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Document 62016TJ0020

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 21 de junho de 2017.
M/S. Indeutsch International contra Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia.
Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca figurativa da União Europeia que representa galões entre duas linhas paralelas — Caráter distintivo — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Exame da marca conforme registada.
Processo T-20/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2017:410

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

21 de junho de 2017 ( *1 )

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca figurativa da União Europeia que representa galões entre duas linhas paralelas — Caráter distintivo — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Exame da marca conforme registada»

No processo T‑20/16,

M/S. Indeutsch International, com sede em Noida (Índia), representada inicialmente por D. Stone, D. Meale, A. Dykes, solicitors, e S. Malynicz, QC e, em seguida, por D. Stone e S. Malynicz e, por último, por D. Stone, S. Malynicz e M. Siddiqui, solicitor,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gája, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Crafts Americana Group, Inc., com sede em Vancouver, Washington (Estados Unidos), representada por J. Fish e V. Leitch, solicitors, e A. Bryson, barrister,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 5 de novembro de 2015 (processo R 1814/2014‑1), relativa um processo de declaração de nulidade entre a Crafts Americana Group e a M/S. Indeutsch International,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, I. Labucka e I. Ulloa Rubio, juízes,

secretário: I. Dragan, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2016,

vista a resposta do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de abril de 2016,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de abril de 2016,

vista a pergunta escrita do Tribunal Geral às partes,

após a audiência de 12 de janeiro de 2017,

visto o despacho de 2 de fevereiro de 2017 relativo à reabertura da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

Em 15 de fevereiro de 2010, a recorrente, a M/S. Indeutsch International, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da [União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1).

2

A marca cujo registo foi pedido é o sinal figurativo a seguir reproduzido:

Image

3

Este sinal foi acompanhado da descrição seguinte:

«A marca consiste num desenho geométrico repetitivo.»

4

O registo desta marca foi pedido para «agulhas de tricot» e «agulhas de crochet» abrangidas pela classe 26 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, revisto e alterado.

5

A marca em questão foi registada em 10 de agosto de 2010.

6

Em 9 de janeiro de 2013, a interveniente, a Crafts Americana Group, Inc., apresentou no EUIPO um pedido de declaração de nulidade da marca controvertida ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento.

7

Por decisão de 7 de maio de 2014, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de declaração de nulidade. Em especial, a Divisão de Anulação considerou que a representação gráfica da marca impugnada era clara, precisa, completa por si mesma, facilmente acessível, inteligível, duradoura e objetiva pelo que preenchia os requisitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009. Além disso, quanto à aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, a Divisão de Anulação considerou que a marca contestada dispunha de caráter distintivo. A este propósito, a Divisão de Anulação sublinhou que a marca em questão não constituía uma marca tridimensional e não era representativa da aparência dos produtos abrangidos pelo seu registo.

8

Em 14 de julho de 2014, a interveniente interpôs um recurso no EUIPO ao abrigo dos artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.o 207/2009, contra a decisão da Divisão de Anulação.

9

Por decisão de 5 de novembro de 2012 (a seguir «decisão impugnada»), a Câmara de Recurso anulou a decisão da Divisão de Anulação com o fundamento de que a marca contestada não tinha caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

10

Em especial, a Câmara de Recurso considerou que a marca contestada, evocada pelo seu titular como a «marca com galões», representava um padrão colocado sobre uma parte dos produtos ou que cobria toda a sua superfície. Com fundamento nesta contestação, a Câmara de Recurso teve em conta fotografias e amostras dos produtos comercializados pela recorrente no momento da apresentação do pedido de marca, com vista a identificar as respetivas características essenciais. Neste contexto, a Câmara de Recurso considerou que a aparência ornamental da marca contestada conduziria o público pertinente, composto por consumidores médios de agulhas para tricotar e de colchetes para bordar, a entender a referida marca como uma decoração desses produtos. Segundo a Câmara de Recurso, o público pertinente está habituado à prática dos fabricantes que consiste em decorar os produtos abrangidos pela marca contestada, de modo que venha a entender esta última, tal como aplicada à superfície dos produtos em questão, como uma variante das decorações presentes no mercado e das quais não difere significativamente. A título subsidiário, a Câmara de Recurso considerou que o referido público entenderá esta marca como tendo a aparência do grão da madeira, que é o material de fabrico dos produtos em questão, e não como uma indicação de origem comercial. Daí resulta que a marca contestada não tem o caráter distintivo exigido pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 para preencher a função da marca.

11

Neste contexto, a Câmara de Recurso anulou a decisão da Divisão de Anulação sem examinar a questão de saber se a marca contestada era abrangida pelo âmbito do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009. Além disso, dado que a recorrente tinha alegado, na Divisão de Anulação, que a marca contestada tinha, de qualquer modo, adquirido caráter distintivo na sequência do uso que dela tinha sido feito, a Câmara de Recurso remeteu o processo à Divisão de Anulação a fim de que esta se pronunciasse sobre esta questão.

Pedidos das partes

12

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar o EUIPO nas despesas.

13

O EUIPO e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

14

Em apoio do seu recurso, a recorrente suscita cinco fundamentos invocando, em todos, em substância, uma violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. Em especial, o primeiro fundamento é relativo ao facto de a marca contestada se afastar de modo substancial das práticas que prevalecem no setor em que inserem os produtos abrangidos pelo pedido. O segundo fundamento é relativo a uma violação das regras que regulam o ónus da prova. O terceiro fundamento diz respeito a uma apreciação errada relativa à natureza decorativa da marca contestada. O quarto fundamento diz respeito a erros relativos ao aspeto da marca contestada e, por último, o quinto fundamento diz respeito a um erro relativo à perceção da marca contestada por parte do público pertinente.

15

Mais precisamente, em primeiro lugar, a recorrente alega que, como resulta dos elementos de prova à disposição da Câmara de Recurso, os produtos visados pelo pedido de marca não exibem habitualmente padrões visíveis na sua superfície, pelo que a Câmara de Recurso incorreu em erro ao considerar que os padrões representados pela marca contestada, que resultavam de um método de fabrico complexo, eram variantes dos aspetos externos habituais dos referidos produtos. Em segundo lugar, ao considerar, com fundamento em elementos apresentados pela recorrente, que a marca contestada não tinha caráter distintivo, a Câmara de Recurso infringiu a regra que rege o ónus da prova na matéria. Em terceiro lugar, a recorrente alega que, na falta de uma prática estabelecida que consista na ornamentação dos produtos visados pela marca contestada, os padrões representados por esta última seriam entendidos pelo público pertinente como indicações da origem comercial. Em quarto lugar, a Câmara de Recurso incorreu em erro ao considerar que o padrão que compõe a marca contestada representava um grão de madeira pelo facto de este último ter um aspeto assimétrico e irregular, contrariamente ao padrão em questão, do qual se tem uma perceção artificial. Por último, em quinto lugar, a recorrente alega que o consumidor médio, sobretudo o consumidor inexperiente em tricotagem, que compõe o público pertinente, ficará impressionado pelo padrão que representa a marca contestada, pelo que o verá como uma indicação da origem comercial das agulhas de tricot e de crochet.

Observações preliminares

16

O presente litígio tem por objeto a questão de saber se a marca contestada, acima reproduzida no n.o 2, tem caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. Como adiante será exposto mais detalhadamente, resulta da decisão impugnada que a apreciação da Câmara de Recurso sobre esta questão, na realidade, não assentou nas características desta marca, como esta foi registada, mas nas características da aparência externa dos produtos da recorrente, que, segundo a Câmara de Recurso, indicam a maneira como a referida marca foi utilizada.

17

A recorrente, por sua vez, alega que a apreciação da Câmara de Recurso padece de erros constitutivos de violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. É, pois, à luz desta disposição que deve ser apreciada a legalidade da decisão impugnada.

Raciocínio da Câmara de Recurso

18

Como resulta dos n.os 21, 22 e 30 a 34 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que a marca contestada constituía um padrão com galões colocado na superfície das agulhas de tricot e de crochet e que, por conseguinte, o seu caráter distintivo deveria ser apreciado à luz das regras que regulam as marcas figurativas constituídas por uma parte da forma do produto por elas designado. Ora, segundo a Câmara de Recurso, decorar estas superfícies com cores intensas constitui uma prática corrente no setor onde estão incluídos os produtos em questão, pelo que a decoração representada pela marca contestada, conforme aplicada na superfície das agulhas de tricot e de crochet, não constitui um afastamento significativo da prática em causa. Nestas condições, tendo em conta as regras aplicáveis perante uma marca figurativa constituída por uma parte da forma do produto por ela designado, expostas nos n.os 23 a 26 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso concluiu que a marca contestada não tinha caráter distintivo.

19

Em especial, no n.o 21 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso expõe que, «como a titular da [marca contestada] sublinhou ela própria [nas suas observações de 12 de junho de 2013] e como resulta claramente das [fotografias e amostras que constam do dossier], a marca [contestada] representa um padrão colocado numa parte dos produtos ou que cobre toda a superfície destes».

20

Esta apreciação assenta, designadamente, na representação seguinte dos produtos da recorrente que figuram no n.o 21 da decisão impugnada:

Image

21

Além disso, no n.o 21 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso faz igualmente referência, sem as reproduzir, às fotografias anexadas ao depoimento de um colaborador comercial da recorrente, que tinha sido apresentado por esta na Divisão de Anulação.

22

Neste contexto, a Câmara de Recurso observou, no n.o 22 da decisão impugnada, que, «uma vez que o padrão em causa cobr[ia] em maior ou menor medida [a superfície dos produtos] e correspond[ia], por conseguinte, ao aspeto exterior deste produtos, o caráter distintivo da marca contestada dev[ia] ser apreciado com base nos princípios aplicáveis às marcas (bidimensionais ou tridimensionais) constituídas pelos aspetos dos próprios produtos ou pelo aspeto de uma parte desses produtos».

23

Depois de ter recordado as regras em questão, a Câmara de Recurso sublinhou, no n.o 28 da decisão impugnada, que, em aplicação destas regras, podia fazer um exame aprofundado no âmbito do qual eram tidos em conta, para além da representação gráfica e as eventuais descrições apresentadas quando da apresentação do pedido de registo, elementos úteis à identificação conveniente das características essenciais de um sinal. Assim, segundo o n.o 29 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso teve em conta, para examinar as características essenciais da marca contestada, fotografias e amostras dos produtos em questão que a recorrente tinha apresentado na Divisão de Anulação e particularmente o facto de que esses produtos eram efetivamente comercializados pela recorrente à data da apresentação do pedido de marca.

24

Por outro lado, no n.o 30 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso sublinha que «é claro, dada a representação [da marca contestada] e a sua descrição […] confirmadas pelas representações dos produtos da [recorrente], que a marca contestada consiste num padrão aplicado sobre a superfície dos produtos em questão, a saber, agulhas de tricot e de crochet». Precisa ainda que, «[a]lém disso, o padrão, conforme registado e utilizado pela [recorrente], tem o aspeto do próprio [grão] da madeira, um material no qual é possível serem fabricados os produtos em questão [e no qual] são efetivamente fabricados». Além disso, no n.o 34 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso descreve a marca contestada como sendo «um simples desenho aplicado na superfície dos produtos em questão».

25

Além disso, como resulta dos n.os 33 e 34 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso baseou‑se na decoração a cores das agulhas de crochet a seguir reproduzidas:

Image

26

Com base nesta foto, que figura entre os elementos apresentados pela recorrente e que ilustra agulhas de tricot apresentadas por outros fabricantes, a Câmara de Recurso concluiu que a decoração dos produtos da recorrente com um desenho de galões coloridos não tinha caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. A Câmara de Recurso referiu, a este respeito, que a marca contestada consistia numa decoração colorida das agulhas de tricot e de crochet apresentadas pela recorrente e, portanto, constituía, enquanto tal, uma simples variação das decorações, sob a forma de superfícies coloridas, de agulhas de tricot e de crochet disponíveis no mercado, conforme demonstrado pela foto que figura acima no n.o 25. Nenhuma outra forma de decoração diferente da superfície colorida dessas agulhas de crochet foi invocada pela Câmara de Recurso para justificar esta conclusão, o que é confirmado no n.o 49 da resposta do EUIPO.

27

A posição que o EUIPO sustentou na audiência, segundo a qual a Câmara de Recurso simplesmente teve em conta o aspeto dos produtos da recorrente apreciando ao mesmo tempo, na realidade, o caráter distintivo da marca contestada conforme registada, não pode ser acolhida. Com efeito, a questão de saber qual é o sinal preciso cujo caráter distintivo é apreciado pela Câmara de Recurso deve obter uma resposta baseada em elementos objetivos e verificáveis. Ora, como resulta acima dos n.os 18 a 26, a Câmara de Recurso apreciou o caráter distintivo da marca contestada fazendo referência, por um lado, ao aspeto exterior colorido dos produtos da recorrente e, por outro, à superfície colorida das agulhas de crochet que figuram no n.o 25 do presente acórdão. Visto que, na sua forma registada, a marca contestada figura a preto e branco e que a descrição que a acompanha não faz referência a versões multicolores, não se pode deixar de observar que a Câmara de Recurso baseou a sua apreciação principalmente no aspeto dos produtos da recorrente consoante estes faziam parte do dossier do EUIPO sob forma de amostras físicas e de fotografias a cores.

28

Por sua vez, o EUIPO faz reiteradamente referência à «aplicação» ou à «utilização» concreta da marca contestada na superfície dos produtos da recorrente (v. n.os 21, 51, 52, 55 e 58 da resposta do EUIPO). É precisamente esta aplicação concreta que, segundo o EUIPO, constitui uma simples variante da aplicação de uma cor apelativa na superfície dos produtos em questão (v. n.o 58 da resposta do EUIPO).

Legalidade do raciocínio da Câmara de Recurso

29

Recorde‑se que a recorrente suscita vários argumentos todos eles destinados a demonstrar que a Câmara de Recurso infringiu o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 por causa de erros relativos à apreciação do caráter distintivo da marca contestada. Assim, no âmbito do primeiro e terceiro fundamentos, a recorrente contesta a apreciação da Câmara de Recurso relativa ao caráter distintivo da marca contestada tendo em conta os hábitos do setor em questão e a perceção do público pertinente. Além disso, o quarto fundamento diz respeito à perceção «do desenho que aparece na marca» enquanto grão de madeira. Ora, o exame deste fundamento necessita que o Tribunal Geral aborde a questão de saber se a Câmara de Recurso podia validamente basear‑se não na marca contestada conforme registada, mas nas formas através das quais a Câmara de Recurso considerava que se manifestava a utilização efetiva desta marca. Com efeito, embora seja verdade que, no âmbito do quarto fundamento, esta questão é suscitada sob o ângulo particular da apreciação da Câmara de Recurso relativa à perceção da marca contestada como grão da madeira, não é menos verdade que a possibilidade de a Câmara de Recurso basear o seu raciocínio nas formas através das quais ela considerava que a utilização efetiva da marca contestada se manifestava constitui a premissa necessária das apreciações da decisão impugnada quanto ao caráter distintivo da marca contestada.

30

A este propósito, recorde‑se que, embora deva conhecer apenas dos pedidos das partes, às quais cabe delimitar o quadro do litígio, o juiz não pode estar limitado unicamente pelos argumentos invocados em apoio das suas pretensões, sob pena de se ver constrangido a fundamentar, sendo caso disso, a sua decisão em considerações jurídicas erradas [despacho de 13 de junho de 2006, Mancini/Comissão, C‑172/05 P, EU:C:2006:393, n.o 41, e acórdão de 11 de dezembro de 2014, Sherwin‑Williams Sweden/IHMI — Akzo Nobel Coatings International (ARTI), T‑12/13, não publicado, EU:T:2014:1054, n.o 34].

31

Neste contexto, importa sublinhar que a questão de saber se a marca contestada é constituída por uma parte da forma do produto por ela designado foi discutida tanto na Divisão de Anulação como na Câmara de Recurso (v. n.os 7 e 10, supra) e que, na audiência, foi pedido às partes que comentassem esta parte da decisão impugnada. Assim, impõe‑se um exame do fundamento jurídico da pedra angular do raciocínio da Câmara de Recurso relativo à aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, e isso sob uma perspetiva mais vasta do que a evocada no quarto fundamento. Com efeito, um acórdão que confirme ou infirme a apreciação do caráter distintivo da marca contestada sob uma forma diferente daquela em que foi registada implicará, implicitamente, mas necessariamente, que esse caráter podia legalmente ser apreciado tendo em conta esta outra forma. Ora, se esta questão de direito tiver resposta negativa, o raciocínio da Câmara de Recurso será, na sua totalidade, constitutivo de uma violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

32

Como resulta do n.o 1 da decisão impugnada e do certificado de registo que figura na página 11 do dossier do EUIPO, a marca contestada, conforme registada, consiste no sinal figurativo seguinte:

Image

33

Recorde‑se, a este propósito, que o registo de uma marca num registo público tem por objeto torná‑la acessível às autoridades competentes e ao público, em particular aos operadores económicos. Assim, é a partir deste registo que as autoridades competentes tomam conhecimento com clareza e precisão da natureza dos sinais constitutivos de uma marca, a fim de poderem preencher as suas obrigações relativas ao exame prévio dos pedidos de registo, e que os utilizadores do registo têm acesso à sua representação gráfica que determina a sua natureza exata (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Sieckmann, C‑273/00, EU:C:2002:748, n.os 49, 50 e 52).

34

Além disso, a representação gráfica que figura no registo tem por função designadamente definir a própria marca a fim de determinar o objeto exato da proteção conferida ao seu titular (acórdão de 6 de março de 2014, Pi‑Design e o./Yoshida Metal Industry, C‑337/12 P a C‑340/12 P, não publicado, EU:C:2014:129, n.o 57). O registo permite, assim, aos operadores económicos certificar‑se com clareza e precisão dos registos efetuados ou dos pedidos de registo formulados pelos seus concorrentes atuais ou potenciais e beneficiar de informações pertinentes sobre os direitos de terceiros (acórdão de 19 de junho de 2012, Chartered Institute of Patent Attorneys, C‑307/10, EU:C:2012:361, n.o 48).

35

O exame do caráter distintivo de uma marca deve ser feito tendo em conta a marca, conforme esta foi registada ou tal como figura no pedido de registo, independentemente das modalidades do seu uso [v., neste sentido, acórdãos de 18 de outubro de 2007, AMS/IHMI — American Medical Systems (AMS Advanced Medical Services), T‑425/03, EU:T:2007:311, n.o 91; de 9 de abril de 2014, Pico Food/IHMI — Sobieraj (MILANÓWEK CREAM FUDGE), T‑623/11, EU:T:2014:199, n.o 38, e de 7 de maio de 2015, Cosmowell/IHMI — Haw Par (GELENKGOLD), T‑599/13, EU:T:2015:262, n.o 35].

36

Esta regra decorre das necessidades imperativas de segurança jurídica salvaguardadas pela existência do registo das marcas da União Europeia previsto no artigo 87.o do Regulamento n.o 207/2009. Com efeito, aplicar os artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.o 207/2009 não tendo em conta marcas da União Europeia conforme pedidas ou registadas, mas conforme utilizadas, anularia a função do referido registo enquanto garante da certeza que deve rodear a natureza exata dos direitos que o registo é suposto proteger (v. n.o 33, supra).

37

Tendo estas considerações em conta, quando a marca pedida ou registada consiste numa representação bidimensional ou tridimensional do produto por ela designado, o seu caráter distintivo depende da questão de saber se a marca diverge de modo significativo da norma ou dos hábitos do setor e, por essa razão, é suscetível de preencher a sua função essencial de identificação da origem do produto [acórdão de 23 de maio de 2007, Procter & Gamble/IHMI (Pastilhas quadradas brancas com um desenho floral colorido), T‑241/05, T‑262/05 a T‑264/05, T‑346/05, T‑347/05 e T‑29/06 a T‑31/06, EU:T:2007:151, n.o 44].

38

É igualmente esse o caso, como expõe a Câmara de Recurso no n.o 26 da decisão impugnada, quando a marca é constituída por uma parte da forma do produto por ela designado, na medida em que o público pertinente a percecionará, imediatamente e sem reflexão especial, como a representação de um pormenor ou de um aspeto do produto em questão [acórdão de 19 de setembro de 2012, Fraas/IHMI (Padrão aos quadrados cinzento‑escuro, cinzento‑claro, preto, bege, vermelho‑escuro e vermelho‑claro), T‑50/11, não publicado, EU:T:2012:442, n.o 43]. Num caso como esse, o elemento determinante não é a qualificação do sinal em causa de sinal figurativo, tridimensional ou outro, mas o facto de que o mesmo se confunde com a aparência do produto designado [acórdão de 9 de novembro de 2016, Birkenstock Sales/EUIPO (Representação de um padrão de linhas onduladas entrecruzadas), T‑579/14, pendente de recurso, EU:T:2016:650, n.o 28].

39

Com efeito, se, em tal situação, a apreciação do caráter distintivo da marca não fosse feita por referência à divergência que ela representa comparada com as normas ou com os hábitos do setor dos produtos designados, bastaria pedir o registo de um sinal imediatamente percetível como uma parte do produto designado a fim de aumentar a possibilidade de que o mesmo fosse registado e, deste modo, conferir quase automaticamente proteção à aparência ou à forma do próprio produto. Ora, dado que os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua aparência ou forma (acórdão de 6 de setembro de 2012, Storck/IHMI, C‑96/11 P, não publicado, EU:C:2012:537, n.o 35), esta possibilidade representaria um risco importante de contornar o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e, portanto, sabotaria o interesse público salvaguardado por esta disposição.

40

Além disso, no que diz respeito às marcas constituídas pela forma do produto por elas designado, é possível a autoridade competente identificar as suas características essenciais examinando o próprio produto. Com efeito, esse exame impõe‑se sempre que a identificação de uma característica essencial da marca é necessária a fim de determinar a natureza exata dos elementos que fazem parte da representação geográfica e das eventuais descrições efetuadas quando da apresentação do pedido de registo, e salvaguardar assim o interesse público subjacente ao artigo 7.o, n.o 1, alínea e), ii), do Regulamento n.o 207/2009. Esse interesse consiste em proibir um operador económico de se apropriar indevidamente de um sinal constituído pela forma do produto e que incorpore uma solução técnica (v., neste sentido, acórdão de 6 de março de 2014, Pi‑Design e o./Yoshida Metal Industry, C‑337/12 P a C‑340/12 P, não publicado, EU:C:2014:129, n.os 50 e 54 a 56). Esta problemática surge, por definição, perante uma marca constituída pela forma de um produto e não por uma forma abstrata (acórdão de 10 de novembro de 2016, Simba Toys/EUIPO, C‑30/15 P, EU:C:2016:849, n.o 47).

41

Ora, no caso vertente, como observou a Divisão de Anulação (v. n.o 7, supra), não se pode sustentar validamente que a marca contestada (v. n.o 32, supra) será imediatamente e sem reflexão particular entendida como uma representação de um pormenor ou de um aspeto dos produtos por ela designados e ainda menos que é constituída pela forma das agulhas de tricot e de crochet produzidas pela recorrente.

42

Alguns exemplos dos produtos em questão constantes do dossier do EUIPO são reproduzidos a seguir:

Image

43

Resulta das amostras destes produtos e das fotografias dos mesmos, que fazem todas parte do dossier do EUIPO, que os padrões apostos nos produtos em questão diferem desta marca por elementos não despiciendos. Em especial, os padrões em questão são às cores, são distribuídos por intervalos irregulares, a coloração no interior de cada superfície que toma a forma de um galão não é homogénea, dado que a transição de cor para cor não é feita através de uma linha de demarcação clara, e a sucessão de cores é aleatória. Estas características encontram‑se igualmente presentes no caso das agulhas beges reproduzidas no n.o 21 da decisão impugnada, com exceção de uma multitude de cores diferentes, que cede o seu lugar a variações da cor bege.

44

Em contrapartida, a marca contestada, conforme registada, reveste as características de uma forma geométrica abstrata constituída por um desenho repetitivo que consiste em duas linhas paralelas que fecham galões claramente delimitados, tudo a preto e branco.

45

Por conseguinte, contrariamente ao que a Câmara de Recurso considerou, apoiar‑se, nas circunstâncias do caso vertente, no facto de os produtos da recorrente mostrarem, na superfície, padrões em forma de galões multicolores a fim de examinar o caráter distintivo da aparência deste produtos na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 em vez de basear esse exame na marca contestada conforme registada, não se inscreve num exercício de identificação das características essências desta, sendo antes constitutivo de uma alteração manifesta das referidas características. Esta alteração teve por efeito transformar uma marca registada como uma forma abstrata e foi, assim, objeto de uma determinada proteção pela referida forma (acórdão de 6 de março de 2014, Pi‑Design e o./Yoshida Metal Industry, C‑337/12 P a C‑340/12 P, não publicado, EU:C:2014:129, n.o 57), numa marca constituída pela forma específica dos produtos por ela designados. O grau em que essa alteração se afigura determinante é demonstrado pelo facto de que foi precisamente na decoração a cores das agulhas de tricot e de crochet ilustradas no n.o 25 que a Câmara de Recurso se baseou para concluir que os padrões que figuram na superfície dos produtos da recorrente não têm caráter distintivo e, deste modo, transpor essa conclusão para a marca contestada.

46

A declaração da recorrente, invocada pela Câmara de Recurso no n.o 21 da decisão impugnada, segundo a qual a recorrente tinha intenção de aplicar o padrão com galões na extensão das agulhas de tricot e de crochet, não é apta a modificar estas conclusões. Com efeito, como resulta acima dos n.os 33 e 34, a inscrição de uma marca no registo destina‑se a permitir à Câmara de Recurso exercer as suas competências e salvaguardar os interesses das partes num litígio, mas também informar terceiros sobre a natureza exata dos direitos registados e, portanto, definir o objeto da proteção conferida. Por conseguinte, mesmo admitindo que a declaração da recorrente possa ser entendida no sentido de que implica que esta última não se opõe a que a Câmara de Recurso examine o caráter distintivo da marca contestada tendo em conta que a aparência dos produtos que figura no n.o 21 da decisão impugnada, tal declaração não reveste importância, no caso vertente. Igualmente desprovida de importância é, de qualquer forma, a circunstância, evocada pela recorrente na audiência, segundo a qual a recorrente provavelmente apôs a marca contestada, na sua forma registada, na embalagem dos produtos por ela comercializados. A este respeito, basta recordar que a Câmara de Recurso não apreciou o caráter distintivo da marca contestada tendo em conta esta forma. Ora, a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada tendo unicamente em conta os fundamentos que servem de base ao seu dispositivo.

47

Daqui resulta que examinar o caráter distintivo da marca contestada tendo em conta características substancialmente alteradas desta é constitutivo de violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. Foi, portanto, em violação desta última disposição que, conforme a recorrente alega, a Câmara de Recurso apreciou o caráter distintivo da marca contestada baseando‑se nos padrões que figuram na superfície das agulhas de tricot e de crochet produzidas pela recorrente, pelo que a decisão impugnada deve ser anulada.

Quanto às despesas

48

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

49

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o interveniente suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

 

1)

A decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 5 de novembro de 2015 (processo R 1814/2014‑1) é anulada.

 

2)

O EUIPO é condenado nas despesas da M/S. Indeutsch International.

 

3)

A Crafts Americana Group, Inc., suportará as suas próprias despesas.

 

Gratsias

Labucka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de junho de 2017.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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