EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016CJ0466

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de fevereiro de 2019.
Conselho da União Europeia contra Marquis Energy LLC.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Regulamento de Execução (UE) n.o 157/2013 — Importações de bioetanol oriundo dos Estados Unidos da América — Direito antidumping definitivo — Margem de dumping determinada à escala nacional — Recurso de anulação — Produtor não exportador — Legitimidade — Afetação direta.
Processo C-466/16 P.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:156

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de fevereiro de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Regulamento de Execução (UE) n.o 157/2013 — Importações de bioetanol oriundo dos Estados Unidos da América — Direito antidumping definitivo — Margem de dumping determinada à escala nacional — Recurso de anulação — Produtor não exportador — Legitimidade — Afetação direta»

No processo C‑466/16 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 20 de agosto de 2016,

Conselho da União Europeia, representado por S. Boelaert, na qualidade de agente, assistida por N. Tuominen, avocată,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Marquis Energy LLC, com sede em Hennepin (Estados‑Unidos), representada por P. Vander Schueren, advocaat, assistida por N. Mizulin e M. Peristeraki, avocats,

recorrente em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por T. Maxian Rusche e M. França, na qualidade de agentes,

ePURE, de Europese Producenten Unie van Hernieuwbare Ethanol, representada por O. Prost e A. Massot, avocats,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Malenovský, L. Bay Larsen, M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, o Conselho da União Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de junho de 2016, Marquis Energy/Conselho (T‑277/13, a seguir «acórdão recorrido», não publicado, EU:T:2016:343), que, por um lado, julgou admissível o recurso de anulação interposto pela Marquis Energy LLC do Regulamento de Execução (UE) n.o 157/2013 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2013, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de bioetanol originário dos Estados Unidos da América (JO 2013, L 49, p. 10) (a seguir «regulamento controvertido»), e, por outro, anulou esse regulamento na parte que lhe dizia respeito.

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes dos litígios figuram nos n.os 1 a 14 do acórdão recorrido e, na medida do necessário para o presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

3

A Marquis Energy é uma empresa americana produtora de bioetanol.

4

No seguimento de uma denúncia apresentada em 12 de outubro de 2011 pela ePure, de Europese Producenten Unie van Hernieuwbare Ethanol (Associação Europeia dos Produtores de Etanol Renovável), a Comissão Europeia publicou, em 25 de novembro de 2011, um aviso de início de um processo antidumping relativo às importações de bioetanol originário dos Estados Unidos da América (JO 2011, C 345, p. 7), onde anunciava a sua intenção de recorrer a uma amostragem para selecionar os produtores‑exportadores dos Estados Unidos da América abrangidos pelo inquérito aberto no âmbito desse processo (a seguir «inquérito»).

5

Em 16 de janeiro de 2012, a Comissão notificou a Marquis Energy e quatro outras sociedades, a saber, Patriot Renewable Fuels LLC, Plymouth Energy Company LLC, POET LLC e Platinum Ethanol LLC, de que tinham sido escolhidas para a amostra dos produtores‑exportadores.

6

Em 24 de agosto de 2012, a Comissão comunicou à Marquis Energy o documento de informação provisório anunciando o prosseguimento do inquérito sem adoção de medidas provisórias e a sua extensão aos comerciantes/misturadores. Esse documento indicava que não era possível, nessa fase, apreciar se as exportações de bioetanol originário dos Estados Unidos eram feitas a preços de dumping, pelo facto de os produtores da amostra não fazerem distinção entre as vendas internas e as vendas para exportação, efetuando todas as suas vendas para os comerciantes/misturadores independentes estabelecidos nos Estados Unidos, que, de seguida, misturavam o bioetanol com gasolina e o revendiam.

7

Em 6 de dezembro de 2012, a Comissão enviou à Marquis Energy o documento de informação definitivo, no qual analisava, com base nos dados dos comerciantes/misturadores independentes, a existência de dumping causador de prejuízo para a indústria da União Europeia, e previa a instituição de medidas definitivas, à taxa de 9,6 % à escala nacional, por um período de três anos.

8

Em 18 de fevereiro de 2013, com base no Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 343, p. 51) (a seguir «regulamento antidumping de base»), o Conselho adotou o regulamento controvertido, que instituiu um direito antidumping sobre o bioetanol, chamado «etanol combustível», à taxa de 9,5 % à escala nacional por um período de cinco anos.

9

Resulta do n.o 13 do acórdão recorrido que o Conselho apurou, nos considerandos 12 a 16 do regulamento controvertido, que o inquérito tinha revelado que nenhum dos produtores da amostra tinha exportado bioetanol para o mercado da União e que não eram os produtores americanos de bioetanol mas sim os comerciantes/misturadores quem exportava o produto em causa para a União, pelo que, para levar a cabo o inquérito relativo ao dumping, se tinha baseado nos dados dos dois comerciantes/misturadores que tinham aceitado cooperar.

10

No n.o 14 do acórdão recorrido, indica‑se igualmente que o Conselho explicou, nos considerandos 62 a 64 do regulamento controvertido, que entendia ser oportuno determinar uma margem de dumping à escala nacional, na medida em que a estrutura da indústria do bioetanol e a forma como o produto em causa era produzido e vendido no mercado dos Estados Unidos e exportado para a União tornavam impossível estabelecer margens de dumping individuais para os produtores dos Estados Unidos.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de maio de 2013, a Marquis Energy interpôs recurso de anulação do regulamento controvertido.

12

O Tribunal Geral declarou, primeiro, a admissibilidade do recurso da Marquis Energy, de acordo com os desenvolvimentos que constam dos n.os 40 a 118 do acórdão recorrido, analisando sucessivamente, depois de lembrar as principais linhas da jurisprudência relevante para a interpretação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE em geral e em matéria de dumping, a sua legitimidade, depois o seu interesse em agir contra o regulamento controvertido.

13

Seguidamente, nos n.os 121 a 168 e 203 do acórdão recorrido, julgou procedente a segunda parte do primeiro fundamento invocado pela Marquis Energy, relativo a uma violação pelo Conselho do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base e, consequentemente, anulou o regulamento controvertido na parte respeitante a essa empresa.

14

Mais precisamente, o Tribunal Geral, nos n.os 55 a 80 do acórdão recorrido, analisou a questão de saber se o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

15

Por um lado, lembrou, no n.o 55 do acórdão recorrido, a sua jurisprudência no sentido de que um regulamento que institui um direito antidumping diz diretamente respeito a uma sociedade cujos produtos estão sujeitos a um direito antidumping, pois obriga as autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros a cobrarem o direito instituído sem lhes deixar nenhuma margem de apreciação.

16

Por outro lado, considerou, num primeiro momento, nos n.os 56 a 67 do acórdão recorrido, que o direito antidumping instituído pelo regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy, pelo facto de esta ser um produtor do produto que, na sua importação para a União desde a entrada em vigor do regulamento controvertido, estava sujeito ao direito antidumping.

17

A este respeito, no n.o 60 do acórdão recorrido, baseou‑se em quatro considerações sobre o funcionamento do mercado do bioetanol, conforme descrito pelo próprio Conselho, que considerou, no regulamento controvertido, que um grande volume de bioetanol proveniente da Marquis Energy tinha sido exportado de forma regular para a União no período do inquérito.

18

Assim, referiu primeiro, no n.o 56 do acórdão recorrido, que o artigo 1.o, n.o 1, do regulamento controvertido impunha um direito antidumping único, à escala nacional, a todas as importações de bioetanol, sem identificar as importações de bioetanol pela sua origem individual indicando os operadores relevantes para a exportação na cadeia comercial.

19

Segundo, observou, no n.o 57 do acórdão recorrido, que o Conselho tinha referido, no considerando 12 do regulamento impugnado e na contestação, que, uma vez que nenhum dos quatro produtores da amostra tinha exportado bioetanol por si próprio para o mercado da União, as suas vendas tinham sido efetuadas no mercado interno a comerciantes/misturadores independentes que tinham misturado seguidamente o bioetanol com gasolina para revenda no mercado interno e para exportação, em particular para a União.

20

Terceiro, observou, no n.o 58 do acórdão recorrido, que o Conselho tinha referido, nesse considerando 12, que os cinco produtores americanos incluídos na amostra tinham referido exportações de bioetanol para a União no seu formulário de amostragem.

21

Quarto, lembrou, no n.o 59 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha inicialmente selecionado uma amostra de seis produtores de bioetanol nos Estados‑Unidos com base no maior volume representativo de exportações de bioetanol para a União sobre o qual o inquérito pudesse razoavelmente incidir, tendo em conta o tempo disponível, mas que uma sociedade tinha sido retirada da amostra durante o inquérito, por se ter verificado que a produção dessa sociedade não tinha sido exportada para a União durante esse período.

22

Num segundo momento, nos n.os 68 a 79 do acórdão recorrido, refutou os diferentes argumentos do Conselho e da Comissão. A esse respeito, referiu, nomeadamente, no n.o 76 desse acórdão, que, mesmo apesar de serem os comerciantes/misturadores quem suportava o direito antidumping e de se ter verificado que a cadeia comercial do bioetanol era interrompida de modo a que eles não pudessem repercutir o direito antidumping nos produtores, a verdade é que a instituição de um direito antidumping mudava as condições legais em que o bioetanol produzido pelos produtores selecionados para a amostra era comercializado no mercado da União, de modo que a posição legal desses produtores nesse mercado era, de qualquer forma, direta e substancialmente afetada.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

23

Com o presente recurso, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça, a título principal:

anule o acórdão recorrido;

negue provimento ao recurso interposto em primeira instância pela Marquis Energy;

condene a Marquis Energy nas despesas dos processos de recurso em primeira e segunda instância.

24

A título subsidiário, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça:

devolva o processo ao Tribunal Geral para reapreciação;

reserve para final a decisão quanto às despesas efetuadas em primeira e em segunda instância.

25

Na contestação, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça, a título principal:

anule o acórdão recorrido;

julgue inadmissível o recurso em primeira instância;

condene a Marquis Energy no pagamento das despesas efetuadas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

26

A título subsidiário, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça:

anule o acórdão recorrido;

julgue improcedente a segunda parte do primeiro fundamento apresentado pela Marquis Energy em primeira instância e, quanto às outras partes do primeiro fundamento e aos outros fundamentos, devolva o processo ao Tribunal Geral para reapreciação;

reserve para final a decisão quanto às despesas em ambas as instâncias.

27

Na contestação, a Marquis Energy pede que o Tribunal de Justiça:

negue integralmente provimento ao presente recurso e confirme o acórdão recorrido;

condene o Conselho nas despesas do presente recurso e do processo no Tribunal Geral.

Quanto ao presente recurso

28

No presente recurso, o Conselho apresenta três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a erro de interpretação do artigo 263.o TFUE e da jurisprudência relevante pelo Tribunal Geral e a falta de fundamentação do acórdão recorrido. O segundo fundamento é relativo a errada interpretação do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento antidumping de base pelo Tribunal Geral. O terceiro fundamento é relativo a errada conclusão do Tribunal Geral de que não era impraticável aplicar direitos individuais aos produtores americanos selecionados na amostra.

29

Na contestação e na tréplica, a Comissão declara apoiar sem reservas o recurso de segunda instância interposto pelo Conselho e partilhar os argumentos que ele apresentou na réplica. Na tréplica, a Comissão alega, porém, a título preliminar, que a contestação da Marquis Energy foi assinada eletronicamente por uma pessoa que afirma ser membro das ordens de advogados de Atenas (Grécia) e de Bruxelas (Bélgica), mas que não foram juntos aos autos nem o certificado de inscrição nem os poderes dessa pessoa, o que, na falta de regularização, basta para julgar inadmissível o recurso subordinado inexistente.

30

A Marquis Energy alega inadmissibilidade integral do presente recurso. Por um lado, alega que, no seu primeiro e segundo fundamentos, o Conselho põe essencialmente em causa elementos de facto, sem arguir desvirtuação da prova pelo Tribunal Geral. Por outro, considera que, no seu terceiro fundamento, o Conselho não expõe os seus argumentos com suficiente clareza.

31

O Tribunal de Justiça analisará, em primeiro lugar, a exceção de inadmissibilidade do recurso de segunda instância alegada pela Marquis Energy e, em segundo lugar, a primeira parte do primeiro fundamento do Conselho, a de erro de direito do Tribunal Geral ao concluir que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy.

32

Contudo, a título preliminar, há que analisar a alegação da Comissão de que a contestação da Marquis Energy não foi validamente subscrita e deve, portanto, ser julgada inexistente.

33

No caso, o original da contestação da Marquis Energy, conforme refere o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, foi devidamente assinado por uma advogada, cuja qualidade não é impugnada e que, de qualquer forma e de acordo com o artigo 44.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por um lado, juntou o documento de legitimação que certifica que está habilitada a exercer nos tribunais de um Estado‑Membro e, por outro, o mandato passado pela Marquis Energy, assinado pelo seu presidente.

34

A alegação da Comissão da Comissão deve, portanto, ser julgada manifestamente desprovida de fundamento.

Quanto à admissibilidade

35

É certo que a apreciação dos factos e da prova não constitui, sem prejuízo dos casos de desvirtuação desses factos ou dessa prova, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância. Contudo, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, nos termos do artigo 256.o TFUE, a fiscalização da sua qualificação jurídica e as consequências jurídicas deles extraídas [Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 21; de 10 dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, EU:C:2002:736, n.o 69; e de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 77].

36

No caso, com o seu primeiro fundamento, o Conselho alega que o Tribunal Geral cometeu um duplo erro de direito na interpretação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, ao concluir que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy, por um lado, e individualmente, por outro, na sua qualidade de produtor americano de bioetanol selecionado para a amostra. Nesse primeiro fundamento, o Conselho contesta, mais precisamente, que se possa considerar que o regulamento controvertido diz diretamente respeito à Marquis Energy, uma vez que, em substância, não exportou diretamente bioetanol para a União.

37

Desse modo, o Conselho põe em causa as consequências de direito que o Tribunal Geral extraiu das considerações de facto a que procedeu, no caso, o reconhecimento da legitimidade da Marquis Energy contra o regulamento controvertido, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, de modo que o presente recurso de segunda instância deve, pelo menos nessa medida, ser julgado admissível (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, EU:C:2002:736, n.o 71; de 28 de junho de 2018, Alemanha/Comissão, C‑208/16 P, não publicado, EU:C:2018:506, n.o 76; e de 28 de junho de 2018, Alemanha/Comissão, C‑209/16 P, não publicado, EU:C:2018:507, n.o 74).

38

Daí resulta que, sem necessidade de conhecer, nesta fase, da admissibilidade dos outros dois fundamentos do Conselho, improcede a exceção de inadmissibilidade do primeiro fundamento do recurso de segunda instância, arguida pela Marquis Energy.

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a erro de direito do Tribunal Geral na apreciação da afetação direta da Marquis Energy

Argumentos das partes

39

O Conselho alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 67 do acórdão recorrido, que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy, conclusão essa justificada, aliás, pelos elementos expostos nos n.os 76, 78 e 79 desse acórdão.

40

Com efeito, o Tribunal Geral considerou que esse regulamento dizia diretamente respeito à Marquis Energy na medida em que ela era um produtor do produto que, na sua importação para a União, estava sujeito ao direito antidumping. Entendeu que a instituição desse direito tinha mudado as condições jurídicas em que o bioetanol era comercializado no mercado da União. Ora, a consideração desse efeito é incompatível com a que o Tribunal de Justiça fez no Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 44 à 51). Enquanto produtor que não vende diretamente os seus produtos na União, poderia quando muito dizer‑lhe indiretamente respeito do ponto de vista económico, na medida em que sofre potencialmente uma desvantagem concorrencial face a outros fabricantes de bioetanol a quem não é cobrado nenhum direito.

41

Segundo o Conselho, o Tribunal Geral considerou, erradamente, que os direitos antidumping mudavam as condições legais de comercialização do produto em causa e afetavam assim direta e substancialmente a posição de todos os produtores da amostra, exportadores ou não. Entende que, ao concluir que o regulamento dizia diretamente respeito a todos os produtores de forma automática, o Tribunal Geral foi além da jurisprudência constante que refere, praticando assim um «exagero» judicial.

42

Por conseguinte, entende que o Tribunal Geral violou o pressuposto da afetação direta previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que exige que a medida objeto de recurso produza diretamente efeitos na situação jurídica da pessoa em causa e não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários encarregues da sua execução, tendo esta um caráter puramente automático e resultante unicamente da regulamentação da União, sem aplicação de normas intermédias, ao aceitar como suficiente uma alteração presumida e indireta na situação económica da Marquis Energy.

43

Esta entende que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao concluir que o regulamento controvertido lhe dizia diretamente respeito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

44

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, lembrada pelo Tribunal Geral, no n.o 44 do acórdão recorrido, o pressuposto de a medida objeto do recurso dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva exige que estejam cumulativamente preenchidas duas condições, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos respetivos destinatários encarregues da sua execução, tendo esta caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras normas intermédias [v., nomeadamente, Acórdão de 5 de maio de 1998, Compagnie Continentale (France)/Comissão, C‑391/96 P, EU:C:1998:194, n.o 41; e Despachos de 10 de março de 2016, SolarWorld/Comissão, C‑142/15 P, não publicado, EU:C:2016:163, n.o 22, e de 21 de abril de 2016, Makro autoservicio mayorista e Vestel Iberia/Comissão, C‑264/15 P e C‑265/15 P, não publicado, EU:C:2016:301, n.o 45].

45

Como referiu o advogado‑geral no n.o 38 das conclusões, é a apreciação pelo Tribunal Geral da primeira dessas condições que é posta em causa pelo Conselho e pela Comissão.

46

Com efeito, essas instituições alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy pelo facto de um grande volume da sua produção de bioetanol ter sido exportado por comerciantes/misturadores de forma regular para a União ao longo do período do inquérito, pelo que a sua posição legal no mercado da União tinha sido substancialmente afetada pela instituição do direito antidumping.

47

A esse respeito, há que lembrar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora os regulamentos que instituem direitos antidumping sobre um produto tenham, pela sua própria natureza e alcance, caráter normativo, na medida em que se aplicam à generalidade dos operadores económicos em causa, não se exclui a possibilidade de dizerem diretamente e individualmente respeito a alguns deles, nomeadamente, em certas condições, aos produtores e exportadores desse produto (v., neste sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, TMK Europe, C‑143/14, EU:C:2015:236, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

48

Quanto a este ponto, o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado que os atos que instituem direitos antidumping podem dizer diretamente e individualmente respeito às empresas produtoras e exportadoras do produto em causa a quem sejam imputadas práticas de dumping com base em dados relativos à sua atividade comercial. É esse o caso das empresas produtoras e exportadoras que possam demonstrar terem sido identificadas nos atos da Comissão e do Conselho ou terem sido abrangidas pelos inquéritos preparatórios (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 21 de fevereiro de 1984, Allied Corporation e o./Comissão, 239/82 e 275/82, EU:C:1984:68, n.os 11 e 12, e de 7 de maio de 1987, NTN Toyo Bearing e o./Conselho, 240/84, EU:C:1987:202, n.o 5).

49

Resulta desta jurisprudência que não se pode considerar que diz diretamente respeito a uma empresa um regulamento que institui um direito antidumping unicamente pela sua qualidade de produtora do produto sujeito a esse direito, sendo essencial, a esse respeito, a qualidade de exportadora. Com efeito, resulta dos próprios termos da jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão que a afetação direta de certos produtores e exportadores desse produto por um regulamento que institui direitos antidumping se prende nomeadamente com o facto de lhes serem imputadas as práticas de dumping. Ora, não se pode imputar uma prática de dumping a um produtor que não exporta a sua produção no mercado da União, limitando‑se a escoar no seu mercado nacional.

50

Consequentemente, conforme refere o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, o simples facto de um produto estar presente no mercado da União, mesmo que em volume considerável, não basta para considerar que, a partir do momento em que esse produto é atingido pela instituição de um direito antidumping, o seu produtor é diretamente afetado na sua situação jurídica por esse direito.

51

Ora, no caso, conforme resulta dos considerandos 12 e 63 do regulamento controvertido e como declarou o Tribunal Geral no n.o 57 do acórdão recorrido, a Marquis Energy não exportou diretamente a sua produção para o mercado da União ao longo do período do inquérito. Assim, não lhe pode ser imputada nenhuma prática de dumping nem podia ser apurada nenhuma margem de dumping individual a seu respeito, conforme resulta dos considerandos 64 e 76 do regulamento controvertido e como referiu o Tribunal Geral nos n.os 69 a 74 do acórdão recorrido.

52

Uma vez que esses produtores, entre os quais a Marquis Energy, não exportaram diretamente a sua produção para o mercado da União e, afinal, não foram identificados no regulamento controvertido como exportadores, não lhes diziam diretamente respeito as considerações relativas à existência de uma prática de dumping e nem sequer foram diretamente afetados no seu património, uma vez que a sua produção não foi diretamente sujeita aos direitos antidumping instituídos.

53

É certo que houve produtores americanos de bioetanol, incluindo a Marquis Energy, identificados nos atos das instituições, na medida em que tinham sido inicialmente selecionados pela Comissão na amostra dos produtores‑exportadores americanos. Contudo, esse facto, de resto referido pelo Tribunal Geral no n.o 81 do acórdão recorrido, dedicado à análise da afetação individual da Marquis Energy, não basta para se poder concluir que o regulamento controvertido lhe diz diretamente respeito.

54

Com efeito, resulta da jurisprudência lembrada no n.o 48 do presente acórdão que só as «empresas produtoras e exportadoras» do produto sujeito a um direito antidumping a quem sejam imputadas as práticas de dumping e que possam demonstrar que foram identificadas nos atos das instituições são consideradas empresas às quais diz diretamente respeito o regulamento que o institui.

55

Ora, como referido no n.o 51 do presente acórdão, está assente que a Marquis Energy não exportou diretamente a sua produção de bioetanol para o mercado da União.

56

Embora seja verdade que o regulamento controvertido pode pôr um produtor americano de bioetanol como a Marquis Energy numa posição concorrencial desvantajosa, esse facto, admitindo‑o demonstrado, não permite só por si considerar que esses produtores foram afetados na sua situação jurídica pelas disposições desse regulamento e que, por isso, estas lhe diziam diretamente respeito (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 37, e de 17 de setembro de 2015, Confederazione Cooperative Italiane e o./Anicav e o., C‑455/13 P, C‑457/13 P e C‑460/13 P, não publicado, EU:C:2015:616, n.o 49).

57

O Tribunal Geral cometeu, pois, um erro de direito ao concluir que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy. Consequentemente, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos do presente recurso, há que anular o acórdão recorrido.

Quanto aos recursos para o Tribunal Geral

58

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento ou decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

59

No caso, o Tribunal de Justiça entende que dispõe de todos os elementos necessários para decidir por si mesmo da admissibilidade do recurso interposto no Tribunal Geral pela Marquis Energy.

60

No caso presente, para demonstrar que o regulamento controvertido lhe dizia diretamente respeito, a Marquis Energy alega, por um lado, que tinha sido identificada nesse regulamento como produtor‑exportador e incluída na amostra dos produtores‑exportadores e, por outro, que os direitos antidumping serão aplicados às suas exportações futuras.

61

Contudo, como resulta dos n.os 44 a 57 do presente acórdão, esses elementos não bastam para demonstrar que o regulamento controvertido dizia diretamente respeito à Marquis Energy, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

62

Deste modo, lembrando que cabia à Marquis Energy demonstrar que o regulamento controvertido lhe dizia respeito não só individualmente mas também diretamente, uma vez que esses dois pressupostos são cumulativos (v., neste sentido, Acórdãos de 3 outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 76, e de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.o 93), há que julgar procedente a exceção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho e julgar inadmissível o recurso de anulação do regulamento controvertido.

Quanto às despesas

63

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, este decidirá igualmente sobre as despesas.

64

De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de segunda instância por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

65

Tendo o Conselho pedido a condenação da Marquis Energy nas despesas e tendo esta sido vencida há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho relativas ao presente recurso. Por outro lado, tendo sido negado integralmente provimento ao recurso da Marquis Energy no Tribunal Geral, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho relativas ao processo em primeira instância.

66

Por força do disposto no artigo 140, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de segunda instância por força do seu artigo 184.o, n.o 1, os Estados‑Membros e as instituições que intervierem no litígio suportam as suas próprias despesas.

67

A Comissão suportará as suas próprias despesas nos processos de primeira e de segunda instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

É anulado o Acórdão do Tribunal da União Europeia de 9 de junho de 2016, Marquis Energy/Conselho (T‑277/13, não publicado, EU:T:2016:343).

 

2)

Julga‑se inadmissível o recurso de anulação interposto pela Marquis Energy LLC.

 

3)

A Marquis Energy LLC é condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho da União Europeia relativas aos processos de primeira e de segunda instância.

 

4)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas nos processos de primeira e segunda instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

Top