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Document 62016CJ0565

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 19 de abril de 2018.
Processo instaurado por Alessandro Saponaro e Kalliopi-Chloi Xylina.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Eirinodikeio Lerou.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.° 2201/2003 — Órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ao qual foi submetido um pedido de autorização judicial de repúdio de uma herança em representação de um menor — Competência em matéria parental — Extensão da competência — Artigo 12.°, n.° 3, alínea b) — Aceitação da competência — Requisitos.
Processo C-565/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:265

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

19 de abril de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ao qual foi submetido um pedido de autorização judicial de repúdio de uma herança em representação de um menor — Competência em matéria parental — Extensão da competência — Artigo 12.o, n.o 3, alínea b) — Aceitação da competência — Requisitos»

No processo C‑565/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Eirinodikeio Lerou (Julgado de Paz de Leros, Grécia), por Decisão de 25 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de novembro de 2016, no processo instaurado por

Alessandro Saponaro,

Kalliopi‑Chloi Xylina,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. G. Fernlund (relator), presidente de secção, A. Arabadjiev e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, G. Papadaki e E. Tsaousi, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e A. Katsimerou, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de uma petição apresentada por Alessandro Saponaro e Kalliopi‑Chloi Xylina, em representação do seu filho menor, destinada à obtenção de uma autorização judicial para repudiar uma herança que lhe era destinada.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003 tem a seguinte redação:

«As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.»

4

O artigo 1.o deste regulamento enuncia:

«1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)

À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.   As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

[…]

e)

Às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.

3.   O presente regulamento não é aplicável:

[…]

f)

Aos fideicomissos (“trusts”) e sucessões;

[…]»

5

O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», prevê:

«1.   Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.   O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.o, 10.o e 12.o

6

O artigo 12.o desse regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

[…]

b)

A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

2.   A competência exercida nos termos do n.o 1 cessa:

a)

Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou

b)

Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou

c)

Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.

3.   Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1, quando:

a)

A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro;

e

b)

A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.»

Direito grego

7

Nos termos do artigo 797.o do Kodikas Politikis Dikonomias (Código de Processo Civil), quando o titular da responsabilidade parental requer uma autorização em representação de um menor, é competente o julgado de paz do local da residência habitual do menor, que decide segundo as regras do processo de jurisdição voluntária.

8

Resulta das disposições conjugadas do artigo 748.o, n.o 2, e do artigo 750.o do Código de Processo Civil que deve ser notificada ao eisangeleas protodikon (procurador do Ministério Público junto tribunal de primeira instância, a seguir «procurador») da circunscrição do órgão jurisdicional uma cópia do requerimento com a indicação da data da audiência, tendo o procurador o direito de assistir à audiência perante o julgado de paz.

9

O procurador tem a qualidade de «parte» nos processos de jurisdição voluntária e de praticar qualquer ato processual, como a interposição de recursos, independentemente de ter ou não sido convocado para a audiência e de a esta ter ou não assistido.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

A. Saponaro e K.‑C. Xylina, em representação da sua filha menor, nacional grega, pedem ao Eirinodikeio Lerou (Julgado de Paz de Leros, Grécia) autorização para repudiar a herança do avô materno (a seguir «de cuius») da menor.

11

O de cuius faleceu em 10 de maio de 2015 sem deixar testamento. À data da sua morte, o de cuius residia na Grécia. A sua herança era composta por um carro e um barco sitos nesse Estado‑Membro, num montante total de 900 euros. Por outro lado, o de cuius tinha sido penalmente condenado por tentativa de fraude e os seus herdeiros correm o risco de serem objeto de uma ação cível de indemnização por parte da vítima.

12

Razão pela qual a esposa e as filhas do de cuius, respetivamente a avó, a mãe e a tia da menor, já repudiaram a herança e o pai e a mãe dessa menor requereram em representação desta, que foi chamada à herança, autorização para repudiar a referida herança.

13

A. Saponaro e K.‑C. Xylina, bem como a sua filha menor, têm residência habitual em Roma (Itália).

14

O Eirinodikeio Lerou (Julgado de Paz de Leros) questiona‑se quanto à competência dos órgãos jurisdicionais gregos para apreciarem o pedido dos pais e, em particular, para apreciarem a possibilidade de uma extensão de competência baseada no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003.

15

Nestas condições, o Eirinodikeio Lerou (Julgado de Paz de Leros) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Para efeitos da validade de uma extensão da competência nos termos do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, numa situação em que é pedida autorização para repudiar uma herança, através de um requerimento de autorização apresentado a um tribunal grego pelos pais de uma menor com residência habitual em Itália:

a)

Constitui a mera apresentação ao tribunal do requerimento de autorização uma aceitação unívoca da extensão de competência por parte dos pais?

b)

É o [procurador] uma das partes no processo que devem aceitar a extensão da competência no momento da apresentação do requerimento, atendendo a que, em conformidade com as disposições do direito grego, é, por lei, parte em tal processo?

c)

Corresponde a extensão da competência ao interesse da menor, dado que esta e os seus pais, demandantes, têm residência habitual em Itália, ao passo que o último domicílio do de cuius era na Grécia, onde se encontra a herança?»

Observações preliminares

16

A título preliminar, importa analisar se o Regulamento n.o 2201/2003 se aplica para a determinação do órgão jurisdicional competente numa situação como a que está em causa no processo principal. Com efeito, esta situação insere‑se no âmbito de uma herança. Ora, conforme esclarecido no artigo 1.o, n.o 3, alínea f), do Regulamento n.o 2201/2003, este não é aplicável às heranças.

17

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou no Acórdão de 6 de outubro de 2015, Matoušková (C‑404/14, EU:C:2015:653, n.o 31), que o facto de uma medida, como a homologação por um juiz de menores de um acordo de partilha sucessória celebrado em representação de menores, ter sido pedida no âmbito de um processo sucessório não pode ser considerado determinante para que essa medida esteja abrangida pelo direito das sucessões. A necessidade de obter a homologação pelo juiz de menores é uma consequência direta do estado e da capacidade dos filhos menores e constitui uma medida de proteção do menor ligada à administração, à conservação ou à disposição dos seus bens no âmbito do exercício da autoridade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, alínea e), do Regulamento n.o 2201/2003.

18

Da mesma maneira, há que considerar que um requerimento de autorização para repudiar uma herança apresentado pelos pais em representação do filho menor respeita ao estado e à capacidade das pessoas e não está abrangido pelo direito das sucessões.

19

Daqui decorre que tal requerimento não está abrangido pelo direito das sucessões, mas pelo campo da responsabilidade parental, e que, portanto, a questão submetida deve ser examinada à luz do Regulamento n.o 2201/2003.

Quanto à questão prejudicial

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, numa situação como a do processo principal, em que os pais de um menor, que residam habitualmente com este último num Estado‑Membro, apresentaram num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, em representação desse menor, um pedido de autorização para repudiar uma herança, o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que a extensão de competência a favor de um órgão jurisdicional desse outro Estado‑Membro respeita os termos dessa disposição, e, em particular, o superior interesse da criança, se o pedido tiver sido apresentado conjuntamente pelos pais desse menor perante o referido órgão jurisdicional, o procurador, que é parte de pleno direito no processo em causa segundo o direito nacional aplicável, não tiver formulado objeções a esta extensão de competência e a residência do de cuius à data da sua morte bem como o seu património, objeto da herança, se encontrarem nesse outro Estado‑Membro.

21

Assim, esta questão tem por objeto, em primeiro lugar, o conceito de «aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca [da extensão de competência]», em segundo lugar, a expressão «todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal» e, em terceiro lugar, o conceito de «superior interesse da criança», conceitos e expressão que figuram no artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003.

Quanto ao conceito de «aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca»

22

Segundo o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, a competência de um órgão jurisdicional, para efeitos desta disposição, deve ser aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca.

23

Como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 12 de novembro de 2014, L (C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 56), a referida disposição impõe que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a extensão de competência entre todas as partes no processo.

24

Tal acordo não existe se apenas uma das partes instaurar um processo num órgão jurisdicional e a outra parte intervier posteriormente nesse mesmo órgão jurisdicional outro processo numa data posterior para contestar a sua competência (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2014, L, C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 57).

25

Em contrapartida, há que declarar que, quando os dois pais de um menor apresentam um pedido conjunto a um órgão jurisdicional, manifestam a mesma vontade de instaurar o processo nesse órgão jurisdicional e, ao fazê‑lo, manifestam o seu acordo quanto à escolha do tribunal competente. Não existindo outros dados que contradigam esta conclusão, a aceitação deve ser considerada «inequívoca», na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003.

Quanto à expressão «todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal»

26

No que respeita à expressão «todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal», há que analisar se o procurador, que, segundo o direito nacional, é parte de pleno direito no processo, é também uma «parte», na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o procurador age na qualidade de representante do Estado e no interesse geral e que, no caso de um pedido de autorização para repudiar uma herança apresentado em representação de um menor, o interesse geral coincide com o do menor.

27

A este respeito, importa recordar, atendendo ao considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003, que a competência prevista no n.o 3, do artigo 12.o deste regulamento é uma exceção ao critério de proximidade, segundo o qual compete, em primeiro lugar, aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual do menor conhecer das ações em matéria de responsabilidade parental relativas a esse menor, de que o artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento constitui a expressão. Essa exceção visa reconhecer uma certa autonomia às partes, em matéria de responsabilidade parental ao sublinhar que o requisito relativo ao caráter inequívoco da aceitação da competência dos tribunais onde as ações foram instauradas por todas as partes no processo deve, portanto, ser interpretado de forma estrita (Acórdão de 21 de outubro de 2015, Gogova, C‑215/15, EU:C:2015:710, n.o 41).

28

Como salientou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, importa sublinhar a utilização do termo «todas» na expressão «todas as partes no processo», a qual deve ser comparada com os termos mais precisos «cônjuges» ou «titulares da responsabilidade parental» constantes do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003. O legislador da União teve assim o cuidado de utilizar um termo que engloba todas as partes no processo, na aceção do direito nacional.

29

Há, portanto, que considerar que um procurador que, segundo o direito nacional, tem a qualidade de parte no processo em ações como a que está em causa no processo principal e que representa o interesse do menor, é uma parte no processo, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003. Por conseguinte, a sua oposição a uma extensão de competência não pode ser ignorada.

30

No que respeita à data em que deve expressar‑se a aceitação das partes no processo, ou seja, a data em que o processo foi instaurado, resulta do artigo 16.o Regulamento n.o 2201/2003 que essa data corresponde, em princípio, à data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente (Acórdãos de 1 de outubro de 2014, E., C‑436/13, EU:C:2014:2246, n.o 38, e de 12 de novembro de 2014, L, C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 55).

31

A ocorrência de certos factos após a data em que foi instaurado o processo pode, contudo, demonstrar que a aceitação referida no artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 não existia nessa data. Assim, no acórdão de 12 de novembro de 2014, L (C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.os 56 e 57), o Tribunal de Justiça considerou que a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco, na aceção desta disposição, não pode manifestamente ser demonstrada quando o processo é instaurado no tribunal em causa por iniciativa de apenas uma das partes e, posteriormente, uma outra parte nesse processo contesta, no primeiro ato que lhe incumbe no âmbito desse processo, a competência do tribunal.

32

De forma análoga, numa situação em que um procurador é considerado, segundo o direito nacional aplicável, parte de pleno direito num processo de responsabilidade parental, a oposição, apresentada por essa parte, após a data em que foi instaurado o processo, quanto à escolha de tribunal feita pelos pais do menor em causa, obsta ao reconhecimento da aceitação da extensão da competência por todas as partes no processo nessa data. Em contrapartida, não existindo tal oposição, pode considerar‑se implícito o acordo dessa parte e pode considerar‑se preenchido o requisito de aceitação da extensão da competência de forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado.

Quanto ao conceito de «superior interesse da criança»

33

Resulta do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 que o recurso à extensão de competência não pode, em caso algum, ser contrário ao superior interesse da criança e que o respeito deste requisito deve ser analisado em cada caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2014, L, C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.os 49 e 58).

34

No Acórdão de 27 de outubro de 2016, D. (C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 58), relativo à interpretação do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, consagrado à transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação, o Tribunal de Justiça concluiu que a exigência de que a transferência sirva o superior interesse da criança implica que o tribunal competente se certifique, à luz das circunstâncias concretas do processo, de que a transferência equacionada deste último para um tribunal de outro Estado‑Membro não é suscetível de ter um impacto negativo na situação do menor.

35

A este respeito, importa sublinhar que o considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003, que enuncia que as regras de competência desse regulamento são definidas em função do superior interesse da criança, refere expressamente a possibilidade de os tribunais de um Estado‑Membro que não o de residência habitual do menor serem competentes caso tenha sido celebrado um acordo relativo a essa matéria pelos titulares da responsabilidade parental.

36

No caso vertente, tal acordo foi celebrado entre os pais do menor. Ademais, para além da nacionalidade do menor que é a do Estado‑Membro a que pertence o tribunal escolhido, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a residência do de cuius à data da sua morte bem como o seu património, objeto da herança, se encontrarem nesse Estado‑Membro. Resulta ainda da decisão de reenvio que também se situava aí o passivo da herança.

37

Estes elementos reforçam a ligação entre o menor e o Estado‑Membro a que pertence o tribunal escolhido e, tal como salientou o advogado‑geral no n.o 72 das suas conclusões, colocam este órgão jurisdicional numa boa posição para apreciar o contexto do repúdio da herança em representação do menor.

38

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não deu nenhuma indicação da qual decorra que a instauração do processo no tribunal escolhido pelos pais possa representar um risco para o interesse do menor. Em particular, resulta da decisão de reenvio que o próprio procurador, que está obrigado a proteger o interesse do menor, não se opôs a essa escolha.

39

Neste contexto, os elementos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio, que sublinham a ligação entre o menor e o Estado‑Membro a que pertence esse órgão jurisdicional, permitem considerar que o requisito relativo à tomada em consideração do superior interesse da criança está preenchido.

40

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que, numa situação como a do processo principal, em que os pais de um menor, que residem habitualmente com este num Estado‑Membro, apresentaram a um tribunal de outro Estado‑Membro, em representação deste menor, um pedido de autorização para repudiar uma herança, o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que:

a propositura da ação efetuada conjuntamente pelos pais do menor no tribunal da sua escolha constitui uma aceitação inequívoca do tribunal por parte destes;

um procurador que, segundo o direito nacional, é parte de pleno direito no processo instaurado pelos pais, é uma parte no processo, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003. A oposição, apresentada por esta parte, após a data em que foi instaurado o processo, quanto à escolha de tribunal feita pelos pais do menor, obsta ao reconhecimento da aceitação da extensão da competência por todas as partes no processo nessa data. Não existindo tal oposição, pode considerar‑se implícito o acordo dessa parte e pode considerar‑se preenchido o requisito de aceitação da extensão de competência de forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal; e

a circunstância de a residência do de cuius à data do seu falecimento, o seu património, objeto da herança, e o passivo da herança estarem situados no Estado‑Membro a que pertence o tribunal escolhido permite, não havendo elementos suscetíveis de demonstrar que a extensão da competência acarreta o risco de ter consequências prejudiciais para a situação do menor, considerar que tal extensão de competência é no superior interesse da criança.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

Numa situação como a do processo principal, em que os pais de um menor, que residem habitualmente com este num Estado‑Membro, apresentaram a um tribunal de outro Estado‑Membro, em representação deste menor, um pedido de autorização para repudiar uma herança, o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que:

 

a propositura da ação efetuada conjuntamente pelos pais do menor no tribunal da sua escolha constitui uma aceitação inequívoca do tribunal por parte destes;

um procurador que, segundo o direito nacional, é parte de pleno direito no processo instaurado pelos pais, é uma parte no processo, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003. A oposição, apresentada por esta parte, após a data em que foi instaurado o processo, quanto à escolha do tribunal feita pelos pais do menor, obsta ao reconhecimento da aceitação da extensão de competência por todas as partes no processo nessa data. Não existindo tal oposição, pode considerar‑se implícito o acordo dessa parte e pode considerar‑se preenchido o requisito de aceitação da extensão de competência de forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal; e

a circunstância de a residência do de cuius à data do seu falecimento, o seu património, objeto da herança, e o passivo da herança estarem situados no Estado‑Membro a que pertence o tribunal escolhido permite, não havendo elementos suscetíveis de demonstrar que a extensão da competência acarreta o risco de ter consequências prejudiciais para a situação do menor, considerar que tal extensão de competência é no superior interesse da criança.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.

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