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Document 62016CJ0529

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 20 de dezembro de 2017.
Hamamatsu Photonics Deutschland GmbH contra Hauptzollamt München.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht München.
Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Código aduaneiro — Artigo 29.o — Determinação do valor aduaneiro — Operações transfronteiriças entre empresas coligadas — Acordo prévio em matéria de preço de transferência — Preço de transferência acordado, composto por um montante inicialmente faturado e uma correção fixa efetuada após o fim do período de faturação.
Processo C-529/16.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:984

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de dezembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Código aduaneiro — Artigo 29.o — Determinação do valor aduaneiro — Operações transfronteiriças entre empresas coligadas — Acordo prévio em matéria de preço de transferência — Preço de transferência acordado, composto por um montante inicialmente faturado e uma correção fixa efetuada após o fim do período de faturação»

No processo C‑529/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique, Alemanha), por decisão de 15 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de outubro de 2016, no processo

Hamamatsu Photonics Deutschland GmbH

contra

Hauptzollamt München,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin e E. Regan (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de setembro de 2017,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Hamamatsu Photonics Deutschland GmbH, por G. Eder e J. Dehn, Rechtsanwälte,

em representação do Hauptzollamt München, por G. Rittenauer, M. Uhl e G. Haubner, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 28.o a 31.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 82/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 17, p. 1) (a seguir «código aduaneiro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hamamatsu Photonics Deutschland GmbH (a seguir «Hamamatsu») ao Hauptzollamt München (Serviço Aduaneiro Principal de Munique, Alemanha), na sequência da recusa deste último de proceder ao reembolso parcial de direitos aduaneiros declarados e pagos pela Hamamatsu.

Quadro jurídico

Direito da União

Código aduaneiro

3

O artigo 28.o do código aduaneiro prevê que as disposições do capítulo 3 do referido código determinam «o valor aduaneiro para a aplicação da Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias, bem como de medidas não pautais estabelecidas por disposições comunitárias específicas no âmbito das trocas de mercadorias».

4

O artigo 29.o, n.o 1, do código aduaneiro dispõe:

«O valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transacional, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade, eventualmente após ajustamento efetuado nos termos dos artigos 32.o e 33.o, desde que:

a)

Não existam restrições quanto à cessão ou utilização das mercadorias pelo comprador, para além das restrições que:

sejam impostas ou exigidas pela lei ou pelas autoridades públicas na Comunidade,

limitem a zona geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas

ou

não afetem substancialmente o valor das mercadorias;

b)

A venda ou o preço não estejam subordinados a condições ou prestações cujo valor não se possa determinar relativamente às mercadorias a avaliar;

c)

Não reverta direta ou indiretamente para o vendedor nenhuma parte do produto de qualquer revenda, cessão ou utilização posterior das mercadorias pelo comprador, salvo se um ajustamento apropriado puder ser efetuado por força do artigo 32.o

e

d)

O comprador e o vendedor não estejam coligados ou, se o estiverem, que o valor transacional seja aceitável para efeitos aduaneiros, por força do n.o 2.»

5

Nos termos do artigo 29.o, n.o 2, desse código:

«a)

Para determinar se o valor transacional é aceitável para efeitos de aplicação do n.o 1, o facto de o comprador e o vendedor estarem coligados não constitui, em si mesmo, motivo suficiente para considerar o valor transacional como inaceitável. Se necessário, serão examinadas as circunstâncias próprias da venda e o valor transacional será admitido, desde que a relação de coligação não tenha influenciado o preço. […]

b)

Numa venda entre pessoas coligadas, o valor transacional será aceite e as mercadorias serão avaliadas em conformidade com o n.o 1, quando o declarante demonstrar que o referido valor está muito próximo de um dos valores a seguir indicados, no mesmo momento ou em momento muito aproximado:

i)

valor transacional nas vendas, entre compradores e vendedores que não estão coligados, de mercadorias idênticas ou similares para exportação com destino à Comunidade,

ii)

valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como é determinado em aplicação do n.o 2, alínea c), do artigo 30.o,

iii)

valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como é determinado em aplicação do n.o 2, alínea d), do artigo 30.o

Na aplicação dos critérios precedentes, serão devidamente tidas em conta diferenças demonstradas entre os níveis comerciais, as quantidades, os elementos enumerados no artigo 32.o e os custos suportados pelo vendedor nas vendas em que este último e o comprador não estão coligados, custos esses que o vendedor não suporta nas vendas em que este último e o comprador estão coligados.

c)

Os critérios enunciados na alínea b) do presente número serão utilizados por iniciativa do declarante e somente para efeitos de comparação. Não poderão estabelecer‑se valores de substituição por força da referida alínea.»

6

O artigo 29.o, n.o 3, alínea a), do referido código dispõe:

«O preço efetivamente pago ou a pagar é o pagamento total efetuado ou a efetuar pelo comprador ao vendedor, ou em benefício deste, pelas mercadorias importadas e compreende todos os pagamentos efetuados ou a efetuar, como condição da venda das mercadorias importadas, pelo comprador ao vendedor, ou pelo comprador a uma terceira pessoa para satisfazer uma obrigação do vendedor. O pagamento não tem que ser efetuado necessariamente em dinheiro. Pode ser efetuado mediante cartas de crédito ou instrumentos negociáveis, e pode fazer‑se direta ou indiretamente.»

7

O artigo 30.o, n.o 1, do mesmo código dispõe:

«Quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação do artigo 29.o, há que passar sucessivamente às alíneas a), b), c) e d) do n.o 2 até à primeira destas alíneas que o permita determinar, salvo se a ordem de aplicação das alíneas c) e d) tiver que ser invertida a pedido do declarante; somente quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação de uma dada alínea, será permitido aplicar a alínea que vem imediatamente a seguir na ordem estabelecida por força do presente número.»

8

O artigo 31.o, n.o 1, do código aduaneiro prevê:

«Se o valor aduaneiro das mercadorias não puder ser determinado por aplicação dos artigos 29.o e 30.o, será determinado, com base nos dados disponíveis na Comunidade, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e as disposições gerais:

do acordo relativo à aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994,

do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 e

das disposições do presente capítulo.»

9

O artigo 32.o desse código dispõe:

«1.   Para determinar o valor aduaneiro por aplicação do artigo 29.o, adiciona‑se ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas:

a)

Os elementos seguintes, na medida em que forem suportados pelo comprador, mas não tenham sido incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias:

i)

comissões e despesas de corretagem, com exceção das comissões de compra,

ii)

custo dos recipientes que, para fins aduaneiros, se consideram como fazendo um todo com a mercadoria,

iii)

custo da embalagem, compreendendo a mão de obra assim como os materiais;

b)

O valor, imputado de maneira adequada, dos produtos e serviços indicados em seguida, quando são fornecidos direta ou indiretamente pelo comprador, sem despesas ou a custo reduzido, e utilizados no decurso da produção e da venda para a exportação das mercadorias importadas, na medida em que este valor não tenha sido incluído no preço efetivamente pago ou a pagar:

i)

matérias, componentes, partes e elementos similares incorporados nas mercadorias importadas,

ii)

ferramentas, matrizes, moldes e objetos similares utilizados para a produção das mercadorias importadas,

iii)

matérias consumidas na produção das mercadorias importadas,

iv)

trabalhos de engenharia, de estudo, de arte e de design, planos e esboços, executados fora da Comunidade e necessários para a produção das mercadorias importadas;

c)

Os direitos de exploração e os direitos de licença relativos às mercadorias a avaliar, que o comprador é obrigado a pagar, quer direta quer indiretamente, como condição de venda das mercadorias a avaliar, na medida em que estes direitos de exploração e direitos de licença não tenham sido incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar;

d)

O valor de qualquer parte do produto de qualquer revenda, cessão ou utilização posterior das mercadorias importadas que reverta direta ou indiretamente para o vendedor;

e)

i)

As despesas de transporte e de seguro das mercadorias importadas

e

ii)

as despesas de carga e de manutenção conexas com o transporte das mercadorias importadas,

até ao local de entrada das mercadorias no território aduaneiro da Comunidade.

2.   Qualquer elemento que for acrescentado em aplicação do presente artigo ao preço efetivamente pago ou a pagar basear‑se‑á exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis.

3.   Para a determinação do valor aduaneiro, nenhum elemento será acrescentado ao preço efetivamente pago ou pagar, com exceção dos previstos pelo presente artigo.

[…]»

10

O artigo 33.o do referido código enuncia:

«O valor aduaneiro não compreende os elementos a seguir indicados, contanto que sejam distintos do preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas:

a)

As despesas de transporte das mercadorias depois de chegada ao local de entrada no território aduaneiro da Comunidade;

b)

As despesas para trabalhos de construção, instalação, montagem, manutenção ou assistência técnica realizadas depois da importação, relativas às mercadorias importadas, tais como instalações, máquinas ou equipamentos industriais;

c)

Os montantes dos juros a título de um acordo de financiamento concluído pelo comprador e relativo à compra de mercadorias importadas, indiferentemente de o financiamento ser assegurado pelo vendedor ou por outra pessoa, desde que o acordo de financiamento seja segurado pelo vendedor ou por outra pessoa, desde que o acordo de financiamento considerado seja estabelecido por escrito e que comprador possa demonstrar, se assim lhe for pedido:

que tais mercadorias são efetivamente vendidas ao preço declarado como preço efetivamente pago ou a pagar

e

que a taxa de juro exigida não excede o nível normalmente praticado em tais transações no momento e no país em que o financiamento foi assegurado;

d)

As despesas relativas ao direito de reproduzir na Comunidade as mercadorias importadas;

e)

As comissões de compra;

f)

Os direitos de importação e outros encargos a pagar na Comunidade por motivo da importação ou da venda das mercadorias.»

11

Nos termos do artigo 78.o do mesmo código:

«1.   As autoridades aduaneiras podem, oficiosamente ou a pedido do declarante, proceder à revisão da declaração após a concessão da autorização de saída das mercadorias.

2.   As autoridades aduaneiras, depois de concederem a autorização de saída das mercadorias e para se certificarem da exatidão dos elementos da declaração, podem proceder ao controlo dos documentos e dados comerciais relativos às operações de importação ou de exportação das mercadorias em causa, bem como às operações comerciais posteriores relativas a essas mercadorias. Esses controlos podem ser efetuados junto do declarante, de qualquer pessoa direta ou indiretamente interessada profissionalmente nessas operações ou de qualquer outra pessoa que, pela sua qualidade profissional, esteja na posse dos referidos documentos e dados. As referidas autoridades podem, igualmente, proceder à verificação das mercadorias, se estas ainda puderem ser apresentadas.

3.   Quando resultar da revisão da declaração ou dos controlos a posteriori que as disposições que regem o regime aduaneiro em causa foram aplicadas com base em elementos inexatos ou incompletos, as autoridades aduaneiras, respeitando as disposições eventualmente fixadas, tomarão as medidas necessárias para regularizar a situação, tendo em conta os novos elementos de que dispõem.»

Regulamento de aplicação

12

O Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92 (JO 1993, L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 881/2003 da Comissão, de 21 de maio de 2003 (JO 2003, L 134, p. 1) (a seguir «regulamento de aplicação»), prevê, na secção 1 do capítulo 2, intitulado «Declaração de introdução em livre prática», do título IX, intitulado «Procedimentos simplificados», as disposições aplicáveis às declarações incompletas. O artigo 256.o, n.o 1, do regulamento de aplicação dispõe como segue:

«O prazo concedido pelas autoridades aduaneiras ao declarante para a comunicação dos elementos ou apresentação dos documentos em falta, aquando da aceitação da declaração, não pode exceder um mês contado a partir da data da aceitação da declaração.

Tratando‑se de documento a cuja apresentação está subordinada a aplicação de um direito de importação reduzido ou nulo, se as autoridades aduaneiras tiverem razões para supor que as mercadorias a que respeita a declaração incompleta podem efetivamente beneficiar desse direito reduzido ou nulo, pode ser concedido, a pedido do declarante, um prazo mais longo que o referido no primeiro parágrafo para a apresentação do referido documento, desde que as circunstâncias o justifiquem. Este prazo não pode exceder quatro meses a contar da data de admissão da declaração nem pode ser prorrogado.

Tratando‑se da comunicação de elementos ou de documentos em falta em matéria de valor aduaneiro, as autoridades aduaneiras podem, na medida em que tal se revelar indispensável, fixar um prazo mais dilatado ou prorrogar um prazo previamente fixado. O período total concedido deve ter em conta os prazos de prescrição em vigor.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

A Hamamatsu, sociedade estabelecida na Alemanha, faz parte de um grupo de empresas que operam a nível mundial, cuja sociedade‑mãe, a Hamamatsu Photonics, está estabelecida no Japão. A Hamamatsu distribui, nomeadamente, aparelhos, sistemas e acessórios optoeletrónicos.

14

A Hamamatsu comprou mercadorias importadas à sociedade‑mãe, que lhe faturou por essas mercadorias preços intragrupo, em conformidade com o acordo prévio em matéria de preços de transferência celebrado entre o referido grupo de empresas e as autoridades fiscais alemãs. A soma dos montantes faturados à recorrente no processo principal pela sua sociedade‑mãe era regularmente verificada e, se necessário, corrigida, a fim de garantir a conformidade dos preços de venda com o princípio de plena concorrência previsto pelas orientações da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) aplicáveis em matéria de preços de transferência, dirigidas às empresas multinacionais e às administrações fiscais (a seguir «orientações da OCDE»).

15

O órgão jurisdicional de reenvio, o Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique, Alemanha), explica que essa verificação decorre em várias fases, com base no chamado «método de repartição dos lucros residuais» («Residual Profit Split Method»), que é conforme com as orientações da OCDE. Em primeiro lugar, é atribuído a cada participante um lucro suficiente que lhe permita realizar um rendimento mínimo. O lucro residual é, por seu turno, objeto de uma repartição proporcional, de acordo com determinados fatores. Em segundo lugar, é fixado à Hamamatsu um intervalo de objetivo da margem operacional («Operating Margin»). Caso o resultado efetivamente obtido ultrapasse o intervalo de objetivo, é corrigido para o limite superior ou inferior através de um ajustamento, sendo emitidas notas de crédito ou de débito.

16

Entre 7 de outubro de 2009 e 30 de setembro de 2010, a recorrente no processo principal importou da sociedade‑mãe e introduziu em livre prática mais de 1000 remessas de diversos produtos, tendo declarado um valor aduaneiro correspondente ao preço faturado. As mercadorias tributáveis foram objeto de taxas situadas entre 1,4% e 6,7%.

17

Na medida em que, durante esse período, a margem operacional da recorrente no processo principal se situou abaixo do intervalo de objetivo fixado, os preços de transferência foram ajustados em conformidade. A recorrente no processo principal recebeu, portanto, um crédito no montante de 3858345,46 euros.

18

Devido ao ajustamento dos preços de transferência efetuado a posteriori, a recorrente no processo principal solicitou, por carta de 10 de dezembro de 2012, o reembolso dos direitos aduaneiros pagos sobre as mercadorias importadas, no valor de 42942,14 euros. Não se procedeu a uma repartição do montante do ajustamento entre as diferentes mercadorias importadas.

19

O Serviço Aduaneiro Principal de Munique indeferiu esse pedido com o fundamento de que o método adotado pela recorrente no processo principal era incompatível com o artigo 29.o, n.o 1, do código aduaneiro, que visa o valor transacional de mercadorias concretas, e não remessas mistas.

20

A recorrente no processo principal recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

21

Esse órgão jurisdicional entende que o valor final anual constitui o preço de transferência final, estabelecido em conformidade com o princípio de plena concorrência previsto pelas orientações da OCDE. Por conseguinte, não há nenhum interesse em basear o preço de transferência apenas no preço indicado provisoriamente no contexto de um acordo prévio em matéria de preços de transferência celebrado com as autoridades fiscais, que não refletem o valor real das mercadorias importadas. Assim, o preço declarado às autoridades aduaneiras constitui unicamente um preço fictício, e não um preço «a pagar» pelas mercadorias importadas, nos termos do artigo 29.o do código aduaneiro.

22

Nestas condições, o Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As disposições dos artigos 28.o e seguintes do [código aduaneiro] permitem que se considere como valor aduaneiro, através da aplicação de um critério de repartição, um preço de transferência acordado, composto por um valor inicialmente faturado e declarado e por um ajustamento de montante fixo efetuado no final do período [de faturação], independentemente da questão de saber se, decorrido esse período, foi emitida ao interessado uma nota de débito ou de crédito?

2)

Em caso de resposta afirmativa, o valor aduaneiro pode ser analisado e determinado com base em fórmulas de cálculo simplificadas quando devam ser reconhecidos os efeitos dos ajustamentos dos preços de transferência efetuados [a posteriori] (tanto para cima como para baixo)?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

23

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 28.o a 31.o do código aduaneiro devem ser interpretados no sentido de que permitem considerar como valor aduaneiro um valor transacional acordado, que é composto, em parte, por um montante inicialmente faturado e declarado e, em parte, por um ajustamento fixo efetuado após o período de faturação, sem que seja possível saber se, no final do período de faturação, esse ajustamento será feito para cima ou para baixo.

24

A título preliminar, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito da União relativo à avaliação aduaneira tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios. O valor aduaneiro deve, portanto, refletir o valor económico real de uma mercadoria importada e levar em consideração todos os elementos dessa mercadoria que tenham valor económico (v., neste sentido, acórdãos de 16 de novembro de 2006, Compaq Computer International Corporation, C‑306/04, EU:C:2006:716, n.o 30; de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.os 23 e 26; e de 9 de março de 2017, GE Healthcare, C‑173/15, EU:C:2017:195, n.o 30).

25

Nos termos do artigo 29.o do código aduaneiro, o valor aduaneiro das mercadorias importadas é constituído pelo seu valor transacional, a saber, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da União Europeia, sem prejuízo, porém, dos ajustamentos que devem ser efetuados nos termos dos artigos 32.o e 33.o desse código (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Christodoulou e o., C‑116/12, EU:C:2013:825, n.o 38, e de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.o 24).

26

Além disso, o Tribunal de Justiça já precisou que o valor aduaneiro deve ser determinado, prioritariamente, segundo o chamado «método do valor transacional», nos termos do artigo 29.o do código aduaneiro. Só se o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, quando são vendidas para exportação, não puder ser determinado é que se pode recorrer aos métodos subsidiários previstos nos artigos 30.o e 31.o desse código (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Christodoulou e o., C‑116/12, EU:C:2013:825, n.os 38, 41, 42 e 44, e de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.os 24 e 27 a 30).

27

O Tribunal de Justiça esclareceu ainda que, embora o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias forme, regra geral, a base de cálculo do valor aduaneiro, esse preço é um dado que deve eventualmente ser objeto de ajustamentos quando essa operação seja necessária para evitar determinar um valor aduaneiro arbitrário ou fictício (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 1986, Repenning, 183/85, EU:C:1986:247, n.o 16; de 19 de março de 2009, Mitsui & Co. Deutschland, C‑256/07, EU:C:2009:167, n.o 24; de 12 de dezembro de 2013, Christodoulou e o., C‑116/12, EU:C:2013:825, n.o 39; e de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.o 25).

28

Com efeito, o valor transacional deve refletir o valor económico real de uma mercadoria importada e levar em consideração todos os elementos dessa mercadoria que tenham valor económico (acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Christodoulou e o., C‑116/12, EU:C:2013:825, n.o 40, e de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.o 26).

29

O artigo 78.o do código aduaneiro permite às autoridades aduaneiras, oficiosamente ou a pedido do declarante, proceder à revisão da declaração.

30

Todavia, cabe recordar que os casos em que o Tribunal de Justiça admitiu um ajustamento, a posteriori, do valor transacional se limitam a situações específicas, respeitantes, nomeadamente, à falta de qualidade do produto ou a defeitos detetados após a sua colocação em livre prática.

31

O Tribunal de Justiça já declarou que se devia admitir que, no caso de a mercadoria a avaliar, isenta de avarias no momento da compra, ter sido danificada antes da sua colocação em livre prática, o preço efetivamente pago ou a pagar fosse objeto de uma redução proporcional ao prejuízo sofrido, uma vez que se tratava de uma diminuição imprevisível do valor comercial da mercadoria (acórdão de 19 de março de 2009, Mitsui & Co. Deutschland, C‑256/07, EU:C:2009:167, n.o 25 e jurisprudência referida).

32

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça reconheceu que o preço efetivamente pago ou a pagar podia ser objeto de uma redução proporcional à diminuição do valor comercial das mercadorias em razão de um vício oculto que se tivesse demonstrado estar presente antes da sua colocação em livre prática e que tivesse dado lugar a reembolsos posteriores por força de uma obrigação contratual de garantia e, em consequência, era suscetível de acarretar uma redução posterior do valor aduaneiro dessas mercadorias (acórdão de 19 de março de 2009, Mitsui & Co. Deutschland, C‑256/07, EU:C:2009:167, n.o 26 e jurisprudência referida).

33

Por último, cabe referir que, na sua versão em vigor, o código aduaneiro, por um lado, não impõe nenhuma obrigação às empresas importadoras de solicitarem ajustamentos do valor transacional quando este seja ajustado a posteriori para cima e, por outro, não contém nenhuma disposição que permita às autoridades aduaneiras precaverem‑se contra o risco de as referidas empresas apenas solicitarem ajustamentos para baixo.

34

Nestas condições, deve concluir‑se que, na sua versão em vigor, o código aduaneiro não permite ter em conta um ajustamento, a posteriori, do valor transacional, como o que está em causa no processo principal.

35

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que os artigos 28.o a 31.o do código aduaneiro devem ser interpretados no sentido de que não permitem considerar como valor aduaneiro um valor transacional acordado, que é composto, em parte, por um montante inicialmente faturado e declarado e, em parte, por um ajustamento fixo efetuado após o período de faturação, sem que seja possível saber se, no final do período de faturação, esse ajustamento será feito para cima ou para baixo.

Quanto à segunda questão

36

Uma vez que só foi submetida no caso de ser dada uma resposta afirmativa à primeira questão, a segunda questão não tem de ser apreciada.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

Os artigos 28.o a 31.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 82/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, devem ser interpretados no sentido de que não permitem considerar como valor aduaneiro um valor transacional acordado, que é composto, em parte, por um montante inicialmente faturado e declarado e, em parte, por um ajustamento fixo efetuado após o período de faturação, sem que seja possível saber se, no final do período de faturação, esse ajustamento será feito para cima ou para baixo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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