Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016CJ0436

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 28 de junho de 2017.
    Georgios Leventis e Nikolaos Vafeias contra Malcon Navigation Co. Ltd e Brave Bulk Transport Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Areios Pagos.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 23.o — Cláusula atributiva de jurisdição — Cláusula de extensão de competência que figura num contrato celebrado entre duas sociedades — Ação de indemnização — Responsabilidade solidária dos representantes de uma destas sociedades por atos ilícitos — Invocabilidade desta cláusula pelos referidos representantes.
    Processo C-436/16.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:497

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

    28 de junho de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 23.o — Cláusula atributiva de jurisdição — Cláusula de extensão de competência que figura num contrato celebrado entre duas sociedades — Ação de indemnização — Responsabilidade solidária dos representantes de uma destas sociedades por atos ilícitos — Invocabilidade desta cláusula pelos referidos representantes»

    No processo C‑436/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Areios Pagos (Tribunal de Cassação, Grécia), por decisão de 7 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de agosto de 2016, no processo

    Georgios Leventis,

    Nikolaos Vafeias

    contra

    Malcon Navigation Co. ltd.,

    Brave Bulk Transport ltd.,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente de secção, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo helénico, por A. Magrippi e S. Charitaki, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo espanhol, inicialmente, por A. Rubio González, e, em seguida, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Konstantinidis e M. Heller, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Georgios Leventis e Nikolaos Vafeias, representantes da Brave Bulk Transport ltd., sociedade de fretamento marítimo, à Malcon Navigation Co. ltd. (a seguir «Malcon Navigation»), a propósito de um pedido de indemnização apresentado por esta última contra, solidariamente, a Brave Bulk Transport e contra G. Leventis e N. Vafeias, pedido de indemnização relativamente ao qual é contestada a competência dos tribunais helénicos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Nos termos do considerando 11 do Regulamento Bruxelas I:

    «As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. […]»

    4

    Sob o capítulo II deste regulamento, intitulado «Competência», o artigo 2.o, que figura na secção 1, intitulada «Disposições gerais», enuncia, no n.o 1:

    «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

    5

    O artigo 6.o do referido regulamento, que figura na secção 2, sob a epígrafe «Competências especiais», do capítulo II do mesmo, prevê:

    «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada:

    1)

    Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente;

    [...]»

    6

    A secção 7 deste capítulo, intitulada «Extensão de competência», compreende nomeadamente o artigo 23.o, com a seguinte redação:

    «1.   Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

    a)

    Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

    b)

    Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

    c)

    No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

    [...]»

    7

    A secção 9 do mesmo capítulo II, intitulada «Litispendência e conexão», inclui, nomeadamente, os artigos 27.° e 28.° O artigo 27.o dispõe:

    «1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

    2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

    8

    Nos termos do artigo 28.o do Regulamento Bruxelas I:

    «1.   Quando ações conexas estiverem pendentes em tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar pode suspender a instância.

    2.   Se essas ações estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar pode igualmente declarar‑se incompetente, a pedido de uma das partes, se o tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar for competente e a sua lei permitir a apensação das ações em questão.

    3.   Para efeitos do presente artigo, consideram‑se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.»

    9

    Os artigos 33.° a 37.° do Regulamento Bruxelas I disciplinam o reconhecimento de decisões. O artigo 33.o deste regulamento estabelece o princípio segundo o qual as decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas sem que seja necessário recorrer a um processo particular. Os artigos 34.° e 35.° do referido regulamento enunciam os motivos pelos quais uma decisão proferida num Estado‑Membro pode excecionalmente não ser reconhecida noutro Estado‑Membro.

    10

    Neste contexto, o artigo 34.o do mesmo regulamento dispõe:

    «Uma decisão não será reconhecida:

    [...]

    3)

    Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado‑Membro requerido;

    4)

    Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em ação com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado‑Membro requerido.»

    Direito helénico

    11

    Segundo o artigo 71.o do Código Civil:

    «A pessoa coletiva é responsável pelos atos ou omissões dos órgãos que a representam, quando o ato ou omissão se tiver verificado no exercício de funções que lhes foram confiadas e implicar uma obrigação de indemnização. Além disso, a pessoa em causa é solidariamente responsável.»

    12

    No capítulo 39 deste código, intitulado «Atos ilícitos», o artigo 926.o, sob a epígrafe «Prejuízo causado por várias pessoas», prevê:

    «Se um prejuízo decorrer de um ato cometido conjuntamente por várias pessoas ou se várias pessoas forem paralelamente responsáveis pelo mesmo dano, todas são solidariamente responsáveis. O mesmo se diga quando várias pessoas agirem simultaneamente ou sucessivamente e não for possível determinar qual a pessoa cujo ato causou o prejuízo.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    13

    Decorre do conjunto de informações à disposição do Tribunal de Justiça que a Malcon Navigation, sociedade com sede legal em Malta e cuja sede efetiva se situa em Amarousio (Grécia), é proprietária de um navio que arvora pavilhão de Malta, denominado Sea Pride, cuja gestão é assegurada pela Hellenic Star Shipping Company SA, sociedade com sede no Panamá e que dispõe também de um escritório em Amarousio.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio refere também que a Brave Bulk Transport tem a sua sede legal em Malta e a sua sede efetiva em Amarousio, que G. Leventis é o único membro do conselho de administração e o representante legal desta sociedade e que N. Vafeias é o único diretor‑geral e o representante efetivo. G. Leventis e N. Vafeias (a seguir «representantes da Brave Bulk Transport») residem, respetivamente, no Pireu e em Kifisia (Grécia).

    15

    Em 9 de junho de 2006, a Malcon Navigation celebrou um contrato de fretamento com a Brave Bulk Transport, pelo qual a primeira fretou à segunda o navio Sea Pride. A Brave Bulk Transport subfretou seguidamente este navio ao Ministério do Comércio iraquiano, para o transporte de um carregamento de trigo de Hamburgo (Alemanha) para o Iraque.

    16

    O navio foi restituído com um atraso de cinco meses em relação ao prazo previsto no contrato de fretamento.

    17

    Em 17 de fevereiro de 2007, a Malcon Navigation desencadeou um processo de arbitragem em Londres (Reino Unido) contra a Brave Bulk Transport, para obter uma indemnização a título de sobre‑estadia e pelo frete devido.

    18

    Por seu lado, a Brave Bulk Transport intentou uma ação de indemnização contra o Estado iraquiano, uma vez que o atraso na restituição do navio à Malcon Navigation era devido ao atraso do Estado iraquiano na restituição deste navio.

    19

    Em 14 de novembro de 2007, a Malcon Navigation e a Brave Bulk Transport assinaram uma convenção particular que previa que a arbitragem em curso seria suspensa durante seis meses, que a Brave Bulk Transport informaria a Malcon Navigation do desenvolvimento do processo intentado contra o Estado iraquiano e que, em caso de compromisso com este último, a Malcon Navigation receberia pelo menos 20% do montante pago pelo Estado iraquiano à Brave Bulk Transport. O artigo 10.o da referida convenção estipulava que a mesma era «regulada pelo direito inglês», ficava submetida à «competência judiciária dos tribunais ingleses» e que «qualquer litígio derivado da mesma ou relativo à mesma [seria] da competência exclusiva da High Court of Justice (England & Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)]».

    20

    Em novembro de 2008, a Malcon Navigation tomou conhecimento do facto de que a Brave Bulk Transport tinha celebrado, em 20 de maio de 2008, um acordo amigável com o Estado iraquiano e recebido o montante previsto nesse acordo. A Malcon Navigation prosseguiu então com o processo de arbitragem e, em 29 de setembro de 2009, obteve uma sentença arbitral que lhe concedia uma indemnização.

    21

    A Malcon Navigation acusa ainda os representantes da Brave Bulk Transport de terem privado esta dos seus ativos, impedindo assim a Malcon Navigation de receber essa indemnização.

    22

    Em 22 de setembro de 2010, a Malcon Navigation intentou uma ação de indemnização no Polymeles Protodikeio Peiraios (Tribunal de Primeira Instância do Pireu, Grécia) contra a Brave Bulk Transport e os seus representantes, com fundamento nos artigos 71.° e 926.° do Código Civil, alegando serem os demandados solidariamente responsáveis pela prática de atos ilícitos. Por força da cláusula de extensão de competência que figura na convenção de 14 de novembro de 2007, este tribunal julgou a ação improcedente relativamente à Brave Bulk Transport. Contudo, no que respeita aos representantes desta última, o tribunal declarou‑se competente e julgou o pedido procedente.

    23

    O Efeteio Peiraios (Tribunal de Recurso do Pireu, Grécia), para o qual os representantes da Brave Bulk Transport tinham interposto recurso da decisão do Polymeles Protodikeio Peiraios (Tribunal de Primeira Instância do Pireu), confirmou a posição adotada por este último no que diz respeito às questões de competência.

    24

    Por requerimento de 31 de julho de 2014, os representantes da Brave Bulk Transport interpuseram recurso de cassação no Areios Pagos (Tribunal de Cassação, Grécia).

    25

    O órgão jurisdicional de reenvio alega que os tribunais de primeira instância e de recurso se declararam competentes para conhecer do litígio no processo principal no que respeita aos representantes da Brave Bulk Transport, com o fundamento de que, do seu ponto de vista, estes representantes, que não eram partes na convenção de 14 de novembro de 2007, não estavam vinculados pela cláusula de extensão de competência que figurava nessa convenção.

    26

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que resulta do artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um pacto atributivo de jurisdição, em princípio, apenas é oponível entre as partes que o celebraram, mas que, a título excecional, é possível invocá‑lo a favor ou contra uma parte no litígio que era um terceiro no momento da sua celebração.

    27

    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, por outro lado, que, se houver vários requeridos, o artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento dispõe que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente. Ora, este órgão jurisdicional considera que existe um risco análogo na hipótese de um dos vários requeridos consentir numa extensão de competência.

    28

    Tendo em conta o que precede, o referido órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à justeza da apreciação das instâncias de mérito no que respeita ao alcance da cláusula atributiva de jurisdição que figura na convenção de 14 de novembro de 2007.

    29

    Nestas condições, o Areios Pagos (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «A cláusula [atributiva de jurisdição] convencionada [entre duas sociedades, a saber, a Malcon Navigation e a Brave Bulk Transport], nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento [Bruxelas I], e que, no caso em apreço, consta d[a] [convenção] particular de 14 de novembro de 2007, subscrit[a] [por ambas], cujo artigo 10.o dispõe que “[a] presente [convenção] é regulad[a] pelo direito inglês, fica submetid[a] à competência [judiciária] dos tribunais ingleses e qualquer litígio derivado d[a] mesm[a] ou relativo [à] mesm[a] é da competência exclusiva da High Court of Justice (England & Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)]”, abrange também, quanto aos atos e omissões dos órgãos [da Brave Bulk Transport] que a representam e pelos quais assume a responsabilidade, nos termos do artigo 71.o do Código Civil grego, as pessoas responsáveis que agiram no exercício das suas funções e que respondem, nos termos do mesmo artigo conjugado com o disposto no artigo 926.o do Código Civil grego, solidariamente com a sociedade enquanto pessoa coletiva?»

    Quanto à questão prejudicial

    30

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição inserida num contrato celebrado entre duas sociedades pode ser invocada pelos representantes de uma delas para contestar a competência de um órgão jurisdicional para conhecer de uma ação de indemnização com fundamento na sua responsabilidade solidária por atos pretensamente ilícitos cometidos no exercício das suas funções.

    31

    A título preliminar, importa recordar que, na medida em que o Regulamento Bruxelas I substitui, nas relações entre os Estados‑Membros, a Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção, a interpretação das disposições desta Convenção efetuada pelo Tribunal de Justiça é igualmente válida para as desse regulamento, quando as disposições destes instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes, o que é o caso no que diz respeito ao artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I, que sucedeu ao artigo 17.o, primeiro parágrafo, da referida Convenção (v., neste sentido, acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig,C‑222/15, EU:C:2016:525, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida).

    32

    Uma vez que a competência dos tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado constitui, no sistema do Regulamento Bruxelas I, o princípio geral enunciado no seu artigo 2.o, n.o 1, as regras de competência derrogatórias como as previstas no artigo 23.o do referido regulamento não podem dar origem a uma interpretação que vá além dos casos expressamente previstos pelo mesmo regulamento (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse,C‑347/08, EU:C:2009:561, n.os 37 e 39 e jurisprudência referida).

    33

    Ora, o artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I indica claramente que o seu âmbito de aplicação se limita aos casos em que as partes tiverem «convencionado» um tribunal. Como resulta do considerando 11 desse regulamento, é este acordo de vontades entre as partes que justifica o primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade, à escolha de uma jurisdição diferente daquela que teria sido eventualmente competente por força do referido regulamento (acórdãos de 21 de maio de 2015, El Majdoub,C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM,C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 24 e jurisprudência referida).

    34

    O Tribunal de Justiça indicou, assim, que o juiz chamado a pronunciar‑se tem a obrigação de analisar, in limine litis, se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que se deve manifestar de forma clara e precisa, tendo as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I por função, a este título, assegurar que o consenso seja efetivamente provado (acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig,C‑222/15, EU:C:2016:525, n.o 37 e jurisprudência referida).

    35

    Desse modo, uma cláusula atributiva de jurisdição inserida num contrato só pode, em princípio, produzir efeitos nas relações entre as partes que concordaram em celebrar esse contrato (acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide,C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 64 e jurisprudência referida).

    36

    No caso em apreço, a cláusula atributiva de jurisdição em causa no processo principal é oposta não por uma parte no contrato em que esta figura mas por terceiros a esse contrato.

    37

    Ora, além de os representantes da Brave Bulk Transport não terem manifestado a vontade de celebrar um pacto atributivo de jurisdição, a Malcon Navigation também não consentiu em ficar vinculada a estas pessoas por tal pacto.

    38

    Por outro lado, nem as partes no processo principal nem o órgão jurisdicional de reenvio apresentam elementos ou indícios que permitam considerar que os representantes da Brave Bulk Transport e a Malcon Navigation tenham, sob uma das formas previstas no artigo 23.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento Bruxelas I, celebrado um pacto atributivo de jurisdição incluindo uma cláusula de extensão de competência, como o que está em causa no processo principal.

    39

    No que diz respeito ao artigo 6.o do Regulamento Bruxelas I, relativo à competência judiciária em caso de pluralidade de demandados, importa realçar que as disposições do artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I, uma vez que excluem quer a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado, consagrado no artigo 2.o desse regulamento, quer as competências especiais dos artigos 5.° a 7.° deste regulamento, são de interpretação estrita quanto às condições nele estabelecidas (acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub,C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 25 e jurisprudência referida).

    40

    Em particular, ao celebrarem um pacto atributivo de jurisdição em conformidade com o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, as partes podem derrogar não só a competência geral prevista no artigo 2.o deste regulamento mas também as competências especiais previstas nos artigos 5.° e 6.° do mesmo. Assim, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se pode, em princípio, estar vinculado por uma cláusula atributiva de jurisdição que derrogue as competências previstas nos referidos artigos 5.° e 6.° que as partes tenham celebrado em conformidade com o artigo 23.o, n.o 1 (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide,C‑352/13, EU:C:2015:335, n.os 59 e 61).

    41

    Por fim, e para responder às preocupações suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o risco eventual de decisões contraditórias, importa recordar que o Regulamento Bruxelas I contém diferentes mecanismos destinados a prevenir tais situações.

    42

    Assim acontece, nomeadamente, com os artigos 27.° e 28.° do referido regulamento, relativos, respetivamente, às situações de litispendência e conexão, que permitem evitar a tomada de decisões contraditórias, e com o artigo 34.o, n.os 3 e 4, deste regulamento, que permite resolver tais situações.

    43

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição inserida num contrato celebrado entre duas sociedades não pode ser invocada pelos representantes de uma delas para contestar a competência de um órgão jurisdicional para conhecer de uma ação de indemnização com fundamento na sua responsabilidade solidária por atos pretensamente ilícitos cometidos no exercício das suas funções.

    Quanto às despesas

    44

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

     

    O artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição inserida num contrato celebrado entre duas sociedades não pode ser invocada pelos representantes de uma delas para contestar a competência de um órgão jurisdicional para conhecer de uma ação de indemnização com fundamento na sua responsabilidade solidária por atos pretensamente ilícitos cometidos no exercício das suas funções.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: grego.

    Top