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Document 62016CJ0519

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 26 de julho de 2017.
    Superfoz - Supermercados Lda contra Fazenda Pública.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
    Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 882/2004 — Controlos oficiais dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios — Financiamento dos controlos oficiais — Artigos 26.o e 27.o — Fiscalidade geral — Taxas ou encargos — Taxa sobre os estabelecimentos de comércio alimentar.
    Processo C-519/16.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:601

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

    26 de julho de 2017 ( *1 )

    [Texto retificado por despacho de 14 de setembro de 2017]

    «Reenvio prejudicial – Aproximação das legislações – Regulamento (CE) n.o 882/2004 – Controlos oficiais dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios – Financiamento dos controlos oficiais – Artigos 26.° e 27.° – Fiscalidade geral – Taxas ou encargos – Taxa sobre os estabelecimentos de comércio alimentar»

    No processo C‑519/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (Portugal), por decisão de 5 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de outubro de 2016, no processo

    Superfoz – Supermercados Lda

    contra

    Fazenda Pública,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

    composto por: E. Juhász, presidente de secção, C. Vajda e K. Jürimäe (relatora), juízes,

    advogado‑geral: M. Bobek,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Superfoz – Supermercados Lda, por R. China Carvalheira, advogado,

    [Conforme retificado por despacho de 14 de setembro de 2017] em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e A. Gameiro, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Němečková, M. Afonso e K. Skelly, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 26.° e 27.° do Regulamento (CE) n.o 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo aos controlos oficiais realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais (JO 2004, L 165, p. 1; e retificação no JO 2004, L 191, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 652/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (JO 2014, L 189, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 882/2004»), bem como dos artigos 107.° e 108.° TFUE e dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, da livre concorrência e da liberdade de empresa.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Superfoz – Supermercados Lda (a seguir «Superfoz») à Fazenda Pública (Portugal) a propósito do pagamento de uma taxa que se destina a financiar os custos referentes à execução dos controlos oficiais em matéria de segurança alimentar e de proteção e sanidade animal e vegetal.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento (CE) n.o 178/2002

    3

    O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento n.o 652/2014 (a seguir «Regulamento n.o 178/2002»), prevê os fundamentos para garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios, tendo nomeadamente em conta a diversidade da oferta de géneros alimentícios.

    4

    Como decorre do seu artigo 1.o, n.o 1, este regulamento tem por objeto estabelecer princípios e responsabilidades comuns, a maneira de assegurar uma sólida base científica e disposições e procedimentos organizacionais eficientes para servir de base à tomada de decisões em questões de segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais.

    Regulamento n.o 882/2004

    5

    Os considerandos 11 e 32 do Regulamento n.o 882/2004 enunciam:

    «(11)

    As autoridades competentes para a realização dos controlos oficiais deverão cumprir um conjunto de critérios operacionais, por forma a garantir a sua imparcialidade e eficácia. Deverão dispor de pessoal devidamente qualificado e experiente, em número suficiente, e possuir instalações e equipamento adequados para o correto desempenho das suas funções.

    […]

    (32)

    Deverão ser disponibilizados recursos financeiros adequados para a organização dos controlos oficiais. Para o efeito, as autoridades competentes dos Estados‑Membros deverão poder cobrar as taxas ou os encargos que permitam cobrir as despesas dos controlos oficiais. Durante o processo, as autoridades competentes dos Estados‑Membros deverão ter a liberdade de estabelecer taxas e encargos como montantes fixos baseados nas despesas efetuadas e tendo em conta a situação específica dos estabelecimentos. […]»

    6

    O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 4:

    «1.   O presente regulamento estabelece normas gerais para a realização de controlos oficiais destinados a verificar o cumprimento de normas que visam, em especial:

    a)

    Prevenir, eliminar ou reduzir para níveis aceitáveis os riscos para os seres humanos e os animais, quer se apresentem diretamente ou através do ambiente;

    e

    b)

    Garantir práticas leais no comércio dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios e defender os interesses dos consumidores, incluindo a rotulagem dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios e outras formas de informação dos consumidores.

    […]

    4.   A realização de controlos oficiais nos termos do presente regulamento não afeta a responsabilidade legal principal dos operadores das empresas do setor dos alimentos para animais e do setor alimentar, que consiste em garantir a segurança dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios nos termos do [Regulamento n.o 178/2002], nem a responsabilidade civil ou penal decorrente do incumprimento das suas obrigações.»

    7

    O artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento n.o 882/2004 define o «[c]ontrolo oficial» como «qualquer forma de controlo que a autoridade competente ou a Comunidade efetue para verificar o cumprimento da legislação em matéria de alimentos para animais e de géneros alimentícios, assim como das normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais».

    8

    O artigo 3.o do mesmo regulamento tem por epígrafe «Obrigações gerais relativas à organização de controlos oficiais». O n.o 3 deste artigo dispõe:

    «Os controlos oficiais devem ser efetuados em qualquer fase da produção, da transformação e da distribuição dos alimentos para animais ou dos géneros alimentícios e dos animais e produtos animais. Devem incluir controlos das empresas do setor dos alimentos para animais e do setor alimentar, da utilização de alimentos para animais e de géneros alimentícios, da respetiva armazenagem, dos processos, materiais, substâncias, atividades ou operações, incluindo o transporte, aplicados aos alimentos para animais ou aos géneros alimentícios, bem como dos animais vivos, tendo em vista o cumprimento dos objetivos do presente regulamento.»

    9

    O Regulamento n.o 882/2004 contém um capítulo VI, intitulado «Financiamento dos controlos oficiais», que abrange, nomeadamente, os artigos 26.° e 27.° deste regulamento. O artigo 26.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Princípio geral», enuncia:

    «Os Estados‑Membros devem garantir a disponibilização dos recursos financeiros adequados para garantir a existência de recursos humanos e outros necessários à execução dos controlos oficiais, por quaisquer meios que sejam considerados apropriados, nomeadamente através de uma tributação geral ou do estabelecimento de taxas ou encargos.»

    10

    O artigo 27.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Taxas ou encargos», dispõe, nos n.os 1 a 4 e 10:

    «1.   Os Estados‑Membros podem cobrar taxas ou encargos para cobrir as despesas ocasionadas pelos controlos oficiais.

    2.   Contudo, no que se refere às atividades enumeradas na secção A do Anexo IV e na secção A do Anexo V, os Estados‑Membros devem assegurar a cobrança de uma taxa.

    3.   Sem prejuízo dos n.os 4 e 6, as taxas cobradas relativamente às atividades específicas mencionadas na secção A do Anexo IV e na secção A do Anexo V não devem ser inferiores às taxas mínimas especificadas na secção B do Anexo IV e na secção B do Anexo V. [...]

    […]

    4.   As taxas cobradas para efeitos dos controlos oficiais nos termos do n.o 1 ou do n.o 2:

    a)

    Não devem ser superiores às despesas suportadas pelas autoridades competentes responsáveis atendendo aos critérios enunciados no Anexo VI,

    e

    b)

    Podem ser fixadas em montantes forfetários com base nas despesas suportadas pelas autoridades competentes durante um determinado período de tempo ou, se for caso disso, nos montantes fixados na secção B do Anexo IV ou na secção B do Anexo V.

    […]

    10.   Sem prejuízo dos custos respeitantes às despesas previstas no artigo 28.o, os Estados‑Membros não devem cobrar nenhuma outra taxa, para além das referidas no presente artigo, para efeitos da execução do presente regulamento.»

    Direito português

    11

    O Decreto‑Lei n.o 119/2012, de 15 de junho de 2012, criou a Taxa de Segurança Alimentar Mais (a seguir «TSAM»).

    12

    O preâmbulo deste decreto‑lei indica que os normativos europeus consagram «a obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos [Estados‑Membros], conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições especiais a suportar pelos operadores» e que, «[e]m aplicação destas regras, encontram‑se já instituídas diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os atos de verificação e controlo, tendo como referenciais os custos e as despesas relativas ao pessoal, designadamente as remunerações, instalações, instrumentos, equipamento, formação, deslocações e despesas conexas, incluindo as relativas à colheita e envio de amostras e análises laboratoriais».

    13

    O artigo 9.o do referido decreto‑lei prevê:

    «1   – Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré‑embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.

    2   – Estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que: a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2; b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

    3   – Para efeitos do presente diploma, entende‑se por “estabelecimento de comércio alimentar” o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.o do Decreto‑Lei 21/2009, de 19 de janeiro [de 2009].»

    14

    A Portaria n.o 215/2012, de 17 de julho de 2012, regulamenta a TSAM. O artigo 3.o, n.o 3, alínea b), desta portaria prevê que as isenções do pagamento desta taxa previstas pelo direito nacional não são aplicáveis aos estabelecimentos que «estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2». O artigo 3.o, n.o 5, da referida portaria precisa que, «para efeitos da alínea b) do n.o 3, considera‑se “grupo” o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.o do Decreto‑Lei 21/2009, de 19 de janeiro [de 2009]».

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    15

    A Superfoz é uma sociedade cuja atividade consiste na exploração comercial de supermercados, na distribuição de produtos alimentares e não alimentares, bem como na exploração de postos de abastecimento de combustíveis e na gestão de centros comerciais.

    16

    A Superfoz utiliza a insígnia «Intermarché». A decisão de reenvio precisa, contudo, que esta sociedade é uma pessoa jurídica distinta, por um lado, da franchisadora ITMI Portugal – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento SA e, por outro, das demais empresas franchisadas por aquela e que utilizam a mesma insígnia. Também se menciona que a referida franchisadora não tem uma participação no capital social da Superfoz que lhe confira poderes de gestão, gerência ou administração sobre ela.

    17

    Por ofício de 1 de julho de 2014, a Direção‑Geral de Alimentação e Veterinária (Portugal) informou a Superfoz de que era devedora da TSAM relativa ao ano de 2014, no montante de 10274,25 euros. A referida direção‑geral precisou que, em conformidade com as disposições do direito nacional, essa quantia resultava da aplicação da taxa, cujo montante tinha sido fixado em 7 euros por metro quadrado, à área de venda do estabelecimento detido pela Superfoz, a saber, 1467,75 metros quadrados.

    18

    A Superfoz contesta no órgão jurisdicional de reenvio a legalidade dos atos de cobrança da TSAM.

    19

    Relativamente à TSAM, aquele órgão jurisdicional salienta que a mesma taxa se insere numa política de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores e assenta no princípio da responsabilização dos agentes económicos intervenientes em matéria de segurança e qualidade alimentar. A referida taxa destina‑se a financiar o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, instituído pelo Decreto‑Lei n.o 119/2012. O Fundo não tem competência para a realização de quaisquer outros controlos para além dos previstos no Regulamento n.o 882/2004.

    20

    Além disso, indica que a TSAM é uma taxa anual, que constitui a contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar. Os titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal são responsáveis pelo pagamento da taxa, que é calculada por aplicação de um valor unitário fixado entre 5 euros e 8 euros por metro quadrado da área de venda do estabelecimento.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o direito nacional prevê contudo a exclusão dos estabelecimentos com área inferior a 2000 metros quadrados ou pertencentes a microempresas do pagamento da taxa, desde que aqueles não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 metros quadrados e que não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 metros quadrados. A este respeito, o Tribunal Constitucional (Portugal) considerou que esta exclusão não é contrária à ideia constitucional de igualdade.

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade da TSAM com as disposições do Regulamento n.o 882/2004, bem como com os princípios do direito da União, nomeadamente com os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da livre concorrência.

    23

    Em primeiro lugar, aquele órgão jurisdicional pergunta‑se sobre se a referida taxa é conforme com o artigo 27.o, n.o 10, do Regulamento n.o 882/2004, uma vez que, por um lado, as despesas referentes aos controlos previstos nesse regulamento são asseguradas através de outras taxas e, por outro, a TSAM apenas abrange os estabelecimentos de comércio alimentar, já onerados com as responsabilidades e deveres previstos nas disposições do Regulamento n.o 178/2002 e do Regulamento n.o 882/2004.

    24

    Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a compatibilidade da TSAM com o princípio da igualdade de tratamento, dado que a taxa onera apenas alguns estabelecimentos de comércio alimentar.

    25

    Em terceiro lugar, o mesmo órgão jurisdicional considera que o princípio da equivalência previsto no Regulamento n.o 882/2004 exige que as taxas como a TSAM sejam empregues no financiamento das prestações administrativas diretamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, o que não sucede com a TSAM. Com efeito, o facto gerador desta última depende do facto de deter estabelecimentos de comércio alimentar não isentos.

    26

    Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se a TSAM viola a liberdade de empresa e o correspondente dever de neutralidade económica dos Estados‑Membros, na medida em que aquela taxa pode criar distorções na concorrência no domínio do comércio alimentar, nomeadamente, favorecendo fiscalmente as empresas que não a suportam.

    27

    Nestas circunstâncias, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (Portugal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Pode o artigo 27.o, n.o l0, do Regulamento (CE) n.o 882/2004, de 29 de abril de 2004, ou qualquer outra norma de direito ou princípio geral da União Europeia que o TJUE entenda aplicáveis, ser interpretadas no sentido de que com eles seria incompatível uma disposição nacional que crie uma taxa para financiamento de controlos oficiais referentes a segurança alimentar, a ser paga apenas por titulares de estabelecimentos de retalho alimentar ou misto, sem a mesma corresponder a qualquer controlo oficial específico de que estes sujeitos passivos sejam causadores ou beneficiários?

    2)

    A resposta será diferente caso, em lugar de uma taxa, seja criada uma contribuição financeira a favor de entidade pública, a incidir sobre os mesmos sujeitos passivos, destinada a satisfazer encargos com os controlos de qualidade alimentar mas com o único objetivo de estender a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo financiamento daqueles controlos?

    3)

    A isenção de certos operadores económicos de suportarem uma taxa de segurança alimentar que apenas incide sobre certos estabelecimentos de comércio retalhista alimentar ou misto (designadamente as grandes empresas do comércio de produtos alimentares a retalho) e se destina a financiar os custos referentes à execução dos controlos oficiais no âmbito da segurança alimentar, proteção animal e sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade, constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno na medida em que falseie ou ameace falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, ou pelo menos não constituirá essa isenção de taxa parte integrante de um auxílio de Estado sujeito a notificação à Comissão Europeia, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE?

    4)

    Os princípios do direito da União Europeia, designadamente os da igualdade, da não discriminação, da concorrência (incluindo a proibição de “reverse discrimination”) e da liberdade de empresa opõem‑se a uma disposição nacional que:

    a)

    Apenas faz incidir a obrigação de pagamento da “Taxa” sobre as grandes empresas do comércio de produtos alimentares a retalho?

    b)

    Exclui do âmbito de aplicação da “Taxa”, os estabelecimentos ou microempresas com uma área de venda inferior a 2000 m2 que não estejam integrados num grupo ou não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igualou superior a 6000 m2

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira e segunda questões

    28

    De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio ter formulado uma questão fazendo referência apenas a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer este tenha ou não feito referência a tais disposições no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., designadamente, acórdão de 7 de março de 2017, X e X, C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 39 e jurisprudência referida).

    29

    Nestas condições, há que entender que, com a primeira e segunda questões, que importa tratar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 26.° e 27.° do Regulamento n.o 882/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de uma taxa, como a que está em causa no processo principal, apenas aos estabelecimentos de comércio alimentar a retalho, sem que a receita gerada por essa taxa sirva para financiar especificamente os controlos oficiais de que esses sujeitos passivos são causadores ou beneficiários.

    30

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 882/2004, os referidos controlos oficiais devem ser efetuados em qualquer fase da produção, da transformação e da distribuição dos géneros alimentícios em causa. Devem assim incluir, nomeadamente, os controlos das empresas do setor alimentar, tendo em vista o cumprimento dos objetivos deste regulamento.

    31

    Decorre dos considerandos 11 e 32 do referido regulamento que as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem dispor de pessoal devidamente qualificado e experiente, em número suficiente, e possuir instalações e equipamento adequados para o correto desempenho das suas funções. Para o efeito, os Estados‑Membros devem estar em condições de dispor de recursos financeiros adequados para a organização dos controlos.

    32

    Assim, nos termos do artigo 26.o do Regulamento n.o 882/2004, os Estados‑Membros devem garantir a disponibilização dos recursos financeiros adequados para garantir a existência de recursos humanos e outros necessários à execução dos controlos oficiais, por quaisquer meios que sejam considerados apropriados, nomeadamente através de uma tributação geral ou do estabelecimento de taxas ou encargos.

    33

    O artigo 27.o do referido regulamento tem especificamente por objeto as taxas e os encargos. Nos termos do seu n.o 1, os Estados‑Membros apenas podem cobrar essas taxas ou encargos para «cobrir as despesas ocasionadas pelos controlos oficiais». Assim, as taxas ou encargos previstos neste artigo só podem destinar‑se a cobrir as despesas que decorrem, efetivamente, para os Estados‑Membros da realização dos controlos nas empresas do setor alimentar (v., neste sentido, acórdão de 17 de março de 2016, Kødbranchens Fællesråd, C‑112/15, EU:C:2016:185, n.o 39).

    34

    De acordo com a letra do artigo 26.o do Regulamento n.o 882/2004, lido à luz do considerando 32 deste regulamento, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação para disponibilizarem, nomeadamente no âmbito da tributação geral, os recursos financeiros adequados para disporem do pessoal e outros recursos para os controlos oficiais. Em contrapartida, a referida margem está enquadrada pelas regras harmonizadas previstas no artigo 27.o do Regulamento n.o 882/2004, quando os Estados‑Membros decidem aplicar aos operadores as taxas ou os encargos previstos neste artigo (v., neste sentido, acórdão de 17 de março de 2016, Kødbranchens Fællesråd, C‑112/15, EU:C:2016:185, n.os 31 e 32).

    35

    Quanto à qualificação da TSAM à luz dos artigos 26.° e 27.° do Regulamento n.o 882/2004, decorre dos elementos fornecidos ao Tribunal de Justiça que, sob reserva das verificações do órgão jurisdicional de reenvio, esta taxa não foi concebida como uma taxa ou encargo no âmbito da aplicação do artigo 27.o deste regulamento, mas como outro tipo de recursos financeiros que os Estados‑Membros podem disponibilizar de acordo com o artigo 26.o do referido regulamento.

    36

    Com efeito, como sublinhou a Comissão nas suas observações, o facto gerador da referida taxa reside no facto de deter um estabelecimento comercial com uma determinada área e não, como o seria o facto gerador de uma taxa ou encargo na aceção do artigo 27.o do Regulamento n.o 882/2004, na execução de controlos oficiais especificamente efetuados junto dos estabelecimentos de comércio alimentar responsáveis pelo pagamento dessa taxa.

    37

    A este respeito, nos termos do artigo 9.o do Decreto‑Lei n.o 119/2012, a TSAM é uma «contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar». Além disso, decorre dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que essa taxa tem como finalidade fazer incorrer os estabelecimentos de comércio alimentar nos custos gerais referentes à organização dos controlos oficiais, dado que esses estabelecimentos beneficiam dos controlos realizados a montante da cadeia de produção alimentar.

    38

    Por outro lado, o rendimento obtido com a TSAM destina‑se a financiar o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, que agrupa todas as receitas que se destinam a financiar os custos referentes à execução dos controlos oficiais em matéria de segurança alimentar. Assim, não há nenhum nexo direto entre essa taxa e as despesas que a mesma visa cobrir.

    39

    Atendendo aos elementos expostos, o Regulamento n.o 882/2004 não se opõe a que um Estado‑Membro institua, em conformidade com o artigo 26.o deste regulamento, uma taxa como a TSAM, cujo rendimento se destina a cobrir os custos gerais referentes à organização dos controlos oficiais e não os custos efetivamente ocasionados pelos controlos oficiais de que os estabelecimentos de comércio alimentar responsáveis pelo pagamento desta taxa são causadores ou beneficiários.

    40

    Tal conclusão não é posta em causa pelo argumento de que os operadores de empresas do setor alimentar estão sujeitos a obrigações de autocontrolo por força do Regulamento n.o 178/2002.

    41

    Com efeito, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 882/2004 prevê que a realização de controlos oficiais nos termos deste regulamento não afeta a responsabilidade legal principal dos operadores das empresas do setor dos alimentos para animais e do setor alimentar, que consiste em garantir a segurança dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios nos termos do Regulamento n.o 178/2002, nem a responsabilidade civil ou penal decorrente do incumprimento das obrigações impostas aos referidos operadores.

    42

    Daqui resulta que o legislador da União considerou que, paralelamente aos controlos decorrentes da responsabilidade dos operadores de empresas, os controlos oficiais são necessários para alcançar os objetivos do Regulamento n.o 882/2004.

    43

    Atendendo a todas as considerações expostas, há que responder à primeira e segunda questões que os artigos 26.° e 27.° do Regulamento n.o 882/2004 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à aplicação de uma taxa, como a que está em causa no processo principal, apenas aos estabelecimentos de comércio alimentar a retalho, sem que a receita gerada por essa taxa sirva para financiar especificamente os controlos oficiais de que esses sujeitos passivos são causadores ou beneficiários.

    Quanto à terceira e quarta questões

    44

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões. Com efeito, o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação de um diploma da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (despacho de 4 de maio de 2017, Svobodová, C‑653/16, não publicado, EU:C:2017:371, n.o 18 e jurisprudência referida).

    45

    Estas exigências sobre o conteúdo do pedido de decisão prejudicial figuram de forma explícita no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, segundo o qual o pedido de decisão prejudicial deve conter, nomeadamente, «uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam» e «a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal».

    46

    Em primeiro lugar, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE e o artigo 108.o, n.o 3, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à cobrança de uma taxa como a TSAM, de que os estabelecimentos de comércio alimentar a retalho de pequenas dimensões estão isentos.

    47

    Mesmo admitindo que uma isenção fiscal a favor de algumas empresas constitui uma medida de auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a eventual ilegalidade do auxílio não é suscetível de afetar a legalidade da taxa de que essas empresas estão isentas. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que os devedores de uma taxa não podem alegar que a isenção de que outras empresas beneficiam constitui um auxílio de Estado para se subtraírem ao pagamento dessa taxa (v., neste sentido, acórdão de 27 de outubro de 2005, Distribution Casino France e o., C‑266/04 a C‑270/04, C‑276/04 e C‑321/04 a C‑325/04, EU:C:2005:657, n.os 42, 43 e jurisprudência referida).

    48

    Além disso, a decisão de reenvio não contém nenhuma indicação da qual se possa inferir que, apesar de a eventual violação dos artigos 107.° TFUE e 108.°, n.o 3, TFUE não poder aproveitar à Superfoz, a resposta à terceira questão prejudicial é, não obstante, necessária ao órgão jurisdicional de reenvio para resolver o litígio que lhe foi submetido.

    49

    Nestas condições, não se afigura que a terceira questão esteja relacionada com o objeto do litígio no processo principal.

    50

    Em segundo lugar, a quarta questão tem por objeto os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, da livre concorrência e da liberdade de empresa.

    51

    Ora, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a salientar que se pode duvidar da conformidade da TSAM com estes princípios, sem, contudo, fornecer as razões em que se baseia para suscitar tais dúvidas. Em particular, a decisão de reenvio não fornece elementos que permitam apreciar a comparabilidade da situação dos operadores devedores da TSAM e dos que estão isentos desta taxa. Acresce que pode haver razões válidas, admitidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que justifiquem uma eventual diferença de tratamento, mas a decisão de reenvio também não contém nenhuma informação a este respeito. Assim, há que declarar que a decisão de reenvio não obedece, manifestamente, às exigências recordadas no n.o 45 do presente acórdão.

    52

    Consequentemente, a terceira e quarta questões são inadmissíveis.

    Quanto às despesas

    53

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

     

    Os artigos 26.° e 27.° do Regulamento (CE) n.o 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo aos controlos oficiais realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 652/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à aplicação de uma taxa, como a que está em causa no processo principal, apenas aos estabelecimentos de comércio alimentar a retalho, sem que a receita gerada por essa taxa sirva para financiar especificamente os controlos oficiais de que esses sujeitos passivos são causadores ou beneficiários.

     

    Juhász

    Vajda

    Jürimäe

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de julho de 2017.

    O secretário

    A. Calot Escobar

    O presidente da Nona Secção

    E. Juhász


    ( *1 ) Língua do processo: português.

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