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Document 62016CJ0571

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 4 de outubro de 2018.
Nikolay Kantarev contra Balgarska Narodna Banka.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad - Varna.
Reenvio prejudicial — Sistemas de garantia de depósitos — Diretiva 94/19/CE — Artigo 1.o, ponto 3, alínea i) — Artigo 10.o, n.o 1 — Conceito de “depósito indisponível” — Responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados aos particulares por violações do direito da União — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípio da cooperação leal — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípios da equivalência e da efetividade.
Processo C-571/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:807

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de outubro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistemas de garantia de depósitos — Diretiva 94/19/CE — Artigo 1.o, ponto 3, alínea i) — Artigo 10.o, n.o 1 — Conceito de “depósito indisponível” — Responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados aos particulares por violações do direito da União — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípio da cooperação leal — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípios da equivalência e da efetividade»

No processo C‑571/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária), por decisão de 4 de novembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de novembro de 2016, no processo

Nikolay Kantarev

contra

Balgarska Narodna Banka,

sendo interveniente:

Okrazhna prokuratura — Varna,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça (relator), presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de N. Kantarev, por K. Boncheva e M. Ekimdzhiev, advokati,

em representação do Balgarska Narodna Banka, por A. Kalaydzhiev, R. Georgiev e M. Kalaydzhieva, advokati,

em representação da Comissão Europeia, por P. Mihaylova, A. Steiblytė e H. Krämer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), e do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 1994, L 135, p. 5), conforme alterada pela Diretiva 2009/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009 (JO 2009, L 68, p. 3) (a seguir «Diretiva 94/19»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Nikolay Kantarev ao Balgarska Narodna Banka (Banco Central da Bulgária, a seguir «BNB»), a propósito do prejuízo que N. Kantarev sofreu em razão do pagamento alegadamente tardio da garantia de depósitos, a título de fundos inscritos numa conta corrente aberta no Korporativna Targovska Banka (a seguir «Banco KTB») e que se tornaram indisponíveis.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 94/19

3

O primeiro, segundo, quarto, oitavo, nono, décimo primeiro, vigésimo primeiro e vigésimo quarto considerandos da Diretiva 94/19 enunciam:

«Considerando que, em conformidade com os objetivos do Tratado, é conveniente promover o desenvolvimento harmonioso da atividade das instituições de crédito em toda a Comunidade através da supressão de todas as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, reforçando simultaneamente a estabilidade do sistema bancário e a proteção dos aforradores;

Considerando que, paralelamente à supressão das restrições à atividade das instituições de crédito, é conveniente tomar as devidas precauções relativamente à situação suscetível de se verificar em caso de indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito que tenha sucursais noutros Estados‑Membros; que é indispensável assegurar um nível mínimo harmonizado de proteção dos depósitos, independentemente da sua localização no interior da Comunidade; que esta proteção dos depósitos é tão importante quanto as regras prudenciais para a realização do mercado único bancário;

[…]

Considerando que, para as instituições de crédito, o custo da participação num sistema de garantia é muito inferior ao que resultaria do levantamento em massa dos depósitos bancários, não só de uma instituição em dificuldades, mas também de instituições com uma situação sã, na sequência de perda de confiança dos depositantes na solidez do sistema bancário;

[…]

Considerando que a harmonização se deve limitar aos principais elementos dos sistemas de garantia de depósitos, devendo assegurar, num prazo muito curto, um pagamento ao abrigo da garantia, calculado com base num nível mínimo harmonizado;

Considerando que os sistemas de garantia de depósitos devem intervir logo que ocorra a indisponibilidade dos depósitos;

[…]

Considerando que, em si mesma, a harmonização dos sistemas de garantia de depósitos na Comunidade não põe em causa a existência dos sistemas instituídos concebidos para proteger as instituições de crédito, nomeadamente por meio de uma garantia da sua solvabilidade e liquidez, destinada a evitar que os depósitos constituídos junto dessas instituições de crédito, incluindo as suas sucursais estabelecidas noutros Estados‑Membros, possam tornar‑se indisponíveis; que, sob certas condições, as autoridades competentes poderão considerar que esses sistemas alternativos, que oferecem um tipo de proteção diferente, satisfazem os objetivos da presente diretiva; que cabe a essas autoridades competentes verificar o cumprimento das referidas condições;

[…]

Considerando que a informação dos depositantes é um elemento fundamental para a sua proteção e deve, pois, ser igualmente objeto de um certo número de disposições vinculativas; […]

[…]

Considerando que a presente diretiva não pode ter como efeito tornar os Estados‑Membros ou as suas autoridades competentes responsáveis perante os depositantes, a partir do momento em que tiverem assegurado a instauração ou o reconhecimento oficial de um ou mais sistemas que garantam os depósitos ou as próprias instituições de crédito e que assegurem a indemnização ou a proteção dos depositantes nas condições estipuladas na presente diretiva.»

4

O artigo 1.o, ponto 1, primeiro parágrafo, e ponto 3, desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da aplicação da presente diretiva, entende‑se por:

1.

“Depósito”: os saldos credores resultantes de fundos existentes numa conta ou de situações transitórias decorrentes de operações bancárias normais, que devem ser restituídos pela instituição de crédito nas condições legais e contratuais aplicáveis, e as dívidas representadas por títulos emitidos pela instituição de crédito.

[…]

3.

“Depósito indisponível”: o depósito que, tendo‑se vencido e sendo exigível, não tiver sido pago por uma instituição de crédito ao abrigo das condições legais e contratuais que lhe sejam aplicáveis, quando:

i)

As autoridades competentes tiverem verificado que, na sua opinião, a instituição de crédito em causa não parece ter, nesse momento, por razões diretamente relacionadas com a sua situação financeira, possibilidade de restituir os depósitos, nem perspetivas de proximamente vir a poder fazê‑lo.

As autoridades competentes procedem a essa verificação o mais rapidamente possível e, no máximo, cinco dias úteis após se terem certificado pela primeira vez de que a instituição de crédito não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis;

ou

ii)

Ou uma autoridade judicial tiver proferido uma decisão, por razões diretamente relacionadas com a situação financeira da instituição de crédito, que tenha por consequência suspender o exercício dos direitos dos depositantes a reclamarem créditos sobre a instituição, caso tal decisão ocorra antes de ser efetuada a verificação acima referida.»

5

O artigo 7.o, n.os 1 e 1‑A, da referida diretiva prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que a cobertura do conjunto dos depósitos de um mesmo depositante seja de, pelo menos, 50000 [euros] no caso de os depósitos ficarem indisponíveis.

1‑A.   Até 31 de dezembro de 2010, os Estados‑Membros asseguram que a cobertura do conjunto dos depósitos de um mesmo depositante seja de 100000 [euros] no caso de os depósitos ficarem indisponíveis.

[…]»

6

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«Os sistemas de garantia de depósitos devem encontrar‑se em condições de reembolsar os créditos devidamente verificados dos depositantes, relativos aos depósitos indisponíveis, no prazo de vinte dias úteis a contar da data em que as autoridades competentes procederem à verificação a que se refere a alínea i) do [ponto] 3 do artigo 1.o ou em que a autoridade judicial proferir a decisão a que se refere a alínea ii) do [ponto] 3 do artigo 1.o Este prazo compreende a recolha e transmissão dos dados exatos respeitantes aos depositantes e aos depósitos necessários para a verificação dos créditos.

Em circunstâncias absolutamente excecionais, o sistema de garantia de depósitos pode solicitar às autoridades competentes uma prorrogação do prazo. Essa prorrogação não pode exceder dez dias úteis.

[…]»

Diretiva 2009/14

7

Os considerandos 11 e 12 da Diretiva 2009/14 enunciam:

«(11)

Além disso, nos casos em que o procedimento de reembolso [dos depósitos] seja determinado pelas autoridades competentes, o prazo de 21 dias atualmente previsto para tomar uma decisão deverá ser reduzido para cinco dias úteis, de modo a não prejudicar a rapidez do reembolso. Todavia, as autoridades competentes deverão primeiro certificar‑se de que a instituição de crédito não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis. Esta avaliação deverá ser sujeita a procedimentos judiciais ou administrativos nos Estados‑Membros.

(12)

Os depósitos poderão ser considerados indisponíveis a partir do momento em que se verifique que as medidas de intervenção ou reorganização não foram bem‑sucedidas. Tal não deverá impedir as autoridades competentes de fazerem novos esforços de reestruturação durante o período de reembolso.»

Direito búlgaro

8

A Zakon za otgovornostta na darzhavata i obshtinite za vredi (Lei relativa à responsabilidade civil do Estado e dos municípios) (DV n.o 60, de 5 de agosto de 1988, a seguir «Lei relativa à responsabilidade do Estado»), dispõe, no seu artigo 1.o, n.os 1 e 2:

«1.   O Estado e os municípios são responsáveis pelos danos sofridos por cidadãos e por pessoas coletivas na sequência de atos, ações ou omissões ilegais dos seus órgãos e funcionários no exercício da atividade administrativa ou por ocasião desta.

2.   As ações intentadas ao abrigo do n.o 1 são examinadas em conformidade com o processo previsto no Administrativnoprotsesualen kodeks [Código do Processo Administrativo] […]»

9

O artigo 8.o, n.os 1 e 3, desta lei dispõe:

«1.   A reparação de danos causados nas condições previstas no artigo 1.o, n.o 1, no artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, no artigo 2.o‑A e no artigo 2.o‑B, n.o 1, pode ser requerida segundo o processo previsto na presente lei e não segundo o processo de direito comum.

[…]

3.   A presente lei não é aplicável quando uma lei ou um decreto tenha previsto um método específico de reparação.»

10

O artigo 45.o da Zakon za zadalzheniata i dogovorite (Lei relativa às obrigações e aos contratos) (DV n.o 275, de 22 de novembro de 1950) prevê:

«Quem, com culpa, causar danos a outrem, está obrigado à reparação desses danos. Em todos os casos de danos resultantes de um facto ilícito, presume‑se que existe culpa até prova em contrário.»

11

Nos termos do artigo 49.o da Lei relativa às obrigações e aos contratos:

«Quem tiver encarregado uma outra pessoa de uma tarefa, responde pelos danos por esta causados no âmbito ou por ocasião da execução dessa tarefa.»

12

A Zakona za garantirane na vlogovete v bankite (Lei relativa à garantia dos depósitos bancários) (DV n.o 49, de 29 de abril de 1998) regulamenta a criação, as competências e a atividade do Fundo de garantia de depósitos bancários (a seguir «Fundo»). Nos termos do artigo 1.o‑A das disposições complementares de 2009 (DV n.o 44, de 12 de junho de 2009) transpõe as disposições das Diretivas 94/19 e 2009/14.

13

O artigo 23.o, n.os 1, 2, 5 e 6, desta lei tem a seguinte redação:

«1.   O Fundo reembolsará as dívidas do banco em causa aos seus depositantes até ao limite dos níveis garantidos quando o [BNB] tiver revogado a licença bancária do banco comercial.

2.   O Fundo reembolsará os montantes garantidos dos depósitos através de um banco comercial ou de bancos comerciais, designados pelo conselho de administração.

[…]

5.   O reembolso de montantes pelo Fundo tem início, o mais tardar, 20 dias úteis a contar da data em que o [BNB] tomou a decisão referida no n.o 1.

6.   Em circunstâncias excecionais, o Fundo pode prorrogar o prazo previsto no n.o 5 em dez dias úteis, no máximo.»

14

O artigo 24.o, n.o 1, da referida lei prevê:

«1.   A partir da data em que o [BNB] tomou a decisão referida no artigo 23.o, n.o 1, o Fundo fica sub‑rogado nos direitos dos depositantes sobre o banco até ao nível garantido, independentemente do seu montante e da data em que o Fundo efetuou pagamentos ao abrigo da garantia a cada depositante.»

15

A Zakona za Bulgarskata narodna banka (Lei relativa ao Banco Central da Bulgária) (DV n.o 46, de 10 de junho de 1997) regula o estatuto, os objetivos e as competências do BNB.

16

O artigo 1.o, n.o 1, dessa lei dispõe:

«1.   O [BNB] é o banco central da República da Bulgária. É uma pessoa coletiva.»

17

O artigo 2.o, n.o 6, da referida lei prevê:

«O [BNB] é competente para regular e realizar a supervisão da atividade exercida pelos outros bancos estabelecidos no território do país de forma a manter a estabilidade do sistema bancário e a proteger os interesses dos depositantes.»

18

Segundo o artigo 16.o desta mesma lei, o conselho de administração do BNB, nomeadamente, «emite as licenças, recusa a concessão de licenças e revoga as licenças de bancos, de operadores de sistemas de pagamento, de instituições de pagamento e de instituições de moeda eletrónica nas condições e segundo as modalidades determinadas por lei; […] coloca os bancos sob supervisão especial nas condições e segundo as modalidades previstas na lei relativa às instituições de crédito».

19

A Zakona za kreditnite institutsii (Lei relativa às instituições de crédito) (DV n.o 59, de 21 de julho de 2006) rege as condições e o procedimento de licenciamento, o exercício da atividade, o controlo do cumprimento dos requisitos prudenciais e a cessação da atividade das instituições de crédito, com o objetivo de assegurar um sistema bancário estável, fiável e seguro e a proteção dos interesses dos depositantes, bem como as obrigações de informação pelo BNB no domínio da regulação e supervisão prudenciais dos bancos.

20

Segundo o artigo 1.o, n.o 2, da Lei relativa às instituições de crédito, o BNB é «a autoridade competente na República da Bulgária para supervisionar os bancos na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 40, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1)».

21

O artigo 36.o, n.os 2 e 3, dessa lei prevê:

«2.   O [BNB] revogará obrigatoriamente a licença concedida a um banco devido à sua insolvência quando:

1)

este não cumpra, há mais de sete dias úteis, os seus compromissos pecuniários tornados exigíveis, sempre que tal esteja diretamente relacionado com a situação financeira desse banco e que o [BNB] considere improvável que este venha a cumprir os compromissos financeiros que se tenham tornado exigíveis num prazo razoável, ou

2)

os seus fundos próprios atinjam um montante negativo.

3.   O [BNB] tomará a decisão referida no n.o 2 no prazo de cinco dias úteis a contar da declaração do estado de insolvência.»

22

O artigo 79.o, n.o 8, da referida lei dispõe:

«O [BNB], os seus órgãos e as pessoas mandatadas por estes não são responsáveis pelos danos causados no exercício das suas funções de supervisão, salvo se tiverem agido intencionalmente.»

23

O artigo 115.o da Lei relativa às instituições de crédito tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos da recuperação de um banco em risco de insolvência, o [BNB] pode colocar esse banco sob supervisão especial.

2.   Um banco está em risco de insolvência:

1)

quando o rácio total de fundos próprios do banco for inferior ao nível mínimo fixado, ou

2)

quando o [BNB] considerar que os ativos líquidos do banco não são suficientes para permitir que o banco cumpra os seus compromissos no dia em que estes se tornarem exigíveis, ou

3)

quando o banco não tiver cumprido, no prazo fixado, um ou mais compromissos que se tornaram exigíveis perante os seus credores.

[…]»

24

Nos termos do artigo 116.o desta lei:

«1.   Nos casos referidos no artigo 115.o, n.o 1, o [BNB] coloca o banco em causa sob supervisão especial e:

1)

nomeia supervisores caso estes não tenham sido nomeados anteriormente e determina as suas competências;

2)

determina a duração e as modalidades de supervisão especial.

2.   Nos casos referidos no n.o 1, o [BNB] pode:

1)

reduzir os juros sobre os compromissos do banco ao seu valor médio de mercado;

2)

interromper, total ou parcialmente, por um período determinado, o cumprimento de todos ou de determinados compromissos desse banco;

3)

limitar, total ou parcialmente, a sua atividade;

[…]»

25

O artigo 119.o, n.o 5, da referida lei prevê:

«5.   Nos casos referidos no artigo 116.o, n.o 2, ponto 2, o banco não é financeiramente responsável pelo incumprimento dos compromissos cujo cumprimento tenha sido interrompido na sequência da supervisão especial. Durante a pendência da supervisão especial, não vencem juros de mora nem juros pelo incumprimento dos compromissos pecuniários do banco cujo cumprimento foi suspenso. No entanto, são devidos os juros convencionais sobre esses compromissos, os quais são, contudo, pagos após o termo da supervisão especial.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Em 4 de março de 2014, N. Kantarev celebrou com o Banco KTB um contrato‑quadro relativo a serviços de pagamento, bem como um aditamento ao referido contrato relativo à abertura de uma conta corrente. Este aditamento referia, nomeadamente, que os montantes depositados na conta em causa estavam cobertos pelo Fundo. Além disso, os montantes depositados nessa conta deviam dar lugar a juros de taxa fixa, os quais deviam ser pagos na referida conta uma vez por ano ou na data de encerramento dessa conta, e que estavam igualmente cobertos pelo Fundo.

27

Tendo o Banco KTB enfrentado uma crise de liquidez na sequência de uma corrida aos depósitos que detinha, os seus representantes requereram, em 20 de junho de 2014, ao BNB a colocação dessa instituição de crédito sob supervisão especial. Informaram igualmente o BNB da suspensão dos pagamentos e da totalidade das operações bancárias da referida instituição. Por decisão do mesmo dia, o conselho de administração do BNB colocou o Banco KTB sob supervisão especial por um período de três meses. O cumprimento dos compromissos dessa instituição de crédito foi suspenso e a sua atividade limitada. Foram nomeados supervisores que foram encarregados pelo BNB de obter uma avaliação dos ativos e das dívidas da referida instituição a realizar por um auditor externo.

28

Esta avaliação indicou que o resultado financeiro do Banco KTB era negativo e que este não preenchia os requisitos em matéria de fundos próprios previstos na regulamentação da União. Por conseguinte, por decisão de 6 de novembro de 2014, em primeiro lugar, o BNB revogou a licença bancária do Banco KTB, em segundo lugar, decidiu que deviam ser tomadas medidas para a abertura de um processo de insolvência deste e, em terceiro lugar, decidiu que era necessário informar o Fundo.

29

A conta do recorrente no processo principal foi encerrada oficiosamente nessa data, o que desencadeou, nos termos do direito búlgaro, o reembolso do depósito de N. Kantarev ao abrigo da garantia de depósitos.

30

Em 4 de dezembro de 2014, uma instituição de crédito búlgara, encarregada pelo Fundo de reembolsar os depósitos detidos pelo Banco KTB, pagou a N. Kantarev um montante de 86973,81 leva búlgaros (BGN) (cerca de 44465 euros), estando incluídos neste montante os juros vencidos até 6 de novembro de 2014, data da revogação da licença do Banco KTB, a saber, 2673,81 BGN. A este respeito, até 1 de julho de 2014, a taxa de juro aplicada ao depósito do recorrente no processo principal estava em conformidade com as condições contratuais, ao passo que, a partir dessa data e até 6 de novembro de 2014, a taxa de juro aplicada foi a fixada por decisão do conselho de administração do BNB, de 30 de junho de 2014, que procedeu a uma redução das taxas de juro aplicáveis aos depósitos do Banco KTB.

31

Posteriormente, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária), por decisão de 22 de abril de 2015, declarou que o estado de insolvência do Banco KTB teve início em 6 de novembro de 2014. Em recurso, o BNB contestou esta parte da decisão no Sofiyski apelativen sad (Tribunal de Recurso de Sófia, Bulgária), o qual anulou a decisão da primeira instância tendo concluído que a data a considerar era a de 20 de junho de 2014, data em que os fundos próprios do Banco KTB se tornaram negativos.

32

No início de 2016, N. Kantarev interpôs recurso no Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária), com base no artigo 4.o, n.o 3, TUE, contra o BNB, alegando que, não obstante a Lei relativa à garantia dos depósitos bancários, aquela instituição devia ter declarado a indisponibilidade dos depósitos em conformidade com o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, ou seja, no prazo de cinco dias úteis após a adoção da decisão de colocação sob supervisão especial do Banco KTB. Por conseguinte, o BNB cometeu uma violação do direito da União que lhe dá direito a reparação. A este respeito, N. Kantarev alega que o reembolso tardio do seu depósito lhe causou um prejuízo correspondente aos juros de mora.

33

Por Despacho de 12 de março de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu o processo principal pelo facto de não estarem reunidos os requisitos de aplicação estabelecidos no artigo 1.o, n.o 1, da Lei relativa à responsabilidade do Estado. Este despacho foi, no entanto, anulado pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) por Despacho de 18 de julho de 2016. Nesse despacho, o referido órgão jurisdicional deu indicações ao órgão jurisdicional de reenvio sobre vários elementos a avaliar para dirimir o litígio.

34

Tendo em conta essas indicações, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o resultado do recurso interposto por N. Kantarev depende, em primeiro lugar, da questão de saber se a responsabilidade do BNB se rege pelos requisitos previstos no artigo 1.o, n.o 1, da Lei relativa à responsabilidade do Estado ou pelos requisitos previstos na Lei relativa às obrigações e aos contratos. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais búlgaros é contraditória no que se refere à competência dos tribunais, cíveis ou administrativos, para examinar os pedidos de indemnização de danos causados por uma violação do direito da União. Acrescenta que o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) adotou uma jurisprudência contraditória ao ter decidido, em certos casos, que, não sendo o BNB um órgão do poder executivo nem um organismo financiado pelo orçamento do Estado, a Lei relativa à responsabilidade do Estado não lhe era aplicável e, noutros casos, que o BNB devia ser considerado um organismo com prerrogativas de poder público, pelo que essa lei seria aplicável.

35

O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente que existem diferenças substanciais entre o processo e os requisitos da responsabilidade previstos na Lei relativa à responsabilidade do Estado e na Lei relativa às obrigações e aos contratos. Assim, a Lei relativa à responsabilidade do Estado, que apenas se aplica quando o dano resulte de um ato ilegal anulado ou de uma ação ou omissão ilegais da Administração, instituiu um regime de responsabilidade objetiva. Ao abrigo desta lei, o autor deve pagar uma simples taxa na data em que intenta a ação e pode intentá‑la nos órgãos jurisdicionais do seu domicílio. Em contrapartida, no âmbito de uma ação com base na Lei relativa às obrigações e aos contratos, o autor deve pagar ao Estado uma taxa correspondente a uma determinada percentagem do valor do litígio e deve intentar a ação nos órgãos jurisdicionais da residência do demandado ou do local onde ocorreu o facto danoso. Exige‑se ainda, como requisito material de uma ação como a que está em causa no processo principal, que o autor prove a existência de culpa do BNB ou a existência de um comportamento intencional desta instituição.

36

Em segundo lugar, quanto ao mérito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se o BNB estava obrigado a tomar a decisão prevista no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, pelo que é necessário, para dirimir o litígio, saber se esta disposição foi corretamente transposta para a legislação búlgara. Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre os requisitos previstos na referida diretiva para declarar a indisponibilidade dos depósitos, a fim de analisar se estes estão reunidos. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por um lado, para desencadear a execução da garantia de depósitos, o BNB tinha necessariamente de revogar a licença de uma instituição de crédito e, por outro, que o BNB decidiu, antes da revogação da licença do Banco KTB, colocá‑lo sob supervisão especial para o proteger da insolvência. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o reembolso pelo Fundo ao abrigo da garantia de depósitos não impede a colocação sob supervisão especial.

37

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em substância, sobre a questão de saber se o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 concedem aos depositantes o direito de exigir uma indemnização ao Estado‑Membro por violação, pela autoridade competente, do prazo para declarar a indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito.

38

A este respeito, a jurisprudência nacional é novamente contraditória. Algumas ações dos depositantes contra o BNB foram julgadas procedentes pelo facto de aquele ter violado disposições do direito da União com efeito direto e outras ações foram julgadas improcedentes com fundamento no facto de o atraso no reembolso ser imputável ao Fundo e não ao BNB, de o reembolso ser impossível enquanto a licença bancária da instituição em causa não tivesse sido revogada, ou ainda no facto de as disposições da Diretiva 94/19 não terem efeito direto e de que, mesmo que se devesse declarar um incumprimento na transposição desta diretiva, tal não implicaria a responsabilidade do BNB, mas sim do próprio Estado.

39

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o BNB cometeu uma violação do direito da União, mas interroga‑se quanto à questão de saber se se trata de uma «violação suficientemente caracterizada», na aceção do direito da União. Observa, a este respeito, que a medida de recuperação em causa foi decidida pelo BNB no interesse geral, fornecendo assim aos depositantes uma proteção equivalente à prevista na Diretiva 94/19, e que, durante esse período, foram aplicados juros aos depósitos.

40

Nestas condições, o Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 4.o, n.o 3, TUE e os princípios da equivalência e da efetividade ser interpretados no sentido de que, na falta de um regime nacional, permitem que a jurisdição competente e o processo relativo às ações de indemnização devido a violação do direito da União sejam determinados consoante a autoridade que cometeu a violação e segundo o tipo de ato ou omissão que a originou, quando a aplicação desses critérios leva a que as ações sejam apreciadas em jurisdições diferentes ‑ jurisdição comum e jurisdição administrativa ‑ com leis processuais diferentes, o [Código de Processo Civil] e o [Código do Processo Administrativo], que têm um regime de custas diferentes, ou seja, custas proporcionais ao valor e custas fixas, e exigem a prova de pressupostos diferentes, incluindo a culpa?

2)

Devem o artigo 4.o, n.o 3, TUE e os requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão [de 19 de novembro de 1991,] Frankovich [e o., (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428)] ser interpretados no sentido de que se opõem a que as ações de indemnização por violação do direito da União possam ser apreciadas segundo o processo previsto nos artigos 45.o e 49.o da [Lei relativa às obrigações e aos contratos], que prevê o pagamento de custas proporcionais e a prova da culpa, ou segundo o processo previsto no artigo 1.o da [Lei relativa à responsabilidade do Estado], que embora preveja a responsabilidade objetiva e preveja regras especiais para facilitar o acesso aos tribunais, só é aplicável a danos resultantes de atos administrativos ilegais anulados ou de atos ou omissões ilícitos da administração, não se aplicando a violações do direito da União cometidas por outros órgãos do Estado através de atos ou omissões não anulados nos termos do respetivo processo?

3)

Devem os artigos 1.o, [ponto] 3, alínea i) e 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 ser interpretados no sentido de que permitem uma solução legislativa como a prevista no artigo 36.o, n.o 3, da Lei das instituições de crédito e no artigo 23.o, n.o 5, da Lei relativa à proteção dos depósitos bancários, segundo a qual “o pressuposto de que a instituição de crédito, por motivos diretamente relacionados com a sua situação financeira, não está em condições de proceder ao reembolso do depósito e […] não existe qualquer expectativa de vir a ser feito um posterior reembolso” equivale à verificação da incapacidade de pagamento da instituição de crédito e à revogação da sua licença e de que o sistema de garantia de depósitos entra em ação a partir do momento da revogação da licença bancária?

4)

Deve o artigo 1.o, [ponto] 3, da Diretiva 94/19 ser interpretado no sentido de que para a qualificação de um depósito como “indisponível” a sua indisponibilidade deve ser declarada expressamente pelas “autoridades competentes” após apreciação nos termos da alínea i) daquele artigo, ou essa disposição permite que, no caso de existir uma lacuna no direito nacional, a apreciação e a vontade das “autoridades competentes” seja inferida por interpretação de outros atos jurídicos desta autoridade ‑ no caso em apreço a Decisão n.o 73, de 20 de junho de 2014, do conselho de administração do BNB, através da qual o [Banco KTB] foi colocado sob supervisão especial ‑ ou seja presumida com base em circunstâncias como as do processo principal?

5)

Nas circunstâncias do processo principal, em que através da Decisão n.o 73 do conselho [de administração] do BNB de 20 de junho de 2014 todos os pagamentos e negócios foram suspensos e os depositantes ficaram impedidos, entre 20 de junho de 2014 e 6 de novembro de 2014, de fazer pedidos de reembolso e de ter acesso aos seus depósitos, deve partir‑se do princípio de que todos os depósitos garantidos sem prazo (que podem ser movimentados sem aviso prévio e que devem ser reembolsados imediatamente após o respetivo pedido de reembolso) se tornaram indisponíveis na aceção do artigo 1.o, [ponto] 3, alínea i), da Diretiva 94/19, ou [deve considerar‑se que] o pressuposto de que o depósito “vencido e sendo exigível, não tiver sido pago por uma instituição de crédito” [exige] que os depositantes tenham reclamado infrutiferamente o seu pagamento à instituição de crédito (através de pedido ou interpelação)?

6)

Devem os artigos 1.o, [ponto] 3, alínea i), e 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 e o considerando 8 da Diretiva 2009/14 ser interpretados no sentido de que a margem de apreciação das “autoridades competentes” nos termos do artigo 1.o, [ponto] 3, alínea i) está, em qualquer caso, limitada pelo prazo previsto na alínea i), segundo período [do artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 94/19], ou aquelas disposições permitem que, para efeitos da supervisão especial como a prevista no artigo 115.o da [Lei relativa às instituições de crédito], os depósitos fiquem indisponíveis para além do tempo previsto pela Diretiva 94/19?

7)

Deve considerar‑se que os artigos 1.o, [ponto] 3, alínea i), e 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 têm efeito direto e conferem aos titulares de depósitos num banco ligado a um sistema de garantia de depósitos, além do direito a serem indemnizados por esse sistema até ao montante previsto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 94/19, também o direito de responsabilizar o Estado pela violação do direito da União, reclamando uma indemnização da autoridade responsável pela verificação da indisponibilidade dos depósitos pelo dano que surgiu devido ao pagamento tardio do montante do depósito garantido, quando a decisão nos termos do artigo 1.o, [ponto] 3, alínea i), tiver sido tomada após o prazo de cinco dias previsto na [Diretiva 94/19] e esse atraso se tiver devido ao efeito de uma medida de saneamento tomada por essa autoridade com vista a proteger o banco da incapacidade de pagamento, ou as circunstâncias do processo principal permitem um regime nacional como o previsto no artigo 79.o, n.o 8, da [Lei relativa às instituições de crédito], segundo o qual o BNB e os seus órgãos e mandatários só respondem pelos danos que causarem no exercício das suas atividades de supervisão se agirem intencionalmente?

8)

Uma violação ao direito da União que consiste em a “autoridade competente” não tomar a decisão prevista no artigo 1.o, [ponto] 3, alínea i), da Diretiva 94/19, constitui uma “violação suficientemente caracterizada”, que pode desencadear a responsabilidade civil de um Estado‑Membro através de uma ação de indemnização contra a autoridade de supervisão, e quais os seus requisitos; são relevantes neste âmbito as seguintes circunstâncias: a) que o [Fundo] não dispunha de meios suficientes para abranger todos os depósitos garantidos; b) que no período em que os pagamentos estavam suspensos a instituição de crédito tenha sido colocada sob supervisão especial para proteção da incapacidade de pagamento; c) que o depósito do recorrente tenha sido reembolsado depois de o BNB ter verificado o insucesso da medida de saneamento[; e] d) que o depósito do recorrente tenha sido reembolsado acrescido dos juros vencidos entre 20 de junho de 2014 e 6 de novembro de 2014 inclusive?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

41

Para contestar a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, por um lado, o BNB alega que as questões submetidas não são pertinentes e não apresentam nenhuma ligação com os factos do processo principal. Além disso, defende que cabe ao órgão jurisdicional nacional e não ao Tribunal de Justiça determinar se N. Kantarev efetivamente sofreu um dano e, no caso de se dever declarar a existência de uma violação da Diretiva 94/19, o legislador búlgaro, o único competente para transpor esta diretiva para o direito nacional, é o único responsável. Por outro lado, o BNB sustenta que resulta do Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), que um particular não pode exigir reparação do prejuízo causado por uma supervisão deficiente pela autoridade nacional de supervisão das instituições de crédito quando o reembolso dos depósitos previsto pela Diretiva 94/19 está garantido.

42

A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que o processo previsto no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que os órgãos jurisdicionais nacionais, a quem é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de tomar uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 2 de março de 2017, Pérez Retamero, C‑97/16, EU:C:2017:158, n.o 20 e jurisprudência referida).

43

Consequentemente, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em princípio, decidir (Acórdão de 2 de março de 2017, Pérez Retamero, C‑97/16, EU:C:2017:158, n.o 21 e jurisprudência referida).

44

Todavia, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 2 de março de 2017, Pérez Retamero, C‑97/16, EU:C:2017:158, n.o 22 e jurisprudência referida).

45

Ora, no caso vertente não se verifica nenhuma dessas situações. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que, em apoio da sua ação de indemnização, o recorrente no processo principal alega uma aplicação incorreta da Diretiva 94/19, bem como as razões pelas quais as respostas às questões prejudiciais lhe parecem necessárias para dirimir o litígio no processo principal.

46

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento baseado no Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), o artigo 267.o TFUE permite sempre a um órgão jurisdicional nacional, se julgar oportuno, submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação (Acórdão de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o., C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 52 e jurisprudência referida). Assim, a pertinência e o alcance desse acórdão devem ser analisados no decurso da análise do mérito das questões submetidas.

47

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

Quanto ao mérito

Quanto à terceira e sexta questões

48

Com a terceira e sexta questões, que há que examinar em conjunto e em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 3, e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 devem ser interpretados no sentido de que se opõem, por um lado, a uma legislação nacional segundo a qual a declaração da indisponibilidade dos depósitos depende da insolvência da instituição de crédito e da revogação da sua licença bancária e, por outro, a que sejam derrogados os prazos previstos por essas disposições para declarar a indisponibilidade dos depósitos e para os reembolsar, pelo facto de ser necessário colocar a instituição de crédito sob supervisão especial.

49

A este respeito, importa salientar que resulta expressamente da redação do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), primeiro parágrafo, da Diretiva 94/19, que a condição necessária e suficiente para verificar a indisponibilidade de um depósito vencido e exigível é que, na opinião da autoridade competente, uma instituição de crédito não pareça ter, nesse momento, por razões diretamente relacionadas com a sua situação financeira, possibilidade de restituir os depósitos, nem perspetivas de proximamente vir a poder fazê‑lo.

50

Além disso, o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), segundo parágrafo, da Diretiva 94/19 precisa que esta declaração deve ser feita, pelas referidas autoridades competentes, «o mais rapidamente possível» e «no máximo, cinco dias úteis após se terem certificado pela primeira vez de que [a instituição de crédito em causa] não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis».

51

Resulta destas disposições que a declaração da indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito não pode depender da insolvência da instituição de crédito em causa ou da revogação da sua licença bancária.

52

Com efeito, por um lado, a indisponibilidade dos depósitos deve ser declarada em prazos muito curtos, sem esperar que estejam reunidos os requisitos necessários para a abertura de um processo de insolvência ou para a revogação da licença bancária.

53

Por outro lado, a insolvência da instituição de crédito e a revogação da licença bancária diferem das circunstâncias que figuram no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19. Assim, a revogação da licença bancária de uma instituição de crédito pode, nomeadamente, ser consequência da não adesão a um fundo de garantia de depósitos sem que, no entanto, os depósitos dessa instituição estejam indisponíveis.

54

Além disso, a insolvência de uma instituição de crédito e a revogação da licença bancária são suscetíveis de indicar que a instituição de crédito regista dificuldades persistentes. Em contrapartida, uma vez que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 subordina a declaração da indisponibilidade dos depósitos ao facto de a instituição de crédito não parecer «nesse momento» estar em condições de restituir os depósitos e de não haver perspetivas de poder vir a fazê‑lo «proximamente», esta indisponibilidade pode ser temporária.

55

Daqui decorre que a declaração de indisponibilidade dos depósitos deve ocorrer mesmo em caso de dificuldades temporárias, desde que a instituição de crédito em causa esteja impossibilitada de restituir os depósitos devidos e exigíveis e que não haja perspetivas de proximamente vir a poder fazê‑lo.

56

Esta interpretação é corroborada pelo duplo objetivo prosseguido pela Diretiva 94/19. A este respeito, importa recordar que esta diretiva visa, como indicam o primeiro e quarto considerandos, simultaneamente proteger os depositantes e assegurar a estabilidade do sistema bancário, evitando os fenómenos de retirada maciça dos depósitos não apenas de uma instituição de crédito em dificuldade, mas igualmente de instituições sãs na sequência de uma perda de confiança do público na solidariedade desse sistema (Acórdão de 22 de março de 2018, Anisimovienė e o., C‑688/15 e C‑109/16, EU:C:2018:209, n.o 83).

57

Tendo em conta este duplo objetivo, é imperativo que a garantia de depósitos ocorra, como indicam o oitavo e o nono considerandos dessa diretiva, num «prazo muito curto» a contar da indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito.

58

Com efeito, por um lado, a proteção dos depositantes exige que os seus depósitos sejam reembolsados o mais rapidamente possível após a sua indisponibilidade de forma que esses depositantes não sejam privados das suas economias e não se encontrem, por essa razão, na impossibilidade de fazer face, nomeadamente, às suas despesas quotidianas. Por outro, a estabilidade do sistema bancário requer igualmente um reembolso rápido aos depositantes a fim de evitar que as dificuldades financeiras enfrentadas por uma instituição de crédito, mesmo que temporárias, não deem origem a um fenómeno de corrida aos depósitos e que essas dificuldades não se propaguem ao resto do sistema bancário.

59

É certo que, tendo em conta a redação do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 e, em particular, o facto de esta disposição precisar que a autoridade competente deve proceder à declaração da indisponibilidade dos depósitos quando, «na sua opinião», estiverem preenchidos os requisitos necessários para o efeito, essa autoridade dispõe de uma certa margem de apreciação. Contudo, tal margem de apreciação tem por objeto a apreciação dos requisitos enunciados nessa disposição e não os requisitos em si mesmos nem o momento em que se deve proceder a tal declaração.

60

Quanto à possibilidade de derrogar o prazo para declarar a indisponibilidade dos depósitos de forma a que a instituição de crédito seja colocada sob supervisão especial, é forçoso salientar que o prazo previsto no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), segundo parágrafo, da Diretiva 94/19 é, nos próprios termos desta disposição, um prazo imperativo, não estando prevista nenhuma derrogação deste prazo noutras disposições desta diretiva.

61

Além disso, permitir que as autoridades competentes derroguem o prazo previsto na Diretiva 94/19 para declararem a indisponibilidade dos depósitos a fim de que a instituição de crédito seja colocada sob supervisão especial seria contrário à exigência de celeridade que decorre desta diretiva. Com efeito, resulta tanto do duplo objetivo prosseguido pela referida diretiva, como recordado no n.o 56 do presente acórdão, como da redução desse prazo, de vinte e um para cinco dias, introduzida pela Diretiva 2009/14, que tal declaração deve ser efetuada num prazo muito curto.

62

Por outro lado, a exposição de motivos da proposta de diretiva do Conselho, relativa aos sistemas de garantia de depósitos, de 4 de junho de 1992 [COM(92) 188 final, JO 1992, C 163, p. 6], que levou à adoção da Diretiva 94/19, indica, precisamente, que o pagamento da garantia de depósitos deve ser baseado na verificação objetiva de que um depositante foi privado dos fundos que a instituição de crédito lhe devia ter restituído para «acelerar o pagamento do montante garantido» e «não fazer depender esse pagamento dos imprevistos dos processos de saneamento e liquidação da instituição [em causa]».

63

É certo que o considerando 12 da Diretiva 2009/14 enuncia que «[o]s depósitos poderão ser considerados indisponíveis a partir do momento em que se verifique que as medidas de intervenção ou reorganização [da instituição de crédito em causa] não foram bem sucedidas».

64

Todavia, por um lado, esse considerando 12 refere‑se apenas à possibilidade de os depósitos serem considerados indisponíveis em caso de insucesso de medidas de intervenção ou de reorganização, sem subordinar a declaração de indisponibilidade à circunstância de tais medidas preventivas não terem sido bem‑sucedidas.

65

Por outro lado, há que observar que o segundo período do referido considerando esclarece que esta possibilidade «não deverá impedir as autoridades competentes de fazerem novos esforços de reestruturação durante o período de reembolso» e implica, por conseguinte, que tais medidas não afetem a declaração de indisponibilidade dos depósitos nem o seu reembolso.

66

No que se refere ao prazo de reembolso de depósitos previsto no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19, resulta da própria redação desta disposição que uma prorrogação deste prazo só é possível em «circunstâncias absolutamente excecionais» e que tal prorrogação «não pode exceder dez dias úteis».

67

Ora, estando em causa uma instituição de crédito em dificuldades, a colocação desta sob supervisão especial, a fim de impedir que se torne insolvente, não constitui uma circunstância absolutamente excecional, mas, pelo contrário, uma circunstância inerente à situação dessa instituição e às medidas que podem ser adotadas para corrigir essa situação.

68

De qualquer modo, o facto de a prorrogação do prazo de reembolso dos depósitos ser limitado a dez dias úteis demonstra que esta prorrogação não se aplica às medidas que podiam ser adotadas a fim de impedir a insolvência dessa instituição, uma vez que tais medidas necessitam de mais dez dias para que se faça sentir a plenitude dos seus efeitos.

69

Atendendo a estes elementos, há que responder à terceira e sexta questões que o artigo 1.o, ponto 3, e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 devem ser interpretados no sentido de que se opõem, por um lado, a uma legislação nacional segundo a qual a declaração da indisponibilidade dos depósitos depende da insolvência da instituição de crédito e da revogação da sua licença bancária e, por outro, a que sejam derrogados os prazos previstos por essas disposições para declarar a indisponibilidade dos depósitos e para os reembolsar, pelo facto de ser necessário colocar a instituição de crédito sob supervisão especial.

Quanto à quarta questão

70

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 deve ser interpretado no sentido de que a indisponibilidade dos depósitos detidos por uma instituição de crédito deve ser declarada por um ato expresso das autoridades competentes ou se pode ser deduzida de outros atos adotados por essas autoridades, como a decisão do BNB de colocar o Banco KTB sob supervisão especial, ou presumida de circunstâncias como as do caso em apreço no processo principal.

71

A este respeito, importa sublinhar que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 se limita a enunciar as circunstâncias em que as autoridades competentes devem proceder à declaração da indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito, sem indicar a forma que deve revestir essa declaração.

72

Assim sendo, há que salientar que, por um lado, no sistema da Diretiva 94/19, a declaração de indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito determina o reembolso desses depósitos pelos sistemas de garantia e, por outro lado, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva, esta declaração marca o início do prazo em que deve ser efetuado esse reembolso.

73

Assim, atendendo a estes elementos, a indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito, na aceção do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, deve necessariamente ser declarada por uma decisão expressa das autoridades competentes que tenha por objeto declarar essa indisponibilidade, uma vez que qualquer outra interpretação criaria uma situação de insegurança que esta diretiva tem precisamente como objetivo corrigir.

74

Com efeito, resulta do vigésimo primeiro considerando da Diretiva 94/19 que a informação dos depositantes é um elemento fundamental para a sua proteção. Além disso, como recordado no n.o 56 do presente acórdão, esta diretiva visa realizar dois objetivos estreitamente relacionados, a saber, a estabilidade do sistema bancário e a proteção dos depositantes. Ora, estes objetivos pressupõem que os depositantes possam determinar com certeza que os seus depósitos se encontram indisponíveis e o momento a partir do qual serão objeto de um procedimento de reembolso a fim de evitar qualquer pânico que possa pôr em perigo a estabilidade do sistema bancário.

75

Por outro lado, uma vez que a declaração de indisponibilidade determina o reembolso dos depósitos e o início do prazo em que este deve ser efetuado, os depositantes e os fundos de garantia de depósitos devem dispor de uma decisão expressa, clara e precisa, que lhes permita saber rapidamente e com certeza que, na sequência da avaliação prevista no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, os depósitos foram declarados indisponíveis. Tal decisão garante, por um lado, que o fundo de garantia de depósitos está em posição de desencadear um procedimento de reembolso e de estabelecer que o prazo previsto no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 começou a correr e, por outro, que os depositantes podem invocar os direitos que esta diretiva lhes confere.

76

Daqui decorre que deve ser adotada uma decisão expressa a fim de declarar a indisponibilidade dos depósitos e que deve ser dado conhecimento desta decisão, desde a sua adoção, ao fundo de garantia de depósitos.

77

Além disso, a indisponibilidade dos depósitos não pode ser deduzida de outros atos adotados pela autoridade nacional competente tais como a colocação sob supervisão especial de um banco nem presumida com base em circunstâncias como as do processo principal, que não ocorrem no seguimento de uma avaliação da indisponibilidade dos depósitos como a prescrita no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19.

78

Portanto, há que responder à quarta questão que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 deve ser interpretado no sentido de que a indisponibilidade dos depósitos, na aceção desta disposição, deve ser declarada por um ato expresso da autoridade nacional competente e não pode ser deduzida de outros atos das autoridades nacionais, como a decisão do BNB de colocar o Banco KTB sob supervisão especial, nem presumida de circunstâncias como as do processo principal.

Quanto à quinta questão

79

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 94/19 deve ser interpretado no sentido de que a declaração da indisponibilidade de um depósito bancário, na aceção desta disposição, está subordinada à condição de o titular desse depósito ter previamente apresentado à instituição de crédito em causa, sem sucesso, um pedido de levantamento dos fundos.

80

A este respeito, resulta da leitura conjugada do artigo 1.o, ponto 1 e ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 que, ainda que os depósitos devam ser restituídos segundo as condições legais e contratuais aplicáveis, a apreciação da sua indisponibilidade é, em contrapartida, exclusivamente determinada pelos requisitos enunciados no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), desta diretiva.

81

Ora, esta disposição não prevê que a declaração de indisponibilidade dos depósitos seja subordinada a um pedido prévio de levantamento dos fundos que não tenha sido bem‑sucedido.

82

Com efeito, como salientou corretamente a Comissão Europeia, esta declaração está relacionada com a situação financeira objetiva da instituição de crédito e é relativa, de modo geral, à totalidade dos depósitos detidos por essa instituição e não a cada um dos depósitos que aquela detém. Assim, basta que seja declarado que a referida instituição de crédito não restituiu determinados depósitos e que estão preenchidos os requisitos enunciados no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 para que seja decretada a indisponibilidade de todos os depósitos detidos por essa instituição.

83

Acresce que o duplo objetivo prosseguido pela Diretiva 94/19, como resulta do n.o 56 do presente acórdão, não poderia ser alcançado se se exigisse que o titular de um depósito tivesse apresentado à instituição de crédito em causa um pedido de levantamento dos fundos, sem sucesso, para que esse depósito pudesse ser qualificado de «indisponível».

84

Com efeito, por um lado, tal exigência seria suscetível de minar a confiança dos depositantes no sistema de garantia de depósitos e dar origem a fenómenos de pedidos massivos de levantamento de depósitos.

85

Por outro lado, tal exigência teria como consequência tornar mais complexo o procedimento de declaração de indisponibilidade dos depósitos e de comprometer o objetivo de celeridade da Diretiva 94/19.

86

De resto, em circunstâncias como as do processo principal, em que tenha sido suspensa a totalidade das operações e dos pagamentos da instituição de crédito, tal requisito é ainda menos justificado uma vez que não é necessário e seria, na prática, bastante difícil, senão impossível, de preencher, visto que o titular do depósito não estará necessariamente em condições de fornecer prova de que apresentou previamente um pedido de restituição e que este não foi bem‑sucedido.

87

Portanto, há que responder à quinta questão que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 deve ser interpretado no sentido de que a declaração da indisponibilidade de um depósito bancário, na aceção desta disposição, não pode ser subordinada à condição de o titular desse depósito ter previamente apresentado à instituição de crédito em causa, sem sucesso, um pedido de levantamento dos fundos.

Quanto à sétima e oitava questões

88

Com a sétima e oitava questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 devem ser interpretados no sentido de que têm efeito direto e conferem aos depositantes o direito de intentar, contra a autoridade pública obrigada a declarar a indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito, como o BNB, a título da responsabilidade do Estado por violação do direito da União, uma ação de indemnização do prejuízo pretensamente causado pelo reembolso tardio dos depósitos. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pede orientações complementares quanto ao conceito de violação «suficientemente caracterizada», na aceção do direito da União, e questiona‑se quanto à pertinência de certas circunstâncias factuais do caso vertente para efeitos dessa apreciação.

89

A título preliminar, importa precisar que, contrariamente ao que sustenta o BNB e conforme salientado pela advogada‑geral nos n.os 78 a 82 das suas conclusões, as circunstâncias na origem do litígio no processo principal diferem das que estiveram na origem do Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), pelo que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não encontram resposta nesse acórdão.

90

Resulta do Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), que, quando o direito nacional tenha estabelecido um sistema de garantia de depósitos, a Diretiva 94/19 não se opõe a uma disposição nacional que exclui que os particulares possam pedir a reparação dos prejuízos causados por uma supervisão insuficiente ou deficiente por parte da autoridade nacional responsável pela supervisão das instituições de crédito ou invocar a responsabilidade do Estado com base no direito da União pelo facto de estas missões de supervisão serem desempenhadas no interesse público.

91

Ora, no caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a responsabilidade de um Estado‑Membro pode ser invocada devido à transposição incorreta da Diretiva 94/19 e à aplicação incorreta do mecanismo de garantia de depósitos previsto nesta diretiva.

92

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhes sejam imputáveis é inerente ao sistema dos Tratados em que esta última se funda (Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales, C‑118/08, EU:C:2010:39, n.o 29 e jurisprudência referida).

93

Assim, incumbe a cada um dos Estados‑Membros assegurar que os particulares obtenham a reparação do prejuízo que lhes causar a violação do direito da União, seja qual for a autoridade pública que tenha cometido essa violação e seja qual for aquela a quem incumbe, em princípio, segundo o direito do Estado‑Membro em questão, o ónus dessa reparação (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 46 e jurisprudência referida).

94

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, no que se refere aos requisitos da responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe são imputáveis, que os particulares lesados têm direito a reparação, desde que estejam preenchidos três requisitos, a saber, que a norma de direito da União violada tenha por objeto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido pelos particulares (Acórdão de 28 de julho de 2016, Tomášová, C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 22 e jurisprudência referida).

95

Decorre igualmente de jurisprudência constante que a aplicação destes requisitos que permitem fazer incorrer os Estados‑Membros em responsabilidade pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União deve, em princípio, ser feita pelos órgãos jurisdicionais nacionais, em conformidade com as orientações fornecidas para o efeito pelo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 48, e de 19 de junho de 2014, Specht e o., C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005, n.o 100)

96

No que se refere à questão de saber se o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19 têm efeito direto e conferem o direito de intentar uma ação de indemnização do prejuízo causado pelo reembolso tardio dos depósitos, importa sublinhar, antes de mais, que uma vez que o recorrente invoca, no órgão jurisdicional de reenvio, um prejuízo causado pela violação do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 por parte do BNB, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva.

97

No que respeita ao efeito direto do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, embora tal requisito não seja exigido pela jurisprudência para efeitos da responsabilidade de um Estado‑Membro por violação do direito da União (v., por analogia, Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.os 21 e 22), o órgão jurisdicional de reenvio precisa, contudo, que, caso a referida disposição tenha efeito direto, o BNB violou o direito da União ao não o aplicar em vez das disposições nacionais de transposição da Diretiva 94/19.

98

A este respeito, importa recordar que, sempre que, do ponto de vista do seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos tribunais nacionais contra o Estado‑Membro, quer quando este não as tenha transposto para o direito nacional, nos prazos previstos na diretiva, quer quando tenha feito uma transposição incorreta (Acórdão de 25 de junho de 2015, Indėlių ir investicijų draudimas e Nemaniūnas, C‑671/13, EU:C:2015:418, n.o 57).

99

É certo que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros para designar a autoridade competente para declarar a indisponibilidade dos depósitos e deixa uma margem de apreciação a esta autoridade quanto ao exame da situação financeira da instituição de crédito em causa.

100

No entanto, ao indicar que a autoridade competente deve declarar a indisponibilidade dos depósitos logo que possível e, no máximo, cinco dias úteis após se ter certificado pela primeira vez de que uma instituição de crédito não restituiu os depósitos vencidos e exigíveis, esta disposição estabelece uma obrigação incondicional e suficientemente precisa cujo cumprimento incumbia ao BNB, autoridade designada para declarar a indisponibilidade dos depósitos, assegurar no âmbito das suas competências.

101

Tal interpretação não prejudica o facto de a autoridade pública autora da violação do direito da União dever ser determinada pelos órgãos jurisdicionais nacionais segundo o direito do Estado‑Membro em causa.

102

No que se refere à questão de saber se o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 constitui uma regra do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares, há que salientar que a Diretiva 94/19 visa, nomeadamente, proteger os depositantes.

103

Além disso, a declaração de indisponibilidade dos depósitos tem repercussões diretas na situação jurídica de um depositante, na medida em que essa declaração desencadeia o mecanismo de garantia de depósitos e, por conseguinte, o reembolso dos depositantes.

104

Nestas condições, é manifesto que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 constitui uma regra do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

105

No que respeita ao requisito relativo à existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal violação implica uma violação manifesta e grave, pelo Estado‑Membro, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Os elementos a ter em consideração a este respeito são, nomeadamente, o grau de clareza e de precisão da regra violada, o âmbito da margem de apreciação que a regra violada deixa às autoridades nacionais, o caráter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o caráter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do prejuízo causado, ou ainda o facto de as atitudes adotadas por uma instituição da União Europeia terem podido contribuir para a omissão, a adoção ou a manutenção de medidas ou práticas nacionais contrárias ao direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 56).

106

No caso vertente, importa sublinhar que, embora o BNB disponha, por força do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, de uma certa margem de apreciação no que respeita à declaração da indisponibilidade dos depósitos de uma instituição de crédito, essa margem de apreciação é, todavia, enquadrada.

107

Com efeito, o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 indica claramente as condições a que está subordinada declaração de indisponibilidade dos depósitos, bem como o prazo no qual tal declaração deve ser efetuada.

108

Por conseguinte, caso estejam preenchidos os requisitos enunciados no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, a autoridade nacional competente deve declarar a indisponibilidade dos depósitos no prazo imperativo de cinco dias.

109

Ora, resulta da análise das circunstâncias do processo principal que, na sequência das informações fornecidas pelo Banco KTB a respeito das dificuldades financeiras e dos problemas de liquidez que enfrentava, o BNB colocou‑o sob supervisão especial devido ao risco de insolvência e decidiu suspender a totalidade dos pagamentos e das operações do Banco KTB. Assim, as medidas de supervisão deste atestam as dúvidas que o BNB tinha, atendendo à situação financeira do Banco KTB, a respeito da sua capacidade de restituir os depósitos a curto prazo. Além disso, as medidas de suspensão dos pagamentos e das operações do Banco KTB adotadas pelo BNB impediram o Banco KTB de restituir os depósitos.

110

Além destes elementos, cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em conta, para apreciar a ilegalidade do comportamento do BNB, o caráter intencional ou involuntário do prejuízo causado.

111

Por último, as restantes circunstâncias referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são pertinentes para determinar se, nas circunstâncias do processo principal, ao não ter declarado a indisponibilidade dos depósitos no prazo de cinco dias previsto no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, o BNB cometeu uma violação suficientemente caracterizada, na aceção do direito da União.

112

Com efeito, em primeiro lugar, a circunstância de o Fundo não dispor de fundos suficientes para cobrir todos os depósitos garantidos não é pertinente, uma vez que tal circunstância não figura entre as que a autoridade nacional competente deve tomar em consideração para efeitos de determinar se há que declarar a indisponibilidade dos depósitos.

113

Em segundo lugar, a circunstância de, durante o período em que os pagamentos estavam suspensos, a instituição de crédito ter sido colocada sob supervisão especial para a proteger da insolvência e o facto de o depósito do recorrente no processo principal ter sido reembolsado após a declaração, pelo BNB, do insucesso das medidas de recuperação também não são pertinentes. Por um lado, como o Tribunal de Justiça afirmou, em resposta à terceira questão prejudicial, a Diretiva 94/19 não subordina a declaração de indisponibilidade dos depósitos à insolvência da instituição de crédito. Por outro lado, a Diretiva 94/19 visa proteger os depositantes, impondo que os depósitos de que são titulares sejam garantidos e reembolsados dentro de prazos muito curtos.

114

Em terceiro lugar, a circunstância de o depósito do recorrente no processo principal ter sido reembolsado, acrescido dos juros aplicados, incluindo para o período entre 20 de junho de 2014 e 6 de novembro de 2014, é relativa ao prejuízo invocado por N. Kantarev e não à existência de uma violação suficientemente caracterizada do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19.

115

Tendo em conta os elementos precedentes e sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, o facto de não ter sido declarada a indisponibilidade dos depósitos no prazo de cinco dias previsto no artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, apesar de estarem reunidos os requisitos claramente enunciados nessa disposição, é suscetível de constituir, nas circunstâncias do processo principal, uma violação suficientemente caracterizada, na aceção do direito da União, não sendo as restantes circunstâncias referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio pertinentes a este respeito.

116

No que respeita ao terceiro requisito da responsabilidade do Estado pela violação do direito da União, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, como parece decorrer dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça, existe um nexo de causalidade direto entre a violação do artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 e o dano sofrido por N. Kantarev.

117

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à sétima e oitava questões que o artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19 tem efeito direto e constitui uma regra de direito destinada a conferir direitos aos particulares que permite aos depositantes intentar uma ação de indemnização do prejuízo causado pelo reembolso tardio dos depósitos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, por um lado, se o facto de não ter sido declarada a indisponibilidade dos depósitos no prazo de cinco dias úteis previsto naquela disposição, apesar de estarem reunidos os requisitos claramente enunciados na referida disposição, constitui, nas circunstâncias do processo principal, uma violação suficientemente caracterizada, na aceção do direito da União, e, por outro, se existe um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido por um depositante, como N. Kantarev.

Quanto à primeira e segunda questões

118

Com a primeira e segunda questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que, na falta de um processo específico na Bulgária para invocar a responsabilidade deste Estado‑Membro por prejuízos decorrentes de uma violação do direito da União por uma autoridade nacional, se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal que, por um lado, prevê duas vias de recurso diferentes que são da competência de tribunais diferentes e que estão sujeitas a requisitos diferentes, e, por outro, subordina o direito dos particulares de obterem reparação ao caráter intencional do prejuízo causado pela autoridade nacional em causa, à obrigação de o particular fazer prova da existência de culpa, ao pagamento de taxas simples ou proporcionais ao valor do litígio ou à anulação prévia do ato administrativo que está na origem do dano.

119

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que existe uma divergência jurisprudencial no que respeita ao regime jurídico aplicável às ações intentadas contra o BNB com base numa violação do direito da União, tendo determinados órgãos jurisdicionais considerado que tais ações estavam abrangidas pelo âmbito da Lei relativa à responsabilidade do Estado, ao passo que outros órgãos jurisdicionais consideraram que estavam abrangidas pelo âmbito do regime de responsabilidade de direito comum, estabelecido na Lei relativa às obrigações e aos contratos. Além disso, a Lei relativa ao Banco Central da Bulgária limita a responsabilidade deste no âmbito do exercício das suas funções de supervisão apenas aos prejuízos causados por atos intencionais.

120

Importa desde logo recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os três requisitos evocados no n.o 94 do presente acórdão são suficientes para instituir em favor dos particulares um direito a obter reparação (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 65 e jurisprudência referida).

121

Daí resulta que, embora o direito da União não exclua em nada a possibilidade de o Estado incorrer em responsabilidade por violação desse direito, mediante a verificação de pressupostos menos restritivos com base no direito nacional, opõe‑se, ao invés, a que este imponha requisitos suplementares a este respeito (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 66 e jurisprudência referida).

122

Importa igualmente recordar que, na falta de regulamentação do direito da União na matéria, é à ordem jurídica de cada Estado‑Membro que cabe designar os órgãos jurisdicionais competentes e regulamentar as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a plena proteção dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 46 e jurisprudência referida).

123

Contudo, o Tribunal de Justiça também já precisou que, sem prejuízo do direito a reparação baseado diretamente no direito da União quando estão preenchidos os requisitos necessários para o efeito, é no âmbito do direito nacional da responsabilidade que incumbe ao Estado reparar as consequências do prejuízo causado, entendendo‑se que os requisitos estabelecidos pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que os aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser organizados de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efetividade) (Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales, C‑118/08, EU:C:2010:39, n.o 31 e jurisprudência referida).

124

O princípio da equivalência exige que a totalidade das regras aplicáveis às ações ou recursos se aplique indiferentemente às ações ou recursos baseados na violação do direito da União e às ações ou recursos semelhantes, baseados na violação do direito interno (Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 50 e jurisprudência referida).

125

Segundo o princípio da efetividade, as regras processuais nacionais não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 52 e jurisprudência referida).

126

No caso vertente, no que se refere aos requisitos materiais a que deve obedecer um recurso como o do recorrente no processo principal, a Lei relativa ao Banco Central da Bulgária, ao subordinar o direito à indemnização à existência do caráter intencional do prejuízo causado por este, submete esse direito a um requisito que vai além da violação suficientemente caracterizada do direito da União.

127

No que respeita ao requisito decorrente da Lei relativa às obrigações e aos contratos que impõe que o recorrente no processo principal faça prova da existência de culpa, o Tribunal de Justiça já decidiu que, não obstante alguns elementos objetivos e subjetivos que, no quadro de um sistema jurídico nacional, podem ser associados ao conceito de «culpa» serem suscetíveis de ser relevantes, à luz da jurisprudência recordada no n.o 105 do presente acórdão, para se determinar se uma violação do direito da União é ou não suficientemente caracterizada, a obrigação de reparar os prejuízos causados aos particulares não pode ficar subordinada a um requisito extraído do conceito de culpa que vá além da violação suficientemente caracterizada do direito da União (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 67 e jurisprudência referida).

128

Por conseguinte, por um lado, o direito da União opõe‑se a que, no âmbito de um recurso como o do processo principal, o direito à reparação seja subordinado ao caráter intencional do prejuízo causado pela autoridade nacional em causa. A responsabilidade do BNB num litígio como o do processo principal não pode, portanto, ser apreciada à luz dos requisitos previstos na Lei relativa ao Banco Central da Bulgária. Por outro lado, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o conceito de «culpa», na aceção da Lei relativa às obrigações e aos contratos, vai além da violação suficientemente caracterizada do direito da União.

129

Quanto às regras processuais nacionais, importa recordar que a questão de saber se a competência do órgão jurisdicional nacional e o processo para dirimir o litígio devem depender da qualidade da autoridade pública à qual é imputada a infração, bem como as características da pretensa ação ou omissão, está abrangida pelo âmbito da autonomia processual dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 47).

130

Assim, como sublinhou a advogada‑geral no n.o 102 das suas conclusões, não cabe ao direito da União determinar qual o processo aplicável se estiverem vários processos em causa. No entanto, a escolha do processo adequado e, portanto, do regime de responsabilidade, deve respeitar tanto os requisitos da responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos particulares por violações do direito da União resultantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça como os princípios da efetividade e da equivalência.

131

No que se refere ao princípio da equivalência, o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita duvidar da conformidade com este princípio das regras estabelecidas pela Lei relativa à responsabilidade do Estado ou pela Lei relativa às obrigações e aos contratos.

132

No que se refere ao princípio da efetividade, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em primeiro lugar, sobre a conformidade com este princípio da taxa exigida nos termos da Lei relativa à responsabilidade do Estado e da Lei relativa às obrigações e aos contratos.

133

A este respeito, importa recordar que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional impossibilita ou dificulta excessivamente o exercício dos direitos conferidos aos particulares pela ordem jurídica da União deve ser analisado tendo em conta o lugar dessa disposição no processo, visto como um todo, da sua tramitação e das suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Târşia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 36).

134

Para o efeito, há que determinar se a legislação nacional subordina o exercício da ação de indemnização ao pagamento da taxa e se existem possibilidades de dispensa.

135

Há ainda que ter em conta a importância da taxa e do caráter insuperável, ou não, do obstáculo que esta eventualmente representa para efeitos do acesso à justiça (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 61).

136

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, num litígio como o do processo principal, uma pessoa singular como N. Kantarev deve, para uma ação baseada na Lei relativa à responsabilidade do Estado, pagar uma taxa fixa no montante de 10 BGN (cerca de 5 euros) e, para uma ação baseada na Lei relativa às obrigações e aos contratos, uma taxa proporcional, fixada em 4% do valor da causa.

137

Tendo em conta as informações de que dispõe o Tribunal de Justiça, uma taxa fixa no montante de 10 BGN (cerca de 5 euros) não parece constituir um obstáculo insuperável para o acesso à justiça, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

138

Em contrapartida, não está excluído que uma taxa proporcional, fixada em 4% do valor do litígio, constitua um obstáculo significativo ao exercício do direito à reparação, nomeadamente no caso de não haver possibilidade de dispensa do pagamento dessa taxa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

139

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se o facto de a Lei relativa à responsabilidade do Estado limitar o direito a reparação apenas aos casos em que o dano resulta de um ato ilegal anulado ou de uma ação ou omissão factual ilegais da administração é conforme ao princípio da efetividade.

140

A este respeito, importa recordar que, quanto à utilização dos meios processuais disponíveis para exigir a responsabilidade de um Estado‑Membro por violação do direito da União, o Tribunal de Justiça já declarou que o juiz nacional pode verificar se o lesado atuou com diligência razoável, no sentido de evitar o prejuízo ou de o limitar, e se, designadamente, utilizou em tempo útil todos os meios processuais à sua disposição (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 75 e jurisprudência referida).

141

Com efeito, de acordo com um princípio geral comum aos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o lesado, correndo o risco de ter de suportar pessoalmente o dano, deve atuar com diligência razoável, para limitar a extensão do prejuízo (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 76 e jurisprudência referida).

142

Contudo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que seria contrário ao princípio da efetividade impor aos lesados o recurso sistemático a todos os meios processuais à sua disposição, mesmo quando isso criasse dificuldades excessivas ou não lhes pudesse ser razoavelmente exigido (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 77 e jurisprudência referida).

143

Assim, a obrigação de obter previamente a anulação do ato administrativo na origem do dano não é, em si mesma, contrária ao princípio da efetividade. Todavia, tal obrigação pode tornar excessivamente difícil a obtenção da reparação dos danos causados pela violação do direito da União se, na prática, tal anulação estiver excluída (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o., C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 51) ou for muito limitada.

144

No caso vertente, importa sublinhar que a exigência relativa à ilegalidade do ato da autoridade administrativa ou à ilicitude da sua ação ou omissão não constitui um requisito processual, mas sim um requisito da responsabilidade do Estado que se assemelha ao conceito de violação suficientemente caracterizada, na aceção do direito da União.

145

Em contrapartida, constitui um requisito processual o facto de se subordinar a responsabilidade do Estado e, portanto, o direito à reparação, à anulação prévia, segundo o processo previsto para esse efeito, do ato administrativo que está na origem do dano.

146

Para determinar se este requisito é, numa situação como a que está em causa no processo principal, contrário ao princípio da efetividade, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias do processo principal, da legislação búlgara e, em particular, das modalidades processuais das ações de anulação dos atos administrativos, bem como dos requisitos a que tal anulação está sujeita, se a anulação do ato administrativo que originou o dano em causa está, na prática, excluída ou é muito limitada.

147

O artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que, na falta de um processo específico na Bulgária para invocar a responsabilidade deste Estado‑Membro por prejuízos decorrentes de uma violação do direito da União por uma autoridade nacional:

não se opõem a uma legislação nacional que prevê duas vias de recurso diferentes que são da competência de tribunais diferentes e que estão sujeitas a requisitos diferentes, desde que o órgão jurisdicional de reenvio determine se, nos termos do direito nacional, a responsabilidade de uma autoridade nacional como o BNB deve ser invocada com base na Lei relativa à responsabilidade do Estado ou na Lei relativa às obrigações e aos contratos e que ambas as vias de recurso respeitem os princípios da equivalência e da efetividade;

se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação ao requisito suplementar resultante do caráter intencional do prejuízo causado pela autoridade nacional em causa;

não se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação à obrigação de o particular fazer prova da existência de culpa, desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o conceito de «culpa» não vá além do conceito de «violação suficientemente caracterizada»;

não se opõem a uma legislação nacional que prevê o pagamento de taxas simples ou proporcionais ao valor do litígio desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o pagamento de uma taxa simples ou de uma taxa proporcional ao valor do litígio não seja contrário ao princípio da efetividade, atendendo ao montante e à importância da taxa, ao caráter insuperável ou não do obstáculo que esta eventualmente representa para efeitos do acesso à justiça, ao seu caráter obrigatório, bem como às possibilidades de dispensa, e

não se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação à anulação prévia do ato administrativo na origem do prejuízo, desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, este requisito possa razoavelmente ser exigido ao lesado.

Quanto às despesas

148

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, ponto 3, e o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos, conforme alterada pela Diretiva 2009/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009, devem ser interpretados no sentido de que se opõem, por um lado, a uma legislação nacional segundo a qual a declaração da indisponibilidade dos depósitos depende da insolvência da instituição de crédito e da revogação da sua licença bancária e, por outro, a que sejam derrogados os prazos previstos por essas disposições para declarar a indisponibilidade dos depósitos e para os reembolsar, pelo facto de ser necessário colocar a instituição de crédito sob supervisão especial.

 

2)

O artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, conforme alterada pela Diretiva 2009/14, deve ser interpretado no sentido de que a indisponibilidade dos depósitos, na aceção desta disposição, deve ser declarada por um ato expresso da autoridade nacional competente e não pode ser deduzida de outros atos, como a decisão do Balgarska Narodna Banka (Banco Central da Bulgária) de colocar o Korporativna Targovska Banka sob supervisão especial, nem presumida de circunstâncias como as do processo principal.

 

3)

O artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, conforme alterada pela Diretiva 2009/14, deve ser interpretado no sentido de que a declaração da indisponibilidade de um depósito bancário, na aceção desta disposição, não pode ser subordinada à condição de o titular desse depósito ter previamente apresentado à instituição de crédito em causa, sem sucesso, um pedido de levantamento dos fundos.

 

4)

O artigo 1.o, ponto 3, alínea i), da Diretiva 94/19, conforme alterada pela Diretiva 2009/14, tem efeito direto e constitui uma regra de direito destinada a conferir direitos aos particulares que permite aos depositantes intentar uma ação de indemnização do prejuízo causado pelo reembolso tardio dos depósitos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, por um lado, se o facto de não ter sido declarada a indisponibilidade dos depósitos no prazo de cinco dias úteis previsto naquela disposição, apesar de estarem reunidos os requisitos claramente enunciados na referida disposição, constitui, nas circunstâncias do processo principal, uma violação suficientemente caracterizada, na aceção do direito da União, e, por outro, se existe um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido por um depositante, como N. Kantarev.

 

5)

O artigo 4.o, n.o 3, TUE, e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que, na falta de um processo específico na Bulgária para invocar a responsabilidade deste Estado‑Membro por prejuízos decorrentes de uma violação do direito da União por uma autoridade nacional:

não se opõem a uma legislação nacional que prevê duas vias de recurso diferentes que são da competência de tribunais diferentes e que estão sujeitas a requisitos diferentes, desde que o órgão jurisdicional de reenvio determine se, nos termos do direito nacional, a responsabilidade de uma autoridade nacional como o Banco Central da Bulgária deve ser invocada com base na Zakon za otgovornostta na darzhavata i obshtinite za vredi (Lei relativa à responsabilidade civil do Estado e dos municípios) ou na Zakon za zadalzheniata i dogovorite (Lei relativa às obrigações e aos contratos) e que ambas as vias de recurso respeitem os princípios da equivalência e da efetividade;

se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação ao requisito suplementar resultante do caráter intencional do prejuízo causado pela autoridade nacional em causa;

não se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação à obrigação de o particular fazer prova da existência de culpa, desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o conceito de «culpa» não vá além do conceito de «violação suficientemente caracterizada»;

não se opõem a uma legislação nacional que prevê o pagamento de taxas simples ou proporcionais ao valor do litígio desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o pagamento de uma taxa simples ou de uma taxa proporcional ao valor do litígio não seja contrário ao princípio da efetividade, atendendo ao montante e à importância da taxa, ao caráter insuperável ou não do obstáculo que esta eventualmente representa para efeitos do acesso à justiça, ao seu caráter obrigatório, bem como às possibilidades de dispensa, e

não se opõem a uma legislação nacional que subordina o direito dos particulares de obterem reparação à anulação prévia do ato administrativo na origem do prejuízo, desde que, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, este requisito possa razoavelmente ser exigido ao lesado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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