental sobre o menor é também o órgão que dispõe do melhor conhecimento dos elementos essenciais para apreciar o pedido de prestação de alimentos a esse menor ( 27 ).

    67.

    As regras de competência constantes do Regulamento n.o 4/2009, parecem apoiar‑se — também à luz dos resultados da interpretação teleológica — na premissa de que o pedido de alimentos deve ser decidido pelo tribunal ou tribunais do Estado com o qual a causa tem um nexo de um grau que permite garantir que a competência internacional é previsível para as partes na obrigação alimentar.

    2) Objetivo das regras de conflito de leis do Protocolo de Haia de 2007

    68.

    Um dos principais objetivos das regras de conflitos de leis é o de assegurar a previsibilidade da lei aplicável à apreciação dos factos em questão. Esse objetivo é cumprido, nomeadamente, quando a lei de um Estado é designada como aplicável com base em circunstâncias que têm um determinado nexo com os factos.

    69.

    Todavia, o título do artigo 4.o do Protocolo de Haia de 2007 não deixa margem para dúvidas sobre o papel desta disposição no regime de regras de conflito de leis contidas no mesmo protocolo. Esta disposição, que com efeito se intitula «Regras especiais a favor de certos credores», aplica‑se apenas a determinadas obrigações alimentares ( 28 ), incluindo a de pais para com filhos. Assim, o objetivo do artigo 4.o do Protocolo de Haia de 2007 era, claramente, o de garantir a possibilidade de determinados credores obterem alimentos, apesar de a lei que em princípio é aplicável à apreciação dessas mesmas obrigações não os prever.

    70.

    Algumas disposições do Protocolo de Haia de 2007 denotam claramente, porém, a aspiração de preservar o equilíbrio entre os interesses das partes na obrigação alimentar. Embora esta regulamentação não abranja, de um modo geral, a prestação de alimentos pelos pais aos filhos menores, aplica‑se, ainda assim, aos demais credores privilegiados a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, do Protocolo de Haia de 2007. A interpretação que o Tribunal de Justiça dará ao artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 fará referência exatamente a estes casos. Não considero, portanto, que, na interpretação no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, se deva considerar exclusivamente o contexto do processo principal.

    71.

    Por exemplo, o artigo 6.o do Protocolo de Haia de 2007 permite ao devedor deduzir oposição à pretensão do credor, se a obrigação de prestar alimentos não existir na lei do Estado da residência habitual do devedor, nem na lei do Estado da nacionalidade comum das partes, caso a tenham. O artigo 8.o, n.o 5, do Protocolo de Haia de 2007 prevê que, a menos que, aquando da designação, as partes estivessem plenamente informadas e conscientes das consequências da sua escolha, a lei designada pelas partes não é aplicável quando a sua aplicação acarrete consequências manifestamente injustas ou pouco razoáveis para qualquer das partes.

    72.

    Não considero, portanto, que o Protocolo de Haia de 2007 parta da premissa de que, em todos os casos, o credor de alimentos deve ser privilegiado em detrimento do devedor, sem ter em conta o impacto que isso possa ter. Logo, a posição da Comissão não parece ter justificação à luz de uma interpretação teleológica.

    d)   Interpretação histórica

    73.

    Os trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 4/2009 confirmam também o argumento de que é necessário existir um nexo entre a situação de vida e a legislação aplicável.

    74.

    Um dos objetivos que presidiram aos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 4/2009, para além de simplificar a vida dos cidadãos e garantir a eficácia da execução das obrigações de alimentos, era o de aumentar a segurança jurídica ( 29 ). Partiu‑se do princípio de que as regras de conflitos de leis eram concebidas de forma a que os tribunais decidissem com base nas normas de direito material que apresentam uma «conexão mais estreita com o caso» e não com base na «aplicação de uma lei desprovida de uma conexão suficiente com a situação familiar em causa» ( 30 ).

    75.

    Aliás, isto ficou patente na proposta de Regulamento n.o 4/2009 que, quase até ao final dos trabalhos preparatórios, incluía regras de conflitos de leis que espelhavam esta ideia do nexo estreito entre a situação factual e o Estado cuja lei é aplicável na apreciação da mesma ( 31 ).

    76.

    A inclusão de regras de conflitos de leis no próprio Regulamento n.o 4/2009 acabou por ser descartada, ficando decidido proceder à sua uniformização através do instrumento convencional. Não creio, no entanto, que o legislador da União se tenha afastado dos seus propósitos iniciais e pretendesse integrar o Protocolo de Haia de 2007 no regime europeu de regras de conflitos de leis, apesar de esse protocolo não assentar na existência de um nexo entre a situação factual em que o credor fundamenta o seu direito a invocar alimentos e o Estado cuja lei é aplicável à sua apreciação. Pelo contrário, o legislador da União partiu do princípio de que o Protocolo de Haia de 2007 correspondia a esta abordagem. Aliás, como esclareci no n.o 22 das presentes conclusões, a principal razão que levou o legislador da União a recorrer ao instrumento convencional foi precisamente a dificuldade de negociar e adotar um regulamento que incluísse regras de conflito de leis relativas a obrigações alimentares.

    e)   Conclusão relativa à primeira questão prejudicial

    77.

    Com base na argumentação acima exposta, atendendo aos resultados insatisfatórios da interpretação literal e tendo em conta as claras ilações da interpretação sistemática (corroborada pela interpretação histórica), que não obstam a uma interpretação teleológica, considero que as regras de conflitos de leis do Protocolo de Haia de 2007 assentam no pressuposto de que a lei aplicável à apreciação de obrigações alimentares deve ser a do Estado que tem um nexo com a situação factual subjacente a essa obrigação, pelo menos de um grau tal que, para o credor e o devedor, seja expectável a aplicabilidade dessa lei à obrigação alimentar.

    78.

    Uma vez que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 prevê a competência subsidiária da lex fori, esta deverá ser a lei do Estado que tem — ou tinha, no caso de um pedido de alimentos com efeitos retroativos apresentado após a mudança da residência habitual do credor — um nexo com a situação factual subjacente ao direito do credor a alimentos. A este papel pode aspirar a lei do Estado cujos órgãos jurisdicionais eram competentes para apreciar a prestação de alimentos no período a que essa prestação se refere.

    79.

    Ainda que a determinação da lei aplicável unicamente com base na sua designação como «lei do foro» não seja diretamente decisiva para saber se há uma conexão entre essa lei e os factos, a necessidade da existência desse nexo resulta das regras de competência aplicáveis do Regulamento n.o 4/2009. Porém, como já se referiu, estas baseiam‑se no pressuposto de que as ações relativas a uma prestação alimentar são decididas pelos tribunais do Estado que tem um nexo com essa prestação.

    80.

    Portanto, em primeiro lugar, é aplicável a lei que mais se aproxima da situação de vida do credor, ou seja, das necessidades que a prestação de alimentos visa satisfazer. É esta a lei que reflete mais fielmente as circunstâncias relevantes na apreciação de uma obrigação de alimentos, designadamente, as condições de vida do credor, as suas necessidades decorrentes destas condições, as possibilidades do devedor e, de um modo geral, a situação familiar das partes na obrigação. A apreciação do mérito de um pedido de prestação alimentar com efeitos retroativos deve, em princípio, ser efetuada também em retrospetiva, tendo em conta as circunstâncias na altura em que essa mesma prestação visava satisfazer as necessidades do credor de alimentos. Em última análise, são a lei aplicável às obrigações de alimentos e as regras processuais em vigor no Estado do tribunal chamado a decidir a causa que ditam se isso é realmente assim.

    81.

    Em segundo lugar, as regras de conflitos de leis prosseguem assim o seu objetivo principal, que é o de garantir a previsibilidade da lei aplicável à apreciação dos factos em causa.

    82.

    Pelo exposto, e atendendo à minha sugestão de reformulação da primeira questão prejudicial, proponho que o Tribunal responda a esta questão da seguinte forma: o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 deve ser interpretado no sentido de que a lei do foro é a lei aplicável quando o credor reclama a prestação de alimentos com efeitos retroativos pelo devedor, se: 1) a ação de prestação de alimentos tiver sido intentada pelo credor num Estado diferente do Estado da residência habitual do devedor; 2) o credor não puder obter alimentos do devedor por força da lei do Estado em que tem residência habitual, indicada como a lei aplicável pelo artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Protocolo de Haia de 2007; 3) a lei do foro for a lei do Estado cujos tribunais tinham competência para conhecer do pedido de prestação de alimentos no período a que esse pedido se refere. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apurar estas circunstâncias.

    D. Quanto à segunda questão prejudicial

    83.

    Com a sua segunda questão, submetida para o caso de o Tribunal de Justiça dar uma resposta negativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber como se deve interpretar o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 que estipula que é aplicável a lei do foro «se, por força da lei referida no artigo 3.o [do mesmo protocolo], o credor não puder obter alimentos do devedor».

    84.

    Poderão ser relevantes para o órgão jurisdicional de reenvio ulteriores considerações, caso o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial.

    85.

    No contexto da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, de acordo com o direito alemão, em princípio, é inadmissível reivindicar no tribunal alimentos correspondentes a um período que anteceda a apresentação do pedido. As exceções a esta regra estão previstas no § 1613 do BGB. Segundo o seu n.o 1, nestas incluem‑se o caso de ter havido um pedido de prestação de informações sobre os rendimentos ou património do devedor, no caso de mora do devedor ou no caso de pendência da ação de alimentos. O órgão jurisdicional de reenvio sustenta, a este propósito, que efetivamente existe no processo principal o direito a alimentos, ainda que o credor não tenha interpelado o devedor, o que teria feito o devedor incorrer em mora.

    86.

    O Governo alemão e a Comissão, baseando‑se no relatório Bonomi, têm a este respeito uma posição coincidente, defendendo uma interpretação ampla do pressuposto da impossibilidade de obter alimentos, estabelecido no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007.

    87.

    No ponto 61 do relatório Bonomi explica‑se que a expressão «[…] não puder obter alimentos do devedor» não abrange apenas os casos em que a lei que em princípio é aplicável não prevê qualquer prestação de alimentos mas também os casos em que a impossibilidade de obter alimentos resulta do incumprimento dos pressupostos fixados na lei. O relatório ilustra estes casos com referência à disposição que prevê a extinção da obrigação alimentar quando o filho atinge a idade de 18 anos.

    88.

    Note‑se que o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 coincide com as disposições da Convenção da Haia de 1973 ( 32 ). O artigo 6.o desta Convenção prevê, igualmente, a aplicação da lex fori, caso o credor não possa obter alimentos do devedor por força da lei do Estado da sua residência habitual ou da lei da nacionalidade comum das partes.

    89.

    Nos considerandos do Protocolo de Haia de 2007 faz‑se, aliás, referência à Convenção da Haia de 1973. Assim, as disposições desta Convenção, pelo menos em certa medida, devem ter servido de fonte de inspiração para as regras do Protocolo de Haia de 2007.

    90.

    No n.o 145 do relatório explicativo da Convenção de Haia de 1973, elaborado por M. Verwilghen ( 33 ), indica‑se que, de acordo com o artigo 6.o da Convenção, a inobservância de um dos requisitos previstos na lei aplicável permite a aplicação da lei do foro. Esta consideração geral é completada pelo exemplo de uma norma da lei aplicável que não preveja a obrigação de alimentos dos pais adotivos para com o filho adotivo, desde que a adoção não dissolva os laços do filho adotivo com a sua família biológica.

    91.

    Os relatórios Bonomi e Verwilghen são consensuais quanto ao facto de a inobservância dos pressupostos estabelecidos na lei, dos quais depende a efetiva obtenção de alimentos junto do devedor, justificar a aplicação da lex fori na apreciação da obrigação alimentar.

    92.

    Uma interpretação lata do pressuposto «não puder obter alimentos do devedor» está espelhada na ratio legis do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 que pretende evitar que um credor que pertença a uma das categorias enumeradas no n.o 1 desta disposição não consiga obter meios de subsistência.

    93.

    No processo principal, a impossibilidade de obter alimentos, por força da lei alemã, decorre do facto de o credor não ter praticado um ato que constitui um pressuposto legal para o exercício do direito a alimentos com efeitos retroativos. Porém, não há qualquer indício de que os casos de inatividade do credor fiquem de fora do âmbito do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, para punir, de certa forma, a omissão de determinado ato por parte do credor, segundo a lei que em princípio é aplicável às obrigações alimentares.

    94.

    Acresce que dificilmente se pode considerar que uma interpretação ampla do pressuposto da impossibilidade de obter alimentos, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, privilegie demasiado o credor. Esta posição é sustentada por dois argumentos.

    95.

    Em primeiro lugar, a preservação do equilíbrio entre os interesses de ambas as partes é possível graças ao artigo 6.o do Protocolo de Haia de 2007. Esta disposição permite ao devedor, «no que diz respeito às obrigações alimentares diferentes das obrigações para com os filhos decorrentes da filiação, […] opor à pretensão do credor a inexistência de obrigações para com ele ao abrigo da lei do Estado da residência habitual do devedor e da lei do Estado da nacionalidade comum das Partes, caso exista» ( 34 ). Não obstante a formulação categórica desta disposição, que parece referir‑se apenas aos casos de «inexistência» de qualquer obrigação alimentar, no n.o 108 do relatório Bonomi diz‑se que este pressuposto deve ser interpretado no mesmo sentido do disposto no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007. Uma vez que o pressuposto previsto no artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 será interpretado de forma lata, então também os pressupostos previstos no artigo 6.o do referido protocolo deverão ser interpretados do mesmo modo.

    96.

    Em segundo lugar, a minha proposta de resposta à primeira questão prejudicial limita os abusos a que possa dar azo a interpretação ampla do pressuposto da impossibilidade de obter alimentos junto do devedor. Porém, os atos que o credor pratique para que a competência caiba a um tribunal ou tribunais de um determinado Estado, com o objetivo de, subsequentemente, ser aplicável a lei desse Estado, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007, não alcançam esse objetivo, se esse tribunal ou tribunais não forem, até então, o tribunal ou tribunais competentes para conhecer da causa.

    97.

    Pelo exposto, proponho que, caso o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial, o faça da seguinte forma: o artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «não puder obter alimentos» também se refere ao caso em que a lei do Estado em que o credor anteriormente residiu não prevê a possibilidade de este reclamar eficazmente alimentos com efeitos retroativos, exclusivamente porque não se verifica um pressuposto estabelecido na lei, como o constante do § 1613, n.o 1, do BGB.

    VI. Conclusão

    98.

    À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo, Áustria):

    1)

    O artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia, de 23 de novembro de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações alimentares, que figura em anexo à Decisão 2009/941/CE do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à celebração pela Comunidade Europeia do Protocolo de Haia, de 23 de novembro de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações alimentares, deve ser interpretado no sentido de que a lei do foro é a lei aplicável quando o credor reclama a prestação de alimentos com efeitos retroativos pelo devedor, se: 1) a ação de prestação de alimentos tiver sido intentada pelo credor num Estado diferente do Estado da residência habitual do devedor; 2) o credor não puder obter alimentos do devedor por força da lei do Estado em que tem residência habitual, indicada como a lei aplicável pelo artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Protocolo de Haia de 2007; 3) a lei do foro for a lei do Estado cujos tribunais tinham competência para conhecer do pedido de prestação de alimentos no período a que esse pedido se refere. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apurar estas circunstâncias.

    2)

    O artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «não puder obter alimentos» também se refere aos casos em que a lei do Estado em que o credor anteriormente residiu não prevê a possibilidade de este reclamar eficazmente alimentos com efeitos retroativos, exclusivamente porque não se verifica um pressuposto estabelecido na lei, como o constante do § 1613, n.o 1, do BGB.


    ( 1 ) Língua original: polaco.

    ( 2 ) O conteúdo do Protocolo consta do anexo da Decisão 2009/941/CE do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à celebração pela Comunidade Europeia do Protocolo de Haia, de 23 de novembro de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações alimentares (JO 2009, L 331, p. 17, a seguir «Protocolo de Haia de 2007»).

    ( 3 ) Regulamento do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1, e retificação no JO 2011, L 131, p. 26).

    ( 4 ) V. acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2461), e de 16 de julho de 2015, A (C‑184/14, EU:C:2015:479). V., igualmente, acórdão de 15 de fevereiro de 2017, W e V (C‑499/15, EU:C:2017:118).

    ( 5 ) Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, S. (C‑283/16, EU:C:2017:104).

    ( 6 ) Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186).

    ( 7 ) Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

    ( 8 ) V. artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 e considerando 44 desse mesmo regulamento.

    ( 9 ) V. artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6), e artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40), que excluem dos seus âmbitos de aplicação, respetivamente, as obrigações contratuais e extracontratuais «que decorrem de relações de família ou de relações que a lei que lhes é aplicável considera produzirem efeitos equiparados, incluindo as obrigações de alimentos». A Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (JO 1980, L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36; a seguir «Convenção de Roma»), cujo âmbito de aplicação correspondia globalmente ao Regulamento Roma I, exclui expressamente do seu âmbito de aplicação as obrigações contratuais «relativas a direitos e deveres decorrentes de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, incluindo obrigações alimentares relativas aos filhos nascidos fora do casamento» [v. artigo 1.o, n.o 2, alínea b), terceiro travessão].

    ( 10 ) Proposta da Comissão, de 15 de dezembro de 2005, de Regulamento do Conselho relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares [COM (2005) 649 final, procedimento 2005/0259 (CNS), a seguir «proposta de Regulamento n.o 4/2009], que continha um capítulo III, intitulado «Lei aplicável», em que se encontravam disposições sobre a lei aplicável às obrigações alimentares (artigos 12.o a 21.o da proposta de Regulamento n.o 4/2009).

    ( 11 ) Župan, M., «Innovations of the 2007 Hague Maintenance Protocol», Beaumont, P., Hess, B., Walker, L., Spancken, S. (editores), The Recovery of Maintenance in the EU and Worldwide, Oxford — Portland, Hart Publishing 2014, p. 313. A inclusão de regras em matéria de competência e de conflitos de leis em dois atos jurídicos separados autoriza determinados Estados‑Membros a aderir ao Regulamento n.o 4/2009, sem se comprometerem a aplicar as regras de conflitos de leis do Protocolo de Haia de 2007 (v. Beaumont, P., «International Family Law in Europe — the Maintenance Project, the Hague Conference and the EC: A Triumph of Reverse Subsidiarity», Rabels Zeitschrift fürausländisches und internationales Privatrecht, tomo 73, 2009, vol. 3, p. 514). Foi este o caso do Reino Unido, que veio finalmente a aderir ao Regulamento n.o 4/2009, mas ainda não é parte no Protocolo de Haia de 2007.

    ( 12 ) V. n.o 25 das presentes conclusões.

    ( 13 ) V. artigo 15.o do Regulamento n.o 4/2009. Sobre a questão de uma maior inclusão das disposições convencionais nas regras de conflitos de leis do direito da União, v. de Miguel Asensio, P. A., Bergé, J. S., «The place of International Agreements and European Law in a European Code of Private International Law», M. Fallon, P. Lagade, S. Poillot Peruzzetto (ed.), Quelle architecture pour un code Européen de droit international privé?, Frankfurt am Main, Peter Lang 2011, pp. 187 e segs.

    ( 14 ) V. nota 2 das presentes conclusões.

    ( 15 ) V. acórdão de 22 de outubro de 2009, Bogiatzi (C‑301/08, EU:C:2009:649, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

    ( 16 ) Relatório explicativo de A. Bonomi sobre o Protocolo de Haia de 2007, Actes et documents de la Vingt et unième session de la Conférence de La Haye (2007), também disponível em versão eletrónica: https://www.hcch.net/fr/publications‑and‑studies/details4/?pid=4898&dtid=3.

    ( 17 ) Importa referir que entender que a aquisição ou perda da nacionalidade pelo devedor ou pelo credor tem efeitos retroativos pode conduzir a decisões desfavoráveis para o credor. O artigo 6.o do Protocolo de Haia de 2007 permite que o devedor conteste o pedido do credor quando «inexist[em] obrigações para com ele» ao abrigo da lei do Estado da residência habitual do devedor e, caso devedor e credor tenham a mesma nacionalidade, da lei do Estado da sua nacionalidade comum. Se a alteração das circunstâncias com base nas quais uma das leis enumeradas nesta disposição se torna aplicável também tiver efeitos retroativos, o devedor que tenha alterado a sua residência habitual ou nacionalidade pode travar o pedido do credor também no que se refere ao período que antecede tal alteração.

    ( 18 ) Além disso, gostaria de chamar a atenção para o facto de o órgão jurisdicional de reenvio ter indicado que, em 18 de maio de 2015, o credor instaurou no órgão jurisdicional austríaco um processo relativo a estas obrigações alimentares, embora apenas tivesse residência habitual nesse Estado desde 28 de maio de 2015. Por conseguinte, não há certezas sobre as bases em que o órgão jurisdicional austríaco se apoiou para se considerar internacionalmente competente para conhecer deste caso. Esta circunstância tem, todavia, uma relevância limitada no contexto do presente processo, uma vez que só em 18 de maio de 2016, ou seja, logo após a mudança da sua residência habitual, é que o credor ampliou o seu pedido para os alimentos com efeitos retroativos, de que são objeto as duas questões prejudiciais. Resulta, consequentemente, que caso o credor tivesse iniciado um procedimento separado relativo à prestação de alimentos com efeitos retroativos, os órgãos jurisdicionais austríacos, enquanto tribunais do Estado‑Membro em que o credor tem residência habitual, seriam indubitavelmente competentes para conhecer do processo, com base no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 4/2009.

    ( 19 ) V. n.os 58 e 59 das presentes conclusões, nos quais se analisam sucintamente a relação com as regras de conflitos de leis contidas no Protocolo de Haia de 2007, com base nas quais se determina a lei aplicável às obrigações alimentares.

    ( 20 ) V. n.o 60 das presentes conclusões, que trata das regras de conflito de leis do Protocolo de Haia de 2007 que tornam possível escolher a lei aplicável à obrigação alimentar.

    ( 21 ) A competência judiciária nesta matéria deve ser determinada com referência ao Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1). No que se refere ao estado civil (divórcio, separação e anulação do casamento), a competência judiciária é atribuída, de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, com base em critérios assentes, em princípio, no Estado da atual ou anterior residência habitual dos cônjuges ou de um deles, ao passo que, segundo o considerando 12 do referido regulamento, as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. V. acórdão de 16 de julho de 2015, A (C‑184/14, EU:C:2015:479, n.o 37). Os elementos de conexão que determinam a competência dos tribunais em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento, bem como em matéria de responsabilidade parental, também constituem um reflexo do pressuposto de que são competentes os tribunais de um Estado que esteja relacionado, de algum modo, com a situação da vida das partes.

    ( 22 ) No n.o 60 do relatório Bonomi explica‑se que, no fundo, a aplicação da lex fori permite ao tribunal aplicar a lei que melhor conhece, o que, do ponto de vista dos credores, propicia a obtenção mais célere e menos onerosa de decisões judiciais. Todavia, estas observações não se referem, como a Comissão também indicou, tanto à justificação para a aplicação da lex fori enquanto tal, mas antes à vantagem da conexão com o local de residência habitual face à conexão com a nacionalidade comum das partes. A lei do foro tem a vantagem, face à lei da nacionalidade comum, das partes de refletir melhor — como frisado na doutrina — as condições de vida das partes na obrigação de alimentos. V. Walker, L., Maintenance and Child Support in Private International Law, Oxford — Portland, Hart Publishing 2015, p. 81.

    ( 23 ) Em circunstâncias como as que estão em causa no processo no órgão jurisdicional de reenvio, à escolha da lei aplicável obstaria, com toda a probabilidade, o artigo 8.o, n.o 3, do Protocolo de Haia de 2007, que exclui a escolha da lei no caso das «obrigações alimentares relativas a uma pessoa com menos de 18 anos». A possibilidade de designar a lei do foro como a lei aplicável para efeitos de um procedimento específico, nos termos do artigo 7.o do Protocolo de Haia de 2007, é, por seu turno, limitada pelas regras do Regulamento n.o 4/2009, com base nas quais é determinado o tribunal competente para conhecer de um dado processo. À margem chamo a atenção para o facto de, nos termos do artigo 5.o do referido regulamento, ser competente o tribunal de qualquer Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Tenho dúvidas quanto aos efeitos que semelhante designação do tribunal competente de um Estado‑Membro possa surtir, em termos de regras de conflitos de leis, se a lei desse Estado‑Membro vier depois ser aplicada, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007. Note‑se ainda que, num caso como o do processo principal, a comparência do requerido e a subsequente aplicação da lei do foro, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Protocolo de Haia de 2007 seria, em certa medida, contrária à proibição de designar a lei aplicável constante do artigo 8.o, n.o 3, do mesmo protocolo.

    ( 24 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2461, n.o 29).

    ( 25 ) Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos processos apensos Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2171: n.o 69).

    ( 26 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, A (C‑184/14, EU:C:2015:479).

    ( 27 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, A (C‑184/14, EU:C:2015:479, n.o 44).

    ( 28 ) V. artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) a c), do Protocolo de Haia de 2007.

    ( 29 ) Exposição de motivos da proposta de Regulamento n.o 4/2009 (v. nota 10), ponto 1.2.2, p. 5.

    ( 30 ) Exposição de motivos da proposta de Regulamento n.o 4/2009, ponto 1.2.2, p. 6.

    ( 31 ) Sem entrar aqui na questão do futuro das regras de conflitos de leis que estiveram para ser incluídas no regulamento, cingir‑me‑ei a recordar o artigo 13.o, n.o 3, dessa proposta de regulamento. Esta disposição previa a aplicação subsidiária da lei do Estado com um nexo estreito com a obrigação de alimentos, quando, por força da lei designada como aplicável e com base nas restantes regras de conflito de leis, o credor não pudesse obter alimentos do devedor.

    ( 32 ) Convenção de Haia, de 2 de outubro de 1973, sobre a lei aplicável às obrigações alimentares (o texto da Convenção está acessível, em versão eletrónica, em https://www.hcch.net/en/instruments/conventions/full‑text/?cid=86, a seguir «Convenção de Haia») [N.T.: a versão oficial portuguesa da Convenção consta do anexo ao Decreto n.o 338/75, de 2 de julho, que aprova para ratificação essa Convenção, publicado no Diário da República, I série, 1.o suplemento, de 2 de julho de 1975].

    ( 33 ) Relatório explicativo M. Verwilghen sobre a Convenção da Haia de 1973, Actes et documents de la Douzième session de la Conférence de La Haye (1972), volume IV, Obligations alimentaires, pp. 384 a 465, também disponível em versão eletrónica: https://www.hcch.net/fr/publications‑and‑studies/details4/?pid=2946.

    ( 34 ) O artigo 6.o do Protocolo de Haia de 2007 também não é aplicável às obrigações alimentares entre cônjuges, ex‑cônjuges ou partes num casamento anulado. Contudo, o direito de objeção das partes destas categorias de obrigações é regulado pelo artigo 5.o do Protocolo de Haia de 2007.

    Top