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Document 62016CJ0506

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 7 de setembro de 2017.
    José Joaquim Neto de Sousa contra Estado português.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto.
    Reenvio prejudicial — Seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis — Diretiva 72/166/CEE — Diretiva 84/5/CEE — Diretiva 90/232/CEE — Condutor responsável pelo acidente que causou o falecimento do seu cônjuge, passageiro do veículo — Legislação nacional que exclui a indemnização dos danos patrimoniais sofridos pelo condutor responsável pelo acidente.
    Processo C-506/16.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:642

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    7 de setembro de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis — Diretiva 72/166/CEE — Diretiva 84/5/CEE — Diretiva 90/232/CEE — Condutor responsável pelo acidente que causou o falecimento do seu cônjuge, passageiro do veículo — Legislação nacional que exclui a indemnização dos danos patrimoniais sofridos pelo condutor responsável pelo acidente»

    No processo C‑506/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal da Relação do Porto (Portugal), por decisão de 7 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de setembro de 2016, no processo

    José Joaquim Neto de Sousa

    contra

    Estado português,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: E. Regan, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator) e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Estado português, por M. E. Duarte Rodrigues,

    em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e S. Jaulino, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244), conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005 (JO 2005, L 149, p. 14) (a seguir «Segunda Diretiva»), e da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO 1990, L 129, p. 33; a seguir «Terceira Diretiva»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe José Joaquim Neto de Sousa ao Estado português a respeito de uma pretensa violação do direito da União imputável ao Supremo Tribunal de Justiça (Portugal).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    A Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11), revogou a Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1972, L 103 p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Diretiva»), bem como a Segunda e a Terceira Diretiva. No entanto, atendendo à data em que ocorreram os factos do processo principal, há que tomar em consideração as diretivas revogadas.

    4

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Primeira Diretiva:

    «Cada Estado‑Membro [...] adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

    5

    O artigo 1.o, n.o 1, da Segunda Diretiva dispunha:

    «O seguro referido no n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva] deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e os danos corporais.»

    6

    O artigo 3.o da referida diretiva tinha a seguinte redação:

    «Os membros da família do tomador do seguro, do condutor ou de qualquer outra pessoa cuja responsabilidade civil decorrente de um sinistro se encontre coberta pelo seguro mencionado do n.o 1 do artigo 1.o não podem, por força desse parentesco, ser excluídos da garantia do seguro, relativamente aos danos corporais sofridos.»

    7

    O artigo 1.o da Terceira Diretiva previa:

    «[…] [O] seguro referido no n.o 1 do artigo 3.o da [Primeira Diretiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo.

    [...]»

    Direito português

    8

    Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do Decreto‑Lei n.o 522/85, relativo ao Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, de 31 de dezembro de 1985, conforme alterado pelo Decreto‑Lei n.o 130/94, de 19 de maio de 1994 (a seguir «Decreto‑Lei n.o 522/85»), excluem‑se da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro (a seguir «seguro obrigatório»).

    9

    Resulta do artigo 7.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 522/85 que, no caso de falecimento, em consequência de um acidente, nomeadamente do cônjuge do condutor do veículo e titular da apólice de seguro, é excluída qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais.

    10

    Por força do artigo 483.o do Código Civil, aquele que, com mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

    11

    O artigo 495.o, n.o 3, deste código prevê que, em caso de morte ou lesão corporal, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    12

    Em 3 de dezembro de 2005, em Paredes (Portugal), ocorreu um acidente entre o veículo conduzido por J. J. Neto de Sousa, segurado na companhia de seguros Zurich, e outro veículo. J. J. Neto de Sousa, que tinha perdido o controlo do seu veículo, foi considerado responsável por este acidente. Neste veículo seguia, como passageira, A. C. da Rocha Carvalho, esposa de J. J. Neto de Sousa, que veio a falecer em consequência do referido acidente de viação.

    13

    J. J. Neto de Sousa intentou uma ação judicial contra a Zurich no Tribunal Judicial de Paredes (Portugal), pedindo que esta companhia de seguros fosse condenada a pagar‑lhe a quantia de 335700 euros, acrescida de juros, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente de 3 de dezembro de 2005. Alegou designadamente, para este efeito, que o artigo 7.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 522/85 não excluía a indemnização do responsável culposo do acidente.

    14

    O Tribunal Judicial de Paredes julgou improcedente o pedido de J. J. Neto de Sousa na parte em que tinha por objeto o ressarcimento dos danos patrimoniais, por ter entendido desconhecerem‑se quais eram os rendimentos, despesas e encargos de J. J. Neto de Sousa, nem em que medida a falecida contribuía ou iria contribuir para a economia do casal. O referido órgão jurisdicional também julgou este pedido improcedente no que respeita ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, por entender que o ressarcimento destes danos estava excluído pelo artigo 7.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 522/85.

    15

    J. J. Neto de Sousa interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto (Portugal), apenas no que respeita ao ressarcimento dos danos patrimoniais. Este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso, por entender, em substância, que J. J. Neto de Sousa não tinha direito a qualquer indemnização, na medida em que era o condutor culposo do acidente no qual a sua esposa, enquanto passageira do veículo por si conduzido, perdeu a vida.

    16

    J. J. Neto de Sousa recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, reiterando a sua argumentação segundo a qual o Decreto‑Lei n.o 522/85 não excluía o ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelo condutor culposo devido ao falecimento do seu cônjuge na sequência do acidente e alegando que, ao negar‑lhe o direito de ser indemnizado pelos danos patrimoniais resultantes da morte da sua esposa, passageira do veículo envolvido no acidente, o Tribunal da Relação do Porto tinha violado o artigo 7.o, n.o 3, deste decreto‑lei. J. J. Neto de Sousa pediu igualmente a este órgão jurisdicional que submetesse ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 267.o TFUE, uma questão prejudicial a fim de determinar se as disposições da Segunda e da Terceira Diretiva se opõem ao ressarcimento de tais danos.

    17

    O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista. Considerou, em substância, que o direito a indemnização de J. J. Neto de Sousa era regulado tanto pelo artigo 495.o, n.o 3, do Código Civil como pelo artigo 483.o deste código, que esse direito nascia «na esfera jurídica» de quem invoca a indemnização e não na do falecido e que, com a sua conduta culposa, J. J. Neto de Sousa tinha violado um dos seus próprios direitos. Aquele tribunal considerou que, em conformidade com o brocardo sibi imputet, não pode beneficiar do direito previsto no artigo 495.o, n.o 3, do Código Civil aquele que foi o único culpado do acidente em consequência do qual faleceu a sua esposa, passageira do veículo por ele conduzido, e que, por conseguinte, não havia que indemnizar J. J. Neto de Sousa.

    18

    No que respeita ao pedido de decisão prejudicial, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, em substância, que a Segunda e a Terceira Diretiva estabelecem o regime de seguro obrigatório, deixando às normas internas o regime próprio da responsabilidade civil e que, embora, no que respeita aos passageiros, este regime prevaleça em certa medida sobre o direito nacional, as regras do Decreto‑Lei n.o 522/85 não têm por efeito afastar a aplicação do regime nacional de responsabilidade civil, conforme previsto no artigo 495.o, n.o 3, do Código Civil.

    19

    J. J. Neto de Sousa intentou no Tribunal da Comarca do Porto Este, Penafiel (Portugal), uma ação comum de declaração contra o Estado português, pedindo que este fosse condenado a pagar‑lhe a quantia de 245700 euros, acrescida de juros, a título dos danos que sofreu devido ao erro judiciário cometido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao negar provimento ao seu recurso.

    20

    Tendo o Tribunal da Comarca do Porto Este, Penafiel, julgado improcedente a ação intentada por J. J. Neto de Sousa, este interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, alegando designadamente que o Supremo Tribunal de Justiça interpretou erradamente o artigo 3.o da Segunda Diretiva e o artigo 1.o da Terceira Diretiva, os quais, em sua opinião, garantem aos passageiros de um veículo automóvel, que não o condutor, o ressarcimento dos danos de caráter pessoal que hajam sofrido em consequência de acidente de viação, e violou a sua obrigação resultante do artigo 267.o TFUE. J. J. Neto de Sousa pediu igualmente ao Tribunal da Relação do Porto que submetesse ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 267.o TFUE, a questão referida no n.o 16 do presente acórdão.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão de saber se a passageira falecida devia ou não ser indemnizada, mas sobre a questão de saber se J. J. Neto de Sousa tem ou não direito a ser indemnizado, visto ser ele o responsável pelo acidente. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para determinar se o Supremo Tribunal de Justiça se podia abster de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, há que apurar previamente se as disposições do direito da União invocadas perante si eram claras e inequívocas.

    22

    Nestas condições, o Tribunal da Relação do Porto decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O postulado nas Segunda e Terceira [Diretivas] opõe‑se a que a legislação nacional preveja a indemnização do condutor culposo, por danos patrimoniais, em caso de falecimento do cônjuge que seguia no veículo como passageiro, cf. Previsto no art° 7° no 3 do [Decreto‑Lei n.o 522/85]?»

    Quanto à questão prejudicial

    23

    A título liminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode entender ser necessário levar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado da sua questão (acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Município de Palmela, C‑144/16, EU:C:2017:76, n.o 20 e jurisprudência referida).

    24

    No presente caso, resulta da decisão de reenvio que, no acórdão em que alegadamente violou as disposições da Segunda e da Terceira Diretiva, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o direito português aplicável, em especial o artigo 483.o e o artigo 495.o, n.o 3, do Código Civil, não permite a J. J. Neto de Sousa obter a indemnização que reclama.

    25

    Nestas condições, há que compreender a questão submetida como se destinando a saber se a regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que exclui o direito do condutor de um veículo automóvel, responsável, por culpa sua, por um acidente de viação em consequência do qual faleceu o seu cônjuge, passageiro desse veículo, de ser indemnizado pelos danos patrimoniais que sofreu em razão desse falecimento.

    26

    A este propósito, importa recordar que o objetivo da Primeira e da Segunda Diretiva, como resulta dos respetivos preâmbulos, é, por um lado, assegurar a livre circulação tanto dos veículos com estacionamento habitual no território da União como das pessoas que neles viajam e, por outro, garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (acórdãos de 9 de junho de 2011, Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, C‑409/09, EU:C:2011:371, n.o 23, e de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 26).

    27

    A Primeira Diretiva, conforme completada pela Segunda e Terceira Diretivas, impõe aos Estados‑Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros vítimas que esse seguro deve cobrir (acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 27 e jurisprudência referida).

    28

    Importa porém recordar que a obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (acórdãos de 17 de março de 2011, Carvalho Ferreira Santos, C‑484/09, EU:C:2011:158, n.o 31, e de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 28).

    29

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas, como decorre do seu objeto e da sua redação, não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos (acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 29 e jurisprudência referida).

    30

    Assim sendo, os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, aplicável de acordo com o seu direito nacional, esteja coberta por um seguro conforme com as disposições das três diretivas supramencionadas (acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 30 e jurisprudência referida).

    31

    Devem, além disso, exercer as suas competências no respeito do direito da União, e as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas do seu efeito útil (v., neste sentido, acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 31).

    32

    O Tribunal já declarou que estas diretivas ficariam privadas desse efeito se, com fundamento na contribuição do lesado para a produção do dano, uma regulamentação nacional, definida com base em critérios gerais e abstratos, recusasse à vítima o direito a ser indemnizada pelo seguro obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado (acórdãos de 9 de junho de 2011, Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, C‑409/09, EU:C:2011:371, n.o 29, e de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 32).

    33

    No entanto, no processo principal, há que salientar que o direito a indemnização de J. J. Neto de Sousa não é afetado devido a uma limitação da cobertura da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis por disposições em matéria de seguros, mas devido ao regime nacional de responsabilidade civil aplicável.

    34

    Com efeito, a legislação nacional em causa no processo principal, conforme interpretada pelo Supremo Tribunal de Justiça, tem por efeito excluir o direito do condutor de um veículo automóvel, enquanto responsável por um acidente de viação, de ser indemnizado por um dano próprio que tenha sofrido na sequência desse acidente.

    35

    Esta legislação não é assim suscetível de limitar a cobertura do seguro de responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros a que o segurado pudesse ter direito (v., por analogia, acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 35).

    36

    Nestas condições, há que constatar que a legislação nacional em causa no processo principal não afeta a garantia, prevista pelo direito da União, de que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, determinada de acordo com o direito nacional aplicável, seja coberta por um seguro conforme com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas (v., por analogia, acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 38).

    37

    Esta consideração não é posta em causa pelo facto de os danos patrimoniais sofridos por J. J. Neto de Sousa decorrerem do falecimento da sua esposa, passageira do veículo que ele conduzia quando causou o acidente. Com efeito, as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio parecem indicar que o processo principal não tem por objeto o direito a indemnização dos danos sofridos por uma vítima que tem a qualidade de passageiro de um veículo envolvido num sinistro, mas o direito a indemnização dos danos sofridos pelo condutor responsável por esse sinistro.

    38

    Atendendo às considerações que precedem, há que responder à questão submetida que a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que exclui o direito do condutor de um veículo automóvel, responsável, por culpa sua, por um acidente de viação em consequência do qual faleceu o seu cônjuge, passageiro desse veículo, de ser indemnizado pelos danos patrimoniais que sofreu em razão desse falecimento.

    Quanto às despesas

    39

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

     

    A Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, a Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, e a Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que exclui o direito do condutor de um veículo automóvel, responsável, por culpa sua, por um acidente de viação em consequência do qual faleceu o seu cônjuge, passageiro desse veículo, de ser indemnizado pelos danos patrimoniais que sofreu em razão desse falecimento.

     

    Regan

    Arabadjiev

    Rodin

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de setembro de 2017.

    O secretário

    A. Calot Escobar

    O presidente da Sexta Secção

    E. Regan


    ( *1 ) Língua do processo: português.

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