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Document 62016CJ0438

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 19 de setembro de 2018.
    Comissão Europeia contra República Francesa e IFP Énergies nouvelles.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílio de Estado — Regime de auxílios executado pela França — Garantia ilimitada do Estado conferida ao Institut Français du Pétrole (IFP) através da concessão do estatuto de estabelecimento público de natureza industrial e comercial (EPIC) — Decisão que declara essa medida parcialmente não constitutiva de um auxílio de Estado e parcialmente constitutiva de um auxílio de Estado compatível com o mercado interno, sob reserva do respeito de determinadas condições — Conceito de “regime de auxílios” — Presunção de existência de uma vantagem — Ónus e nível da prova.
    Processo C-438/16 P.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:737

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    19 de setembro de 2018 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílio de Estado — Regime de auxílios executado pela França — Garantia ilimitada do Estado conferida ao Institut Français du Pétrole (IFP) através da concessão do estatuto de estabelecimento público de natureza industrial e comercial (EPIC) — Decisão que declara essa medida parcialmente não constitutiva de um auxílio de Estado e parcialmente constitutiva de um auxílio de Estado compatível com o mercado interno, sob reserva do respeito de determinadas condições — Conceito de “regime de auxílios” — Presunção de existência de uma vantagem — Ónus e nível da prova»

    No processo C‑438/16 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 4 de agosto de 2016,

    Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e D. Grespan, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    República Francesa, representada por D. Colas e J. Bousin, na qualidade de agentes,

    IFP Énergies nouvelles, com sede em Rueil‑Malmaison (França), representada por E. Morgan de Rivery e E. Lagathu, avocats,

    recorrentes em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 28 de setembro de 2017,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de dezembro de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de maio de 2016, França e IFP Énergies nouvelles/Comissão (T‑479/11 e T‑157/12, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2016:320), na parte em que, através desse acórdão, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o, n.os 3 a 5, bem como os artigos 2.o a 12.o da Decisão 2012/26/UE da Comissão, de 29 de junho de 2011, relativa ao auxílio estatal C 35/08 (ex NN 11/2008) concedido pela França ao estabelecimento público «Institut Français du Pétrole» (JO 2012, L 14, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

    Quadro jurídico

    2

    O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), em vigor à data dos factos em causa, tinha a seguinte redação:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Auxílio”, qualquer medida que satisfaça os critérios fixados no n.o 1 do artigo [107.o TFUE];

    […]

    c)

    “Novo auxílio”, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;

    d)

    “Regime de auxílios”, qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido;

    e)

    “Auxílio individual”, um auxílio que não seja concedido com base num regime de auxílios ou que seja concedido com base num regime de auxílios, mas que deva ser notificado;

    […]»

    3

    No ponto 1.2 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos [107.o] e [108.o TFUE] aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2008, C 155, p. 10, a seguir «comunicação relativa às garantias»), sob a epígrafe «Tipos de garantia», prevê:

    «Na sua forma mais comum, as garantias estão associadas a um empréstimo ou a outra obrigação financeira de um mutuário face a um mutuante. As garantias podem ser concedidas particularmente ou no âmbito de um regime.

    Podem contudo existir diversas formas de garantia, em função do respetivo fundamento jurídico, do tipo de operação coberta, da sua duração, etc. Sem que esta lista seja exaustiva, podem identificar‑se as seguintes formas de garantia:

    […]

    garantias ilimitadas, em oposição às garantias limitadas em termos de montante e/ou tempo: a Comissão considera igualmente como auxílio sob forma de garantia as condições de financiamento mais favoráveis obtidas por empresas cujo estatuto jurídico exclui a possibilidade de falência ou insolvência ou prevê expressamente uma garantia estatal ou a cobertura de prejuízos pelo Estado. O mesmo sucede com a aquisição, por parte do Estado, de uma participação numa empresa, acompanhada da assunção de uma responsabilidade ilimitada em vez da responsabilidade limitada normal,

    […]»

    4

    O ponto 2.1 da comunicação relativa às garantias, com a epígrafe «Observações gerais», enuncia:

    «O n.o 1 do artigo [107.o TFUE] estipula que são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

    Estes critérios gerais aplicam‑se igualmente às garantias. Tal como acontece com outras formas de auxílio potenciais, as garantias dadas diretamente pelo Estado, nomeadamente pela Administração central, regional ou local, bem como as garantias dadas através de recursos estatais por outros organismos controlados pelo Estado, como empresas, e imputáveis à administração pública podem constituir auxílios estatais.

    A fim de evitar dúvidas, a noção de recursos estatais deverá ser esclarecida no que se refere às garantias estatais. A vantagem proporcionada por uma garantia estatal reside no facto de o risco associado à garantia ser assumido pelo Estado. Esta assunção do risco por parte do Estado deveria normalmente ser remunerada através de um prémio adequado. Quando o Estado renuncia ao pagamento da totalidade ou parte desse prémio, existe simultaneamente um benefício para a empresa e uma utilização de recursos do Estado. Deste modo, mesmo que se venha a verificar que o Estado não tem de efetuar qualquer pagamento por força da garantia, pode existir, não obstante, um auxílio estatal nos termos do n.o 1 do artigo [107.o TFUE]. O auxílio é concedido aquando da atribuição da garantia, e não aquando da sua execução ou da realização de pagamentos ao abrigo da garantia. O facto de a garantia constituir ou não um auxílio estatal e, em caso afirmativo, a determinação do montante desse auxílio, deverão ser apreciados no momento em que a garantia é concedida.

    […]»

    5

    Segundo o ponto 2.2 da comunicação relativa às garantias, sob a epígrafe «Auxílio ao mutuário»:

    «Normalmente, o beneficiário do auxílio é o mutuário. Tal como indicado no ponto 2.1, a assunção do risco deve normalmente ser remunerada por intermédio de um prémio adequado. Se o mutuário não for obrigado a pagar um prémio, ou pagar um prémio muito reduzido, obtém uma vantagem. Em comparação com uma situação sem garantia, a garantia estatal permite que o mutuário obtenha para o seu empréstimo melhores condições financeiras do que as normalmente disponíveis nos mercados financeiros. Regra geral, se beneficiar de uma garantia estatal, o mutuário pode obter taxas mais baixas e/ou fornecer menos garantias. Em alguns casos, o mutuário não poderia, sem uma garantia estatal, encontrar uma instituição financeira disposta a conceder‑lhe um empréstimo, quaisquer que fossem as condições. […]»

    Antecedentes do litígio e decisão impugnada

    6

    O IFP Énergies nouvelles (a seguir «IFPEN»), denominado, antes de 13 de julho de 2010, Institut Français du Pétrole, é um estabelecimento público francês, responsável, designadamente, por uma missão de investigação e desenvolvimento nos domínios da prospeção petrolífera e de gás, das tecnologias de refinação e petroquímica, por uma missão de formação de engenheiros e técnicos e por uma missão de informação e de documentação dos setores.

    7

    Até 2006, o IFPEN estava constituído sob a forma de pessoa coletiva de direito privado, colocada, em conformidade com a legislação nacional em vigor, sob o controlo económico e financeiro do Governo francês.

    8

    Por força da loi no 2005‑781, du 13 juillet 2005, de programme fixant les orientations de la politique énergétique (Lei de Programação n.o 2005‑781, de 13 de julho de 2005, que fixa as orientações da política energética) (JORF de 14 de julho de 2005, p. 11570), o IFPEN foi transformado, com efeitos a partir de 6 de julho de 2006, num estabelecimento público de natureza industrial e comercial (a seguir «EPIC»).

    9

    Segundo o direito francês, os EPIC dispõem de personalidade jurídica distinta do Estado, de autonomia financeira e de competências materiais especiais, que incluem geralmente o exercício de uma ou de várias missões de serviço público. Enquanto pessoas coletivas de direito público, estes estabelecimentos não estão abrangidos pelas normas gerais sobre os processos de insolvência, por força do princípio geral da impenhorabilidade dos bens públicos.

    10

    Tendo as especificidades do estatuto jurídico dos EPIC chamado a atenção da Comissão, esta examinou, na sua Decisão 2010/605/UE, de 26 de janeiro de 2010, relativa ao auxílio estatal C 56/07 (ex E 15/05) concedido pela França à la Poste (JO 2010, L 274, p. 1, a seguir «Decisão “La Poste”»), este estatuto à luz das regras que regulam os auxílios de Estado na União Europeia. A este respeito, após ter constatado que, pelo seu estatuto, os EPIC beneficiavam de uma garantia implícita e ilimitada do Estado, a Comissão considerou que, naquele caso, essa garantia constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ao permitir à la Poste obter condições de financiamento mais favoráveis do que as que teria obtido se tivesse sido avaliada exclusivamente com base nos seus próprios méritos.

    11

    Foi no contexto do procedimento que conduziu à adoção da Decisão «La Poste» que, em 2006, as autoridades francesas informaram a Comissão da transformação do IFPEN de pessoa coletiva de direito privado em EPIC. Esta informação foi transmitida à Comissão no âmbito de um procedimento, iniciado em 2005, de investigação, à luz das regras que regulam os auxílios de Estado, de um financiamento público atribuído ao IFPEN pelas autoridades francesas.

    12

    A Comissão decidiu então separar a investigação da questão de saber se a transformação do IFPEN em EPIC podia constituir um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE da investigação do financiamento público do IFPEN. Deste modo, por um lado, em 16 de julho de 2008, pôs termo à investigação do financiamento público concedido ao IFPEN através da adoção da Decisão 2009/157/CE, relativa à medida de auxílio executada pela França a favor do grupo IFP [C 51/05 (ex NN 84/05)] (JO 2009, L 53, p. 13)]. Por outro lado, no mesmo dia, por decisão publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2008, C 259, p. 12), decidiu iniciar um procedimento formal de investigação da garantia ilimitada do Estado a favor do IFPEN e convidou as partes interessadas a apresentar observações.

    13

    Em 29 de junho de 2011, a Comissão adotou a decisão impugnada.

    14

    Nessa decisão, a Comissão considerou, em primeiro lugar, com base num raciocínio análogo ao que tinha desenvolvido na decisão «La Poste», que a transformação do IFPEN em EPIC tinha conferido a este estabelecimento, a partir de 6 de julho de 2006, o benefício de uma garantia ilimitada e implícita do Estado.

    15

    A este respeito, a Comissão salientou, em substância, que as especificidades ligadas ao estatuto de EPIC implicavam que o Estado desempenhasse um papel de fiador em última instância do reembolso dos créditos do IFPEN. Desta forma, havia simultaneamente uma vantagem para esse estabelecimento e uma utilização dos recursos públicos, uma vez que o Estado renunciava à remuneração que normalmente acompanha as garantias. Além disso, a garantia criava um risco de compromisso potencial e futuro para os recursos do Estado, podendo este último ser obrigado a pagar as dívidas do IFPEN.

    16

    Em segundo lugar, a Comissão precisou que a garantia ilimitada do Estado que decorre do estatuto de EPIC do IFPEN podia constituir um auxílio de Estado, porquanto abrangia atividades económicas deste. Por conseguinte, decidiu limitar o alcance da sua investigação sobre a existência de um auxílio de Estado unicamente às atividades de natureza económica desempenhadas pelo IFPEN.

    17

    Em terceiro lugar, a Comissão examinou a questão de saber se essa garantia implícita e ilimitada dava uma vantagem seletiva ao IFPEN, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras, com os fornecedores e com os clientes.

    18

    Antes de mais, no que se refere às relações com as instituições bancárias e financeiras, a Comissão concluiu que este estabelecimento não tinha retirado vantagem económica real da garantia do Estado inerente ao seu estatuto de EPIC durante o período compreendido entre a sua transformação em EPIC, em julho de 2006, e o fim de 2010 (a seguir «período considerado»). No entanto, esta instituição sublinhou que tal conclusão só era válida para o passado, na medida em que ela não podia presumir comportamentos futuros dos operadores de mercado nem a evolução da sua perceção do impacto da garantia do Estado sobre o risco de incumprimento do IFPEN.

    19

    Em seguida, quanto às relações com os fornecedores, a Comissão concluiu que o IFPEN tinha beneficiado de uma vantagem económica real, que consistiu numa redução dos preços praticados pelos seus fornecedores. Essa redução dos preços resultou de uma apreciação mais favorável, por estes últimos, do risco de incumprimento de pagamento do IFPEN, dado que este não podia ser sujeito a liquidação judicial por força do seu estatuto de EPIC. A este respeito, a Comissão considerou, em substância, que na falta de uma garantia do Estado, um fornecedor que desejasse beneficiar de uma garantia comparável devia recorrer aos serviços de uma instituição de crédito ou de seguros especializada. Portanto, a redução dos preços podia ser considerada em termos de custos da cobertura do risco equivalente.

    20

    Por último, no que se refere às relações com os clientes, a Comissão considerou que, tendo em conta a garantia dada pelo Estado ao IFPEN, os seus clientes tinham a certeza de que este último nunca se encontraria em situação de liquidação judicial e, portanto, estaria sempre em condições de cumprir as suas obrigações contratuais ou, na hipótese de o não fazer, tinham a garantia de serem indemnizados por esse incumprimento. Ora, na falta dessa garantia, um cliente que quisesse beneficiar do mesmo nível de proteção teria que subscrever uma garantia de boa execução junto de um intermediário financeiro. Consequentemente, o IFPEN tinha beneficiado de uma vantagem económica real, que consistiu no não pagamento de um prémio correspondente a uma garantia de boa execução ou, pelo menos, de uma garantia de melhores esforços, vantagem esta que pôde oferecer aos seus clientes.

    21

    A Comissão considerou que a vantagem económica que o IFPEN retirou da garantia do Estado era seletiva, na medida em que os concorrentes do IFPEN, sujeitos a processos de insolvência de direito comum, não beneficiavam de uma garantia do Estado comparável.

    22

    Em quarto e último lugar, a Comissão examinou a compatibilidade deste auxílio de Estado tendo em conta as regras expostas no enquadramento comunitário dos auxílios de Estado à investigação, ao desenvolvimento e à inovação (JO 2006, C 323, p. 1). Concluiu que o auxílio estatal concedido ao «grupo IFPEN» era compatível com o mercado interno, sob reserva de algumas condições, precisadas na decisão impugnada.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    23

    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 9 de setembro de 2011 (processo T‑479/11) e 5 de abril de 2012 (processo T‑157/12), a República Francesa e o IFPEN interpuseram recursos de anulação da decisão impugnada.

    24

    Em apoio dos seus recursos, a República Francesa e o IFPEN acusaram a Comissão de ter violado o ónus da prova que lhe incumbe em matéria de auxílios estatais e de ter interpretado erradamente o conceito de «vantagem seletiva», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    25

    Por despacho de 2 de dezembro de 2013, o Tribunal Geral suspendeu a instância nos processos T‑479/11 e T‑157/12 até à prolação do Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C‑559/12 P, relativo à legalidade da decisão «La Poste».

    26

    Em 3 de abril de 2014, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217).

    27

    Por decisão de 8 de setembro de 2015, o Tribunal Geral ordenou a apensação dos processos T‑479/11 e T‑157/12 para efeitos da fase oral e da decisão que põe termo à instância.

    28

    Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral concedeu provimento parcial aos recursos interpostos pela República Francesa e pelo IFPEN nestes processos e anulou a decisão impugnada, na medida em que esta tinha qualificado de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a garantia que decorre do estatuto de EPIC do IFPEN e tinha determinado as consequências dessa qualificação. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso quanto ao mais.

    29

    Os fundamentos do acórdão recorrido, pertinentes para o presente recurso, são, em substância, os seguintes.

    30

    Antes de mais, o Tribunal Geral explicou, nos n.os 78 a 89 do acórdão recorrido, que o método escolhido pela Comissão para determinar a existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE — que consiste em examinar o benefício que o IFPEN retirou do seu estatuto de EPIC nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras, bem como com os fornecedores e os clientes ‑ não estava errado.

    31

    No entanto, o Tribunal Geral salientou, no n.o 90 deste acórdão, que a forma como a Comissão tinha aplicado este método no caso em apreço apresentava graves falhas, em particular no que respeita à definição da pretensa vantagem que o IFPEN teria retirado da garantia ilimitada do Estado, inerente ao seu estatuto de EPIC, nas suas relações com os fornecedores e os clientes. Em especial, no n.o 94 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que a conclusão da Comissão de que esta garantia tinha dado origem a uma «vantagem económica real» a favor do IFPEN assentava num raciocínio puramente hipotético.

    32

    Assim, por um lado, no que respeita às relações entre o IFPEN e os seus fornecedores, o Tribunal Geral constatou, no n.o 95 do mesmo acórdão, que, segundo a Comissão, a vantagem que este estabelecimento pôde retirar da garantia ilimitada do Estado consistia numa redução dos preços que os seus fornecedores lhe tinham atribuído em virtude da falta de risco de incumprimento.

    33

    Todavia, no n.o 99 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou que nenhum elemento provava a existência, no mercado em causa ou na vida comercial em geral, de um fenómeno de redução de preços concedida, pelos respetivos fornecedores, aos estabelecimentos que gozassem de uma garantia do Estado contra o risco de insolvência.

    34

    Por outro lado, quanto às relações entre o IFPEN e os seus clientes, o Tribunal Geral recordou, no n.o 111 deste acórdão, que a Comissão tinha definido a vantagem que este estabelecimento tinha podido retirar da garantia do Estado inerente ao seu estatuto como o não pagamento de um prémio correspondente a uma garantia de boa execução ou, pelo menos, de melhores esforços, vantagem esta que esse estabelecimento pôde proporcionar aos seus clientes.

    35

    Contudo, o Tribunal Geral considerou, no n.o 114 do referido acórdão, que esse raciocínio pressupunha que, em condições normais de mercado, os clientes dos institutos de investigação como o IFPEN recorrem a este tipo de garantias para se protegerem contra o risco de insolvência do seu cocontratante e que, perante uma garantia como aquela de que o IFPEN beneficia, os clientes deste último não têm necessidade de obterem, eles próprios, uma garantia equivalente.

    36

    Ora, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha fornecido nenhum elemento de prova suscetível de demonstrar o caráter fundamentado, ou provável, deste raciocínio.

    37

    Em seguida, nos n.os 133 a 181 deste acórdão, o Tribunal Geral rejeitou os argumentos invocados pela Comissão em relação ao alcance e à aplicação da presunção de vantagem estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217).

    38

    A este respeito, o Tribunal Geral observou, no n.o 136 do acórdão recorrido, que a possibilidade de recorrer a uma presunção como meio de prova depende da plausibilidade das hipóteses em que esta se funda e referiu, nos n.os 139 e 140 desse acórdão, que a presunção estabelecida no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), assentava na dupla premissa, que o Tribunal de Justiça tinha julgado plausível, a saber, a existência de uma influência favorável da garantia na apreciação, pelos credores, do risco de incumprimento por parte do beneficiário e uma diminuição do custo do crédito. Ora, o Tribunal Geral salientou que, pelo contrário, no presente processo, a Comissão não tinha fornecido, na decisão impugnada, nenhum elemento suscetível de demonstrar a plausibilidade destas hipóteses, nomeadamente o facto de o estatuto de EPIC do IFPEN poder incitar os fornecedores a aceitarem reduções de preço.

    39

    Assim, o Tribunal Geral salientou, no n.o 142 do seu acórdão, que a Comissão não podia invocar a presunção estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), para demonstrar a existência de uma vantagem nas relações do IFPEN com os seus fornecedores e mesmo com os seus clientes. Com efeito, essa presunção apenas permitia demonstrar a existência de uma vantagem que assume a forma de condições de crédito mais favoráveis e, por conseguinte, era aplicável apenas às relações entre um EPIC e as instituições financeiras e bancárias.

    40

    Nos n.os 162 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal Geral também se pronunciou sobre o argumento alegado pela Comissão, baseado na jurisprudência da União na matéria, segundo o qual, quando esta aprecia um regime de auxílios, pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, a fim de verificar se este regime inclui elementos de auxílio de Estado.

    41

    A este respeito, sem se pronunciar sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo IFPEN e a República Francesa contra este argumento, baseada no facto de a decisão impugnada não qualificar a garantia em causa de «regime de auxílios», o Tribunal Geral julgou improcedente o referido argumento.

    42

    Com efeito, embora o Tribunal Geral tenha considerado, no n.o 168 do acórdão recorrido, que a garantia associada ao estatuto de EPIC em geral está abrangida pelo conceito de «regime de auxílios», na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999, declarou, em contrapartida, nos n.os 169 a 172 deste acórdão, que a transformação do IFPEN em EPIC, na medida em que podia ser qualificada de «auxílio de Estado», constituía um auxílio concedido com base no regime de auxílios que deve ser notificado, ou seja, um auxílio individual na aceção do artigo 1.o, alínea e), desse regulamento.

    43

    Por último, no que se refere às relações entre o IFPEN e as instituições bancárias e financeiras, o Tribunal Geral salientou, no n.o 187 do acórdão recorrido, que a Comissão podia, em princípio, invocar a presunção estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217). No entanto, nos n.os 188 e 189 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que esta presunção tinha sido ilidida pela própria Comissão, que constatou, na decisão impugnada, que o IFPEN não retirou do seu estatuto de EPIC qualquer vantagem económica real sob a forma de condições de financiamento mais favoráveis que lhe teriam sido concedidas pelas instituições bancárias e financeiras. O Tribunal Geral concluiu, no n.o 190 deste acórdão, que o exame efetuado pela Comissão tinha demonstrado que o IFPEN não tinha retirado qualquer vantagem da sua transformação em EPIC nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras durante o período considerado.

    44

    No final do seu raciocínio, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 197 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha demonstrado, na decisão impugnada, a existência de uma vantagem que o IFPEN tivesse podido retirar da garantia do Estado associada ao seu estatuto de EPIC, tanto nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras como nas suas relações com os fornecedores e os clientes.

    45

    Consequentemente, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o, n.os 3 a 5, bem como os artigos 2.o a 12.o da decisão impugnada, através dos quais a Comissão tinha qualificado a garantia decorrente do estatuto de EPIC do IFPEN de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e determinado as consequências dessa qualificação.

    Pedidos das partes

    46

    A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    remeter o processo ao Tribunal Geral para nova apreciação;

    reservar para final a decisão quanto às despesas.

    47

    A República Francesa pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a Comissão nas despesas;

    48

    O IFPEN pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a Comissão na totalidade das despesas, incluindo as efetuadas no Tribunal Geral.

    Quanto ao presente recurso

    49

    A Comissão invoca três fundamentos de recurso.

    Quanto ao primeiro fundamento

    50

    Com o seu primeiro fundamento, dividido em três partes, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito ao proibi‑la de limitar a sua apreciação às características gerais do regime de auxílios em causa, e de ter concluído erradamente que a garantia de que beneficia o IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras não constitui um auxílio de Estado, baseando‑se na inexistência de uma vantagem real para este estabelecimento no passado (primeira e segunda partes). A Comissão acusa igualmente o Tribunal Geral de ter excedido os limites da sua fiscalização jurisdicional ao acolher uma acusação que não tinha sido alegada pelo IFPEN e que não tinha sido suficientemente esclarecida pela República Francesa (terceira parte).

    Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

    – Argumentos das partes

    51

    No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, dirigido contra os n.os 162 e 164, bem como contra os n.os 168 a 173 do acórdão recorrido, a Comissão alega que o Tribunal Geral declarou erradamente que a garantia de que beneficia o IFPEN não se enquadrava no conceito de «regime de auxílios» previsto no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999 e que, por conseguinte, esta não se podia basear nas características gerais dessa garantia para demonstrar que a mesma constitui um auxílio de Estado.

    52

    A este respeito, a Comissão salienta que este conceito de «regime de auxílios» abrange medidas que se caracterizam pelo facto de determinados elementos não estarem definidos e continuarem indeterminados no momento da sua adoção e, nalguns casos, mesmo durante a sua execução. Assim, quando a Comissão estuda o alcance de tais medidas para determinar se constituem auxílios na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pode limitar‑se a analisar as suas características gerais.

    53

    No caso em apreço, a Comissão entende que a garantia de Estado de que o IFPEN beneficia, que não está ligada a um projeto específico e que lhe foi concedida por um período de tempo e um montante indefinidos, deve ser qualificada de «regime de auxílios». Segundo a Comissão, trata‑se, em especial, de um «regime de regimes de auxílios», dado que a concessão da garantia a favor do IFPEN pertence, ela própria, a um regime de auxílios mais amplo, a saber, a garantia implícita e ilimitada do Estado associada pela lei ao estatuto de EPIC.

    54

    A Comissão contesta, portanto, as afirmações do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 168 a 170 do acórdão recorrido, segundo as quais a garantia associada ao estatuto de EPIC deve ser qualificada de «regime de auxílios», ao passo que o reconhecimento do estatuto de EPIC, com a concessão da garantia dele decorrente, constitui um auxílio individual que deve ser notificado à Comissão.

    55

    A este respeito, a Comissão salienta, por um lado, que, contrariamente à constatação que figura no n.o 171 do acórdão recorrido, a exigência de notificação do auxílio não prova de forma alguma que a garantia de que o IFPEN beneficia não constitui um regime de auxílios. Com efeito, tanto os regimes de auxílios como os auxílios individuais devem ser notificados à Comissão.

    56

    Por outro lado, a Comissão evidencia o facto de a interpretação do Tribunal Geral ter por efeito privá‑la da possibilidade de adotar medidas adequadas para exigir das autoridades francesas que ponham termo à garantia de um determinado EPIC. Com efeito, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 1, TFUE, a Comissão só pode propor medidas adequadas relativamente aos regimes de auxílios e não em relação aos auxílios individuais.

    57

    O IFPEN responde que a primeira parte do primeiro fundamento é manifestamente inadmissível, por duas ordens de razões.

    58

    A este respeito, o IFPEN observa, em primeiro lugar, que o raciocínio exposto pela Comissão assenta numa interpretação inédita do conceito de «regime de auxílios», segundo a qual a garantia de que o IFPEN beneficia é um «regime de regimes de auxílios». Assim, a primeira parte baseia‑se numa argumentação nova, que não pode ser admitida em sede de recurso, tendo em atenção o artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    59

    Em segundo lugar, o IFPEN salienta que, conforme reconheceu o próprio Tribunal Geral no n.o 164 do acórdão recorrido, a decisão impugnada não qualificou de «regime de regimes de auxílios» a concessão da garantia a favor do IFPEN. De facto, esta decisão foi adotada com base em regras de direito material e processual da União que excluem que a Comissão possa considerar que a medida examinada constitua um regime de auxílios.

    60

    Quanto ao mérito, o IFPEN e o Governo francês contestam a argumentação da Comissão.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    61

    Importa recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999, constitui um «regime de auxílios» qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido.

    62

    Por outro lado, o artigo 1.o, alínea e), do mesmo regulamento define o conceito de «auxílio individual» como qualquer auxílio que não seja concedido com base num regime de auxílios ou que seja concedido com base num regime de auxílios, mas que deva ser notificado.

    63

    Além disso, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de auxílios de Estado, a Comissão pode, no caso de um regime de auxílios, limitar‑se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico, para verificar se esse regime contém elementos de auxílio (Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato Venezia vuole vivere e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 130, e de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 122).

    64

    É à luz destas considerações que há que verificar se, conforme sustenta a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando declarou, nos n.os 169 a 172 do acórdão recorrido, que a garantia de que o IFPEN beneficia não constitui um regime de auxílios e que a Comissão não podia, por isso, basear‑se nas características gerais desta medida para demonstrar que ela constitui um auxílio de Estado.

    65

    A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral considerou, acertadamente, no n.o 169 do acórdão recorrido, que a medida apreciada na decisão impugnada não era, de maneira geral, a garantia associada ao estatuto de EPIC, mas, tal como decorre nomeadamente dos considerandos 21 a 24 dessa decisão, uma medida específica, a saber a transformação do IFPEN em EPIC.

    66

    Com efeito, é forçoso concluir que a medida em causa não contém nenhuma disposição com base na qual fosse possível conceder auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999. De facto, esta medida limita‑se a conceder a uma determinada pessoa coletiva, no caso o IFPEN, o benefício de uma garantia ilimitada e implícita do Estado associada ao estatuto de EPIC, que envolve a concessão a este operador dessa garantia.

    67

    Por conseguinte, e contrariamente ao que alega a Comissão, a referida medida não está abrangida pelo conceito de «regime de auxílios» previsto no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999.

    68

    Em segundo lugar, importa salientar, à semelhança do IFPEN, que, tendo a Comissão optado por analisar a medida em questão como um auxílio individual ad hoc, era à luz desta única qualificação que cabia ao Tribunal Geral examinar a validade da decisão impugnada.

    69

    Em particular, como recordou o Tribunal Geral no n.o 171 do acórdão recorrido, a Comissão referiu, nos considerandos 256 a 259 da decisão impugnada, que a transformação do IFPEN em EPIC constituía um novo auxílio na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999, sujeito à obrigação de notificação, e que, na medida em que a alteração do estatuto do IFPEN não lhe tinha sido formalmente notificada, mas apenas assinalada incidentalmente no âmbito de outro processo, esta obrigação não tinha sido respeitada pelas autoridades francesas, pelo que a transformação do IFPEN em EPIC constituía um auxílio ilegal.

    70

    Nestas circunstâncias, é forçoso concluir, como salientou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, no n.o 172 do acórdão recorrido, que, na medida em que a transformação do IFPEN em EPIC podia ser qualificada de «auxílio de Estado», constituía um auxílio concedido com base num regime de auxílios que devia ser notificado, isto é, um auxílio individual na aceção do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento n.o 659/1999.

    71

    Por outro lado, a argumentação da Comissão extraída do conceito de «regime de regimes de auxílios» não põe em causa esta conclusão, uma vez que, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 80 das suas conclusões, esse conceito não existe no Regulamento n.o 659/1999. A este respeito, o artigo 1.o deste último, que enumera as diferentes categorias de auxílios, limita‑se a definir os regimes de auxílios e os auxílios individuais, sem prever a possibilidade de uma medida abrangida pelo conceito de «regime de auxílios» prevista no artigo 1.o, alínea d), do referido regulamento poder, ela própria, pertencer a um regime de auxílios mais vasto.

    72

    O mesmo é válido para a argumentação da Comissão segundo a qual a qualificação da transformação do IFPEN em EPIC como «auxílio individual», estabelecida pelo Tribunal Geral, tinha por efeito privá‑la da possibilidade de adotar medidas adequadas, na aceção do artigo 108.o, n.o 1, TFUE, para exigir das autoridades francesas que pusessem termo à garantia de um determinado EPIC.

    73

    A este respeito, basta observar, tal como salientou o advogado‑geral no n.o 82 das suas conclusões, que as considerações do Tribunal Geral relativas à natureza do auxílio individual da medida analisada, que figuram nos n.os 169 a 172 do acórdão recorrido, se baseiam em circunstâncias específicas ligadas à transformação do IFPEN em EPIC e não são, em princípio, transponíveis para todos os estabelecimentos deste género.

    74

    Nestas condições, e sem que seja necessário apreciar a admissibilidade da primeira parte do primeiro fundamento, há, em todo o caso, que julgar improcedente esta parte.

    Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

    – Argumentos das partes

    75

    No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a garantia associada ao estatuto de EPIC não conferia uma vantagem ao IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras, baseando‑se unicamente na inexistência de uma vantagem real para este estabelecimento nas suas relações durante o período considerado.

    76

    A este respeito, a Comissão salienta, em primeiro lugar, que constituindo a medida em causa um regime de auxílios, o Tribunal Geral devia ter verificado se essa garantia era, tendo em conta as suas características gerais, suscetível de conferir uma vantagem ao IFPEN no futuro, e isto independentemente da inexistência de vantagem real em termos de condições de crédito durante o período considerado. A este título, a Comissão sublinha que examinou os efeitos reais da garantia durante esse período com o único objetivo de verificar se uma vantagem concreta se tinha concretizado durante o referido período e não para apurar se a garantia constituía ou não um auxílio de Estado, questão esta que dependia exclusivamente da apreciação dos potenciais efeitos dessa medida.

    77

    Por outro lado, segundo a Comissão, a abordagem adotada pelo Tribunal Geral significaria atribuir um tratamento mais favorável aos Estados‑Membros que não notifiquem a concessão de garantias ilimitadas relativamente aos Estados‑Membros que o fazem em conformidade com o artigo 108.o TFUE, quando, segundo um princípio constante em matéria de auxílios de Estado, os primeiros Estados‑Membros não podem ser favorecidos em detrimento dos segundos.

    78

    Com efeito, quando um Estado‑Membro notifica a sua intenção de conceder uma garantia deste género, a Comissão, uma vez que não pode conhecer os efeitos reais da medida, analisa apenas os seus efeitos potenciais. Se, em contrapartida, um Estado‑Membro concede tal garantia sem a notificar previamente, pode em seguida demonstrar que esta medida não produz nenhum efeito concreto e, consequentemente, excluir a sua qualificação como «auxílio de Estado». Consequentemente, os Estados‑Membros seriam incitados a não notificar a concessão de garantias ilimitadas.

    79

    Subsidiariamente, a Comissão alega que, mesmo que se pretenda considerar que a garantia de que beneficia o IFPEN não constitui um regime de auxílios mas sim um auxílio individual, o Tribunal Geral devia ter fundamentado o seu exame nos efeitos potenciais da garantia, ou seja, nos efeitos que esta medida era suscetível de produzir.

    80

    O IFPEN e o Governo francês contestam esta argumentação.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    81

    Importa desde logo referir que, tal como foi declarado no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a medida em causa não constitui um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999.

    82

    Assim, o Tribunal Geral concluiu acertadamente, no n.o 173 do acórdão recorrido, que a jurisprudência relativa às obrigações probatórias que impendem sobre a Comissão em matéria de regimes de auxílios não era aplicável neste caso.

    83

    Nestas condições, na medida em que a segunda parte do primeiro fundamento de recurso se baseia na premissa errada de que a medida em causa constitui um regime de auxílios, esta parte deve ser julgada improcedente.

    84

    Quanto à argumentação subsidiariamente evocada pela Comissão, importa examinar se, conforme salienta esta última, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que, para demonstrar a existência de uma vantagem do IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras, a Comissão não podia limitar a sua apreciação aos potenciais efeitos que a medida em causa era suscetível de produzir e que esta deveria ter apreciado igualmente os efeitos reais produzidos pela garantia associada ao estatuto de EPIC.

    85

    No entanto, esta argumentação decorre de uma leitura errada do acórdão recorrido.

    86

    Com efeito, nos n.os 79 e 182 deste acórdão, o Tribunal Geral constatou que, na decisão impugnada, a Comissão tinha reconhecido que, durante o período considerado, o IFPEN não tinha retirado nenhuma vantagem económica real da garantia associada ao seu estatuto de EPIC nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras. Em particular, o Tribunal Geral sublinhou que, no considerando 199 desta decisão, a Comissão tinha observado que a vantagem potencial que a empresa podia ter retirado da garantia ilimitada sob a forma de uma taxa de mercado mais favorável não se concretizou no período considerado.

    87

    Atendendo a esta constatação, o Tribunal Geral declarou, no n.o 188 do acórdão recorrido, que a presunção simples na aceção do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), de que a garantia implícita e ilimitada do Estado inerente ao estatuto de EPIC tem como consequência uma melhoria da posição financeira da empresa beneficiária em causa, tinha sido ilidida no presente caso.

    88

    Assim, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o Tribunal Geral não indicou, de modo algum, que esta devia ter verificado os efeitos reais da medida em causa no período considerado para demonstrar a existência de uma vantagem para o IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras. Com efeito, o Tribunal Geral limitou‑se a salientar que, uma vez que a própria Comissão tinha constatado a inexistência de efeitos reais nesse período, a presunção simples estabelecida pelo Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, tinha sido ilidida.

    89

    Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser afastada na totalidade.

    Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

    – Argumentos das partes

    90

    Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter decidido para além do que foi apresentado nas alegações das partes quanto à existência de uma vantagem para o IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras.

    91

    A este respeito, a Comissão salienta que a sua análise relativa à existência dessa vantagem não foi objeto de nenhuma crítica da parte do IFPEN na sua petição inicial em primeira instância. Por seu turno, a República Francesa limitou‑se a contestar a existência dessa vantagem apenas pelo facto de a Comissão não o ter demonstrado, sem alegar nenhum argumento em apoio dessa pretensão.

    92

    Por conseguinte, ao acolher uma acusação que não tinha sido suscitada por uma das recorrentes em primeira instância, nem suficientemente circunstanciada pela outra, o Tribunal Geral violou os limites da sua competência jurisdicional.

    93

    O IFPEN e o Governo francês contestam esta argumentação.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    94

    Importa sublinhar, desde já, que resulta dos n.os 58 e 185 do acórdão recorrido que a República Francesa contestou, no âmbito da primeira parte do seu terceiro fundamento no Tribunal Geral, as conclusões da Comissão, que constam da decisão impugnada, relativas à existência de uma vantagem para o IFPEN nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras.

    95

    Do mesmo modo, conforme foi salientado pelo advogado‑geral no n.o 92 das suas conclusões, o IFPEN contestou repetidamente, na sua petição inicial e na sua réplica apresentadas no Tribunal Geral, a análise da Comissão relativa à existência dessa vantagem.

    96

    Nestas condições, a terceira parte do primeiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

    97

    Não procedendo nenhuma das partes do primeiro fundamento, este deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao segundo fundamento

    Argumentos das partes

    98

    Com o seu segundo fundamento dirigido, em substância, contra os n.os 134 a 137 e 188 a 193 do acórdão recorrido, a Comissão acusa o Tribunal Geral, por um lado, de ter cometido um erro de direito no que respeita à definição do alcance da presunção de existência de uma vantagem estabelecida pelo Tribunal Geral no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), e, por outro, de ter erradamente declarado que esta presunção tinha sido, no caso em apreço, ilidida no que respeita às relações do IFPEN com as instituições bancárias e financeiras.

    99

    No âmbito deste fundamento, a Comissão recorda, em primeiro lugar, que não está, por força desse acórdão, obrigada a demonstrar os efeitos reais de uma garantia para provar a existência de uma vantagem na esfera jurídica da entidade que beneficia do estatuto de EPIC. Com efeito, ela pode apoiar‑se, a este respeito, numa presunção simples, decorrente da própria garantia.

    100

    Em seguida, a Comissão realça que o Tribunal Geral considerou, erradamente, nos n.os 188 a 192 do acórdão recorrido, que a presunção de vantagem tinha sido ilidida devido à inexistência de efeito real nas relações entre o IFPEN e as instituições bancárias e financeiras durante o período considerado, uma vez que esta última circunstância não era suficiente para ilidir essa presunção. Para provar que a referida presunção tinha sido ilidida, era preciso demonstrar que a garantia em questão não era suscetível, em razão das especificidades do IFPEN, de conferir uma vantagem a esse estabelecimento nas suas relações com os referidos operadores.

    101

    Por último, a Comissão conclui que, ao ter reduzido assim o alcance da presunção de vantagem, o Tribunal Geral violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, bem como as regras de prova da existência de uma vantagem na aceção desta disposição.

    102

    O IFPEN e a República Francesa contestam esta argumentação.

    103

    O IFPEN alega que o Tribunal Geral declarou corretamente que, neste caso, a Comissão não podia invocar a presunção que decorre do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217).

    104

    O IFPEN sublinha que esta presunção constitui uma exceção ao princípio de que incumbe à Comissão demonstrar que uma medida cumpre as condições para ser qualificada de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Essa presunção deve assim ser interpretada restritivamente e, por conseguinte, ser aplicada apenas quando seja plausível a existência de uma vantagem real.

    105

    O IFPEN acrescenta que, na decisão impugnada, a Comissão não precisou as razões pelas quais seria plausível presumir a existência de uma vantagem a favor do IFPEN. Consequentemente, a referida decisão não responde às exigências de fundamentação que decorrem do artigo 296.o TFUE.

    106

    Quanto a ilidir a presunção, o IFPEN observa que o Tribunal Geral salientou, com razão, nos n.os 189 a 192 do acórdão recorrido, que, durante o período considerado, este estabelecimento não tinha retirado nenhum benefício da garantia associada ao seu estatuto de EPIC nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras. Além disso, a Comissão não tinha fornecido nenhum elemento que permitisse identificar uma possível alteração da situação depois de 2010, que tivesse levado o IFPEN a contrair empréstimos de quantias em condições diferentes das do mercado.

    107

    Por seu turno, a República Francesa entende que o segundo fundamento da Comissão deve ser julgado improcedente. A este respeito, este Governo faz referência, em substância, aos argumentos desenvolvidos no âmbito da sua resposta à segunda parte do primeiro fundamento.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    108

    Importa salientar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que todas as seguintes condições estejam preenchidas. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53 e jurisprudência referida, e de 18 de maio de 2017, Fondul Proprietatea, C‑150/16, EU:C:2017:388, n.o 13).

    109

    No que respeita, em particular, à terceira destas condições, há que referir que, segundo jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça, consideram‑se auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, possam favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 65 e jurisprudência referida).

    110

    Importa sublinhar que, conforme salientou o Tribunal Geral no n.o 71 do acórdão recorrido, é à Comissão que cabe apresentar a prova da existência de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em especial, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos princípios em matéria de administração da prova no setor dos auxílios de Estado que a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de uma forma diligente e imparcial, de modo a dispor, quando da adoção de uma decisão final que conclua pela existência e, se for caso disso, pela incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis para tal (Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 63).

    111

    No entanto, resulta do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 98 e 99), que, no âmbito da referida apreciação, a Comissão pode invocar uma presunção simples segundo a qual a concessão de uma garantia implícita e ilimitada do Estado a favor de uma empresa que não está sujeita aos processos ordinários de recuperação e de liquidação tem por consequência uma melhoria da sua posição financeira através de uma diminuição dos encargos que, normalmente, oneram o seu orçamento. Assim, no âmbito de um procedimento relativo aos auxílios existentes, de modo a provar a vantagem conferida por essa garantia à empresa beneficiária, basta à Comissão demonstrar a própria existência desta garantia, sem precisar de demonstrar os efeitos reais produzidos pela mesma a partir do momento da concessão.

    112

    É à luz destas considerações que importa verificar se, conforme sustenta a Comissão, o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando definiu o alcance da presunção simples de existência de uma vantagem estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), e julgou, consequentemente, que esta tinha sido ilidida no caso em apreço.

    113

    A este respeito, há que salientar que, nos n.os 134 a 137 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou, em primeiro lugar, que a possibilidade de recorrer a uma presunção como meio de prova depende da plausibilidade das hipóteses em que se funda. Em particular, a presunção estabelecida no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), assenta na dupla premissa, julgada plausível pelo Tribunal de Justiça, de que, por um lado, a existência de uma garantia das autoridades públicas de um Estado‑Membro tem uma influência favorável na apreciação, pelos credores, do risco de incumprimento por parte do beneficiário desta garantia e, por outro, que esta influência favorável se traduz numa diminuição do custo do crédito.

    114

    Em segundo lugar, no que diz respeito às relações do IFPEN com as instituições bancárias e financeiras, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 188 a 190 do acórdão recorrido, que a presunção assim estabelecida pelo Tribunal de Justiça tinha sido ilidida, no caso em apreço, já que o exame efetuado pela Comissão tinha evidenciado que, durante o período considerado, o IFPEN não tinha retirado qualquer vantagem económica real da garantia associada ao seu estatuto de EPIC.

    115

    Ora, há que constatar que o raciocínio do Tribunal Geral exposto nos n.os 134 a 137 e 188 a 190 do seu acórdão padece de erros de direito.

    116

    De facto, conforme sublinhou, em substância, o advogado‑geral no n.o 123 das suas conclusões, o simples facto de o IFPEN beneficiar de uma garantia de Estado permitia à Comissão invocar a presunção de vantagem, conforme definida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), baseando‑se tal presunção na ideia de que, graças à garantia associada ao seu estatuto, um EPIC beneficia ou pode beneficiar de melhores condições financeiras do que as normalmente disponíveis nos mercados financeiros. Para invocar esta presunção, a Comissão não estava, portanto, obrigada a demonstrar os efeitos reais produzidos pela garantia em causa (v., neste sentido, Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 99).

    117

    Assim, embora essa presunção seja apenas uma presunção simples, e logo ilidível, a mesma só pode ser ilidida na medida em que se demonstre que, tendo em conta o contexto económico e jurídico em que se insere a garantia associada ao estatuto de EPIC em causa, este último não obteve no passado e, com toda a plausibilidade, não obterá no futuro qualquer vantagem económica real desta garantia.

    118

    Nestas condições, contrariamente às afirmações do Tribunal Geral constantes dos n.os 134 a 137 e 188 a 190 do acórdão recorrido, o simples facto de o beneficiário dessa garantia não ter retirado, no passado, qualquer vantagem económica real do seu estatuto de EPIC não basta, por si só, para ilidir a presunção de existência de uma vantagem.

    119

    Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou, erradamente, nos n.os 134 a 137 do acórdão recorrido, que a possibilidade de invocar a presunção estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), assentava na existência de efeitos reais na esfera jurídica do beneficiário da garantia e, em seguida, nos n.os 188 a 190 deste acórdão, que, no que respeita às relações do IFPEN com as instituições bancárias e financeiras, a referida presunção não tinha sido ilidida.

    120

    Atendendo às considerações expostas, há que julgar procedente o segundo fundamento.

    Quanto ao terceiro fundamento

    Argumentos das partes

    121

    Com o seu terceiro fundamento dirigido contra os n.os 134 a 161 do acórdão recorrido, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter concluído erradamente que ela não podia invocar uma presunção simples de existência de uma vantagem para o IFPEN no âmbito das suas relações com os seus fornecedores e os seus clientes.

    122

    Segundo a Comissão, essa conclusão do Tribunal Geral baseia‑se, em substância, por um lado, numa interpretação errada do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), e da comunicação relativa às garantias, e, por outro, numa pretensa falta de influência plausível da garantia sobre as relações do IFPEN com os seus fornecedores e com os seus clientes.

    123

    Em primeiro lugar, no que respeita à interpretação do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), a Comissão alega que não resulta, de modo algum, deste acórdão que a presunção de existência de uma vantagem não se possa aplicar às relações de um EPIC com os seus fornecedores e com os seus clientes. A este respeito, sublinha que a vantagem identificada pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão assenta em dois elementos, a saber, a melhoria das condições de crédito e o não pagamento, pelo EPIC, do prémio adequado correspondente à assunção de risco suportado pelo Estado. Ora, essas considerações também se aplicam às relações entre um EPIC, como o IFPEN, e os seus credores comerciais.

    124

    Por outro lado, o facto de o Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), e a comunicação relativa às garantias fazerem referência, no âmbito do exame da presunção de existência de uma vantagem, apenas aos créditos concedidos por instituições bancárias ou financeiras não exclui que a referida presunção possa ser igualmente aplicada no âmbito das relações entre um EPIC e os seus credores comerciais, na medida em que foi apenas a título de exemplo que o Tribunal de Justiça procedeu, neste acórdão, a essa referência.

    125

    Em segundo lugar, no que respeita à pretensa falta de influência plausível da garantia nas relações de um EPIC, como o IFPEN, com os seus fornecedores e os seus clientes, a Comissão salienta, antes de mais, que não se pode razoavelmente sustentar que os credores comerciais são, em geral, indiferentes ao reembolso dos seus créditos. Pelo contrário, em toda e qualquer operação de crédito, quer se trate de um crédito financeiro ou de um crédito comercial, o risco de incumprimento do reembolso é um elemento que pesa na relação entre os cocontratantes. Consequentemente, no caso em apreço, a segurança para um credor comercial do IFPEN de ser reembolsado do seu crédito pelo Estado em caso de incumprimento por parte deste último, reveste, em princípio, uma importância não negligenciável para este credor.

    126

    Em seguida, a Comissão observa que, no n.o 139 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a plausibilidade da hipótese de uma influência favorável da existência de uma garantia estatal nas relações do IFPEN com os seus fornecedores, que se traduzia numa redução dos preços concedidos a estes últimos, não se impunha por si só. Ora, segundo a Comissão, embora uma redução dos preços possa resultar de uma pluralidade de fatores e não só da existência de uma garantia associada ao estatuto de EPIC, não se deve contudo afastar a aplicação da presunção de existência de uma vantagem definida no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), em matéria de relação de um EPIC com os seus fornecedores.

    127

    O IFPEN responde que, através do seu terceiro fundamento, a Comissão pretende, na realidade, contestar as apreciações de facto e de prova formuladas pelo Tribunal Geral nos n.os 90 a 131 do acórdão recorrido. Por conseguinte, este fundamento deve ser declarado inadmissível.

    128

    Quanto ao mérito, o IFPEN e a República Francesa contestam a argumentação da Comissão.

    129

    O IFPEN observa que, na medida em que a concessão da garantia associada ao estatuto de EPIC constitui um auxílio individual e em que a presunção estabelecida pelo Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), não é aplicável neste caso, o Tribunal Geral concluiu corretamente, no n.o 129 do acórdão recorrido, que a Comissão devia examinar os efeitos reais da garantia, para demonstrar a existência de uma vantagem para o IFPEN.

    130

    Além disso, o IFPEN sustenta que, contrariamente ao que a Comissão alega no seu recurso, esta não identificou, na decisão impugnada, uma vantagem na esfera jurídica dos seus credores, designadamente dos seus fornecedores e dos seus clientes.

    131

    A este respeito, salienta que, na decisão impugnada e no seu recurso, a Comissão concluiu erradamente, por um lado, no que respeita às relações entre o IFPEN e os seus fornecedores, que estes últimos estão dispensados de pagar uma comissão de factoring para ceder os seus créditos ao IFPEN, uma vez que beneficiam da garantia implícita do Estado e, por outro, no que respeita às relações entre o IFPEN e os seus clientes, que, graças à garantia associada ao seu estatuto de EPIC, o IFPEN pôde oferecer aos seus clientes uma garantia de boa execução ou de melhores esforços. Assim, o Tribunal Geral considerou corretamente, respetivamente nos n.os 99 a 108 e 111 a 120 do acórdão recorrido, que a hipótese invocada pela Comissão, a respeito da pretensa vantagem para o IFPEN nas suas relações com os clientes e os fornecedores, era teórica e não plausível.

    132

    A República Francesa, por sua vez, entende que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito no que respeita à definição do âmbito de aplicação da presunção de existência de uma vantagem que decorre da garantia implícita e ilimitada do Estado. Com efeito, segundo este Estado‑Membro, foi com razão que o Tribunal Geral não alargou esta garantia às relações do EPIC com os seus fornecedores e os seus clientes.

    133

    A este respeito, a República Francesa recorda que a presunção estabelecida pelo Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014: 217), não se baseia numa hipótese relativa às relações do EPIC com os seus fornecedores ou os seus clientes, pelo que a Comissão não a podia invocar em tais circunstâncias.

    134

    De qualquer modo, como salientou o Tribunal Geral no n.o 136 do acórdão recorrido, a possibilidade de recorrer a tal presunção como meio de prova depende da plausibilidade das hipóteses em que esta se funda.

    135

    A este propósito, a decisão impugnada baseia‑se, por um lado, na hipótese de que o EPIC que beneficia de uma garantia do Estado aproveita uma redução dos preços concedidos pelos seus fornecedores. Ora, como o Tribunal Geral salientou, acertadamente, uma redução dos preços nas relações entre um fornecedor e o EPIC em causa assenta numa pluralidade de fatores, designadamente, o volume das encomendas realizadas, os prazos de pagamento aceites pelo fornecedor ou a antiguidade das relações contratuais. Por conseguinte, uma redução dos preços não resulta da existência de uma garantia das autoridades públicas em benefício do EPIC.

    136

    Por outro lado, no que respeita às relações entre o IFPEN e os seus clientes, o referido Estado‑Membro sustenta que o Tribunal Geral teve razão ao considerar, no n.o 141 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha definido, na decisão impugnada, a vantagem que decorria para o IFPEN da existência da garantia do Estado e que, consequentemente, a presunção que pretendia invocar era, a este respeito, desprovida de objeto. Com efeito, segundo a República Francesa, a Comissão não demonstrou de que forma a garantia implícita e ilimitada do Estado, inerente ao estatuto de EPIC, tinha como consequência uma melhoria da posição do IFPEN nas suas relações com os seus clientes.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    137

    A título preliminar, há que salientar que, contrariamente ao que sustenta o IFPEN, a Comissão não pretende, com o seu terceiro fundamento, contestar as apreciações de facto e de prova formuladas pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

    138

    Com efeito, através deste fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 134 a 160 do acórdão recorrido, que esta não podia invocar a presunção de existência de uma vantagem estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), para demonstrar a existência, para o IFPEN, nas relações deste com os seus fornecedores e clientes, de uma vantagem decorrente da garantia de Estado.

    139

    A este respeito, é verdade que, neste acórdão, o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente a existência de uma presunção simples de vantagem associada ao estatuto de um EPIC apenas no que respeita às relações que o mesmo pode manter com as instituições bancárias e financeiras. Todavia, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 168 das suas conclusões, não resulta do referido acórdão que essa presunção não possa, por princípio, aplicar‑se a outras relações do EPIC, nomeadamente às relações que mantém com os seus fornecedores e os seus clientes.

    140

    Antes de mais, contrariamente ao que referiu o Tribunal Geral no n.o 147 do acórdão recorrido, não se pode retirar nenhuma consideração útil do facto de, na Decisão «La Poste», que era contestada no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), a demonstração da existência de uma vantagem para o EPIC ter sido feita pela Comissão examinando apenas as relações deste com as instituições bancárias e financeiras, sem proceder a um exame das suas relações com os fornecedores e os clientes. Com efeito, essa circunstância não foi de modo algum salientada pelo Tribunal Geral nos n.os 94 a 99 deste último acórdão, nos quais foi estabelecida a presunção simples de vantagem ligada à garantia associada ao estatuto de EPIC.

    141

    Em seguida, quanto às consequências que o Tribunal Geral retirou, no n.o 152 do acórdão recorrido, da remissão para o Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV (C‑275/10, EU:C:2011:814), efetuada pelo Tribunal de Justiça no n.o 96 do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), há que sublinhar que, no primeiro destes acórdãos, o Tribunal de Justiça decidiu, no essencial, que os órgãos jurisdicionais nacionais eram competentes para anular, com fundamento no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma garantia do Estado, numa situação em que um auxílio ilegal tinha sido executado através desta garantia, que tinha sido concedida por uma autoridade pública para cobrir um empréstimo concedido por uma sociedade financeira em proveito de uma empresa que não teria conseguido obter esse financiamento em condições normais de mercado.

    142

    No processo que deu origem ao Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV (C‑275/10, EU:C:2011:814), a qualificação da garantia prestada pela autoridade pública de «auxílio de Estado» a favor do mutuário não foi debatida no Tribunal de Justiça, uma vez que era facto assente que, no momento da constituição da referida garantia, o mutuário já se encontrava em dificuldades, de forma que, sem essa garantia, não teria conseguido obter um financiamento no mercado de capitais.

    143

    Assim, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 152 do acórdão recorrido, a remissão para este acórdão não fornece nenhuma indicação útil quanto ao alcance da presunção simples de vantagem estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217).

    144

    Do mesmo modo, no n.o 156 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não podia retirar nenhuma consequência quanto ao alcance da referida presunção da remissão efetuada pelo Tribunal de Justiça no n.o 97 do Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), nos pontos 1.2, 2.1 e 2.2 da comunicação relativa às garantias.

    145

    É certo que estes pontos da comunicação relativa às garantias se referem unicamente à vantagem que pode obter o beneficiário de uma garantia de Estado sob forma de condições de financiamento mais vantajosas, tais como uma taxa de empréstimos mais baixa ou exigências menos estritas em termos de garantia. No entanto, a remissão efetuada pelo Tribunal de Justiça para os referidos pontos da comunicação relativa às garantias justificava‑se à luz das circunstâncias do processo que deu origem ao Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), no qual apenas estava em causa a vantagem que o EPIC podia retirar da garantia decorrente do seu estatuto nas suas relações com as instituições bancárias e financeiras.

    146

    Por último, há que salientar que o argumento que o Tribunal Geral pretendeu extrair, no n.o 159 do acórdão recorrido, das observações feitas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), em especial no seu n.o 104, carece, no mínimo, de clareza. Com efeito, não se percebe de que forma é que essas observações confirmam, como o Tribunal Geral enunciou, que o meio de prova aligeirado aceite pelo Tribunal de Justiça para determinar se uma garantia implícita e ilimitada do Estado inerente ao estatuto de EPIC constitui uma vantagem económica é aplicável ao caso de um mutuário que, graças à referida garantia, beneficia de taxas de juro mais baixas ou pode prestar uma garantia menos elevada.

    147

    Nestas condições, é forçoso concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 160 do acórdão recorrido, que a presunção de existência de uma vantagem estabelecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), se confina às relações que implicam uma operação de financiamento, um empréstimo ou, mais amplamente, um crédito por parte do credor de um EPIC, nomeadamente as relações entre este EPIC e as instituições bancárias e financeiras.

    148

    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado procedente.

    149

    No entanto, cabe precisar que este acórdão também não pode ser interpretado no sentido de que a referida presunção pode ser alargada, de forma automática, às relações de um EPIC com os seus fornecedores e os seus clientes, sem que seja necessário examinar, previamente, se, atendendo ao comportamento dos ditos atores, a vantagem que o estabelecimento pode retirar é semelhante à vantagem que este retira das suas relações com as instituições bancárias e financeiras.

    150

    Com efeito, tal como se constatou no n.o 116 do presente acórdão, a presunção estabelecida no Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217), baseia‑se na hipótese de que, graças à garantia associada ao seu estatuto, o EPIC em causa beneficia ou poderia beneficiar de melhores condições financeiras do que as normalmente disponíveis nos mercados financeiros. Assim, a aplicação da referida presunção às relações do EPIC com os fornecedores e os seus clientes só se justifica na medida em que essas condições mais vantajosas se verifiquem igualmente nas relações com estes últimos nos mercados em causa.

    151

    Por conseguinte, quando a Comissão quer aplicar a referida presunção, deve examinar o contexto económico e jurídico em que se insere o mercado afetado pelas relações em questão. Em particular, a Comissão deve verificar se os comportamentos dos atores no mercado em causa justificam uma hipótese de vantagem análoga à existente nas relações do EPIC com as instituições bancárias e financeiras.

    152

    Resulta do exposto que o acórdão recorrido deve ser anulado na parte em que, através desse acórdão, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o, n.os 3 a 5, bem como os artigos 2.o a 12.o da decisão impugnada.

    Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

    153

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral.

    154

    Não estando o litígio em condições de ser julgado quanto aos argumentos subjacentes ao segundo e ao terceiro fundamentos, o Tribunal de Justiça deve remeter o processo ao Tribunal Geral para que esses fundamentos sejam apreciados.

    Quanto às despesas

    155

    Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, importa reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

     

    1)

    O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de maio de 2016, França e IFP Énergies nouvelles/Comissão (T‑479/11 e T‑157/12, EU:T:2016:320), é anulado na parte em que, através desse acórdão, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o, n.os 3 a 5, bem como os artigos 2.o a 12.o da Decisão 2012/26/UE da Comissão, de 29 de junho de 2011, relativa ao auxílio estatal C 35/08 (ex NN 11/2008) concedido pela França ao estabelecimento público «Institut Français du Pétrole».

     

    2)

    O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

     

    3)

    Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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