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Document 62016CJ0579

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de março de 2018.
    Comissão Europeia contra FIH Holding A/S e FIH Erhvervsbank A/S.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Conceito de “auxílio” — Conceito de “vantagem económica” — Princípio do operador privado numa economia de mercado — Requisitos de aplicabilidade e de aplicação — Crise financeira — Intervenções sucessivas de resgate de um banco — Eventual tomada em consideração, na apreciação da segunda intervenção, dos riscos decorrentes dos compromissos assumidos pelo Estado‑Membro na primeira intervenção.
    Processo C-579/16 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:159

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    6 de março de 2018 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Conceito de “auxílio” — Conceito de “vantagem económica” — Princípio do operador privado numa economia de mercado — Requisitos de aplicabilidade e de aplicação — Crise financeira — Intervenções sucessivas de resgate de um banco — Eventual tomada em consideração, na apreciação da segunda intervenção, dos riscos decorrentes dos compromissos assumidos pelo Estado‑Membro na primeira intervenção»

    No processo C‑579/16 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 16 de novembro de 2016,

    Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar, L. Flynn e K. Blanck‑Putz, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    FIH Holding A/S, com sede em Copenhaga (Dinamarca),

    FIH Erhvervsbank A/S, com sede em Copenhaga,

    representadas por O. Koktvedgaard, advokat,

    recorrentes em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça, C. G. Fernlund e C. Vajda, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), C. Toader, M. Safjan, D. Šváby, E. Jarašiūnas, S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2017,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de novembro de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2016, FIH Holding e FIH Erhvervsbank/Comissão (T‑386/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:474), que anulou a Decisão 2014/884/UE da Comissão, de 11 de março de 2014, relativa ao auxílio de Estado SA.34445 (12/C) concedido pela Dinamarca para a transferência de ativos patrimoniais da FIH para a FSC (JO 2014, L 357, p. 89, a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    A FIH Erhvervsbank A/S (a seguir «FIH») é uma sociedade por quotas constituída segundo a legislação bancária dinamarquesa e supervisionada pelas autoridades bancárias dinamarquesas. A FIH e as suas filiais são integralmente detidas pela FIH Holding A/S.

    3

    Afetada pela crise financeira mundial que teve início em 2007, a FHI beneficiou, em 2009, de dois tipos de medidas. Por um lado, em junho de 2009, recebeu uma entrada de capital híbrido de categoria 1 de 1,9 mil milhões de coroas dinamarquesas (DKK) (cerca de 255 milhões de euros), nos termos da lov om statstligt indskud i kreditinstitutter (Lei relativa às entradas de capital financiadas pelo Estado), de 3 de fevereiro de 2009, e do regulamento aprovado nos termos dessa lei. Por outro lado, em julho de 2009, o Reino da Dinamarca prestou à FIH uma garantia de Estado no montante de 50 mil milhões de DKK (cerca de 6,71 mil milhões de euros), nos termos da lov om finansiel stabilitet (Lei sobre a estabilidade financeira), de 10 de outubro de 2008, conforme alterada pela Lei n.o 68, de 3 de fevereiro de 2009 (a seguir, consideradas em conjunto, «medidas de 2009»). A FIH utilizou a totalidade da referida garantia para emitir obrigações.

    4

    Ambas as leis tinham sido aprovadas pela Comissão, através da Decisão C(2009) 776 final, de 3 de fevereiro de 2009, relativa ao regime de auxílios de Estado N31a/2009 — Dinamarca, enquanto regime de auxílios compatível com o mercado interno.

    5

    Em 31 de dezembro de 2011, o montante das obrigações emitidas pela FIH e garantidas pelo Estado dinamarquês ascendia a 41,7 mil milhões de DKK (cerca de 5,59 mil milhões de euros), ou seja, 49,94% do balanço da FIH. Estas obrigações venceriam em 2012 e 2013.

    6

    Entre 2009 e 2011, a agência de notação Moody’s baixou a nota da FIH, que passou de A2 para B1, com uma perspetiva negativa.

    7

    Atendendo, nomeadamente, a essa descida de notação e à proximidade da data de vencimento das obrigações emitidas pela FHI, cobertas pela garantia do Estado dinamarquês, tornou‑se claro, em 2011, que a FIH iria ter problemas de liquidez durante os anos de 2012 ou 2013, os quais poderiam determinar a perda da sua licença bancária e, consequentemente, a sua entrada em liquidação.

    8

    Nestas circunstâncias, em 6 de março de 2012, o Reino da Dinamarca notificou a Comissão de um pacote de medidas (a seguir «medidas em causa») que incluíam, desde logo, a criação de uma nova filial da FIH Holding, a NewCo, para a qual seriam transferidos os ativos mais problemáticos da FIH, em substância, empréstimos imobiliários e produtos derivados de um valor nominal de cerca de 17,1 mil milhões de DKK (cerca de 2,3 mil milhões de euros), a fim de aliviar o balanço da FIH.

    9

    Em seguida, a Financial Stability Company (a seguir «FSC»), uma entidade pública constituída pelas autoridades dinamarquesas no contexto da crise financeira mundial, procederia à aquisição das ações da NewCo pelo montante de 2 mil milhões de DKK (cerca de 268 milhões de euros), para efeitos da liquidação desta no prazo de quatro anos. A FSC financiaria e recapitalizaria a NewCo durante a sua liquidação, se se revelasse necessário.

    10

    Por último, em contrapartida por estas medidas, a FIH reembolsaria a entrada de capital de 1,9 mil milhões de DKK (cerca de 255 milhões de euros) efetuada em 2009 pelas autoridades dinamarquesas, o que permitiria à FSC resgatar a NewCo sem utilizar fundos próprios.

    11

    A FIH concederia também um primeiro empréstimo à NewCo, até ao valor de 1,65 mil milhões de DKK (cerca de 221 milhões de euros), destinado a absorver as perdas previsíveis da NewCo e que só seria reembolsável se a liquidação dos empréstimos e dos produtos derivados transferidos para a NewCo produzissem um resultado que excedesse os 2 mil milhões de DKK (cerca de 268 milhões de euros).

    12

    Além disso, a FIH concederia um segundo empréstimo à NewCo de cerca de 13,45 mil milhões de DKK (cerca de 1,8 mil milhões de euros), previsto para vencer no momento em que as obrigações da FIH, garantidas em 2009 pelo Estado dinamarquês, vencessem e cujos montantes recuperados pela FIH se destinavam ao reembolso das suas obrigações, garantidas pelo Estado dinamarquês.

    13

    Quanto à FIH Holding, previa‑se que prestasse à FSC uma garantia ilimitada contra perdas, de modo a que, com a dissolução da NewCo, inicialmente prevista para 2016, a FSC pudesse recuperar a totalidade das perdas eventualmente ocasionadas com a aquisição e a liquidação da NewCo.

    14

    Com a Decisão C(2012) 4427 final, de 29 de junho de 2012, sobre o auxílio de Estado SA.34445 (12/C) (ex 2012/N) — Dinamarca, a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação das medidas em causa pelo facto de constituírem, em sua opinião, um auxílio de Estado a favor da FIH e da FIH Holding (a seguir «grupo FIH»), bem como da NewCo. No entanto, por razões de estabilidade financeira, aprovou estas medidas por um período de seis meses ou, caso o Reino da Dinamarca apresentasse um plano de reestruturação durante esse período, até adotar uma decisão final sobre esse plano.

    15

    Em 2 de julho de 2012, a FIH reembolsou o Reino da Dinamarca da entrada de fundos públicos próprios híbridos de categoria 1, efetuada em 2009.

    16

    Em 4 de janeiro de 2013, o Reino da Dinamarca apresentou um plano de reestruturação da FIH. A sua versão final foi apresentada em 24 de junho de 2013.

    17

    Durante o procedimento administrativo, o Reino da Dinamarca alegou, nomeadamente, que as medidas em causa não constituíam um auxílio de Estado, uma vez que as transações entre a FSC e o grupo FIH estavam em conformidade com as condições do mercado e que este grupo pagaria todos os custos de transação e de liquidação da NewCo. Alegou também que este plano reduzia consideravelmente o risco a que estava exposto por força das medidas de 2009.

    18

    Em 3 de outubro de 2013, o Reino da Dinamarca apresentou um conjunto de propostas de compromissos, cuja versão final data de 3 de fevereiro de 2014, para responder às preocupações manifestadas pela Comissão no procedimento de investigação.

    19

    Em 12 de março de 2014, a Comissão notificou o Reino da Dinamarca da decisão controvertida. Nessa notificação, a Comissão qualificou, por um lado, as medidas em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e, por outro, declarou‑as compatíveis com o mercado interno, nos termos do n.o 3, alínea b), desta disposição, tendo em conta o plano de restruturação e os compromissos apresentados pelo Reino da Dinamarca.

    20

    Na primeira parte da apreciação relativa à existência de um auxílio, a Comissão analisou se as medidas em causa conferiam uma vantagem económica ao grupo FIH. Para o efeito, analisou as referidas medidas à luz do princípio do operador privado numa economia de mercado (a seguir «princípio do operador privado»), que consiste, no caso em apreço, segundo a decisão controvertida, em determinar, em substância, se um investidor privado numa economia de mercado teria participado numa dada operação nas mesmas condições e nas mesmas modalidades que um investidor público na data em que foi tomada a decisão de disponibilizar os fundos públicos (a seguir «critério do investidor privado»).

    21

    No final da sua avaliação, efetuada nos n.os 84 a 98 da decisão controvertida, a Comissão considerou que, principalmente devido ao nível insuficiente da remuneração prevista como contrapartida dos meios financeiros a disponibilizar pelo Estado dinamarquês, as medidas em causa não eram compatíveis com o princípio do operador privado e tinham, por conseguinte, conferido uma vantagem ao grupo FIH. Calcula‑se que o montante do auxílio ascendia a cerca de 2,25 mil milhões de DKK (cerca de 300 milhões de euros).

    22

    Resulta daqueles números, em especial dos n.os 88 a 98 dessa decisão, que, embora a Comissão se tenha referido às medidas de 2009, efetuou no entanto a sua avaliação sobre a racionalidade económica das medidas em causa sem ter em conta o eventual custo que o Estado dinamarquês teria de suportar, na falta destas últimas medidas, por força dos riscos que resultavam para si das medidas de 2009.

    23

    No tocante à compatibilidade do auxílio com o mercado interno, a Comissão analisou as medidas em causa à luz da sua Comunicação relativa ao tratamento dos ativos depreciados no setor bancário da Comunidade (JO 2009, C 72, p. 1) e da sua Comunicação sobre a aplicação, a partir de 1 de janeiro de 2012, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira (JO 2011, C 356, p. 7).

    24

    Tendo em conta o plano de reestruturação apresentado e os compromissos assumidos pelo Reino da Dinamarca, expostos nos n.os 56 a 62 da decisão controvertida e novamente referidos no seu anexo, a Comissão concluiu pela compatibilidade do auxílio em causa. Estes compromissos preveem, nomeadamente, pagamentos suplementares da FIH à FSC e o compromisso da FIH de se retirar de certas atividades, nomeadamente dos financiamentos imobiliários, do capital de investimento e da gestão do património privado.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    25

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de maio de 2014, o grupo FIH interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

    26

    O grupo FIH apresentou três fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, por aplicação incorreta do princípio do operador privado; o segundo, a erros no cálculo do montante do auxílio; e, o terceiro, à violação do dever de fundamentação por parte da Comissão.

    27

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o primeiro fundamento de recurso e, por consequência, considerou não haver lugar à análise do segundo fundamento. Julgou ainda improcedente o terceiro fundamento de recurso. Por conseguinte, anulou integralmente a decisão controvertida e condenou a Comissão nas despesas.

    Pedidos das partes

    28

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido; e

    a título principal, decidir sobre o recurso em primeira instância negando‑lhe provimento e condenando o grupo FIH nas despesas das duas instâncias; ou,

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre o segundo fundamento de recurso e reservar as despesas para final.

    29

    O grupo FIH pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    a título principal, negar provimento ao presente recurso e condenar a Comissão nas despesas nas duas instâncias; ou,

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre o segundo fundamento de recurso e reservar as despesas para final.

    Quanto ao presente recurso

    30

    A Comissão invoca um fundamento único de recurso, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na sua interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ao apreciar o primeiro fundamento de recurso.

    Argumentos das partes

    31

    No seu fundamento único, a Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na aplicação do princípio do operador privado ao ter decidido que, para apreciar se as medidas em causa constituíam um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, estava obrigada a comparar o comportamento do Estado dinamarquês ao tempo da adoção das referidas medidas não com o de um investidor privado, mas com o de um credor privado numa economia de mercado (a seguir «critério do credor privado»), tendo em conta os riscos financeiros a que esse Estado‑Membro estava exposto em razão das medidas de 2009.

    32

    Segundo a Comissão, o princípio do operador privado tem na sua origem a neutralidade da ordem jurídica da União no que se refere ao regime da propriedade. Daqui resulta, em conformidade com a jurisprudência, que as operações económicas realizadas por organismos públicos não conferem uma vantagem à sua contraparte e, por conseguinte, não constituem auxílios de Estado, desde que sejam efetuadas em conformidade com as condições normais de mercado. Em contrapartida, se o organismo público não agiu como o teria feito um operador privado numa situação comparável, considera‑se que a empresa beneficiária recebeu uma vantagem económica.

    33

    A Comissão acrescenta que o princípio do operador privado é aplicável abstraindo de todas as considerações que se referem exclusivamente ao papel do Estado enquanto autoridade pública. Daqui resulta que, na aplicação deste princípio, não podem ser consideradas as obrigações que decorram do papel do Estado enquanto poder público.

    34

    Por conseguinte, o princípio do operador privado não é simplesmente um «critério de racionalidade económica», como o Tribunal Geral entendeu no acórdão recorrido, mas visa determinar se uma transação concreta é economicamente racional do ponto de vista de um operador privado.

    35

    Ora, no caso vertente, a Comissão defende que os custos que o Estado dinamarquês teria de suportar em 2012, decorrentes das medidas de 2009, não faziam mais do que refletir as obrigações que incumbiam a esse Estado‑Membro enquanto poder público, uma vez que eram a consequência direta do auxílio de Estado contido nas referidas medidas a favor da FIH. O Tribunal Geral cometeu assim um erro de direito ao considerar, nos n.os 62 a 69 do acórdão recorrido, que a Comissão, ao aplicar o princípio do operador privado na decisão controvertida, não tinha tido em conta, erradamente, o custo que teria de ser suportado pelo Estado dinamarquês se este último não tivesse adotado as medidas em causa, resultante dos riscos a que as medidas de 2009 o expunham.

    36

    O grupo FIH considera, em primeiro lugar, que a análise da Comissão é excessiva, na medida em que implica que a exposição económica de um Estado‑Membro, resultante da concessão anterior de um auxílio de Estado, nunca pode ser tida em conta na análise da questão de saber se o Estado‑Membro agiu como um operador privado.

    37

    A principal questão suscitada pelas medidas em causa é antes a de saber se, através das mesmas, o Estado dinamarquês prosseguia finalidades de interesse geral, e agiu assim na qualidade de poder público, ou um objetivo económico, que um credor privado racional poderia ter prosseguido se colocado numa situação comparável.

    38

    Ora, segundo o grupo FIH, é manifesto que o Estado dinamarquês atuou para proteger os seus interesses económicos e que um credor privado colocado numa situação idêntica correria o risco de sofrer perdas importantes se não tivesse tentado evitar uma situação de falta de pagamento. Com efeito, uma vez que as medidas em causa reduziram consideravelmente a exposição anterior do Estado dinamarquês, nenhum motivo justifica que as disposições relativas aos auxílios de Estado impeçam uma restruturação racional da exposição do Estado‑Membro e, por conseguinte, uma boa gestão dos fundos públicos.

    39

    Conforme o Tribunal Geral declarou no n.o 67 do acórdão recorrido, esse resultado seria ilógico atendendo ao objetivo das regras sobre a fiscalização dos auxílios de Estado e geraria uma discriminação em detrimento dos credores públicos, contrária ao princípio da neutralidade previsto no artigo 345.o TFUE.

    40

    Em segundo lugar, o grupo FIH alega que resulta do Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), que a alteração das condições de reembolso de um auxílio de Estado deve ser apreciada à luz do comportamento que um credor privado teria adotado ao ter em conta o risco de ausência total ou parcial de reembolso. Segundo o grupo FIH, a Comissão deve verificar se essa alteração concede ou não uma vantagem suplementar ao beneficiário do auxílio inicial. Por conseguinte, não é possível que a Comissão, pelo mero facto de a medida anterior do Estado‑Membro constituir um auxílio de Estado, se subtraia à sua obrigação de analisar a racionalidade económica das medidas em causa tendo em conta a redução da exposição anterior do Estado dinamarquês.

    41

    Em terceiro lugar, o grupo FIH é da opinião de que o Acórdão de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão (C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682), não é pertinente, uma vez que o próprio Tribunal de Justiça salientou, no n.o 62 desse acórdão, que as circunstâncias factuais e jurídicas do processo que deu lugar a esse acórdão se distinguem substancialmente das que deram origem ao Acórdão do Tribunal Geral de 2 de março de 2012, Países Baixos/Comissão (T‑29/10 e T‑33/10, EU:T:2012:98), confirmado pelo Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213).

    42

    Segundo o grupo FIH, o mesmo sucede com os Acórdãos de 14 de setembro de 1994, Espanha/Comissão (C‑278/92 a C‑280/92, EU:C:1994:325), e de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão (C‑334/99, EU:C:2003:55), uma vez que as circunstâncias desses processos são, tanto de facto como de direito, muito diferentes das do presente processo.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    43

    A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida como «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que todos os seguintes requisitos estejam preenchidos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., designadamente, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53 e jurisprudência referida, e de 18 de maio de 2017, Fondul Proprietatea, C‑150/16, EU:C:2017:388, n.o 13).

    44

    Uma vez que o fundamento único do recurso diz respeito apenas ao terceiro destes requisitos, há que referir que, segundo jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 65 e jurisprudência referida).

    45

    Assim, tendo em conta o objetivo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE de assegurar uma concorrência não falseada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 66), incluindo entre as empresas públicas e privadas, o conceito de «auxílio», na aceção desta disposição, não pode abranger uma medida concedida a favor de uma empresa através de recursos de Estado quando essa empresa obteria a mesma vantagem em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado. A apreciação das circunstâncias em que essa vantagem foi concedida efetua‑se assim, em princípio, por aplicação do princípio do operador privado (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 78, e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.os 21 e 22).

    46

    Além disso, o princípio do operador privado figura entre os elementos que a Comissão deve tomar em consideração para demonstrar a existência de um auxílio, e não constitui portanto uma exceção só aplicável a pedido de um Estado‑Membro, quando se verifique que estão reunidos os elementos constitutivos do conceito de «auxílio de Estado» que figuram no artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 103; de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep, C‑224/12 P, EU:C:2014:213, n.o 32; e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 23).

    47

    Consequentemente, quando se verifique que o princípio do operador privado poderá ser aplicável, cabe à Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa todas as informações relevantes que lhe permitam verificar se estão preenchidos os pressupostos de aplicação desse princípio (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 104; de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep, C‑224/12 P, EU:C:2014:213, n.o 33; e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 24 e jurisprudência referida).

    48

    A este respeito, o Tribunal de Justiça especificou que, quando um Estado‑Membro concede, na sua qualidade de acionista e não na de poder público, uma vantagem económica a uma empresa, a aplicabilidade do princípio do operador privado não depende da forma como essa vantagem foi colocada à disposição dessa empresa nem da natureza dos meios empregues, que podem decorrer do poder público do Estado (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 81 e 91 a 93).

    49

    Quanto ao mais, o Tribunal de Justiça declarou que a aplicabilidade do princípio do operador privado a uma alteração das condições de resgate de títulos de uma empresa não é comprometida pelo facto de a aquisição de títulos que conferem ao Estado o estatuto de investidor nessa empresa ter sido financiada mediante um auxílio de Estado a favor desta última (v., neste sentido, Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep, C‑224/12 P, EU:C:2014:213, n.o 34).

    50

    No caso vertente, a Comissão aplicou o princípio do operador privado na decisão controvertida quando analisou as medidas em causa. Além disso, nenhuma das partes põe em causa a aplicabilidade deste princípio na apreciação sobre se as referidas medidas conferiram ao grupo FIH uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    51

    Em contrapartida, o presente recurso tem por objeto a questão de saber se a Comissão devia ou não ter em conta, ao recorrer ao critério do credor privado em vez do do investidor privado, os riscos a que o Estado dinamarquês estava exposto em razão das medidas de 2009.

    52

    A este respeito, importa salientar, por um lado, que, quando o princípio do operador privado é aplicável, o critério que deve concretamente ser utilizado num dado caso deve ser determinado, nomeadamente, em função da natureza da operação prevista pelo Estado‑Membro em causa. Entre os critérios suscetíveis de ser aplicados figuram o do investidor privado e o do credor privado.

    53

    Está assente que as medidas em causa implicavam investimentos na NewCo por parte da FSC e que o Reino da Dinamarca alegou, durante o procedimento administrativo, que esses investimentos eram compatíveis com as condições de mercado. Este Estado‑Membro também defendeu que as medidas em causa reduziam o risco a que estava exposto em razão das medidas de 2009 e se integravam, por conseguinte, na gestão dos créditos que detinha relativamente à FIH.

    54

    Nestas circunstâncias, importa afirmar que tanto o critério do investidor privado, utilizado pela Comissão, como o do credor privado, cuja utilização é reivindicada pelo grupo FIH e que o Tribunal Geral considerou relevante para a apreciação das medidas em causa no acórdão recorrido, eram suscetíveis de entrar em linha de conta.

    55

    Por outro lado, resulta de jurisprudência constante que, para efeitos da apreciação da questão de saber se a mesma medida teria sido adotada em condições normais do mercado por um operador privado colocado numa situação o mais semelhante possível à do Estado, só podem ser tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação deste último na qualidade de operador privado, com exclusão dos relacionados com a sua qualidade de poder público (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 79 e jurisprudência referida, e de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão, C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682, n.o 52).

    56

    Assim, na apreciação da racionalidade económica de uma medida estatal, exigida pelo princípio do operador privado, o Tribunal de Justiça não considerou os custos que resultam para o Estado do despedimento de trabalhadores, dos subsídios de desemprego e dos auxílios à reconstituição do tecido industrial (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, EU:C:1994:325, n.o 22), bem como das garantias concedidas e dos créditos detidos pelo Estado, na medida em que eles próprios constituam auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, EU:C:2003:55, n.os 138 e 140, e de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão, C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682, n.os 55, 56 e 61).

    57

    Em especial, no que se refere a essa última hipótese, o Tribunal de Justiça precisou que, dado que, com a concessão de um auxílio, um Estado‑Membro prossegue, por definição, objetivos diferentes da rentabilidade dos meios postos à disposição das empresas, importa considerar que esses meios são, em princípio, concedidos pelo Estado no exercício das suas prerrogativas de poder público (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão, C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682, n.o 56).

    58

    Daqui resulta que os riscos a que o Estado se expõe e que decorrem dos auxílios de Estado que anteriormente concedeu estão relacionados com a sua qualidade de poder público e não integram, portanto, os elementos que um operador privado teria tomado em consideração, em condições normais de mercado, nos seus cálculos económicos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, EU:C:2003:55, n.os 138 e 140).

    59

    Tal consideração vale, nomeadamente, para as obrigações que resultam para o Estado dos empréstimos e das garantias anteriormente concedidos a uma empresa e que constituem auxílios de Estado. Com efeito, a sua tomada em consideração na apreciação das medidas estatais adotadas a favor da mesma empresa poderia impedir a sua qualificação de auxílio de Estado, apesar de também não corresponderem às condições normais do mercado, pelo simples facto de se revelarem mais vantajosas para o Estado, no plano económico, do que se não tivessem sido adotadas. Ora, essa consequência comprometeria o objetivo de garantir uma concorrência não falseada, referido no n.o 45 do presente acórdão.

    60

    No caso vertente, como o Tribunal Geral declarou nos n.os 2 e 3 do acórdão recorrido, as duas leis adotadas em 2009, à luz das quais o Estado dinamarquês adotou as medidas de 2009, foram aprovadas pela Comissão como regime de auxílios de Estado compatível com o mercado interno pela Decisão C(2009) 776 final. Resulta dos n.os 47, 53 e 55 da referida decisão que, à semelhança do próprio Governo dinamarquês, a Comissão considerou que as medidas previstas nestas duas leis constituíam auxílios de Estado, uma vez que um investidor privado não teria decidido proceder, em medida comparável e em condições semelhantes, aos aumentos de capital e à concessão das garantias em causa.

    61

    Por outro lado, não resulta de nenhum elemento do acórdão recorrido ou da decisão controvertida que, através das medidas de 2009, o Estado dinamarquês tenha prosseguido, pelo menos parcialmente, um objetivo de rentabilidade. Aliás, não se afigura que esse objetivo, em apoio do qual teriam sido apresentados elementos objetivos e verificáveis, tenha sido invocado durante os procedimentos administrativos e os processos judiciais do presente litígio. Nestas circunstâncias, há que declarar que nenhum dos elementos do processo demonstra que as medidas de 2009 não fossem, pelo menos em parte, auxílios de Estado.

    62

    Daqui resulta que, no caso vertente, a Comissão, corretamente, não tomou em conta, na aplicação do princípio do operador privado, os riscos associados aos auxílios de Estado concedidos à FIH pelas medidas de 2009. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, em substância, nos n.os 69 e 71 do acórdão recorrido, que, por esse motivo, a Comissão tinha aplicado incorretamente o princípio do operador privado na decisão controvertida.

    63

    Com efeito, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral impôs erradamente à Comissão que apreciasse a racionalidade económica das medidas em causa não do ponto de vista de um operador privado numa situação comparável, mas do ponto de vista do Estado na sua qualidade de poder público, que concedeu previamente à FIH, através das medidas de 2009, os auxílios de Estado cujas consequências financeiras entendia limitar.

    64

    Estas declarações não são infirmadas pela argumentação do grupo FIH relativa, em primeiro lugar, aos n.os 34 a 37 do Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), em segundo lugar, aos Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF (C‑124/10 P, EU:C:2012:318), e de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão (C‑73/11 P, EU:C:2013:32), e, em terceiro lugar, a uma boa gestão dos fundos públicos.

    65

    Com efeito, em primeiro lugar, quanto à argumentação relativa às semelhanças existentes, segundo o grupo FIH, entre as circunstâncias factuais e jurídicas do presente processo e as que deram origem ao Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), há que salientar que o fundamento de recurso a que se referem os números desse acórdão visados pelo grupo FIH dizia respeito à questão da aplicabilidade do princípio do operador privado, que a Comissão tinha afastado, e não à da sua aplicação às medidas em causa, como no presente processo. Em especial, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, nos n.os 34 e 37 do referido acórdão, que a aplicabilidade desse critério a uma medida estatal não podia, em princípio, ser excluída à partida apenas devido à relação que poderia existir entre a intervenção estatal controvertida e o exercício do poder público sob a forma de concessão de um auxílio de Estado anterior.

    66

    É certo que resulta dos n.os 35 e 36 do Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), que, nesse caso, incumbia à Comissão analisar a racionalidade económica das alterações previstas pelo Estado neerlandês das condições de reembolso da entrada em capital efetuada anteriormente mediante um auxílio de Estado, com referência ao comportamento que um investidor privado teria adotado.

    67

    Todavia, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 63 e 65 a 68 das suas conclusões, não há nada que permita considerar que o Tribunal de Justiça tenha assim imposto a essa instituição uma análise que ultrapassasse a verificação da racionalidade económica intrínseca das alterações previstas e que implicasse, por consequência, uma tomada em consideração dos riscos que resultavam para o Estado neerlandês do auxílio de Estado que tinha anteriormente concedido à empresa beneficiária.

    68

    Do mesmo modo, é certo que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 36 do Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), que um investidor privado poderia aceitar uma alteração das condições de reembolso da injeção de capital anterior tendo em vista, nomeadamente, aumentar as perspetivas de obter o reembolso dessa injeção. Todavia, esta precisão não implica que, na análise da racionalidade económica intrínseca de uma medida com vista a determinar se o comportamento do Estado em causa teria sido adotado por um investidor privado, possam ser tidos em conta os riscos que decorrem para esse Estado‑Membro da concessão de um auxílio de Estado anterior.

    69

    A este respeito, deve salientar‑se que, no processo que deu origem ao Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep (C‑224/12 P, EU:C:2014:213), e contrariamente ao presente processo, o beneficiário do auxílio anterior não se encontrava, à data em que as referidas alterações foram previstas, em dificuldades financeiras que comprometessem a continuidade da sua exploração e que essas alterações não implicavam o seu resgate através de importantes investimentos públicos.

    70

    Com efeito, as referidas alterações visavam, nomeadamente, incentivar a empresa beneficiária do auxílio a proceder a um reembolso antecipado do capital injetado e aumentar as hipóteses de o Estado neerlandês ser remunerado de forma satisfatória, o que as condições iniciais não garantiam em todos os casos.

    71

    Em segundo lugar, o grupo FIH retira dos Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF (C‑124/10 P, EU:C:2012:318), e de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão (C‑73/11 P, EU:C:2013:32), o argumento segundo o qual, em substância, a natureza fiscal de um crédito do Estado sobre uma empresa, mesmo que esteja ligado ao exercício de prerrogativas de poder público, não obsta à aplicação do princípio do operador privado na apreciação, à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, de uma medida pela qual o Estado conceda a essa empresa uma restruturação desse crédito.

    72

    A este propósito, importa sublinhar que a jurisprudência referida no número precedente é pertinente no que diz respeito à aplicabilidade do princípio do operador privado, mas não à aplicação deste princípio num caso concreto (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 100, e de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão, C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682, n.o 51).

    73

    Daqui resulta que esta jurisprudência não pode de modo algum pôr em causa a afirmação, feita nos n.os 57 a 59 do presente acórdão, de que os riscos a que um Estado‑Membro fica exposto em razão de um crédito que tem a sua origem na concessão de um auxílio de Estado a uma empresa, sendo indissociáveis da sua qualidade de poder público, não podem ser tidos em conta na aplicação do princípio do operador privado a uma medida ulterior adotada por esse mesmo Estado‑Membro a favor da referida empresa.

    74

    Em terceiro e último lugar, no que diz respeito à boa gestão dos fundos públicos, o grupo FIH não pode ser acompanhado quando alega, em substância, que a aplicação do princípio do operador privado na decisão controvertida tem como consequência o facto de a exposição económica de um Estado‑Membro resultante da concessão de um auxílio de Estado anterior e a sua intenção de proteger os seus interesses económicos não poderem ser tidas em conta no âmbito da análise ao abrigo do artigo 107.o TFUE.

    75

    Com efeito, embora seja verdade que tais considerações não são tidas em conta na análise, efetuada ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, da existência de um auxílio estatal, não é menos certo que, como salientou a Comissão na audiência no Tribunal de Justiça e o entendeu o advogado‑geral nos n.os 81 e 83 das suas conclusões, as referidas considerações podem ser tidas em conta por esta instituição na apreciação, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, da compatibilidade de uma medida de auxílio posterior com o mercado interno e são, por conseguinte, suscetíveis de levar esta instituição a concluir, como no caso em apreço, pela compatibilidade da referida medida.

    76

    Tendo em conta as considerações anteriores, há que julgar procedente o fundamento único do recurso e, por conseguinte, anular o acórdão recorrido.

    Quanto ao litígio em primeira instância

    77

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este Tribunal, quando procede à anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    78

    No caso vertente, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para se pronunciar sobre o primeiro fundamento do recurso em primeira instância, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, devido à errada aplicação do princípio do operador privado.

    79

    Com efeito, conforme resulta dos n.os 51 a 63 do presente acórdão, a argumentação do grupo FIH para que se declare que a Comissão devia ter aplicado, ao caso vertente, o critério do credor privado e não o do investidor privado não merece acolhimento.

    80

    Consequentemente, o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

    81

    Em contrapartida, contrariamente ao que a Comissão pretende a título principal, o litígio não está em condições de ser julgado no que diz respeito ao segundo fundamento do recurso em primeira instância.

    82

    Com efeito, conforme resulta do n.o 85 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral entendeu que, uma vez que o primeiro fundamento seria julgado procedente, não havia que analisar o segundo fundamento, relativo à existência de erros de cálculo no montante do auxílio.

    83

    Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida sobre o segundo fundamento que lhe foi apresentado e a respeito do qual não se pronunciou.

    Quanto às despesas

    84

    Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2016, FIH Holding e FIH Erhvervsbank/Comissão (T‑386/2016, EU:T:2016:474), é anulado.

     

    2)

    O primeiro fundamento do recurso no Tribunal Geral da União Europeia é julgado improcedente.

     

    3)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que o segundo fundamento seja apreciado.

     

    4)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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