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Document 62016CJ0591

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 25 de março de 2021.
H. Lundbeck A/S e Lundbeck Ltd contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Produtos farmacêuticos — Mercado dos medicamentos antidepressivos (citalopram) — Acordos de resolução amigável de litígios relativos a patentes de processo celebrados entre um fabricante de medicamentos originais titular dessas patentes e fabricantes de medicamentos genéricos — Artigo 101.o TFUE — Concorrência potencial — Restrição por objetivo — Qualificação — Cálculo do montante da coima — Vendas em relação direta ou indireta com a infração.
Processo C-591/16 P.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:243

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

25 de março de 2021 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 3 de setembro de 2021]

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Produtos farmacêuticos — Mercado dos medicamentos antidepressivos (citalopram) — Acordos de resolução amigável de litígios relativos a patentes de processo celebrados entre um fabricante de medicamentos originais titular dessas patentes e fabricantes de medicamentos genéricos — Artigo 101.o TFUE — Concorrência potencial — Restrição por objetivo — Qualificação — Cálculo do montante da coima — Vendas em relação direta ou indireta com a infração»

No processo C‑591/16 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 18 de novembro de 2016,

H. Lundbeck A/S, com sede em Valby (Dinamarca),

Lundbeck Ltd, com sede em Milton Keynes (Reino Unido),

representadas inicialmente por R. Subiotto, QC, e T. Kuhn, Rechtsanwalt, e em seguida por R. Subiotto, QC,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

[Conforme retificado por Despacho de 3 de setembro de 2021] Comissão Europeia, representada por F. Castilla Contreras, T. Vecchi, B. Mongin e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por D. Guðmundsdóttir, Z. Lavery e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por J. Turner, QC, J. Holmes, QC, M. Demetriou, QC, e T. Sebastian, barrister, e em seguida por D. Guðmundsdóttir, na qualidade de agente, assistida por J. Turner, QC, J. Holmes, QC, M. Demetriou, QC, e T. Sebastian, barrister,

interveniente no presente recurso,

European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA), com sede em Genebra (Suíça), representada por F. Carlin, barrister, e N. Niejahr, Rechtsanwältin,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, D. Šváby (relator), S. Rodin, K. Jürimäe e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretários: M. Aleksejev, chefe de unidade, e C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2019,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 4 de junho de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a H. Lundbeck A/S e a Lundbeck Ltd pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão (T‑472/13, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:449), através do qual foi negado provimento ao seu recurso destinado a obter, por um lado, a anulação parcial da Decisão C(2013) 3803 final da Comissão Europeia, de 19 de junho de 2013, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT/39226 — Lundbeck) (a seguir «decisão controvertida»), e, por outro, a redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas por esta decisão.

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 1/2003

2

O artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), prevê:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)

Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o ou 102.o TFUE] […]»

Orientações para o cálculo das coimas de 2006

3

Os pontos 6, 13 e 22 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações para o cálculo das coimas de 2006») enunciam:

«6.   […] a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da [duração desta] é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração. A referência a estes indicadores dá uma boa indicação da ordem de grandeza da coima e não deverá ser entendida como a base de um método de cálculo automático e aritmético.

[…]

13.   Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do [Espaço Económico Europeu (EEE)]. A Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração (a seguir “o valor das vendas”).

[…]

22.   A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.»

Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2014

4

O ponto 29 das Orientações sobre a aplicação do artigo 101.o [TFUE] aos acordos de transferência de tecnologia (JO 2014, C 89, p. 3, a seguir «Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2014») está redigido nestes termos:

«Em princípio, as partes num acordo não são consideradas concorrentes se se encontrarem numa posição de bloqueio unidirecional ou bidirecional. Existe uma posição de bloqueio unidirecional sempre que um direito de tecnologia não puder ser explorado sem infringir outro direito de tecnologia válido ou sempre que uma parte não puder ser ativa, de uma forma comercialmente viável, no mercado relevante sem infringir o direito de tecnologia válido da outra parte. Tal é, por exemplo, o caso quando um direito de tecnologia cobrir um melhoramento de outro direito de tecnologia e o melhoramento não puder ser legalmente utilizado sem uma licença do direito de tecnologia de base. Existe uma posição de bloqueio bidirecional sempre que nenhum dos dois direitos de tecnologia puder ser explorado sem infringir o outro direito de tecnologia válido, ou sempre que nenhuma das partes puder ser ativa, de uma forma comercialmente viável, no mercado relevante sem infringir o direito de tecnologia válido da outra parte e sempre que as partes precisarem, assim, de obter uma licença ou uma dispensa uma da outra. No entanto, na prática, há casos em que não existe certeza quanto ao facto de um determinado direito de tecnologia ser válido e infringido.»

Antecedentes do litígio e decisão controvertida

5

O presente recurso inscreve‑se no âmbito de seis recursos conexos dirigidos contra seis acórdãos do Tribunal Geral proferidos na sequência de recursos de anulação interpostos da decisão controvertida, a saber, para além do presente recurso, o interposto no processo C‑586/16 P [Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão] contra o Acórdão de 8 de setembro de 2016, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (T‑460/13, não publicado, EU:T:2016:453), o interposto no processo C‑588/16 P [Generics (UK)/Comissão] contra o Acórdão de 8 de setembro de 2016, Generics (UK)/Comissão (T‑469/13, não publicado, EU:T:2016:454), o interposto no processo C‑601/16 P (Arrow Group e Arrow Generics/Comissão) contra o Acórdão de 8 de setembro de 2016, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (T‑467/13, não publicado, EU:T:2016:450), o interposto no processo C‑611/16 P (Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão) contra o Acórdão de 8 de setembro de 2016, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (T‑471/13, não publicado, EU:T:2016:460), e o interposto no processo C‑614/16 P (Merck/Comissão) contra o Acórdão de 8 de setembro de 2016, Merck/Comissão (T‑470/13, não publicado, EU:T:2016:452).

6

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 1 a 75 do acórdão recorrido nos termos seguintes:

«I — Sociedades em causa no presente processo

1

A H. Lundbeck A/S […] é uma sociedade de direito dinamarquês que controla um grupo de sociedades, do qual faz parte a Lundbeck Ltd, implantada no Reino Unido, especializado na investigação, no desenvolvimento, na produção, no marketing, na venda e na distribuição de produtos farmacêuticos para o tratamento de patologias que afetam o sistema nervoso central, entre as quais a depressão.

2

[H. Lundbeck] é uma empresa de medicamentos originais, a saber, uma empresa que concentra a sua atividade na investigação de novos medicamentos e na comercialização destes.

3

A Merck KGaA é uma sociedade de direito alemão especializada no domínio farmacêutico que, no momento da celebração dos acordos em causa, detinha indiretamente 100 %, através do grupo Merck Generics Holding GmbH, da sua filial Generics UK Ltd (a seguir “GUK”), responsável pelo desenvolvimento e pela comercialização de produtos farmacêuticos genéricos no Reino Unido.

4

A Merck e a GUK foram consideradas pela Comissão […] como constituindo uma única empresa na aceção do direito da concorrência no momento dos factos pertinentes [a seguir “Merck (GUK)”].

5

A Arrow Group A/S, renomeado Arrow Group ApS no mês de agosto de 2003 (a seguir, sem distinção, “Arrow Group”), é uma sociedade de direito dinamarquês líder de um grupo de sociedades, presente em vários Estados‑Membros e ativo desde [o ano] 2001 no desenvolvimento e na venda de medicamentos genéricos.

6

A Arrow Generics Ltd é uma sociedade de direito do Reino Unido, filial inicialmente a 100 % e depois, a partir de fevereiro de 2002, a 76 %, do Arrow Group.

7

A Resolution Chemicals Ltd é uma sociedade de direito do Reino Unido especializada na produção de ingredientes farmacêuticos ativos (a seguir “IFA”) para medicamentos genéricos. Até ao mês de setembro de 2009, era controlada pelo Arrow Group.

8

A Comissão considerou que o Arrow Group, a Arrow Generics e a Resolution Chemicals constituíam uma única empresa (a seguir “Arrow”) no momento dos factos pertinentes.

9

A Alpharma Inc. era uma sociedade de direito americano ativa à escala mundial no setor farmacêutico, nomeadamente no que respeita aos medicamentos genéricos. Até [ao mês de] dezembro de 2008, era controlada pela sociedade de direito norueguês, A.L. Industrier AS. Posteriormente, foi comprada por uma empresa farmacêutica dos Estados Unido, que, por sua vez, foi comprada por uma empresa farmacêutica dos Estados Unidos. No âmbito destas reestruturações, a Alpharma Inc. tornou‑se, primeiro, [no mês de] abril de 2010, Alpharma LLC e, depois, em 15 de abril de 2013, Zoetis Products LLC.

10

A Alpharma ApS era uma sociedade de direito dinamarquês indiretamente controlada a 100 % pela Alpharma Inc. Dispunha de várias filiais no Espaço Económico Europeu [EEE]. Na sequência de várias reestruturações, em 31 de março de 2008, a Alpharma ApS tornou‑se Axellia Pharmaceuticals ApS, rebatizada em 2010 Xellia Pharmaceuticals ApS […]

11

A Alpharma Inc., A.L. e a Industrier AS e a Alpharma ApS foram consideradas pela Comissão como constituindo uma única empresa (a seguir “Alpharma”) no momento dos factos pertinentes.

12

A Ranbaxy Laboratories Ltd é uma sociedade de direito indiano especializada no desenvolvimento e na produção de IFA e de medicamentos genéricos.

13

A Ranbaxy (UK) Ltd é uma sociedade de direito inglês, filial da Ranbaxy Laboratories, responsável pela venda dos produtos desta última no Reino Unido.

14

A Comissão considerou que a Ranbaxy Laboratories e a Ranbaxy (UK) constituíam uma única empresa (a seguir “Ranbaxy”) no momento dos factos pertinentes.

II — Produto em causa e patentes relativas a este

15

O produto em causa no presente processo é o medicamento antidepressivo que contém o IFA denominado citalopram.

16

Em 1977, a [H. Lundbeck] apresentou na Dinamarca um pedido de patente para o IFA citalopram e os dois processos de alquilação e de cianação utilizados para produzir o referido IFA. Foram concedidas patentes que cobrem esse IFA e estes dois processos (a seguir [“patentes originárias da Lundbeck”] na Dinamarca e em vários países da Europa Ocidental entre [o ano de] 1977 e [o ano de] 1985.

17

No que respeita ao EEE, a proteção que decorre das patentes originárias [da Lundbeck] bem como, sendo caso disso, dos certificados complementares de proteção […], previstos pelo Regulamento (CEE) n.o 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO [1992,] L 182, p. 1), expirou entre [o ano de] 1994 (para a Alemanha) e [o ano de] 2003 (para a Áustria). Em especial, no que respeita ao Reino Unido, estas patentes originárias [da Lundbeck] expiraram [no mês de] janeiro de 2002.

18

Ao longo do tempo, [H. Lundbeck] desenvolveu outros processos mais eficazes para produzir citalopram, para os quais pediu, e frequentemente obteve, patentes em vários países do EEE, bem como junto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e do Instituto Europeu de Patentes (IEP) (a seguir “novas patentes de processo [da Lundbeck”)].

19

Em especial, em primeiro lugar, em 1998 e em 1999, [H. Lundbeck] apresentou no IEP dois pedidos de patentes relativos à produção do citalopram por processos que utilizam, respetivamente, iodo e amido. A OEP concedeu [H. Lundbeck] uma patente que protege o processo que utiliza o amido […] em 19 de setembro de 2001 e uma patente que protege o processo que utiliza o iodo […] em 26 de março de 2003.

20

Em segundo lugar, em 13 de março de 2000, [H. Lundbeck] apresentou um pedido de patente às autoridades dinamarquesas relativo a um processo de produção do citalopram que previa um método de purificação dos sais utilizados através de uma cristalização. Foram apresentados pedidos análogos noutros países do EEE, assim como na OMPI e no IEP. [H. Lundbeck] obteve patentes que protegem o processo que utiliza a cristalização em vários Estados‑Membros durante a primeira metade do ano de 2002, nomeadamente em 30 de janeiro de 2002 no que respeita ao Reino Unido (a seguir “patente sobre a cristalização”). O IEP concedeu uma patente sobre a cristalização em 4 de setembro de 2002. Por outro lado, nos Países Baixos, [H. Lundbeck] já tinha obtido, em 6 de novembro de 2000, um modelo de utilidade para este processo […], ou seja, uma patente válida por seis anos, concedida sem verdadeiro exame prévio.

21

Em terceiro lugar, em 12 de março de 2001, [H. Lundbeck] apresentou um pedido de patente às autoridades do Reino Unido [da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte] relativo a um processo de produção do citalopram que previa um método de purificação dos sais utilizados através de uma destilação em película. As autoridades do Reino Unido concederam à [H. Lundbeck] uma patente respeitante ao referido método de destilação em película em 3 de outubro de 2001 (a seguir “patente sobre a destilação em película”). Todavia, esta patente foi revogada em 23 de junho de 2004, por falta de novidade face a outra patente da [H. Lundbeck]. A [H. Lundbeck] obteve uma patente análoga na Dinamarca em 29 de junho de 2002.

22

Por último, [H. Lundbeck] ponderava lançar um novo medicamento antidepressivo, o Cipralex, baseado no IFA denominado escitalopram (ou S‑citalopram), no fim do ano de 2002 ou no início do ano de 2003. Este novo medicamento visava os mesmos pacientes que aqueles que podiam ser tratados com o medicamento patenteado Cipramil da [H. Lundbeck], baseado no IFA citalopram. O IFA escitalopram estava protegido por patentes válidas até 2012, pelo menos.

III — Acordos controvertidos

23

Durante o ano de 2002, [H. Lundbeck] concluiu seis acordos relativos ao citalopram (a seguir “acordos controvertidos”) com quatro empresas ativas na produção ou na venda de medicamentos genéricos, a saber, a Merck (GUK), a Alpharma, a Arrow e a Ranbaxy (a seguir “[fabricantes de medicamentos] genéricos”).

A — Acordos com a Merck (GUK)

24

A [H. Lundbeck] concluiu dois acordos com a Merck (GUK).

25

O primeiro acordo produziu efeitos a contar de 24 de janeiro de 2002, inicialmente pelo período de um ano, e abrangia apenas o território do Reino Unido (a seguir “acordo GUK para o Reino Unido”). Foi assinado pela filial do Reino Unido de [H. Lundbeck], ou seja, a empresa constituída no Reino Unido, a Lundbeck Ltd. Este acordo foi [posteriormente] prorrogado por um período de seis meses que terminava em 31 de julho de 2003. [A]pós uma breve entrada da Merck (GUK) no mercado entre 1 e 4 de agosto, as partes assinaram uma segunda prorrogação do acordo em 6 de agosto de 2003, por um período máximo de seis meses, mas que podia ser reduzido caso [H. Lundbeck] não intentasse uma ação judicial contra [outros fabricantes de medicamentos] genéricos que tentassem entrar no mercado ou quando fosse resolvido o litígio entre a [H. Lundbeck]e a Lagap Pharmaceuticals Ltd, [um outro fabricante de medicamentos] genéricos (a seguir “litígio Lagap”).

26

Nos termos deste acordo, as partes estipularam, designadamente, que:

existe o risco de que algumas ações equacionadas pela GUK em relação à comercialização, à distribuição e à venda dos “Produtos” possam constituir uma infração aos direitos de propriedade intelectual da [H. Lundbeck] e de que possam dar origem a reivindicações por parte desta (ponto 2.1 do acordo GUK para o Reino Unido), sendo estes “Produtos” definidos no ponto 1.1 do acordo GUK para o Reino Unido como os “produtos de citalopram desenvolvidos pela GUK sob a forma de matéria‑prima, a granel ou sob a forma de comprimidos, conforme especificados no anexo e manufaturados em conformidade com a especificação de produtos tal como fornecida pela GUK na data de assinatura, junta em anexo 2”;

tendo em conta o acordo concluído entre as partes, a [H. Lundbeck] pagará à GUK o montante de 2 milhões de libras esterlinas (GBP), em troca da entrega dos “Produtos”, nas quantidades previstas pelo acordo, em 31 de janeiro de 2002 (ponto 2.2 do acordo GUK para o Reino Unido);

a GUK compromete‑se, além disso, em troca de um pagamento suplementar de 1 milhão de GBP, a entregar os “Produtos”, tais como especificados no [anexo] à data de 2 de abril de 2002 (ponto 2.3 do acordo GUK para o Reino Unido);

os pagamentos efetuados e a entrega dos “Produtos” por parte da GUK em aplicação dos pontos 2.2 e 2.3 do acordo GUK para o Reino Unido constituirão uma resolução completa e final de qualquer reivindicação da [H. Lundbeck] contra a GUK por violação dos seus direitos de propriedade intelectual no que respeita aos “Produtos” entregues pela GUK até essa data (ponto 2.4 do acordo GUK para o Reino Unido);

[H. Lundbeck] compromete‑se a vender os seus “Produtos acabados” à GUK e esta compromete‑se a comprar exclusivamente os referidos “Produtos acabados” à [H. Lundbeck] com vista à sua revenda pela GUK e pelas suas filiais no Reino Unido enquanto vigorar o acordo e nos termos deste (n.o 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido), sendo estes “Produtos acabados” definidos no ponto 1.1 do acordo como “os produtos que contêm citalopram sob a forma de produtos acabados que a [H. Lundbeck] deve fornecer à GUK em conformidade com o presente acordo”;

A [H. Lundbeck] compromete‑se a pagar o montante de 5 milhões de GBP de lucros líquidos garantidos à GUK, na condição de a GUK lhe encomendar a quantidade de “Produtos acabados” combinada enquanto o acordo vigorar (ou um montante inferior, que deve ser calculado ao pro rata das encomendas efetuadas) (ponto 6.2 do acordo GUK para o Reino Unido).

27

A primeira prorrogação do acordo previa, designadamente, o pagamento de um montante de 400000 GBP por mês para a execução, pela GUK, do ponto 6.2 do acordo GUK para o Reino Unido e alterava a definição de “lucros líquidos”.

28

A segunda prorrogação do acordo GUK para o Reino Unido previa, designadamente, o pagamento de um montante de 750000 GBP por mês para a execução, por parte da GUK, do ponto 6.2 deste acordo.

29

O acordo GUK para o Reino Unido expirou em 1 de novembro de 2003, na sequência da resolução amigável do litígio Lagap. No total, durante toda a vigência do acordo, a [H. Lundbeck] transferiu o equivalente a 19,4 milhões de euros para a GUK.

30

A [H. Lundbeck] e a GUK celebraram, em 22 de outubro de 2002, um segundo acordo que abrangia o EEE, com exceção do Reino Unido (a seguir “acordo GUK para o EEE”). Este acordo previa o pagamento do montante de 12 milhões de euros, em troca do qual a GUK se comprometia a não vender ou fornecer produtos farmacêuticos que contenham citalopram em todo o território do EEE (com exceção do Reino Unido) e a envidar todos os esforços razoáveis para que a Natco Pharma Ltd […], o produtor do IFA citalopram utilizado pela Merck (GUK) para comercializar a sua versão do citalopram genérico […], deixasse de fornecer o citalopram ou produtos que contenham citalopram no EEE durante a vigência do acordo (pontos 1.1 e 1.2 do acordo GUK para o EEE). [H. Lundbeck] comprometia‑se a não intentar ações judiciais contra a GUK, na condição que esta respeitasse as suas obrigações por força do ponto 1.1 do acordo GUK para o EEE (ponto 1.3 do acordo GUK para o EEE).

31

O acordo GUK para o EEE expirou em 22 de outubro de 2003. No total, [H. Lundbeck] transferiu o equivalente a 12 milhões de euros para a GUK por força desse acordo.

B — Acordos com a Arrow

32

[H. Lundbeck] assinou dois acordos com a Arrow.

33

O primeiro destes, relativo ao território do Reino Unido, foi concluído em 24 de janeiro de 2002 entre a [H. Lundbeck], por um lado, e a Arrow Generics e Resolution Chemicals (a seguir, conjuntamente, “Arrow UK”), por outro (a seguir “acordo Arrow UK”).

34

O acordo Arrow UK tinha inicialmente uma duração que ia até 31 de dezembro de 2002 ou, caso tivesse sido anterior, até à data em que teria havido uma decisão judicial tornada definitiva sobre a ação que a [H. Lundbeck] tencionava intentar contra a Arrow UK nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido a respeito da pretensa contrafação cometida por esta sobre as suas patentes (a seguir “ação por contrafação Arrow”) (ponto 4.1 do acordo Arrow UK). Em seguida, este acordo foi prorrogado, por duas vezes, mediante a assinatura de uma adenda. A primeira prorrogação abrangia o período compreendido entre 1 de janeiro e 1 de março de 2003 (ponto 3.1 da primeira adenda ao acordo Arrow UK), ao passo que a segunda previa que esse acordo terminava em 31 de janeiro de 2004, ou seja, sete dias após a assinatura da decisão judicial que pusesse termo ao litígio Lagap (ponto 4.1 da segunda adenda ao acordo Arrow UK). Uma vez que este litígio foi resolvido amigavelmente em 13 de outubro de 2003, o acordo Arrow UK cessou no dia 20 de outubro seguinte. Segue‑se que a duração global deste acordo foi de 24 de janeiro de 2002 a 20 de outubro de 2003 (a seguir “duração do Acordo Arrow UK”).

35

No que respeita ao conteúdo do acordo Arrow UK, importa salientar que:

o primeiro considerando do preâmbulo deste acordo (a seguir “preâmbulo Arrow UK”) refere‑se, designadamente, ao facto de a [H. Lundbeck] ser titular [da patente] sobre a cristalização e [da patente] sobre a destilação em película;

o quarto considerando do preâmbulo Arrow UK precisa que “a Arrow [UK] obteve junto de um terceiro uma licença para importar para o Reino Unido citalopram não fabricado pela [H. Lundbeck] ou com a autorização da [H. Lundbeck] (‘o referido Citalopram’, incluindo essa definição inclui, para evitar qualquer dúvida, unicamente o Citalopram destinado ao marketing e à venda no Reino Unido e excluindo o destinado ao marketing e à venda noutros países)”;

o sexto considerando do preâmbulo Arrow UK indica que a [H. Lundbeck] submeteu “o referido Citalopram” a testes de laboratório que lhe deram razões substanciais para acreditar que este constituía uma contrafação, designadamente, às patentes referidas no primeiro travessão, supra;

o sétimo considerando do preâmbulo Arrow UK expõe que a Arrow UK não admite ter violado essas patentes, nem que as mesmas sejam válidas, mas aceita que [H. Lundbeck] tenha tais convicções, facto que a Arrow UK não pode desmentir através de provas irrefutáveis;

o oitavo considerando do preâmbulo Arrow UK recorda que a [H. Lundbeck] ameaçou pedir a adoção de uma injunção provisória e que tenciona intentar uma ação por contrafação contra a Arrow;

o ponto 1.1 deste acordo prevê que a “Arrow [UK], em seu próprio nome e em nome de todas as entidades associadas e ligadas, compromete‑se, durante a [vigência do acordo Arrow UK] e no território do Reino Unido, a não fabricar, ceder, propor ceder, utilizar ou, após a segunda data de entrega, importar ou conservar para cessão ou outra finalidade (1) [‘o referido Citalopram[’] ou (2) qualquer outro citalopram que, segundo a [H. Lundbeck], viole os seus direitos de propriedade [intelectual], e, para permitir à [H. Lundbeck] determinar a existência, ou não, de uma infração, a fornecer a esta [durante a vigência do acordo Arrow UK] amostras suficientes para análise, pelo menos um mês antes de qualquer fabrico, importação, venda ou proposta de venda que a Arrow [UK] ameace efetuar enquanto aguarda uma decisão final irrecorrível no [âmbito da ação por contrafação contra a Arrow […]”;

o ponto 1.2 deste acordo regista o consentimento da Arrow UK em que os compromissos que assumiu, referidos no ponto 1.1 do acordo Arrow UK, sejam reproduzidos num despacho cuja adoção a [H. Lundbeck] pedirá ao órgão jurisdicional do Reino Unido competente;

o ponto 2.1 deste acordo recorda que a [H. Lundbeck] intentará a ação por contrafação contra a Arrow logo que possível e, de qualquer modo, o mais tardar em 31 de março de 2002;

o ponto 2.2 deste acordo dispõe que, tendo em conta os compromissos referidos no n.o 1.1 do acordo Arrow UK e o facto de que a Arrow UK não solicitará “cross‑undertaking in damages” (montante que, em conformidade com o direito inglês, a deveria ter depositado no órgão jurisdicional caso tivesse pedido a adoção de uma injunção no âmbito da ação por contrafação Arrow), a [H. Lundbeck] paga à Arrow UK 5 milhões de GBP, em quatro prestações, tendo esta quantia sido [posteriormente] aumentada de 450000 GBP, nos termos do ponto 2.1 da primeira adenda ao acordo Arrow UK, e de 1,350 milhão de GBP, em aplicação dos pontos 2.1 e 3 da segunda adenda a este acordo;

o ponto 2.3 deste acordo estabelece que, na hipótese de uma decisão final no âmbito da ação por contrafação Arrow concluir que a Arrow UK não violou os direitos de propriedade intelectual da [H. Lundbeck], o montante previsto no ponto 2.2 deste acordo constitui a indemnização integral que a Arrow UK pode obter da [H. Lundbeck] pelas perdas sofridas em razão das obrigações que decorrem do ponto 1.1 do acordo Arrow UK;

o ponto 3.4 do acordo prevê que a Arrow UK entrega à [H. Lundbeck], os seus stocks“do referido citalopram” em duas etapas, a primeira das quais, relativa a cerca de 3,975 milhões de comprimidos em caixa, deve ter lugar, o mais tardar, até 6 de fevereiro de 2002, e a segunda, relativa a cerca de 1,1 milhão de comprimidos a granel, o mais tardar até 15 de fevereiro de 2002.

36

Além disso, é de precisar que, em 6 de fevereiro de 2002, a [H. Lundbeck] obteve despacho referido no ponto 1.2 do Acordo Arrow UK […]

37

O segundo acordo, relativo ao território da Dinamarca, foi celebrado em 3 de junho de 2002 entre a Lundbeck e o Arrow Group (a seguir “acordo Arrow dinamarquês”).

38

O acordo Arrow dinamarquês foi concebido com uma duração compreendida entre a data da sua assinatura, em 3 de junho de 2002, e 1 de abril de 2003 ou, caso tivesse sido anterior, até à data da adoção de uma decisão judicial definitiva relativa à ação por contrafação Arrow. Uma vez que tal decisão não foi tomada, o Arrow UK Agreement esteve em vigor de 3 de junho de 2002 a 1 de abril de 2003 […]

39

No que respeita ao conteúdo do acordo Arrow dinamarquês, há que assinalar que:

o primeiro, terceiro e quinto a nono considerandos do seu preâmbulo correspondem, no essencial, ao primeiro, quarto e sexto a oitavo considerandos do preâmbulo Arrow UK, sendo especificado que o nono considerando do preâmbulo Arrow dinamarquês se refere ao despacho de homologação Arrow;

o ponto 1.1 deste acordo prevê que “o Arrow [Group] aceita anular e cessar qualquer importação, fabrico, produção, venda ou outra comercialização de produtos que contenham citalopram e que violem, segundo a [H. Lundbeck], os direitos de propriedade intelectual desta no território [dinamarquês] durante a vigência [do acordo Arrow dinamarquês]”;

o ponto 2.1 deste acordo dispõe que, enquanto compensação pelos compromissos assumidos pelo Arrow Group, a [H. Lundbeck] paga‑lhe a quantia de 500000 dólares dos Estados Unidos (USD);

o ponto 2.2 deste acordo estabelece que, na hipótese de uma decisão final no âmbito da ação por contrafação Arrow declarar que o Arrow Group não violou os direitos de propriedade intelectual da [H.Lundbeck], o montante previsto no ponto 2.1 deste acordo constitui a indemnização integral que o Arrow Group poderia obter da [H.Lundbeck] pelas perdas sofridas em razão das obrigações que decorrem do ponto 1.1 do acordo Arrow dinamarquês;

o ponto 3.1 deste acordo acrescenta que a [H. Lundbeck] compra pelo preço de 147000 USD os stocks de citalopram do Arrow Group, que consistem em cerca de 1 milhão de comprimidos.

C — Acordo com a Alpharma

40

A [H. Lundbeck] assinou um acordo com a Alpharma a 22 de fevereiro de 2002 (a seguir “Acordo Alpharma”) para o período compreendido entre essa data e 30 de junho de 2003 […]

41

Antes da conclusão deste acordo, mo mês de janeiro de 2002, a Alpharma tinha comprado à Alfred E. Tiefenbacher GmbH & Co. […] um stock de comprimidos genéricos de citalopram desenvolvidos a partir do IFA citalopram, produzido pela empresa indiana Cipla utilizando os seus processos […], e tinha encomendado outros.

42

A propósito do preâmbulo do acordo Alpharma, há que assinalar, nomeadamente, que:

o primeiro considerando recorda que “[H. Lundbeck] é titular de direitos de propriedade intelectual que incluem, em particular, as patentes relativas à produção […] do IFA do ‘Citalopram’ (escrito com um ‘c’ maiúsculo em todo o texto do acordo), que incluem as patentes reproduzidas no anexo A” deste acordo […];

o segundo considerando indica que a [H. Lundbeck] produz e vende produtos farmacêuticos que contêm “Citalopram” em todos os Estados‑Membros, assim como na Noruega e na Suíça, sendo estes países, no seu conjunto, definidos como “Território”;

os terceiro e quarto considerandos mencionam o facto de que a Alpharma produziu ou comprou produtos farmacêuticos que contêm “Citalopram” no “Território”, e isto sem o consentimento da [H. Lundbeck];

os quinto e sexto considerandos assinalam o facto de que os produtos da Alpharma foram sujeitos, por parte da [H. Lundbeck], a testes de laboratório cujos resultados deram a esta última razões substanciais para acreditar que os métodos de produção utilizados para fabricar tais produtos violavam os seus direitos de propriedade intelectual;

o sétimo considerando recorda que, em 31 de janeiro de 2002, a [H. Lundbeck] intentou uma ação num órgão jurisdicional do Reino Unido (a seguir “ação por contrafação contra a Alpharma”) a fim de obter uma injunção “contra as vendas, por parte da Alpharma, de produtos que contêm Citalopram por violação dos direitos de propriedade intelectual da [H. Lundbeck]”;

o oitavo considerando refere que a Alpharma reconhece que as constatações da [H. Lundbeck] são corretas e compromete‑se a não introduzir no mercado [H. Lundbeck] “tais produtos”;

os nono e décimo considerandos precisam que a [H. Lundbeck]:

“aceita pagar à Alpharma uma compensação para poder evitar um litígio em matéria de patentes”, cujo desenlace não poderia ser previsto com absoluta certeza e que seria dispendioso e cronofágico;

“aceita, para resolver o litígio, comprar à Alpharma todo o seu stock de produtos que contenha Citalopram e pagar‑lhe uma compensação por esses produtos”.

43

No que respeita ao teor do acordo Alpharma, importa salientar, designadamente, que:

o ponto 1.1 estabelece que a Alpharma e as suas filiais “anulam, cessam e abstêm‑se de qualquer importação, produção ou venda de produtos farmacêuticos que contenha Citalopram no Território durante o [período pertinente]” e que a [H. Lundbeck] retira a ação por contrafação contra a Alpharma;

este mesmo número precisa que não é aplicável ao escitalopram;

o ponto 1.2 prevê que, “[e]m caso de qualquer violação da obrigação estabelecida no [ponto 1.1] ou a pedido da [H. Lundbeck], a Alpharma submeter‑se‑á voluntariamente a uma injunção provisória da parte de qualquer órgão jurisdicional competente em qualquer país do “Território” e que a [H. Lundbeck] poderá obter essa injunção sem fornecer depósito de garantia;

o ponto 1.3 precisa que, a título de compensação pelas obrigações previstas nesse acordo e para evitar as despesas e a duração do contencioso, a [H. Lundbeck] paga à Alpharma a quantia de 12 milhões de USD, dos quais 11 milhões pelos produtos da Alpharma que contenham “Citalopram”, em três prestações de 4 milhões cada, a pagar, respetivamente, em 31 de março de 2002, em 31 de dezembro de 2002 e em 30 de junho de 2003;

o ponto 2.2 estabelece que, o mais tardar em 31 de março de 2002, a Alpharma entrega à [H. Lundbeck] todo o stock de produtos que contenham “Citalopram” de que disponha nessa data, a saber, os 9,4 milhões de comprimidos que já possuía quando da conclusão do acordo Alpharma e os 16 milhões de comprimidos que tinha encomendado.

44

O anexo A [do acordo Alpharma] contém uma lista de 28 pedidos de direitos de propriedade intelectual apresentados pela [H. Lundbeck] antes da assinatura [desse acordo], nove dos quais já tinham sido deferidos na referida data. Esses direitos de propriedade intelectual diziam respeito aos processos para produzir o IFA do citalopram visados [pela patente] sobre a cristalização e [a patente] sobre a destilação em película.

45

Por outro lado, há que precisar que, em 2 de maio de 2002, um órgão jurisdicional do Reino Unido proferiu um despacho de homologação que previa que o processo na ação por contrafação contra a Alpharma fosse suspenso em razão da conclusão de um acordo entre a [H. Lundbeck] e, designadamente, a Alpharma, segundo o qual esta e as suas filiais “anul[avam], cessa[vam] e abst[inham‑se] de qualquer importação, […] produção […] ou venda, nos [Estados‑Membros], na Noruega e na Suíça (‘os Territórios Pertinentes’), de produtos farmacêuticos que contêm citalopram fabricado através da utilização dos processos reivindicados nas [patentes sobre a cristalização e sobre a destilação em película concedidas pelas autoridades do Reino Unido] ou em qualquer outra patente equivalente obtida ou pedida nos Territórios Pertinentes até 30 de junho de 2002” […]

D — Acordo com a Ranbaxy

46

A [H. Lundbeck] assinou um acordo com a Ranbaxy Laboratories em 16 de junho de 2002 (a seguir “acordo Ranbaxy”), com a duração de 360 dias. Em virtude de uma adenda assinada em 19 de fevereiro de 2003 (a seguir “adenda Ranbaxy”), esse acordo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2003. A duração global desta está, portanto, entre 16 de junho de 2002 e 31 de dezembro de 2003 […]

47

Nos termos do preâmbulo do acordo Ranbaxy (a seguir “preâmbulo Ranbaxy”):

A Ranbaxy Laboratories pediu na Índia duas patentes de processo relativas ao citalopram e produziu medicamentos que contêm citalopram com a intenção de os introduzir no mercado, nomeadamente no EEE (segundo e terceiro considerandos do preâmbulo Ranbaxy, bem como anexo A do acordo Ranbaxy);

A [H. Lundbeck] submeteu a testes de laboratório este citalopram e concluiu daí que os processos utilizados violavam a patente sobre o amido e a patente sobre o iodo [mencionados no n.o 19 do acórdão recorrido], ainda não tendo esta última [patente] sido concedida (v. n.o 19 do acórdão recorrido], ao passo que a Ranbaxy Laboratories contesta a existência de tais violações (quinto a oitavo considerandos do preâmbulo Ranbaxy);

A [H. Lundbeck] e a Ranbaxy Laboratories chegaram a um acordo a fim de evitar um litígio em matéria de patentes que seria dispendioso e cronofágico e cujo desenlace não poderia ser previsto com absoluta certeza (nono considerando do preâmbulo).

48

Nos termos do acordo Ranbaxy é, designadamente, indicado o seguinte:

“[s]ob reserva das condições e dos pagamentos por parte da [H. Lundbeck] previstos [neste acordo], a Ranbaxy Laboratories não reivindica nenhum direito sobre o [p]edido de [p]atente [visado no preâmbulo deste] ou sobre qualquer método de produção utilizado pela Ranbaxy Laboratories e anula, cessa e renuncia ao fabrico ou à venda de produtos farmacêuticos baseados nestes [nomeadamente no EEE] durante a vigência deste acordo” (ponto 1.1 do acordo Ranbaxy e ponto 1.0 da adenda Ranbaxy);

“em caso de violação das obrigações previstas no ponto 1.1 ou a pedido da [H. Lundbeck]”, a Ranbaxy Laboratories e a Ranbaxy (UK) aceitam submeter‑se às injunções provisórias adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes sem que a [H. Lundbeck] deva fornecer nenhum depósito de garantia ou assumir nenhum outro compromisso para além dos que decorrem deste acordo (ponto 1.2 do acordo Ranbaxy);

tendo em conta o acordo alcançado entre as partes, a [H. Lundbeck] deverá pagar à Ranbaxy Laboratories um montante de 9,5 milhões de USD, em prestações escalonadas durante o período pertinente (ponto 1.3 do acordo Ranbaxy e ponto 2.0 da adenda Ranbaxy);

A [H. Lundbeck] vende à Ranbaxy Laboratories ou à Ranbaxy (UK) comprimidos de citalopram, com um desconto de 40 % sobre o preço de saída de fábrica, a fim de que estas os vendam no mercado do Reino Unido (ponto 1.3 e anexo B do acordo Ranbaxy);

A [H. Lundbeck] e a Ranbaxy Laboratories comprometem‑se a não intentar ações judiciais uma contra a outra baseadas em qualquer patente acima referida no próprio acordo (ponto 1.4 do acordo Ranbaxy).

IV — Diligências da Comissão no setor farmacêutico e procedimento administrativo

49

No mês de outubro de 2003, a Comissão foi informada pela Konkurrence‑ og Forbrugerstyrelsen (KFST, autoridade da concorrência e dos consumidores dinamarquesa) da existência dos acordos [controvertidos].

50

Uma vez que a maioria destes acordos afetava todo o EEE ou, de qualquer modo, Estados‑Membros diferentes do Reino da Dinamarca, foi acordado que a Comissão examinaria a compatibilidade destes com o direito da concorrência, ao passo que a KFST não prosseguiria o estudo desta questão.

51

Entre [o ano de] 2003 e [o ano de] 2006, a Comissão procedeu a inspeções na aceção do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 1/2003], junto da [H. Lundbeck] e de outras sociedades ativas no setor farmacêutico. Enviou igualmente à [H. Lundbeck] e a outra sociedade pedidos de informações na aceção do artigo 18.o, n.o 2, do referido regulamento.

52

Em 15 de janeiro de 2008, a Comissão adotou a decisão relativa à abertura de um inquérito tendo por objeto o setor farmacêutico, em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento n.o 1/2003 (processo COMP/D2/39514). O artigo único desta decisão estabelecia que o inquérito a realizar dizia respeito à introdução no mercado de medicamentos inovadores e genéricos para uso humano.

53

Em 8 de julho de 2009, a Comissão adotou uma comunicação que tinha por objeto a síntese do seu relatório de inquérito sobre o setor farmacêutico. Esta comunicação incluía, num anexo técnico, a versão integral do referido relatório de inquérito, sob a forma de um documento de trabalho da Comissão, disponível unicamente em [língua inglesa].

54

Em 7 de janeiro de 2010, a Comissão iniciou o processo formal relativo à [H. Lundbeck].

55

No decurso do ano de 2010 e do primeiro semestre do ano de 2011, a Comissão enviou pedidos de informações à [H. Lundbeck] e às outras sociedades que eram partes nos acordos controvertidos.

56

Em 24 de julho de 2012, a Comissão iniciou um processo relativo às sociedades que eram partes nos acordos controvertidos e enviou‑lhes, assim como à [H. Lundbeck], uma comunicação de acusações.

[…]

60

Em 19 de junho de 2013, a Comissão adotou a decisão [controvertida].

V — Decisão [controvertida]

61

Através da decisão [controvertida], a Comissão considerou que os acordos controvertidos constituíam restrições da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e do artigo 53.o, n.o 1, do [Acordo sobre o Espaço Económico Europeu de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3)] (artigo 1.o, n.o 1, da decisão [controvertida]).

62

Os dois acordos celebrados entre a Merck (GUK) e a [H. Lundbeck] foram considerados constitutivos de uma infração única e contínua que se prolongou de 24 de janeiro de 2002 a 1 de novembro de 2003.

63

Como resulta do resumo que figura nos considerandos 824 e 874 da decisão [controvertida], a Comissão baseou‑se, designadamente, nos elementos seguintes, a este respeito:

no momento da celebração dos acordos, a [H. Lundbeck]e a Merck (GUK) eram, no mínimo, concorrentes potenciais no Reino Unido e no EEE e concorrentes efetivas no Reino Unido antes da segunda prorrogação do acordo UK;

a [H. Lundbeck] efetuou uma transferência de valor significativo em proveito da Merck (GUK) por força desses acordos;

essa transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Merck (GUK), de limitações à entrada no mercado contidas nos referidos acordos, em particular ao seu compromisso de não vender o [IFA citalopram produzido pela Natco Pharma] ou qualquer outro citalopram genérico no Reino Unido e no EEE enquanto esses acordos fossem pertinentes;

essa transferência de valor correspondia aproximadamente aos lucros que a Merck (GUK) esperava obter se tivesse entrado com êxito no mercado;

a [H. Lundbeck] não teria podido obter tais limitações invocando as suas patentes de processo, uma vez que as obrigações que incumbiam à Merck (GUK) por força desses acordos iam para além dos direitos conferidos aos titulares de patentes de processo;

[u]ma vez que esses acordos não previam nenhum compromisso da parte da [H. Lundbeck] de não intentar ações por contrafação contra a Merck (GUK), na hipótese de esta ter entrado no mercado com citalopram genérico após a expiração desses acordos.

64

Os dois acordos concluídos entre a Arrow e a [H. Lundbeck] foram considerados como constituindo uma infração única e continuada que se prolongou de 24 de janeiro de 2002 a 20 de outubro de 2003.

65

Como resulta dos resumos que figuram nos considerandos 962 e 1013 da decisão [controvertida] relativos, respetivamente, ao acordo Arrow UK e ao acordo Arrow dinamarquês, a Comissão baseou‑se, nomeadamente, nos elementos seguintes:

no momento da conclusão desses acordos, a [H. Lundbeck] e a Arrow eram concorrentes, no mínimo, potenciais no Reino Unido e na Dinamarca;

[a H. Lundbeck] efetuou uma transferência de valor significativo em proveito da Arrow por força desses acordos;

essa transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Arrow, das limitações à sua entrada no mercado do citalopram no Reino Unido e na Dinamarca, contidas nos referidos acordos, em especial ao compromisso da Arrow de não vender citalopram genérico que a [H. Lundbeck) considerava como infringindo as suas patentes, e isso durante as vigências respetivas desses acordos;

essa transferência de valor correspondia, em substância, aos lucros [que] a Arrow teria podido obter se tivesse entrado no mercado com sucesso;

a [H. Lundbeck]não teria podido obter tais limitações através da aplicação das suas novas patentes, dado que as obrigações que incumbiam à Arrow por força desses acordos excediam os direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

esses acordos não previam nenhum compromisso da parte da [H. Lundbeck]de não intentar ações por contrafação contra a Arrow na hipótese de esta, após a expiração de um ou do outro desses acordos, ter entrado no mercado do Reino Unido ou no mercado da Dinamarca com citalopram genérico.

66

No que respeita ao acordo Alpharma, assim como resulta do resumo que figura no considerando 1087 da decisão [controvertida], a Comissão baseou‑se, designadamente, nos elementos seguintes:

no momento da conclusão desse acordo, a [H. Lundbeck] e a Alpharma eram concorrentes, no mínimo, potenciais em vários países do EEE;

a [H. Lundbeck] efetuou uma transferência de valor significativo a favor da Alpharma por força desse acordo;

essa transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Alpharma, das limitações à sua entrada no mercado, contidas no referido acordo, em especial ao compromisso da Alpharma de não vender nenhum citalopram genérico no EEE durante o período pertinente;

essa transferência de valor correspondia, no essencial, aos lucros que a Alpharma teria podido obter se tivesse entrado no mercado com sucesso;

a [H. Lundbeck] não teria podido obter tais limitações graças à aplicação [da patente] sobre a cristalização e sobre a destilação em película, dado que as obrigações que incumbiam à Alpharma por força desse acordo excediam os direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

o acordo não previa nenhum compromisso da parte da [H. Lundbeck] de não intentar ações por contrafação contra a Alpharma na hipótese de esta última entrar no mercado com citalopram genérico após a expiração desse acordo.

67

No que respeita ao acordo Ranbaxy, conforme resulta do resumo que figura no considerando 1174 da decisão [controvertida], a Comissão baseou‑se, nomeadamente, nos elementos seguintes:

no momento da conclusão deste acordo, a [H. Lundbeck]e a Ranbaxy eram, no mínimo, concorrentes potenciais no EEE;

a Lundbeck efetuou uma transferência de valor significativo em proveito da Ranbaxy por força desse acordo;

essa transferência de valor estava ligada à aceitação, pela Ranbaxy, das limitações à sua entrada no mercado, contidas no referido acordo, em especial ao compromisso da Ranbaxy de não produzir e de não vender o seu citalopram no EEE durante o período pertinente, quer através das suas próprias filiais ou por intermédio de terceiros;

esta transferência de valor excedia significativamente os lucros que a Ranbaxy poderia ter obtido com a venda do citalopram genérico que tinha produzido até então;

a [H. Lundbeck] não teria podido obter tais limitações invocando as suas patentes de processo, dado que as obrigações que incumbiam à Ranbaxy por força desse acordo iam para além dos direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

o acordo não previa nenhum compromisso da parte da [H. Lundbeck] de não intentar ações por contrafação contra a Ranbaxy na hipótese de esta última entrar no mercado com o seu citalopram genérico após a expiração do [referido] acordo […]

68

A Comissão também aplicou coimas a todas as partes nos acordos controvertidos. Para o efeito, utilizou as [Orientações para o cálculo das coimas de 2006]. Em relação à [H. Lundbeck], a Comissão seguiu a metodologia geral descrita nas [Orientações para o cálculo das coimas de 2006], baseada no valor das vendas do produto em causa realizadas por cada participante num cartel (considerandos 1316 a 1358 da decisão [controvertida]). Em contrapartida, no que respeita às outras partes nos acordos controvertidos, ou seja, [os fabricantes de medicamentos] genéricos, recorreu à possibilidade, prevista no n.o 37 das referidas orientações, de se afastar desta metodologia atendendo às particularidades do processo relativamente a estas partes (considerando 1359 da decisão [controvertida]).

69

Assim, no que respeita às partes nos acordos controvertidos distintas da [H. Lundbeck], a Comissão considerou que, para determinar o montante de base da coima e assegurar um efeito suficientemente dissuasivo desta, devia ter tido em conta o valor das quantias que a [H. Lundbeck] lhes tinha transferido em virtude desses acordos, sem distinguir as infrações segundo a sua natureza ou o seu alcance geográfico, ou em função das quotas de mercado das empresas em causa, fatores que apenas foram abordados na decisão [controvertida] por razões de exaustividade (considerando 1361 da decisão [controvertida].

70

Em contrapartida, quanto à [H. Lundbeck], a Comissão aplicou o método geral descrito nas [Orientações para o cálculo das coimas de 2006], baseando‑se no valor das vendas no mercado em causa. Dado que as vendas de citalopram da [H. Lundbeck] tinham diminuído significativamente durante a vigência dos acordos controvertidos e que estes não abrangiam um ano contabilístico completo, a Comissão calculou um valor médio anual das vendas. Para este fim, calculou primeiro o valor médio mensal das vendas de citalopram efetuadas pela [H. Lundbeck] durante a vigência de cada um dos acordos controvertidos e, depois, multiplicou este valor por doze (considerando 1326 e nota de rodapé n.o 2215 da decisão [controvertida]).

71

Por outro lado, a Comissão aplicou quatro coimas separadas à [H. Lundbeck], uma vez que os seis acordos controvertidos foram considerados constitutivos de quatro infrações distintas, na medida em que os dois acordos entre a [H. Lundbeck] e a Merck (GUK) deram origem a uma infração única e continuada, tal como os dois acordos entre a [H. Lundbeck] e a Arrow. A fim de evitar uma coima desproporcionada, a Comissão, não obstante, aplicou um fator de correção em baixa, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, baseado num método que reflete as sobreposições geográficas e temporais entre as diferentes infrações (considerando 1329 da decisão [controvertida]). Este método conduziu a uma redução de 15 % relativamente a cada infração em que foram constatadas sobreposições (nota de rodapé n.o 2218 da decisão [controvertida]).

72

Atendendo à gravidade das infrações constatadas, que a Comissão qualificou de “graves”, uma vez que [os acordos controvertidos] comportavam uma exclusão do mercado, da quota elevada de mercado da [H. Lundbeck] tratando‑se dos produtos visados por essas infrações, do vasto alcance geográfico dos acordos controvertidos e do facto de todos esses acordos terem sido postos em prática, a Comissão considerou que a proporção do valor das vendas aplicável devia ser fixada em 11 % para as infrações cujo alcance geográfico era todo EEE e em 10 % para as outras (considerandos 1331 e 1332 da decisão [controvertida]).

73

A Comissão aplicou um coeficiente multiplicador a este montante de modo a ter em conta a duração das infrações (considerandos 1334 a 1337 da decisão impugnada) e um montante suplementar de 10 % em relação à primeira infração cometida, ou seja, a infração relativa aos acordos celebrados com a Arrow, em aplicação do ponto 25 das [Orientações para o cálculo das coimas de 2006], a fim de garantir que as coimas aplicadas às recorrentes produziriam um efeito suficientemente dissuasivo (considerando 1340 da decisão [controvertida]).

74

Atendendo à duração total do inquérito, a Comissão, não obstante, concedeu uma redução de 10 % do montante das coimas aplicadas a todos destinatários da decisão [controvertida] (considerandos 1349 e 1380 da decisão [controvertida]).

75

Com base nestas considerações, e atendendo ao facto de que o acordo GUK para o Reino Unido tinha sido assinado pela Lundbeck Ltd, a Comissão aplicou uma coima total de um montante de 93766000 euros à [H. Lundbeck], dos quais 5306000 euros solidariamente com a Lundbeck Ltd, com a seguinte composição (considerandos 1238, 1358 e artigo 2.o da decisão [controvertida]):

19893000 euros pelos acordos concluídos com a Merck (GUK), dos quais 5306000 euros solidariamente com a Lundbeck Ltd;

12951000 euros pelos acordos concluídos com a Arrow;

31968000 euros pelo acordo concluídos com a Alpharma;

28954000 euros pelo acordo concluído com a Ranbaxy.»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

7

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de agosto de 2013, a H. Lundbeck e a Lundbeck Ltd (a seguir, conjuntamente, «Lundbeck») interpuseram um recurso destinado a obter a anulação parcial da decisão controvertida e a redução das coimas que lhes foram aplicadas pela Comissão.

8

Em apoio do seu recurso, a Lundbeck invocou dez fundamentos, dos quais apenas é contestada, no âmbito do presente recurso, a rejeição do primeiro ao sexto, nono e décimo fundamentos. Através do primeiro fundamento, a Lundbeck contestou a afirmação na decisão controvertida de que os fabricantes de genéricos e a Lundbeck eram pelo menos concorrentes potenciais no momento em que os acordos controvertidos foram concluídos. O segundo a sexto fundamentos eram relativos, em substância, a violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE em razão da qualificação dos acordos controvertidos de «restrição da concorrência por objetivo». Através do nono e décimo fundamentos, a Lundbeck contestou, a título subsidiário, a aplicação de coimas e, a título eminentemente subsidiário, o cálculo do montante dessas coimas.

9

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso, na íntegra.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

10

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de novembro de 2016, a Lundbeck interpôs o presente recurso.

11

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de novembro de 2016, a Lundbeck pediu ao Tribunal de Justiça que reservasse, em relação à European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA), interveniente em primeira instância, um tratamento confidencial à versão confidencial da decisão controvertida, idêntico ao reservado pelo Tribunal Geral a esta mesma decisão no âmbito do processo T‑472/13 (Lundbeck/Comissão). Por Despacho de 13 de dezembro de 2016, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, não publicado, EU:C:2016:967), o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido. Assim, apenas uma versão não confidencial da decisão controvertida foi notificada à EFPIA.

12

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de março de 2017, o Reino Unido pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Despacho de 5 de julho de 2017, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, não publicado, EU:C:2017:532], o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido. Contudo, a pedido da Lundbeck, o presidente do Tribunal de Justiça reservou, no que respeita a esse Estado‑Membro, o tratamento confidencial à versão confidencial da decisão controvertida, tendo‑lhe sido notificada apenas uma versão não confidencial.

13

Na sequência do pedido da Lundbeck de 17 de março de 2017, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou‑a a apresentar uma réplica.

14

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de maio de 2017, a Comissão pediu a prorrogação do prazo para apresentar a sua tréplica. Por Decisão de 17 de maio de 2017, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido.

15

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de julho de 2017, o Reino Unido pediu a prorrogação do prazo para apresentar a sua intervenção. Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de julho de 2017, esse pedido foi deferido.

16

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de julho de 2017, o Reino Unido pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão igualmente nos processos C‑586/16 P [Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão], C‑588/16 P [Generics (UK)/Comissão], C‑601/16 P (Arrow Group e Arrow Generics/Comissão), C‑611/16 P (Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão) e C‑614/16 P (Merck/Comissão), mencionados no n.o 5 do presente acórdão. Por Despachos de 25 de outubro de 2017, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, não publicado, EU:C:2017:831), de 25 de outubro de 2017, Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, não publicado, EU:C:2017:829), de 25 de outubro de 2017, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2017:826), de 25 de outubro de 2017, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, não publicado, EU:C:2017:825), e de 25 de outubro de 2017, Merck/Comissão (C‑614/16 P, não publicado, EU:C:2017:828), o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esses pedidos. Todavia, tendo em conta, nomeadamente, o Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2017, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, não publicado, EU:C:2017:532), este último reservou, no que respeita a este Estado‑Membro, no conjunto destes processos, um tratamento confidencial, designadamente, à versão confidencial da decisão controvertida, tendo sido notificada unicamente uma versão não confidencial desta ao Reino Unido.

17

Na sequência da apresentação da tréplica da EFPIA e da Comissão e da apresentação pela Lundbeck, pela EFPIA e pela Comissão dos seus articulados de resposta à intervenção do Reino Unido, a fase escrita do processo no presente caso foi encerrada em 13 de novembro de 2017.

18

Em 27 de novembro de 2018, o Tribunal de Justiça decidiu que o processo seria atribuído à Quarta Secção que deve pronunciar‑se na sequência de uma audiência de alegações comum a este processo e aos processos C‑586/16 P [Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão], C‑588/16 P [Generics (UK)/Comissão], C‑601/16 P (Arrow Group e Arrow Generics/Comissão), C‑611/16 P (Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão) e C‑614/16 P (Merck/Comissão) e depois de ouvidas as conclusões.

19

Com fundamento no artigo 61.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este, em 29 de novembro de 2018, transmitiu às partes no presente processo uma série de perguntas escritas para respostas orais na audiência, bem como um plano provisório da audiência de alegações em que detalhavam de modo preciso o seu desenrolar. Na sequência das observações das partes no processo, um plano definitivo da audiência de alegações foi‑lhes enviado em 22 de janeiro de 2019.

20

A audiência de alegações comum ao presente processo e aos processos mencionados no n.o 18 do presente acórdão realizou‑se em 24 de janeiro de 2019.

21

A advogada‑geral, em 6 de fevereiro de 2020, com fundamento no artigo 62.o do Regulamento de Processo, dirigiu às partes no presente processo uma pergunta para resposta por escrito (a seguir «pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020»), na qual as convidava a tomar posição sobre a eventual influência do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), sobre os fundamentos suscitados no presente processo relativos à existência de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos, bem como à qualificação dos acordos concluídos entre a Lundbeck e estes últimos de «restrições por objetivo». As respostas a esta pergunta chegaram ao Tribunal de Justiça em 6 de março de 2020.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

22

Com o presente recurso, a Lundbeck conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular recorrido, no todo ou em parte;

anular a decisão controvertida na parte que lhe diz respeito ou, subsidiariamente, anular as coimas que lhe foram aplicadas por força dessa decisão ou, a título mais subsidiário ainda, reduzir substancialmente o montante das referidas coimas;

condenar a Comissão nas despesas e outros custos efetuados pela Lundbeck no âmbito do presente recurso e do processo no Tribunal Geral;

tanto quanto necessário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie, em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça; e

adotar qualquer outra medida que o Tribunal de Justiça considere adequada.

23

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso na íntegra e

condenar a Lundbeck no pagamento das despesas.

24

A EFPIA conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

conceder provimento, no todo ou em parte, ao recurso;

tanto quanto necessário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie, em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça; e

condenar a Comissão nas despesas do presente recurso e do processo no Tribunal Geral.

25

O Reino Unido conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso na íntegra.

Quanto ao presente recurso

26

Em apoio do seu recurso, a Lundbeck invoca seis fundamentos.

27

Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Lundbeck acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao aprovar a Comissão por esta ter concluído pela qualificação de «restrição da concorrência pelo objetivo» dos acordos controvertidos, apesar de serem abrangidos pelo âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck.

28

Com o seu segundo fundamento, a Lundbeck censura ao Tribunal Geral o facto de ter cometido um erro de direito ao não aplicar o critério jurídico adequado para determinar se cinco dos seis acordos controvertidos — a saber, o acordo GUK para o EEE, o acordo Arrow UK, o acordo Arrow dinamarquês, o acordo Alpharma e o acordo Ranbaxy — continham restrições que saíam do âmbito de aplicação das suas novas patentes de processo, dada a falta de provas de um concurso de vontades entre os cocontratantes desses acordos.

29

Com o seu terceiro fundamento, a Lundbeck sustenta que, mesmo que o Tribunal Geral pudesse considerar que, pelo menos, cinco dos seis acordos controvertidos saíam do âmbito de aplicação das suas novas patentes de processo, no entanto, conclui erradamente que esses acordos eram restritivos da concorrência por objetivo.

30

Com o seu quarto fundamento, a Lundbeck considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova e contradisse‑se ao confirmar a constatação da Comissão segundo a qual a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos eram concorrentes reais ou potenciais à época da conclusão dos acordos controvertidos, independentemente da questão de saber se os produtos dos fabricantes de medicamentos genéricos violavam as novas patentes de processo da Lundbeck.

31

Com o seu quinto fundamento de recurso, a Lundbeck acusa o Tribunal Geral de ter confirmado erradamente as coimas que a Comissão lhe aplicou.

32

Com o seu sexto fundamento, a Lundbeck alega, a título subsidiário, que a confirmação, pelo Tribunal Geral, do modo de cálculo das coimas que lhe foram aplicadas pela Comissão é juridicamente errada e está insuficientemente fundamentada.

33

Importa, antes de mais, examinar o quarto fundamento, em seguida o primeiro a terceiro fundamentos considerados conjuntamente e, por último, sucessivamente, o quinto e sexto fundamentos.

Quanto ao quarto fundamento

Quanto aos números pertinentes do acórdão recorrido

34

Com o primeiro fundamento do seu recurso de anulação, a Lundbeck alegou que a Comissão tinha cometido vários erros de direito e de apreciação ao considerar que os fabricantes de medicamentos genéricos que tivessem concluído os acordos controvertidos eram, pelo menos, concorrentes potenciais da Lundbeck no momento em que esses acordos foram concluídos.

35

Este fundamento foi dividido em nove partes, todas elas rejeitadas pelo Tribunal Geral por serem infundadas.

36

Num primeiro momento, no que respeita à primeira a quinta partes do primeiro fundamento, o Tribunal Geral, nos n.os 117 a 133 e nos n.os 157 a 167 do acórdão recorrido, recusou acolher a argumentação da Lundbeck segundo a qual, respetivamente, por um lado, o lançamento de medicamentos genéricos que viole os direitos de propriedade intelectual de terceiros não constitui a expressão de uma concorrência potencial ao abrigo do artigo 101.o TFUE e, por outro, a contestação de uma patente válida não constitui uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado.

37

O Tribunal Geral salientou que a constatação de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos estava demonstrada sempre que estes últimos dispusessem de possibilidades reais e concretas e da capacidade de entrar no mercado, tendo em conta os vários fatores tomados em consideração pela Comissão e a decisão da Lundbeck de pagar quantias importantes a esses fabricantes para os manter fora do mercado durante a vigência dos acordos controvertidos.

38

A este respeito, o Tribunal Geral considerou, respetivamente nos n.os 124 e 195 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro ao considerar que as novas patentes de processo da Lundbeck não constituíam necessariamente barreiras intransponíveis para os fabricantes de medicamentos genéricos e que cada um desses fabricantes dispunha, ou teria podido dispor num prazo suficientemente curto, de uma versão genérica do citalopram baseada em processos em relação aos quais não estava demonstrado que violavam qualquer das patentes da Lundbeck no momento em que os acordos controvertidos foram concluídos. Considerou igualmente, no n.o 171 desse acórdão, que a concorrência potencial inclui, em particular, as atividades dos fabricantes de medicamentos genéricos destinadas a obter as autorizações de introdução no mercado (AIM) necessárias para preparar a sua entrada no mercado.

39

Na âmbito da sua apreciação dos elementos de prova, o Tribunal Geral teve em conta, designadamente, nos n.os 126 e 254 do acórdão recorrido, o facto de a Lundbeck saber que a patente sobre cristalização era, em substância, fraca e suscetível de ser invalidada, excluindo, nos n.os 142 e 147 desse acórdão, que a constatação da existência de uma relação de concorrência potencial entre os fabricantes de medicamentos genéricos e a Lundbeck se baseava no essencial em avaliações subjetivas.

40

O Tribunal Geral aceitou igualmente, nos n.os 134 a 148 do referido acórdão, ter em conta provas posteriores aos acordos controvertidos e teve em conta, no n.o 254 do mesmo acórdão, provas que demonstravam que certos fabricantes de medicamentos genéricos e a própria Lundbeck tinham dúvidas quanto à validade da patente de cristalização no momento da conclusão dos referidos acordos. Em contrapartida, no n.o 145 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recusou‑se a considerar como determinante, para efeitos de avaliar a existência de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos no momento da conclusão dos referidos acordos, o facto, em particular, de o IEP ter mantido essa patente em todos os seus aspetos pertinentes em 2009.

41

Num segundo momento, no âmbito da sua resposta à sexta a nona partes do primeiro fundamento do recurso de anulação, o Tribunal Geral apreciou, para cada um dos contratos controvertidos, se os elementos de prova apresentados pela Comissão permitiam efetivamente demonstrar a existência de uma relação de concorrência potencial entre cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos e a Lundbeck, ao constatar, em particular, no n.o 181 do acórdão recorrido, que a conclusão a que a Comissão tinha chegado se baseava num conjunto de fatores que tinham em conta a situação específica de cada um desses fabricantes no momento de concluir os acordos controvertidos, bem como as especificidades do setor farmacêutico.

Argumentos das partes

42

Através do seu quarto fundamento, constituído por sete partes, a Lundbeck alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova e contradisse‑se ao confirmar a constatação da Comissão segundo a qual a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos eram concorrentes, pelo menos potenciais.

43

Com a primeira parte desse fundamento, a Lundbeck sustenta que o Tribunal Geral, ao se limitar a verificar se os fabricantes genéricos teriam podido entrar fisicamente no mercado, cometeu um erro de direito ao ignorar a existência de barreiras legais, a saber, as novas patentes de processo por ela detidas, obstando à entrada legal desses fabricantes no mercado, o que é confirmado pelo ponto 29 das Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2014. Ora, segundo a Lundbeck, apoiada pela EFPIA, quando existem direitos exclusivos como as patentes, a constatação da existência de concorrência potencial num mercado impõe à Comissão que verifique se, na falta do acordo por ela examinado, uma empresa teria tido possibilidades reais e concretas de integrar legalmente o referido mercado e de aí competir com as empresas estabelecidas. Consequentemente, o Tribunal Geral não podia, sem proceder a uma repartição errada do ónus da prova e, assim, cometer um erro de direito, considerar, no n.o 195 do acórdão recorrido, que a Comissão não era obrigada a demonstrar que os processos dos fabricantes de medicamentos genéricos não violavam as novas patentes de processo da Lundbeck. Do mesmo modo, o Tribunal Geral não podia, sem atentar contra a presunção de validade ligada a essas novas patentes de processo e, portanto, sem cometer um erro de direito, considerar, nos n.os 115 a 132 e 149 a 167 do acórdão recorrido, que, mesmo que os fabricantes de medicamentos genéricos dispusessem apenas de citalopram protegido pelas novas patentes de processo da Lundbeck, não deixavam, por isso, de ser seus concorrentes potenciais em razão da sua faculdade de contestar essas patentes.

44

Com a segunda parte do quarto fundamento, a Lundbeck alega que a constatação do Tribunal Geral, no n.o 145 do acórdão recorrido, segundo a qual ela própria tinha dúvidas quanto à validade da patente de cristalização, assenta num «erro manifesto de apreciação dos elementos de prova», uma vez que se baseia apenas em dois documentos de 22 de novembro de 2002 e 29 de setembro de 2003, os quais são posteriores aos acordos controvertidos, o que seria contrário à afirmação, que figura no n.o 141 do acórdão recorrido, segundo a qual os elementos de prova posteriores à conclusão desses acordos não poderiam ser decisivas para efeitos de exame da existência de concorrência potencial. Além disso, o Tribunal Geral procedeu, no n.o 254 do acórdão recorrido, a uma inversão do ónus da prova em detrimento da Lundbeck, ao exigir desta que apresentasse elementos que permitissem explicar em que é que, anteriormente à conclusão dos referidos acordos, a sua apreciação da probabilidade de que a patente sobre a cristalização fosse invalidada teria sido diferente.

45

Com a terceira parte do quarto fundamento, a Lundbeck sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 134 a 148 do acórdão recorrido, que as provas posteriores aos acordos controvertidos, mesmo objetivas, não podiam ser decisivas para efeitos do exame da existência de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos.

46

Com a quarta a sétima partes do quarto fundamento, a Lundbeck alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 225, 230, 255, 270, 286 e 330 do acórdão recorrido, que a Merck (GUK) era pelo menos um concorrente potencial da Lundbeck no Reino Unido e nos outros países do EEE, que a Arrow era um concorrente potencial da Lundbeck no Reino Unido e na Dinamarca e, por último, que a Alpharma e a Ranbaxy eram concorrentes potenciais da Lundbeck no EEE, pelo facto, nomeadamente, de esses fabricantes de medicamentos genéricos não disporem, no momento da conclusão dos acordos controvertidos, de uma AIM ou de uma autorização equivalente para a introdução no mercado do seu medicamento genérico no território dos Estados em questão. Além disso, no caso da Arrow e da Alpharma, este erro de direito é acompanhado de um manifesto desrespeito dos elementos de prova.

47

A Comissão alega que o quarto fundamento é inadmissível e, de qualquer modo, infundado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

48

A título preliminar, deve recordar‑se que, em conformidade com o artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e com o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito. Só o Tribunal Geral tem competência para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, assim, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso.

49

Ora, importa referir que a argumentação da Lundbeck exposta no âmbito da segunda parte do presente fundamento, segundo a qual o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação ao constatar que ela duvidava da validade das suas novas patentes de processo, bem como a argumentação apresentada no âmbito da quarta a sétima partes deste mesmo fundamento, segundo a qual o Tribunal Geral ignorou elementos de prova para concluir que a Merck (GUK) era, no mínimo, um concorrente potencial da Lundbeck e que a Arrow, a Alpharma e a Ranbaxy eram concorrentes potenciais da Lundbeck nos territórios pertinentes, se destinam a contestar a constatação ou a apreciação dos elementos de facto ou de prova efetuados pelo Tribunal Geral sem que a Lundbeck alegue nem a fortiori demonstre qualquer desvirtuação desses elementos por este.

50

Consequentemente, as referidas argumentações expostas no âmbito da segunda e quarta a sétima partes do quarto fundamento são inadmissíveis.

51

Em contrapartida, contrariamente ao que a Comissão sustenta, as outras partes do presente fundamento assim como o restante da segunda e quarta a sétima partes constituem questões de direito que estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso.

52

A este respeito, recorde‑se que, para ser abrangido pela proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, um comportamento de empresas deve não só revelar a existência de uma colusão entre elas — a saber, um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada — mas essa colusão deve igualmente afetar desfavoravelmente e de modo sensível o jogo da concorrência no mercado interno [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 31].

53

Esta última exigência pressupõe, no que respeita aos acordos de cooperação horizontal concluídos entre empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção ou de distribuição, que a referida colusão se verifique entre empresas que se encontram em situação de concorrência, quando não real pelo menos potencial [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 32].

54

Para apreciar se uma empresa ausente de um mercado se encontra numa relação de concorrência potencial com uma ou várias outras empresas já presentes nesse mercado, importa determinar se existem possibilidades reais e concretas de a primeira integrar o referido mercado e de competir com a segunda ou as segundas [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 36 e jurisprudência referida].

55

Quando estão em causa acordos, como os acordos controvertidos, que têm como consequência manter temporariamente fora do mercado várias empresas, há que determinar, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento, se teriam existido, na falta dos referidos acordos, possibilidades reais e concretas de essas empresas acederem ao referido mercado e de competirem com as empresas que nele estão estabelecidas [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 37 e 39].

56

No que respeita mais especialmente a tais acordos concluídos no contexto da abertura, aos fabricantes de medicamentos genéricos, do mercado de um medicamento que contém um princípio ativo que caiu recentemente no domínio público, importa demonstrar, tendo devidamente em conta os condicionalismos regulamentares próprios do setor do medicamento, bem como os direitos de propriedade intelectual e em especial as patentes detidas pelos fabricantes de medicamentos originais relativas a um ou vários processos de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 40 e 41], se o fabricante de medicamentos genéricos tem efetivamente a firme determinação e a capacidade própria para entrar no mercado e não se depara à entrada com barreiras que apresentem um caráter intransponível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 58].

57

Para tal, há que apreciar, em primeiro lugar, se, à data da conclusão desses acordos, o referido fabricante tinha efetuado diligências preparatórias suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo que fosse apto a fazer pesar uma pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. Em segundo lugar, deve ser verificado que a entrada desse fabricante de medicamentos genéricos no mercado não depara com barreiras à entrada que apresentem um caráter intransponível [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 43 e 45]. Por outro lado, a constatação de uma concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos genéricos e um fabricante de medicamentos originais pode ser corroborada por elementos suplementares, tais como a conclusão de um acordo entre eles, quando o primeiro não estava presente no mercado em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 54 a 56].

58

No que respeita, mais especialmente, à apreciação da existência no mercado em causa de barreiras à entrada que apresentem um caráter intransponível, o Tribunal de Justiça indicou que a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser considerada tal barreira intransponível, não obstante a presunção de validade ligada a essa patente, uma vez que esta não dá nenhuma informação, para efeitos da aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, sobre a resolução de um eventual litígio relativo à validade da referida patente [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 46 a 51].

59

Por conseguinte, a existência de tal patente não pode, enquanto tal, impedir de qualificar de «concorrente potencial» do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme determinação bem como a capacidade própria para entrar no mercado e que, pelas suas diligências, se mostra pronto a contestar a validade dessa patente e a assumir o risco de ser confrontado, quando da sua entrada no mercado, com uma ação por contrafação proposta pelo titular da referida patente [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 46].

60

Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que não cabia à autoridade da concorrência em causa proceder a um exame da força da patente em causa ou da probabilidade de que um litígio entre o seu titular e um fabricante de medicamentos genéricos possa levar à conclusão de que essa patente é válida e contrafeita [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 50].

61

Daqui decorre que, no caso em apreço, e contrariamente ao que sustenta a Lundbeck, foi sem cometer erro de direito algum, e em especial sem violar a presunção de validade associada nomeadamente às suas novas patentes de processo nem as regras aplicáveis ao ónus da prova das práticas referidas no artigo 101.o TFUE, que o Tribunal Geral pôde decidir, como resulta, em substância, dos n.os 117 a 132, 157 a 167 e 195 do acórdão recorrido, que não cabia à Comissão provar positivamente que o citalopram que os fabricantes de medicamentos genéricos tencionavam comercializar não violava as novas patentes de processo da Lundbeck e que a detenção de tais patentes pela Lundbeck não obstava à constatação da existência de uma concorrência potencial entre esta e esses fabricantes.

62

Com efeito, o Tribunal Geral, tendo devidamente em conta, nos n.os 117, 119 e 129 do acórdão recorrido, as características fundamentais tanto das patentes como das relações de concorrência próprias do mercado em causa assim como a situação específica na qual, por um lado, as patentes originárias da Lundbeck, relativas simultaneamente ao IFA citalopram e aos processos de produção de alquilação e cianação, tinham expirado e, por outro, havia outros processos que permitiam produzir citalopram genérico em relação ao qual não estava demonstrado que violavam outras patentes da Lundbeck, considerou, no n.o 124 do referido acórdão, que a Comissão não cometeu nenhum erro ao concluir que as novas patentes do processo de Lundbeck não constituíam necessariamente barreiras intransponíveis para os fabricantes de medicamentos genéricos, que estavam simultaneamente desejosos de entrar no mercado do citalopram e prontos a fazê‑lo, e que já tinham feito investimentos significativos para esse fim no momento de concluir os acordos controvertidos.

63

Além disso, no n.o 159 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral observou acertadamente que, sob pena de negar qualquer distinção entre concorrência real e concorrência potencial, a existência de concorrência potencial não exige que seja demonstrado que os fabricantes de medicamentos genéricos teriam entrado com certeza no mercado e que tal entrada teria inevitavelmente sido coroada de sucesso, mas unicamente que esses fabricantes dispunham de possibilidades reais e concretas para esse efeito.

64

Além disso, a conclusão segundo a qual o Tribunal Geral pôde decidir, sem incorrer em erro, que os fabricantes de medicamentos genéricos estavam em situação de concorrência potencial com a Lundbeck não é posta em causa pelas Orientações sobre os acordos de transferência de tecnologia de 2014, em especial, pelo seu ponto 29. Com efeito, por um lado, esse ponto aplica‑se apenas aos acordos de transferência de tecnologia aos quais os acordos controvertidos não se podiam equiparar. Por outro lado, resulta do referido ponto que a conclusão da Comissão quanto à inexistência de qualquer relação de concorrência entre empresas que se encontram numa situação de bloqueio com origem num direito exclusivo que abrange uma tecnologia apenas é válida «em princípio» e está, portanto, sujeita a exceções, o que é, de resto, evocado no mesmo ponto ao visar as situações em que «não se pode ter a certeza de que um determinado direito a uma tecnologia é válido e violado».

65

Por conseguinte, a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

66

Quanto aos elementos de prova suscetíveis de serem tomados em consideração para demonstrar a existência de uma relação de concorrência, pelo menos, potencial entre a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos, já foi recordado no n.o 57 do presente acórdão que, tratando‑se de acordos como os acordos controvertidos, a existência de uma concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos originais e um fabricante de medicamentos genéricos deve ser apreciada à data da conclusão do acordo de resolução amigável do litígio relativo às patentes de processo que os opõe [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 43], tendo em conta o facto de o referido acordo surgir num momento em que cada uma das partes no acordo se encontra na incerteza quanto à validade da patente do processo do fabricante de medicamentos originais bem como quanto ao caráter infrator do medicamento genérico que o fabricante desse medicamento genérico tenciona colocar no mercado [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 52].

67

Daqui resulta que, em conformidade com o princípio da livre administração da prova que prevalece no direito da União (Acórdão de 27 de abril de 2017, FSL e o./Comissão, C‑469/15 P, EU:C:2017:308, n.o 38 e jurisprudência referida), qualquer elemento de prova anterior, contemporâneo ou mesmo posterior à conclusão do acordo em causa pode ser tomado em consideração se for suscetível de esclarecer a existência ou ausência de uma relação de concorrência entre as empresas em causa no momento da conclusão desse acordo, como o Tribunal de Geral salienta, em substância, no n.o 141 do acórdão recorrido.

68

Em contrapartida, como salientou a advogada‑geral nos n.os 90 e 91 das suas conclusões, tais elementos de prova relativos a acontecimentos posteriores à conclusão do referido acordo, e especialmente os que digam respeito ao desenlace posterior do litígio que tinha justificado a conclusão desse mesmo acordo, não podem ser tomados em consideração para apreciar, e se necessário infirmar a posteriori, a existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes nesse mesmo acordo no momento da conclusão deste.

69

Com efeito, tais elementos desconhecidos das partes à data da conclusão do acordo em causa são insuscetíveis de ter influenciado o seu comportamento no mercado e, portanto, de clarificar a existência ou a ausência de uma relação de concorrência entre as empresas em causa no momento da conclusão desse acordo.

70

Por consequência, foi sem incorrer em erro de direito nem inverter o ónus da prova que o Tribunal Geral considerou, nos n.os 141 e 254 do acórdão recorrido, que podiam ser tidos em consideração elementos de prova posteriores aos acordos controvertidos, concretamente, documentos que reflitam a perceção que tinham as partes nesses acordos da força das novas patentes de processo da Lundbeck no momento de os concluir, quando permitam determinar qual era a posição das partes nos referidos acordos à época da sua conclusão.

71

É igualmente sem se contradizer que o Tribunal Geral pôde, ao mesmo tempo, nos n.os 141 e 254 do acórdão recorrido, aceitar as mesmas provas posteriores aos acordos controvertidos e, nos n.os 136 e 143 a 146 desse acórdão, recusar ter em conta outros elementos apresentados pela Lundbeck igualmente posteriores a esses acordos, a saber, principalmente a confirmação, tanto pela Câmara de Recurso do IEP como pelo Instituto de Patentes dos Países Baixos, da validade da patente de cristalização em todos os seus aspetos pertinentes em 2009, bem como o facto de terem sido dirigidas à Lundbeck «injunções preliminares ou outras formas de medidas provisórias» em mais de 50 % dos processos que esta tinha instaurado ao longo dos anos de 2002 e 2003.

72

Com efeito, embora os primeiros elementos de prova possam contribuir para demonstrar qual era a posição das partes nos acordos controvertidos à época da sua conclusão, como foi recordado no n.o 70 do presente acórdão, os segundos elementos de prova, relativos a acontecimentos posteriores à conclusão desses acordos e, por consequência, desconhecidos das partes nesses acordos são, como o Tribunal Geral salientou em substância nos n.os 145 e 146 do acórdão recorrido, insuscetíveis de ter influenciado o seu comportamento no mercado e, por conseguinte, de clarificar a existência ou a ausência de uma relação de concorrência entre as empresas em questão no momento da conclusão dos referidos acordos.

73

Além disso, a Lundbeck censura ao Tribunal Geral o facto de este ter concluído pela existência de uma concorrência potencial entre ela e os fabricantes de medicamentos genéricos com base em provas subjetivas tomadas em consideração nos n.os 126 e 254 do acórdão recorrido.

74

A este respeito, importa salientar que, embora a existência de uma concorrência potencial entre duas empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção deva ser apreciada tendo em conta os elementos objetivos recordados no n.o 57 do presente acórdão, não deixa de ser certo que a mesma pode ser corroborada por elementos complementares [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 54], incluindo elementos de natureza subjetiva [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 42], quando estes não se afiguram determinantes para os fins da apreciação efetuada.

75

Daí resulta que a tomada em consideração de elementos subjetivos a fim de demonstrar a existência de uma relação de concorrência potencial entre duas ou várias empresas não pode ser excluída desde que a referida relação não seja demonstrada exclusivamente ou essencialmente através desses elementos.

76

Isto é particularmente verdade no que diz respeito à perceção que o fabricante de medicamentos originais tem do risco que representa para os seus interesses comerciais o fabricante de medicamentos genéricos em questão, perceção essa que é pertinente para apreciar a existência de uma concorrência potencial, uma vez esta que condiciona o comportamento no mercado do fabricante de medicamentos originais [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 42 e 57].

77

Ora, como resulta dos n.os 142 e 147 do acórdão recorrido, em relação aos quais não se alega de modo nenhum nem a fortiori se demonstra que procedem de uma desvirtuação dos elementos de facto ou de prova, o Tribunal Geral constatou definitivamente que é sem razão que a Lundbeck afirma que a Comissão se baseou «quase exclusivamente» em tais avaliações subjetivas na decisão controvertida para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre ela e os fabricantes de medicamentos genéricos.

78

A este respeito, é salientado no referido n.o 142 que a Comissão procedeu a um exame minucioso, para cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos em questão, das possibilidades reais e concretas que tinham de entrar no mercado, baseando‑se em elementos objetivos tais como os investimentos já realizados, as diligências efetuadas a fim de obter uma AIM e os contratos de fornecimento celebrados com os seus fornecedores de IFA, designadamente. Além disso, no n.o 144 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral declarou que o elemento mais probatório é o próprio facto de a Lundbeck ter concluído acordos com os fabricantes de medicamentos genéricos a fim de atrasar a sua entrada no mercado, o que o Tribunal de Justiça já salientou no Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 55 e jurisprudência referida).

79

Além disso, contrariamente ao que alega a Lundbeck no âmbito da segunda parte do presente fundamento, o Tribunal Geral não procedeu, no n.o 254 do acórdão recorrido, à inversão do ónus da prova em detrimento de Lundbeck. No referido número do acórdão recorrido, o Tribunal Geral limitou‑se, em substância, a constatar que a Lundbeck não tinha fornecido elementos de prova que permitissem pôr em causa as conclusões decorrentes dos elementos de prova invocados pela Comissão na decisão controvertida. Com efeito, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em matéria de responsabilidade por uma infração às regras da concorrência, os elementos factuais invocados por uma parte podem ser de molde a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova foi observado (Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 80, e de 18 de janeiro de 2017, Toshiba/Comissão, C‑623/15 P, não publicado, EU:C:2017:21, n.o 52).

80

Consequentemente, a segunda parte, na sua parte admissível, e terceira parte do quarto fundamento devem ser julgadas improcedentes.

81

Por último, no que respeita à quarta a sétima partes do quarto fundamento, no âmbito das quais a Lundbeck sustenta que foi sem razão que o Tribunal Geral considerou que a mesma se encontrava pelo menos em situação de concorrência potencial com a Merck (GUK) no Reino Unido e nos outros países do EEE, em situação de concorrência potencial com a Arrow no Reino Unido e na Dinamarca e em situação de concorrência potencial com a Alpharma e a Ranbaxy no EEE, deve salientar‑se que estas alegações são parcialmente inadmissíveis, como foi constatado nos n.os 49 e 50 do presente acórdão, na medida em que se destinam a obter do Tribunal de Justiça um reexame total ou parcial dos elementos de prova apreciados pelo Tribunal Geral.

82

Na medida em que não se destinam a este fim, estas alegações da Lundbeck, por um lado, retomam as críticas metodológicas, em relação às quais foi constatado, em reposta à primeira a terceira parte do presente fundamento, que eram infundadas e, por outro, que visam criticar, em substância, o Tribunal Geral pelo facto de este ter declarado a existência de uma concorrência, pelo menos, potencial ou entre a Lundbeck e os fabricantes de medicamentos genéricos, e isto mesmo que estes últimos não dispusessem de uma AIM para os seus medicamentos genéricos respetivos no momento da conclusão dos acordos controvertidos.

83

A este respeito, embora a detenção por um fabricante de medicamentos genéricos de uma AIM válida seja, é certo, necessária à sua entrada no mercado e, por conseguinte, à constatação da existência de uma concorrência real entre este último e um fabricante de medicamentos originais correspondentes aos referidos medicamentos genéricos, não é menos certo que o facto de um fabricante de medicamentos genéricos não dispor dessa AIM no momento da conclusão de um acordo com um fabricante de medicamentos originais não pode, como sustenta a Lundbeck, excluir, enquanto tal, qualquer concorrência potencial entre esses dois fabricantes de medicamentos.

84

Com efeito, como foi recordado em substância no n.o 57 do presente acórdão, na ausência de uma barreira intransponível à entrada no mercado, a existência de uma concorrência potencial entre um fabricante de medicamentos genéricos e um fabricante de medicamentos originais pressupõe unicamente que o fabricante de medicamentos genéricos tenha efetuado diligências preparatórias suficientes que lhe permitam entrar no mercado em questão num prazo que possa exercer uma pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais, sem que seja pertinente saber se as referidas diligências serão efetivamente finalizadas em tempo útil ou se serão coroadas de sucesso, como salienta com razão o Tribunal Geral nos n.os 313 e 314 do acórdão recorrido.

85

Foi, de resto, neste sentido que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de indicar que, no setor farmacêutico, uma concorrência potencial pode ser exercida muito antes de expirar uma patente que proteja o princípio ativo de um medicamento original, na medida em que os fabricantes de medicamentos genéricos querem estar prontos para entrar no mercado no momento dessa expiração [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Genéricos (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 51].

86

Ora, a título dessas diligências preparatórias que permitam demonstrar a determinação firme e a capacidade própria de um fabricante de medicamentos genéricos de aceder ao mercado de um medicamento que contenha um princípio ativo que tenha caído no domínio público figuram, designadamente, as diligências destinadas a permitir‑lhe dispor das AIM ou das autorizações equivalentes necessárias à comercialização do seu medicamento genérico, cuja realidade o Tribunal Geral estabeleceu, no caso em apreço, nos n.os 171 a 179, 230, 231, 246, 249, 269, 290 e 312 a 326 do acórdão recorrido, para cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos em questão e considerou suficiente para exercer pressão concorrencial sobre a Lundbeck [v., por analogia, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 134].

87

Consequentemente, é sem incorrer em erro de direito que o Tribunal Geral pôde considerar, no n.o 171 do acórdão recorrido, que as diligências de cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos em questão com vista a obter uma AIM dos medicamentos em questão constituíram indícios pertinentes para estabelecer a existência de uma concorrência potencial entre estes e a Lundbeck.

88

Além disso, importa salientar que as conclusões pela existência de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e cada um dos fabricantes de medicamentos genéricos em causa apoiam‑se num conjunto de indícios concordantes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 44] que traduz a tomada em consideração pelo Tribunal Geral não só das possibilidades reais e concretas para cada um dos referidos fabricantes de obter as AIM ou as autorizações equivalentes mas igualmente, como resulta do n.o 181 do acórdão recorrido, de um conjunto de fatores que tenham em conta a situação específica de cada fabricante de medicamentos genéricos no momento de concluir os acordos controvertidos bem como o facto de a Lundbeck se ter comprometido em acordos com fabricantes de medicamentos genéricos ainda não presentes no mercado [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 55 a 57].

89

Assim, é igualmente sem cometer nenhum erro de direito que o Tribunal Geral pôde concluir no acórdão recorrido que a Lundbeck se encontrava pelo menos em situação de concorrência potencial com a Merck (GUK) no Reino Unido e noutros países do EEE, como resulta igualmente dos Acórdãos hoje proferidos no processo C‑588/16 P, Generics (UK)/Comissão (n.o 36), e no processo C‑614/16 P, Merck/Comissão (n.o 45), em situação de concorrência potencial com a Arrow no Reino Unido e na Dinamarca, como resulta igualmente n.o 48 do Acórdão hoje proferido no processo C‑601/16 P, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão, bem como em situação de concorrência potencial com a Alpharma e a Ranbaxy no EEE, como resulta igualmente dos Acórdãos hoje proferidos no processo C‑611/16 P, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (n.o 59), e no processo C‑586/16 P, Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (n.o 43).

90

Consequentemente, há que julgar improcedentes a quarta a sétima partes do quarto fundamento, no que respeita à sua parte admissível.

91

Em face do exposto, o quarto fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao primeiro a terceiro fundamentos

92

Com o primeiro a terceiro fundamentos, a Lundbeck contesta a qualificação de «restrições por objetivo» dos acordos controvertidos. Por conseguinte, há que examiná‑los conjuntamente.

Quanto aos números pertinentes do acórdão recorrido

93

Com o segundo a sexto fundamentos invocados em apoio do seu recurso de anulação, relativos, em substância, à violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, cuja rejeição é contestada no presente recurso unicamente em relação ao segundo, terceiro, quarto e sexto fundamentos, a Lundbeck alegou que a Comissão tinha cometido vários erros de direito e de apreciação ao considerar que os acordos controvertidos deviam ser qualificados, na decisão controvertida, de «restrições por objetivo».

94

Após ter recordado, nos n.os 338 a 344 do acórdão recorrido, os princípios e a jurisprudência aplicáveis no que respeita à qualificação de «restrição por objetivo», o Tribunal Geral rejeitou cada um desses fundamentos.

95

Para rejeitar o segundo fundamento de anulação, relativo a um erro de direito e de facto e a uma falta de fundamentação quanto à apreciação do papel das transferências de valor nos acordos controvertidos, o Tribunal Geral salientou, nomeadamente, nos n.os 361 a 363 do acórdão recorrido, que as partes nesses acordos discordavam sobre a questão de saber se as novas patentes de processo da Lundbeck eram suficientemente fortes para excluir uma entrada do citalopram genérico no mercado, pelo que essas patentes não podem ter sido decisivas para que os fabricantes de medicamentos genéricos não se comprometessem a não entrar no mercado.

96

Declarou igualmente, no n.o 366 desse acórdão, que a Comissão se baseou, na decisão controvertida, num conjunto de elementos de prova destinado a demonstrar que foi principalmente a importância dos pagamentos invertidos pagos pela Lundbeck aos fabricantes de medicamentos genéricos que tinha incitado estes últimos a aceitarem as limitações que regem a sua conduta e não a existência das novas patentes de processo da Lundbeck ou ainda a vontade de evitar as despesas ligadas a um eventual litígio.

97

Além disso, depois de atender aos argumentos da Lundbeck quanto ao facto, designadamente, de os danos a que os fabricantes de medicamentos genéricos poderiam ser condenados a pagar serem frequentemente muito inferiores aos danos sofridos pelo fabricante de medicamentos originais em caso de entrada ilegal no mercado, o Tribunal Geral considerou, no n.o 387 do referido acórdão, que não se pode aceitar que as empresas tentem atenuar os efeitos das regras jurídicas que consideram excessivamente desfavoráveis através da conclusão de acordos que têm por objeto corrigir essas desvantagens com o pretexto de que essas regras criam um desequilíbrio em seu detrimento.

98

Por último, nos n.os 398 e 399 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral rejeitou o argumento da Lundbeck segundo o qual os acordos controvertidos não continham nenhuma cláusula que impedisse os fabricantes de medicamentos genéricos de contestarem a validade das suas novas patentes de processo, pelo que esses acordos não teriam suprimido qualquer incitação para estes entrarem no mercado. A este respeito, salientou, por um lado, que a decisão controvertida demonstrava unicamente que os pagamentos invertidos previstos pelos acordos controvertidos incentivavam ou induziam os fabricantes de medicamentos genéricos a aceitar limitações à sua autonomia comercial que não teriam aceitado na ausência desses acordos e não eliminavam qualquer incentivo a esse respeito e, por outro lado, que, de qualquer modo, mesmo que os acordos controvertidos não contivessem nenhuma cláusula de não contestação, os fabricantes de medicamentos genéricos não tinham nenhum interesse em contestar as novas patentes de processo da Lundbeck depois de ter concluído os acordos controvertidos, uma vez que os pagamentos invertidos correspondiam aproximadamente aos lucros que esperavam realizar em caso de entrada no mercado ou às indemnizações que teriam podido ser‑lhes pagas se tivessem obtido ganho de causa contra a Lundbeck no termo de um processo contencioso.

99

Para rejeitar o terceiro fundamento de anulação relativo a um erro de direito cometido na aplicação dos princípios relativos ao objetivo restritivo da concorrência, o Tribunal Geral considerou nomeadamente, respetivamente nos n.os 435 e 438 do acórdão recorrido, que os acordos controvertidos eram comparáveis aos acordos de exclusão do mercado, que figuram entre as restrições mais graves da concorrência, e que não é exigido que o mesmo tipo de acordos já tenha sido condenado pela Comissão para que estes possam ser considerados uma restrição da concorrência por objetivo. Quanto ao argumento de que a decisão controvertida está viciada de um erro de direito na medida em que não admite que, no caso em apreço, o «cenário contrafactual» exclui a possibilidade de constatar uma restrição da concorrência por objetivo, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 472 e 473 do acórdão recorrido, que, no que respeita às restrições da concorrência por objetivo, a Comissão tinha unicamente de demonstrar que os acordos controvertidos apresentavam um grau suficiente de nocividade para a concorrência, tendo em conta o teor das suas disposições, os objetivos que visavam alcançar, bem como o contexto económico e jurídico em que se inseriam, sem, no entanto, ser obrigada a examinar os seus efeitos, uma vez que o exame de um hipotético «cenário contrafactual» se assemelhava mais a um exame dos efeitos dos acordos controvertidos no mercado do que a um exame objetivo do caráter suficientemente nocivo destes na concorrência.

100

Para rejeitar o quarto fundamento de anulação, relativo a um erro de direito e a uma falta de fundamentação quanto à rejeição do critério do âmbito de aplicação da patente como norma essencial de avaliação dos acordos de resolução amigável em matéria de patentes no âmbito do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente nos n.os 491 e 495 do acórdão recorrido, que o argumento da Lundbeck, segundo o qual as restrições contratuais abrangidas pelo âmbito temporal, territorial e material dos direitos do titular da patente não violam o direito da concorrência, pelo facto de essas restrições serem análogas às inerentes à patente subjacente, era problemático, por um lado, na medida em que leva a presumir que um medicamento genérico viola a patente do fabricante de medicamentos originais e permite assim excluir o medicamento genérico com essa base, ao passo que o caráter infrator ou não do medicamento genérico é uma questão não resolvida, e, por outro, na medida em que se baseia na presunção segundo a qual qualquer patente invocada no âmbito de uma resolução amigável seria considerada válida em caso de contestação da sua validade, quando não existiria fundamento para esse efeito, de direito ou na prática, acrescentando ao mesmo tempo que o facto de certas restrições contidas nos acordos controvertidos terem sido consideradas pela Comissão como situando‑se potencialmente no âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck significa unicamente que esta teria podido obter restrições comparáveis através de decisões judiciais tomadas para a aplicação das suas patentes, no caso de esta ter obtido ganho de causa nos órgãos jurisdicionais competentes. No n.o 515 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou igualmente que a questão de saber se as restrições previstas nos acordos controvertidos saíam do âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck foi considerada um fator pertinente, mas não decisivo, para demonstrar a existência de uma restrição por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

101

Para rejeitar o sexto fundamento de anulação, relativo a um erro manifesto de apreciação dos factos na medida em que a decisão controvertida conclui que os acordos controvertidos continham restrições que excediam as inerentes ao exercício dos direitos conferidos pelas novas patentes de processo da Lundbeck, o Tribunal Geral decidiu, nos n.os 539 e 572 do acórdão recorrido, que, mesmo que esses acordos não tivessem ido além do âmbito de aplicação dessas novas patentes, os referidos acordos teriam no entanto constituído restrições da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, do TFUE, dado que consistiram em acordos com vista a atrasar a entrada dos fabricantes de medicamentos genéricos no mercado, em troca de pagamentos invertidos importantes, o que transformou a incerteza relativa a essa entrada na certeza de que não teria tido lugar durante a vigência dos acordos controvertidos.

Argumentos das partes

102

Com o seu primeiro fundamento, composto por quatro partes, dirigido contra os n.os 335, 491, 495, 515, 536, 539, 572 e 801 do acórdão recorrido, a Lundbeck, apoiada pela EFPIA, censura ao Tribunal Geral um erro de direito ao aprovar a decisão controvertida, na medida em que concluiu que os acordos controvertidos eram restritivos da concorrência por objetivo, apesar de as restrições previstas por esses acordos serem abrangidas pelo âmbito de aplicação das novas patentes de processo de que é detentora.

103

Em substância, a Lundbeck alega, em primeiro lugar, que, em razão da exigência de interpretar estritamente o conceito de «restrição por objetivo», os acordos controvertidos não podem ser considerados nocivos, em razão da sua própria natureza, para a concorrência, uma vez que comportam restrições comparáveis àquelas que o titular das patentes em questão teria podido obter através de uma decisão judicial que imponha o respeito das suas patentes. Do mesmo modo, foi sem razão que o Tribunal Geral considerou que a existência de pagamentos invertidos e o seu caráter desproporcionado eram decisivos para a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos.

104

Em segundo lugar, a Lundbeck sustenta que o Tribunal Geral não apreciou corretamente o contexto económico e jurídico dos acordos controvertidos, o que permitiria explicar as razões pelas quais fez os pagamentos em questão aos fabricantes de medicamentos genéricos. A este respeito, a Lundbeck indica principalmente que a resolução amigável em caso de litígio sobre patentes constitui um modo de prevenção dos litígios legítimo e frequente e que não levanta, por si só, problemas de concorrência e que a assimetria dos riscos entre o titular da patente e os fabricantes de medicamentos genéricos, conduzindo os primeiros a não poderem obter uma compensação integral dos danos ligados a uma entrada ilegal no mercado dos medicamentos genéricos, justifica resoluções amigáveis mesmo que as patentes em causa sejam objetivamente sólidas e contrafeitas.

105

Em terceiro lugar, a Lundbeck considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao recusar, nos n.os 466 a 477 do acórdão recorrido, impor à Comissão que examinasse o «cenário contrafactual» em questão, porque tal exame seria um elemento necessário a ter em conta no âmbito de qualquer análise concorrencial, mesmo quando se considere que o acordo em causa comporta uma restrição por objetivo, a fim de estabelecer o nexo de causalidade entre a prática em causa e a restrição invocada e para excluir que essa restrição possa ser causada por outros fatores, tais como, no caso em apreço, a existência de patentes. Na sua resposta à pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020, a Lundbeck declarou que esse erro de direito é confirmado pela importância que o Tribunal de Justiça atribuiu ao exame do referido cenário no n.o 37 do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52).

106

Em quarto lugar, a Lundbeck considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao equiparar, nos n.os 435 e 470 a 476 do acórdão recorrido, os acordos controvertidos a acordos de exclusão de mercado não dissimulados por se tratar de acordos entre concorrentes reais ou potenciais. Com efeito, estes acordos prosseguiriam objetivos legítimos. Além disso, à época dos acordos controvertidos, não existiu nenhuma experiência nem nenhum acordo unânime sobre a qualificação de «restrições por objetivo», quer tendo em conta a jurisprudência quer a prática decisória das autoridades europeias e nacionais da concorrência. Muito mais, resulta das comunicações da KFST que, nessa época, acordos como os acordos controvertidos se situavam numa zona cinzenta, não revelando assim um grau suficiente de nocividade para a concorrência de molde a permitir a sua qualificação de «restrição por objetivo».

107

Por último, no âmbito da sua resposta à pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020, a Lundbeck alegou que os acordos controvertidos não podiam ser qualificados de «restrição por objetivo», uma vez que, contrariamente aos que estão em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), não continham cláusulas de não contestação das patentes em questão.

108

Com o seu segundo fundamento, a Lundbeck considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova ao não aplicar o critério jurídico adequado para concluir que cinco dos seis acordos controvertidos — a saber, o acordo GUK para o EEE, o acordo Arrow UK, o acordo Arrow dinamarquês, o acordo Alpharma e o acordo Ranbaxy — saíam do âmbito de aplicação das suas novas patentes de processo. Com efeito, esses acordos, nomeadamente lidos à luz do direito nacional aplicável, não revelam nenhum concurso de vontades de retirar os referidos acordos do âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck e, por conseguinte, de aplicar esses mesmos acordos ao citalopram não infrator.

109

Com o seu terceiro fundamento, evocado a título subsidiário para o caso de o Tribunal de Justiça rejeitar, no todo ou em parte, o segundo fundamento e assim confirmar que cinco ou menos dos seis acordos controvertidos estão excluídos do âmbito de aplicação das novas patentes de processo de Lundbeck, esta última alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar esses acordos de «restrição por objetivo» pelos motivos evocados na segunda, terceira e quarta partes do primeiro fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

110

A título preliminar, deve salientar‑se que as críticas formuladas pela Lundbeck são de duas ordens, pondo a primeira, segunda e quarta partes do primeiro fundamento em causa a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos e contestando a terceira parte desse fundamento a metodologia para chegar a essa qualificação e, mais especialmente, o facto de o Tribunal Geral não ter examinado do «cenário contrafactual».

111

Importa, portanto, examinar, num primeiro momento, a primeira, segunda e quarta partes do primeiro fundamento, consideradas em conjunto, e depois, num segundo momento, a terceira parte deste fundamento.

112

No que respeita, em primeiro lugar, à primeira, segunda e quarta partes do primeiro fundamento, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, como recordou o Tribunal Geral no n.o 343 do acórdão recorrido, que o conceito de «restrição por objetivo» deve ser interpretado de modo estrito e só pode ser aplicado a certos acordos entre empresas que revelem, em si mesmos e tendo em conta o teor das suas disposições, objetivos que prosseguem, bem como o contexto económico e jurídico no qual se inserem, um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência para que se possa considerar que um exame dos seus efeitos não é necessário, uma vez que certas formas de coordenação entre empresas podem ser consideradas, pela sua própria natureza, nocivas para o bom funcionamento do jogo normal concorrência [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 67 e jurisprudência referida].

113

No que respeita a acordos semelhantes de resolução amigável de litígios relativos a uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo que caiu no domínio público concluídos entre um fabricante de medicamentos originais e vários fabricantes de medicamentos genéricos e que tenham tido por efeito adiar a entrada no mercado de medicamentos genéricos em contrapartida de transferências de valores de caráter monetário ou não monetário do primeiro em proveito dos segundos, o Tribunal de Justiça decidiu que tais acordos não podem ser considerados, em todos os casos, como «restrições por objetivo» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85].

114

Todavia, a qualificação de «restrição por objetivo» deve ser acolhida quando resulta do exame do acordo de resolução amigável em questão que as transferências de valores previstas por este se explicam unicamente pelo interesse comercial tanto do titular da patente em causa como do alegado infrator em não competir com base nos méritos, na medida em que acordos mediante os quais os concorrentes substituam cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre eles são manifestamente abrangidos pela qualificação de «restrição por objetivo» [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 83 e 87].

115

Para efeitos desse exame, importa, em cada caso concreto, apreciar se o saldo positivo líquido das transferências de valores do fabricante de medicamentos originais em proveito do fabricante de medicamentos genéricos era suficientemente importante para incitar efetivamente este último a renunciar a entrar no mercado em causa e, portanto, a não competir, pelos seus méritos, com o fabricante de medicamentos originais, sem que se exija que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que esse fabricante de medicamentos genéricos teria realizado se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 93 e 94].

116

No caso em apreço, resulta do acórdão recorrido que os acordos controvertidos tiveram por efeito manter fora dos mercados em questão os fabricantes de medicamentos genéricos e para um deles — a saber, a Merck (GUK) — acarretou a cessação do fornecimento a um revendedor que opera no mercado sueco dos medicamentos genéricos em questão e a sua saída do mercado britânico, como resulta do n.o 131 do acórdão recorrido.

117

Além disso, os n.os 361 a 363 e o n.o 366 do acórdão recorrido, que não são contestados pela Lundbeck no âmbito do seu recurso, evidenciam, primeiro, o facto de que as partes nos acordos controvertidos estavam, previamente à conclusão destes, em desacordo sobre a questão de saber se as novas patentes de processo da Lundbeck eram suficientemente sólidas para excluir uma entrada do citalopram genérico no mercado, pelo que essas patentes não poderiam ter sido decisivas para que os fabricantes de medicamentos genéricos se comprometessem a não entrar no mercado. Em segundo lugar, resulta igualmente desses números que a Lundbeck não contesta que os montantes que pagou a esses fabricantes tenham podido ser calculados com base nos lucros ou no volume de negócios que estes últimos esperavam obter durante a vigência dos acordos controvertidos se tivessem entrado no mercado. Em terceiro lugar, os referidos números salientam ainda o facto de que os elementos de prova relativos ao período anterior à conclusão dos acordos controvertidos demonstram que os fabricantes de medicamentos genéricos tinham feito esforços consideráveis para se prepararem para a entrada no mercado e que não tinham a intenção de renunciar a esses esforços em razão das novas patentes de processo da Lundbeck e, portanto, que foi principalmente a importância dos pagamentos invertidos em proveito dos fabricantes de medicamentos genéricos que tinha incitado estes últimos a aceitar as limitações que regem a sua conduta.

118

Tendo em conta estas constatações factuais e sem que seja necessário saber se foi acertadamente que o Tribunal Geral pôde equiparar, nos n.os 435 e 476 do acórdão recorrido, os acordos controvertidos a acordos de exclusão ou mesmo acordos de repartição de mercado, foi sem incorrer em erro de direito que este concluiu que os acordos controvertidos estavam abrangidos pela qualificação de «restrição por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e isso tanto mais que a Lundbeck não alegou de modo algum, em particular no âmbito da sua resposta à pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020, que as transferências de valores que acompanharam os acordos controvertidos tenham podido ser justificadas pela existência de eventuais contrapartidas ou de renúncias comprovadas e legítimas de um ou outro dos fabricantes de medicamentos genéricos.

119

Tal conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos aduzidos pela Lundbeck.

120

Em primeiro lugar, a Lundbeck não pode validamente invocar, para afastar a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos, o facto de estes terem sido limitados unicamente ao âmbito de aplicação das novas patentes de processo cujo respeito esta tinha o direito de obter.

121

Com efeito, embora a conclusão, pelo titular de uma patente, de um acordo amigável com um alegado infrator que não exceda o âmbito e o prazo de validade restante dessa patente constitua, é certo, a expressão do direito de propriedade intelectual desse titular e o autorize, designadamente, a opor‑se a qualquer infração, não é menos certo que essa patente não autoriza o seu titular a celebrar contratos que infrinjam o artigo 101.o TFUE [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 97].

122

Ora, como acertadamente o Tribunal Geral salientou no n.o 495 do acórdão recorrido, mesmo que os acordos controvertidos contivessem igualmente restrições potencialmente abrangidas pelo âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck, «esses acordos foram além do objeto específico dos seus direitos de propriedade intelectual, que incluíam, é certo, o direito de se opor a contrafações, mas não o de concluir acordos pelos quais concorrentes reais ou potenciais no mercado fossem pagos para não entrar no mercado», o que é confirmado em substância pelos n.os 117 e 118 do presente acórdão.

123

Por conseguinte, é sem fundamento que a Lundbeck tenta invocar o facto de que os acordos controvertidos constituiriam a expressão legítima do direito de propriedade intelectual de que esta é titular. De qualquer modo, tal alegação assenta no duplo postulado, não demonstrado no momento da conclusão dos referidos acordos, de que a validade das novas patentes de processo da Lundbeck não pode ser posta em causa e de que os fabricantes de medicamentos genéricos as infringem [v., neste sentido Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 88].

124

Em segundo lugar, a Lundbeck também não pode sustentar, para afastar a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos, que estes prosseguiam objetivos legítimos, na medida em que se destinavam a assegurar a defesa das suas novas patentes de processo através do recurso a um modo legítimo e frequente de resolução dos diferendos ou que correspondiam a uma assimetria de riscos existente entre os fabricantes de medicamentos originais e os fabricantes de medicamentos genéricos.

125

No que respeita, por um lado, ao argumento segundo o qual os referidos acordos se destinavam a assegurar a defesa das novas patentes de processo da Lundbeck mediante recurso a um modo legítimo e frequente de resolução dos diferendos, basta recordar, como já foi mencionado no n.o 121 do presente acórdão e indicado, em substância, pelo Tribunal Geral no n.o 495 do acórdão recorrido, que uma patente não autoriza o seu titular a celebrar contratos que violem o artigo 101.o TFUE.

126

No que respeita, por outro lado, ao argumento segundo o qual os acordos controvertidos constituem uma resposta ao facto, além do mais constatado pelo Tribunal Geral no n.o 378 do acórdão recorrido, de que as indemnizações que os fabricantes de medicamentos originais podem reclamar em caso de entrada ilegal de medicamentos genéricos no mercado são frequentemente em larga medida inferiores aos danos sofridos pelos primeiros, importa recorda que cabe às autoridades públicas e não a empresas privadas assegurar o respeito das prescrições legais [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 88].

127

Assim, como o Tribunal Geral acertadamente salientou no n.o 387 do acórdão recorrido, não se pode aceitar que empresas tentem dissimular os efeitos das regras jurídicas que consideram excessivamente desfavoráveis celebrando acordos que tenham por objeto corrigir essas desvantagens a pretexto de que essas regras criam um desequilíbrio em seu detrimento.

128

Consequentemente, as circunstâncias referidas pela Lundbeck não podem legitimar uma violação do artigo 101.o TFUE, e menos ainda uma prática colusiva relativamente à qual foi constatado que apresenta o grau suficiente de nocividade para a concorrência para ser qualificada de «restrição por objetivo».

129

Em terceiro lugar, a Lundbeck também não pode invocar, para afastar a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos, o facto de, no momento da conclusão desses acordos, existirem dúvidas quanto à possibilidade de adotar essa qualificação tratando‑se de acordos como os acordos controvertidos, tendo em conta designadamente a inexistência de prática decisória relativa a tais acordos e as dúvidas com origem, segundo a Lundbeck, em certas declarações da KFST e da Comissão.

130

Com efeito, como o Tribunal Geral acertadamente assinalou nos n.os 438 e 774 do acórdão recorrido, não é, de modo nenhum, exigido que o mesmo tipo de acordos já tenha sido condenado pela Comissão para que estes possam ser considerados restritivos da concorrência por objetivo, e isso mesmo que estes sejam concluídos num contexto específico como o dos direitos de propriedade intelectual.

131

Para efeito da qualificação de «restrição por objetivo» de um dado acordo, apenas importam as características próprias deste [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85], do qual deve ser deduzida a eventual nocividade particular para a concorrência, se necessário em resultado de uma análise pormenorizada desse acordo, dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico em que se insere.

132

Do mesmo modo, tomadas de posição contraditórias, algumas das quais são simplesmente adiadas, pela Comissão e por uma autoridade nacional da concorrência em ligação com um acordo, tais como as evocadas nos n.os 747 a 751 do acórdão recorrido, pressupondo‑as apuradas, não podem levar a excluir qualquer possibilidade de qualificar esse acordo de «restrição por objetivo» uma vez que não está de modo nenhum demonstrado que são fruto de uma análise como a referida no número anterior.

133

Em quarto lugar, a Lundbeck não pode, por último, invocar, para afastar a qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos, o facto de esses acordos não conterem cláusulas de não contestação, contrariamente aos acordos em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), ou ainda de esse acórdão ter evidenciado a importância de ter em consideração os efeitos pró‑concorrenciais dos acordos em causa no âmbito da sua eventual qualificação de «restrição por objetivo».

134

A este respeito, já foi recordado, no n.o 114 do presente acórdão que, no caso de acordos como os acordos controvertidos, importa determinar se, através desses acordos, os concorrentes substituem cientemente uma cooperação prática entre eles pelos riscos da concorrência apreciando, no essencial, se o saldo líquido das transferências de valores que preveem se explica unicamente pelo interesse comercial tanto do titular da patente como do alegado infrator em não praticar uma concorrência pelos méritos.

135

Ora, o Tribunal Geral, no n.o 399 do acórdão recorrido, constatou definitivamente, por um lado, que, mesmo que os acordos controvertidos não contivessem nenhuma cláusula de não contestação, os fabricantes de medicamentos genéricos não tinham nenhum interesse em contestar as novas patentes de processo da Lundbeck após terem concluído os acordos controvertidos, uma vez que os pagamentos invertidos correspondiam aproximadamente aos lucros que teriam podido ser‑lhes pagos em caso de entrada no mercado ou às indemnizações que teriam podido obter se tivessem obtido ganho de causa contra a Lundbeck no termo de um processo contencioso, e, por outro, que, mesmo admitindo que esses pagamentos tivessem sido de montante inferior aos lucros esperados, constituíam, apesar de tudo, um lucro certo e imediato, sem que os fabricantes tivessem sequer de correr os riscos que uma entrada no mercado teria comportado.

136

Tal constatação é suficiente, no caso vertente, para demonstrar que os acordos controvertidos são restritivos da concorrência por objetivo e isso tanto mais que, de qualquer modo, a Lundbeck não refere, no âmbito do presente recurso, nenhum efeito pró‑concorrrencial ligado a esses acordos, não satisfazendo, por esse motivo, o nível de provas exigido pelo Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), em especial o seu n.o 107, a ponto de impor o afastamento da qualificação de «restrição por objetivo» dos referidos acordos em razão das dúvidas razoáveis quanto à nocividade suficiente destes em relação à concorrência.

137

Com efeito, a simples alegação não fundamentada de efeitos pró‑concorrenciais dos acordos controvertidos não pode ser suficiente para excluir a classificação de «restrição por objetivo» destes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 110].

138

Embora, no âmbito do seu recurso de anulação e, mais particularmente, do sétimo fundamento invocado em apoio deste, a Lundbeck tenha, é certo, alegado que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao avaliar incorretamente os ganhos de eficácia dos acordos controvertidos no âmbito da aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE, não deixa de ser verdade que os n.os 708 a 720 do acórdão recorrido pelos quais o Tribunal Geral julgou improcedente o referido fundamento não foram contestados no âmbito do presente recurso e que a fundamentação exposta nestes números não foi invocada com vista a pôr em causa a qualificação de «restrição por objetivo» desses acordos, especialmente por ocasião da resposta da Lundbeck à pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020.

139

No que respeita, em segundo lugar, à terceira parte do primeiro fundamento dirigido contra os n.os 472 e 473 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou, em substância, que não era exigido proceder ao exame do «cenário contrafactual» para qualificar um comportamento de «restrição por objetivo», deve salientar‑se que esse exame permite apreciar os efeitos de uma prática colusória tendo em conta o artigo 101.o TFUE quando a análise da referida prática não revele um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência de modo a permitir a sua qualificação de «restrição por objetivo» [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 115, 118 e jurisprudência referida].

140

Consequentemente, e a menos que seja negada a distinção nítida entre os conceitos de «restrição por objetivo» e «restrição por efeito» resultante da própria letra do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 63], o exame do «cenário contrafactual», que tem por finalidade evidenciar os efeitos de uma prática colusória determinada, não pode impor‑se para efeitos da qualificação de uma prática colusória de «restrição por objetivo».

141

Por conseguinte, e como o Tribunal Geral acertadamente constatou no n.o 472 do acórdão recorrido, importa unicamente, para efeitos da qualificação de tal prática de «restrição por objetivo», demonstrar que esta apresenta um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência tendo em conta o teor das suas disposições, os objetivos que procura atingir e o contexto económico e jurídico em que se insere, sem que a Comissão tenha, porém, de examinar os seus efeitos.

142

Além disso, contrariamente ao que a Lundbeck alega no âmbito da sua resposta à pergunta para resposta por escrito de 6 de fevereiro de 2020, o exame do «cenário contrafactual» não se pode impor em aplicação do n.o 37 do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52).

143

Com efeito, embora, no referido número, o Tribunal de Justiça tenha, é certo, precisado que, quando está em causa um acordo que tenha por consequência manter uma empresa temporariamente fora do mercado, há que determinar se, na ausência do referido acordo, teria havido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado, deve notar‑se que essa precisão dizia respeito à apreciação da existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes num acordo como os que estão em causa no processo que deu origem a esse acórdão e não à qualificação de «restrição por objetivo» dos referidos acordos.

144

Por conseguinte, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

145

Quanto ao segundo fundamento, sem que seja necessário decidir da sua admissibilidade contestada pela Comissão, há que recordar que, no n.o 539 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou, sem incorrer em erro de direito como resulta do n.o 121 do presente acórdão, que, mesmo que os acordos controvertidos não tivessem ido além do âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck, esses acordos constituíram, no entanto, restrições da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Como resulta do n.o 541 do acórdão recorrido, o exame dos argumentos da Lundbeck, o qual é criticado no âmbito do segundo fundamento, foi efetuado pelo Tribunal Geral apenas a título exaustivo. Por conseguinte, sendo dirigido contra motivos exaustivos do acórdão recorrido, o segundo fundamento deve ser julgado inoperante (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2016, SV Capital/ABE, C‑577/15 P, EU:C:2016:947, n.o 65).

146

Por último, constate‑se que, no contexto do seu terceiro fundamento, a Lundbeck remete para a argumentação desenvolvida em apoio do seu primeiro fundamento. Ora, a solução encontrada no que respeita a este primeiro fundamento relativo à qualificação de «restrição por objetivo» dos acordos controvertidos na medida em que são abrangidos unicamente pelo âmbito de aplicação das novas patentes de processo da Lundbeck impõe‑se a fortiori no que respeita ao terceiro fundamento relativo à qualificação de «restrição por objetivo» de alguns dos acordos controvertidos na medida em que excedem o âmbito de aplicação das referidas patentes.

147

Consequentemente, resulta das considerações precedentes que o primeiro a terceiro fundamentos devem ser rejeitados.

Quanto ao quinto fundamento

Quanto aos números pertinentes do acórdão recorrido

148

Com a primeira parte do nono fundamento do seu recurso de anulação, a Lundbeck argumentou que, mesmo que a Comissão pudesse concluir que os acordos controvertidos violavam o artigo 101.o TFUE, nenhum motivo válido a autorizava a aplicar‑lhe coimas no caso vertente, tendo em conta a novidade e a complexidade das questões factuais e jurídicas suscitadas, sob pena de violar os princípios da segurança jurídica e da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege).

149

Para rejeitar este fundamento, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 777 do acórdão recorrido, que, longe de serem imprevisíveis à época, as restrições da concorrência previstas por acordos, através dos quais um fabricante de medicamentos originais teria conseguido afastar concorrentes potenciais do mercado durante um período determinado através de pagamentos invertidos substanciais, podiam ser razoavelmente percebidas pelas partes nesses acordos como sendo contrárias ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, permitindo assim à Comissão sancioná‑las sem violar os princípios da segurança jurídica e da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege).

150

A este respeito, o Tribunal Geral salientou, designadamente, no n.o 776 do acórdão recorrido, que alguns fabricantes de medicamentos genéricos tinham‑se apercebido claramente do caráter infrator de acordos análogos aos acordos controvertidos e tinham recusado assinar tais acordos precisamente por essa razão.

Argumentos das partes

151

Com o seu quinto fundamento, composto por três partes, a Lundbeck censura ao Tribunal Geral o facto de este ter confirmado erradamente as coimas que a Comissão lhe aplicou.

152

Em apoio deste fundamento, a Lundbeck alega, em primeiro lugar, que, no n.o 777 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar de modo errado o nível de culpabilidade exigido para aplicar uma coima ao autor de uma prática anticoncorrencial, só podendo essa coima ser aplicada se for certo — e não unicamente possível — que o seu autor tenha tido conhecimento da natureza anticoncorrencial da infração.

153

Em segundo lugar, tendo em conta o caráter complexo dos acordos controvertidos, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confirmar a conclusão da Comissão segundo a qual a Lundbeck não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento. Além disso, a Lundbeck indica que esta conclusão não podia ser alicerçada pelos documentos, referidos no n.o 776 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral se baseou para esse efeito, pelo menos para todos os acordos controvertidos, sob pena de desvirtuar os referidos documentos.

154

Em terceiro lugar, a Lundbeck critica o Tribunal Geral por ter desrespeitado os princípios da segurança jurídica e da não retroatividade da nova interpretação de uma disposição que estabelece uma infração ao confirmar a pronúncia de sanções que vão além de coimas simbólicas. Deveria ter sido aplicado um montante simbólico em razão, em primeiro lugar, do caráter complexo e inédito das questões suscitadas pelos acordos controvertidos, em segundo lugar, da incerteza existente no momento dos factos quanto à interpretação do artigo 101.o TFUE decorrente, designadamente, das declarações da KFST, bem como, em terceiro lugar, da inexistência de precedentes relativos a tais acordos.

155

A Comissão considera que o quinto fundamento deve ser rejeitado por ser improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

156

Como recordou acertadamente o Tribunal Geral no n.o 762 do acórdão recorrido, uma empresa pode ser sancionada por um comportamento abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando esta não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, quer estivesse ou não ciente de infringir as regras de concorrência do Tratado (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 37).

157

Daqui resulta que o facto de essa empresa qualificar de uma maneira juridicamente errada o seu comportamento em que se baseia a constatação de infração não pode ter por efeito dispensá‑la da aplicação de uma coima, na medida em que esta não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do referido comportamento (Acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 38).

158

Assim, importa apenas saber se a referida empresa estava em condições de determinar que o seu comportamento apresentava caráter anticoncorrencial e não, como sustenta a Lundbeck, saber se esta mesma empresa o tinha efetivamente constatado.

159

A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 764 e 777 do acórdão recorrido, que, longe de serem imprevisíveis à época da conclusão dos acordos controvertidos, as restrições da concorrência previstas por esses acordos podiam razoavelmente ser entendidas pelas partes nos referidos acordos como sendo contrárias ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

160

Para alicerçar essa apreciação, o Tribunal Geral considerou, no essencial, nos n.os 765 a 776 desse acórdão, em primeiro lugar, que nem a letra do artigo 101.o, n.o 1, TFUE nem a jurisprudência relativa a esta disposição em conexão com os direitos de propriedade intelectual, em relação à qual que a Lundbeck não considera que tenha sido mal interpretada pelo Tribunal Geral, deixavam margem para dúvidas quanto ao facto de os acordos controvertidos serem contrários ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em segundo lugar, que a tomada de posição da KFST em relação a esses acordos, admitindo que fosse equívoca, não podia criar qualquer confiança legítima quanto à inexistência de sanção dos referidos acordos, em terceiro lugar, que o caráter inédito da sanção dos acordos controvertidos não podia justificar coimas limitadas a um montante simbólico e, em quarto lugar, que alguns fabricantes de medicamentos genéricos tinham‑se efetivamente apercebido do caráter infrator de acordos análogos aos acordos controvertidos e tinham recusado, precisamente por essa razão, assinar tais acordos.

161

Ora, tal fundamentação demonstra suficientemente o caráter, no mínimo, previsível da sanção dos acordos controvertidos.

162

Acresce que a Lundbeck não pode sustentar validamente que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de facto ou de prova ao considerar que certos fabricantes de medicamentos genéricos se tinham efetivamente apercebido do caráter infrator de acordos análogos aos acordos controvertidos e tinham recusado, por esse motivo, assinar tais acordos. Com efeito, para além do facto de essa alegação ser dirigida contra apenas um dos fundamentos em que o Tribunal Geral baseou a sua conclusão, conforme expostos no n.o 160 do presente acórdão, recorde‑se que, tendo em conta a natureza excecional de um fundamento relativo à desvirtuação dos factos e dos elementos de prova, o artigo 256.o TFUE, o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo impõem, em especial, a um requerente que indique com precisão os elementos que foram desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstre os erros de análise que, na sua apreciação, o conduziram a essa desvirtuação (Acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 78 e jurisprudência referida).

163

Ora, apesar de a Lundbeck ter invocado uma desvirtuação dos documentos referidos no n.o 776 do acórdão recorrido, não expôs de modo nenhum quais são os erros de análise pretensamente cometidos pelo Tribunal Geral que o levaram a desvirtuar esses documentos. Consequentemente, na medida em que é relativo a uma pretensa desvirtuação dos elementos de facto e de prova, o quinto fundamento deve ser afastado por ser inadmissível.

164

Além disso, o facto de certos fabricantes de medicamentos genéricos ou membros do pessoal da Lundbeck terem podido expressar dúvidas quanto à legalidade dos acordos controvertidos ou de acordos semelhantes a estes constitui um elemento perfeitamente apto a alicerçar a conclusão segundo a qual a Lundbeck estava em condições de determinar que a sua conduta era ou, no mínimo, poderia ser de natureza anticoncorrencial.

165

Por último, o facto de o Tribunal Geral ter confirmado a aplicação à Lundbeck de coimas que excedem um nível simbólico não viola de modo nenhum o princípio da segurança jurídica, não obstante o caráter inédito e complexo das questões suscitadas pelos acordos controvertidos, a ausência de precedente ou a existência de documentos relativos a esses acordos publicados pela KFST e cujo conteúdo é referido nos n.os 749 a 752 do acórdão recorrido.

166

No que respeita, em primeiro lugar, ao caráter inédito da sanção dos acordos controvertidos, como recordou, em substância, o Tribunal Geral no n.o 763 do acórdão recorrido, o princípio da precisão da lei aplicável, garantido pelo artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não pode ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal através de interpretações jurisprudenciais, desde que estas sejam razoavelmente previsíveis (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 167 e jurisprudência referida).

167

Ora, decorre do n.o 114 do presente acórdão que a qualificação de «restrição por objetivo», e a fortiori a de «restrição da concorrência», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, devem ser tidas em conta quando resulte da análise do acordo de resolução amigável em causa que as transferências de valores previstas por este se explicam unicamente pelo interesse comercial tanto do titular da patente em causa como do alegado infrator em não competir pelos méritos, na medida em que acordos pelos quais os concorrentes substituem cientemente uma cooperação prática entre eles pelos riscos da concorrência são manifestamente abrangidos pela qualificação de «restrição por objetivo».

168

Acresce que o Tribunal Geral constatou, nos n.os 764 e 777 do acórdão recorrido, que a sanção dos acordos controvertidos ao abrigo do artigo 101.o TFUE era previsível pela Lundbeck.

169

No que respeita, em segundo lugar, às indicações resultantes dos documentos emanados da KFST, importa salientar que o Tribunal Geral constatou soberanamente, em substância, nos n.os 749 e 750 e nos n.os 834 e 835 do acórdão recorrido, quer que evidenciavam que a referida autoridade considerava que os acordos controvertidos podiam influenciar a concorrência se se afigurasse que a Lundbeck tinha pagado concorrentes para que estes se mantivessem afastados do mercado e, por essa razão, constituíam infrações muito graves ao artigo 101.o TFUE quer que constituíam a simples relação de uma opinião preliminar da Comissão.

170

Acresce que, como foi acertadamente recordado pelo Tribunal Geral no n.o 748 do acórdão recorrido, as autoridades nacionais da concorrência não podem gerar nas empresas a confiança legítima de que o seu comportamento não infringe o artigo 101.o TFUE, uma vez que estas não são competentes para tomar uma decisão negativa, a saber, uma decisão que conclui pela inexistência de uma violação da referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 42 e jurisprudência referida).

171

Por outro lado, no que respeita à alegação da Lundbeck segundo a qual a aplicação das coimas em causa implica uma violação do princípio da não retroatividade da lei penal, basta salientar que esta alegação apresentada pela primeira vez na fase do recurso constitui um fundamento novo e é, portanto, inadmissível, em conformidade com os artigos 127.o e 190.o, lidos em conjunto, do Regulamento de Processo.

172

Com efeito, como resulta do n.o 757 do acórdão recorrido, a Lundbeck limitou‑se, na primeira parte do seu nono fundamento de anulação, a invocar a violação dos princípios da segurança jurídica e da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege).

173

Consequentemente, o quinto fundamento deve ser julgado, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

Quanto ao sexto fundamento

Quanto aos números pertinentes do acórdão recorrido

174

Com o décimo fundamento do seu recurso de anulação, cuja rejeição apenas da primeira e segunda partes é contestada no âmbito do presente recurso, a Lundbeck alegou que a Comissão tinha cometido vários erros de direito e de facto ao fixar a título de montante de base das coimas que lhe foram aplicadas uma percentagem excessivamente elevada de 10 % e 11 % do valor das vendas do produto em causa, segundo o alcance geográfico dos acordos controvertidos, e ao não limitar a duração das infrações em causa unicamente ao período durante o qual os fabricantes de medicamentos genéricos estavam efetivamente prontos para integrar o mercado, o que pressupunha que, no mínimo, dispunham de uma AIM nos países pertinentes, o que não era o caso, por exemplo, na Áustria.

175

Ao julgar improcedente a primeira parte do décimo fundamento de anulação, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 806 e 812 do acórdão recorrido, que, sem cometer um erro de direito ou violar o princípio da proporcionalidade, a Comissão tinha determinado o montante de base das coimas em causa, em conformidade com o ponto 22 das Orientações para o cálculo das coimas de 2006.

176

Em particular, indicou, no n.o 804 do acórdão recorrido, que, «[c]ontrariamente ao que [a Lundbeck] [alegava] a este respeito, a Comissão não tinha de reduzir o montante de base [das coimas] para ter em conta apenas o valor das vendas em países onde os [fabricantes de medicamentos] genéricos estavam mais avançad[os] nos seus preparativos para entrar no mercado» e que, «[com efeito, no que respeita às infrações por objetivo, na medida em que as infrações constituídas pelos acordos controvertidos (com exceção dos acordos concluídos pela Arrow) tinham um alcance geográfico que se estendia a todo o EEE, a Comissão podia basear‑se nesse alcance geográfico, sem proceder a um exame aprofundado das perspetivas concretas de entrada dos [fabricantes de medicamentos] genéricos em cada Estado[‑Membro] do EEE». O Tribunal Geral precisou, a este respeito, que «foram as partes nos acordos controvertidos que definiram o alcance geográfico desses acordos e, consequentemente, das infrações em causa no caso em apreço ao decidir que estes abrangeriam todo o EEE (com exceção da infração com a Arrow)».

177

Para rejeitar a segunda parte do décimo fundamento de anulação, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 815 e 816 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha demonstrado suficientemente, na decisão controvertida, que a concorrência tinha sido restringida em razão dos acordos controvertidos durante toda a vigência desses acordos e que a Lundbeck não tinha demonstrado que, na falta dos acordos controvertidos, a concorrência — ainda que potencial — entre ela e os fabricantes de medicamentos genéricos teria sido impossível ou inexistente, nem que esses acordos tinham de modo nenhum restringido a concorrência, contrariamente à situação que prevaleceu no caso que deu origem ao Acórdão de 29 de junho de 2012, EON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, EU:T:2012:332). Salientou igualmente que a solução inversa levaria a negar a distinção entre «concorrência real» e «concorrência potencial».

178

Por último, no n.o 842 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu, no exercício dos seus poderes de plena jurisdição, que não havia, no caso em apreço, que conceder o benefício de circunstâncias atenuantes e que o montante das coimas aplicadas à Lundbeck na decisão controvertida devia ser confirmado.

Argumentos das partes

179

Com o seu sexto fundamento, apresentado a título subsidiário e composto por três partes, a Lundbeck alega que a confirmação pelo Tribunal Geral do cálculo das coimas que lhe foram aplicadas pela Comissão é juridicamente errada e está insuficientemente fundamentada.

180

Em apoio deste fundamento, a Lundbeck considera, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não considerar necessário, no n.o 804 do acórdão recorrido, excluir, para efeitos de cálculo das coimas que lhe foram aplicadas, as vendas não suscetíveis de ter sido afetadas pelos acordos controvertidos, a saber, as vendas realizadas pela Lundbeck em certos Estados‑Membros do EEE cujo mercado estava na realidade fechado para os fabricantes de medicamentos genéricos, pelo facto de nenhuma AIM lhes ter sido concedida antes da expiração desses acordos ou, no caso da Áustria, com o fundamento de que a patente sobre o IFA citalopram da Lundbeck se manteve em vigor durante uma grande parte da vigência dos referidos acordos. Ora, em conformidade com os pontos 6 e 13 das Orientações para o cálculo das coimas de 2006, caberia à Comissão ter em conta apenas as vendas que estavam efetivamente relacionadas com a infração em causa.

181

Além disso, o Tribunal Geral, também no n.o 804 do acórdão recorrido, fez uma aplicação errada da jurisprudência, por um lado, ao considerar que a natureza de «infração por objetivo» que revestem os acordos controvertidos dispensava a Comissão de proceder a um exame concreto, podendo tal exame revestir, porém, uma certa importância para efeitos do cálculo do montante das coimas, como o Tribunal de Justiça indicou no n.o 31 do Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o. (C‑8/08, EU:C:2009:343). Por outro lado, ao não excluir, como no processo que deu origem ao Acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, EU:T:2012:332), do cálculo das coimas as vendas correspondentes às atividades não suscetíveis de estarem em concorrência durante o período de aplicação dos acordos controvertidos, o Tribunal Geral não procedeu à análise factual e jurídica necessária para determinar as vendas relacionadas diretamente ou indiretamente com as infrações em causa, exigida pelo Acórdão de 28 de junho de 2016, Telefónica/Comissão (T‑216/13, EU:T:2016:369, n.o 309).

182

Em segundo lugar, a Lundbeck critica o Tribunal Geral por não ter fundamentado suficientemente, no n.o 816 do acórdão recorrido, o facto de não ter aplicado o método adotado no Acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, EU:T:2012:332). Em especial, o Tribunal Geral não explicou de que modo os fabricantes de medicamentos genéricos não foram de facto impedidos de entrar no mercado dos Estados‑Membros do EEE em questão devido à ausência de AIM e à existência da patente sobre o IFA citalopram da Lundbeck.

183

Em terceiro lugar, a Lundbeck alega que o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação incorreta das circunstâncias do caso em apreço ao considerar, no n.o 806 do acórdão recorrido, que a Comissão teve razão ao considerar, para efeitos do cálculo do montante das coimas que lhe foram aplicadas em conformidade com as Orientações para o cálculo das coimas de 2006, uma percentagem do valor das vendas relacionadas com a infração de 10 % e 11 % segundo o alcance geográfico dos acordos controvertidos. Ora, tendo em conta o impacto geográfico limitado desses acordos e a prática decisória da Comissão em casos semelhantes e o facto de tais acordos não constituírem cartéis, essas percentagens deveriam ter sido inferiores e fixadas ao nível o mais baixo possível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

184

No que respeita, em primeiro lugar, à primeira e segunda partes do sexto fundamento, que devem ser examinadas em conjunto, a Lundbeck considera, em substância, que, nos n.os 804 e 816 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, sem responder à sua argumentação, que a Comissão não tinha de reduzir o montante de base das coimas para ter em conta unicamente o valor das vendas nos países onde os fabricantes de medicamentos genéricos estavam mais avançados nos seus preparativos com vista a entrar no mercado.

185

Quanto à aplicação pela Comissão de uma coima por força do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, o Tribunal de Justiça já declarou que essa instituição deve apreciar, em cada caso concreto e tendo em conta o contexto e os objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo referido regulamento, o impacto que se procura obter sobre a empresa em questão, tendo nomeadamente em conta um volume de negócios que reflita a situação económica real desta durante o período no decurso do qual a infração foi cometida (Acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 16 e jurisprudência referida).

186

A este respeito, é possível, para determinar o montante da coima, ter em conta tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximativa e imperfeita, da sua dimensão desta e do seu poder económico, como a parte desse volume de negócios que provém dos produtos que são objeto da infração e que é, portanto, de molde a dar uma indicação da amplitude desta (Acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 17 e jurisprudência referida).

187

Na medida em que as coimas aplicadas pela decisão controvertida foram fixadas pela Comissão, aplicando as Orientações para o cálculo das coimas de 2006, recorde‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora o conceito de «valor das vendas» referido no ponto 13 dessas orientações não possa, é certo, ser alargado a ponto de englobar as vendas realizadas pela empresa em causa que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do acordo censurado, o objetivo prosseguido por essa disposição seria, porém, prejudicado se esse conceito fosse entendido como referindo‑se apenas ao volume de negócios realizado unicamente com as vendas em relação às quais se demonstre que foram efetivamente afetadas por esse acordo (Acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 19).

188

É certo que decorre desta consideração que devem ser excluídas do valor das vendas que sejam objeto de uma infração as vendas do autor da referida infração que se tenham verificado num mercado não aberto à concorrência, como aquele de que se trata no Acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, EU:T:2012:332, n.os 105 e 155), evocado pela Lundbeck, na medida em que tal mercado é insuscetível de ser afetado por uma prática anticoncorrencial visada no artigo 101.o TFUE, ou ainda as vendas realizadas por uma das partes num acordo em mercados nos quais outras partes nesse cartel não estejam presentes e não possam ser consideradas como concorrentes potenciais.

189

No entanto, no caso vertente, nenhuma das vendas incluídas pela Comissão no valor das vendas a que se atendeu, cujo montante total foi confirmado pelo Tribunal Geral, se enquadra numa das categorias de vendas excluídas referidas no número anterior.

190

Com efeito, como salientou a advogada‑geral nos n.os 222 e 223 das suas conclusões, quer se trate de vendas realizadas na Áustria, onde a patente do IFA citalopram da Lundbeck, segundo esta, apenas expirou em abril de 2003, a saber, durante o período de execução dos acordos controvertidos, quer se trate de vendas realizadas em Estados nos quais os fabricantes de medicamentos genéricos só obtiveram uma AIM durante o período de execução desses acordos ou mesmo posteriormente a esse período, todas essas vendas foram realizadas em mercados em que os fabricantes de medicamentos em causa estavam, pelo menos, em concorrência potencial durante toda a vigência dos referidos acordos, o que o Tribunal Geral acertadamente salientou, no n.o 815 do acórdão recorrido, e que é confirmado pela rejeição do quarto fundamento do recurso.

191

Por conseguinte, não se pode sustentar validamente que as vendas referidas no número anterior não tinham um vínculo pelo menos indireto com as infrações constatadas e, portanto, que não deveriam ser tidas em consideração para efeitos do cálculo das coimas aplicadas à Lundbeck.

192

Com efeito, como o Tribunal Geral observou no n.o 804 do acórdão recorrido, foram as partes nos acordos controvertidos que definiram elas próprias o alcance geográfico desses acordos, excluindo os concluídos entre a Lundbeck e a Arrow, como sendo extensivo a todo o EEE, o que demonstra que consideraram que se encontravam, em cada um dos mercados do EEE, em concorrência, se não real, pelo menos potencial, com a consequência de que as vendas realizadas pela Lundbeck em cada um dos referidos mercados devem ser consideradas, nos termos do ponto 13 das Orientações para o cálculo das coimas de 2006, como vendas «relacionadas direta ou indiretamente com a infração».

193

Consequentemente, a Lundbeck não pode censurar ao Tribunal Geral o facto de este ter admitido, no n.o 804 do acórdão recorrido, a tomada em consideração, no que respeita aos acordos controvertidos, excluindo os acordos celebrados entre a Lundbeck e a Arrow, das vendas realizadas em todo o território do EEE sem ter efetuado um exame aprofundado das perspetivas concretas de entrada dos fabricantes de medicamentos genéricos no território de cada Estado‑Membro do EEE.

194

Por último, também não se pode validamente acusar o Tribunal Geral de ter, no n.o 816 do acórdão recorrido, fundamentado insuficientemente a não aplicação, no caso em apreço, da solução dada no Acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, EU:T:2012:332).

195

Ao indicar, no referido número, que o processo que deu origem a esse acórdão em nada servia de socorro à Lundbeck, uma vez que, nesse processo, qualquer concorrência teria sido impossível, mesmo na falta do acordo anticoncorrencial em questão no referido processo, durante uma parte do período da infração, dado que o mercado estava legalmente subtraído de qualquer concorrência ao abrigo da legislação nacional aplicável durante esse período, o que criava uma situação de monopólio de facto, o Tribunal Geral permitiu aos interessados conhecer as razões pelas quais não acolheu os seus argumentos e deu ao Tribunal de Justiça provas suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 96 e jurisprudência referida).

196

Daqui resulta que a primeira e segunda partes do presente fundamento devem ser julgadas improcedentes.

197

No que diz respeito, em segundo lugar, à terceira parte do presente fundamento, recorde‑se que não compete ao Tribunal de Justiça, quando este se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal Geral pronunciando‑se, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas em razão da violação, por estas, do direito da União (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão, C‑98/17 P, não publicado, EU:C:2018:774, n.o 107 e jurisprudência referida).

198

Só na medida em que o Tribunal de Justiça considerar que o nível da sanção é não só inapropriado mas igualmente excessivo, a ponto de ser desproporcionado, é que haverá que declarar um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, em razão do caráter inapropriado do montante de uma coima (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão, C‑98/17 P, não publicado, EU:C:2018:774, n.o 107 e jurisprudência referida).

199

Daqui resulta que, na medida em que a Lundbeck contesta, com a terceira parte do sexto fundamento, a apreciação feita pelo Tribunal Geral, nomeadamente no n.o 842 do acórdão recorrido, quanto ao montante das coimas aplicadas tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, sem demonstrar nem sequer alegar que esse montante é não só inadequado mas igualmente excessivo, ao ponto de ser desproporcionado, procura de facto uma nova apreciação da adequação do montante das coimas que lhe foram aplicadas. Por conseguinte, este argumento deve ser julgado inadmissível.

200

Consequentemente, o sexto fundamento do presente recurso deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

201

Atendendo a todas as considerações expostas, deve ser negado provimento ao presente recurso.

Quanto às despesas

202

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

203

Tendo a Comissão pedido a condenação da Lundbeck nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

204

Nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, um interveniente em primeira instância, quando não tenha ele próprio interposto o recurso, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

205

Tendo a EFPIA intervindo no processo no Tribunal de Justiça, há que decidir que, nas circunstâncias do caso em apreço, a mesma suportará as suas próprias despesas.

206

O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste, prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

207

Por conseguinte, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A H. Lundbeck A/S e a Lundbeck Ltd são condenadas a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

3)

A European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) suporta as suas próprias despesas.

 

4)

O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suporta as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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