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Document 62016CJ0383

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de outubro de 2017.
Vion Livestock BV contra Staatssecretaris van Economische Zaken.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven.
Reenvio prejudicial — Organização comum dos mercados — Proteção dos animais durante o transporte — Restituições à exportação — Regulamento (UE) n.° 817/2010 — Regulamento (CE) n.° 1/2005 — Obrigação de manter atualizada uma cópia do diário de viagem até à chegada dos animais ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final — Recuperação dos montantes indevidamente pagos.
Processo C-383/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:783

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de outubro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Organização comum dos mercados — Proteção dos animais durante o transporte — Restituições à exportação — Regulamento (UE) n.o 817/2010 — Regulamento (CE) n.o 1/2005 — Obrigação de manter atualizada uma cópia do diário de viagem até à chegada dos animais ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final — Recuperação dos montantes indevidamente pagos»

No processo C‑383/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Contencioso Administrativo Económico, Países Baixos), por decisão de 4 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2016, no processo

Vion Livestock BV

contra

Staatssecretaris van Economische Zaken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby (relator) e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de maio de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Vion Livestock BV, por H. A. Pasveer, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. Noort, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e E. Sebestyén, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Bouquet e B. Eggers, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 4, do artigo 8.o, n.o 2, e do Anexo II, n.os 3 e 7, do Regulamento (CE) n.o 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97 (JO 2005, L 3, p. 1; retificação no JO 2011, L 336, p. 86), e a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, e dos artigos 4.°, 5.° e 7.° do Regulamento (UE) n.o 817/2010 da Comissão, de 16 de setembro de 2010, que, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, estabelece normas específicas no que respeita às exigências associadas ao bem‑estar dos animais vivos da espécie bovina durante o transporte, para a concessão de restituições à exportação (JO 2010, L 245, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vion Livestock BV (a seguir «Vion») ao Staatssecretaris van Economische Zaken (Secretário de Estado dos Assuntos Económicos, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado»), a propósito da recuperação de restituições à exportação recebidas pela Vion a respeito da exportação de bovinos vivos para o Líbano.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1/2005

3

Segundo o considerando 11 do Regulamento n.o 1/2005, a fim de assegurar uma aplicação coerente e eficaz deste último em toda a União Europeia à luz do princípio de base nele estabelecido, segundo o qual os animais não devem ser transportados em condições suscetíveis de lhes causar lesões ou sofrimentos desnecessários, é conveniente prever disposições pormenorizadas que atendam às necessidades específicas relacionadas com os vários tipos de transporte.

4

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1/2005, que define o âmbito de aplicação deste regulamento, dispõe, no seu n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável ao transporte de animais vertebrados vivos dentro da [União], incluindo os controlos específicos a serem efetuados por funcionários às remessas que entrem ou saiam do território aduaneiro da [União].»

5

O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Obrigações de planeamento relativas ao transporte de animais», prevê, no seu n.o 4:

«Para as viagens de longo curso entre Estados‑Membros e entre estes e países terceiros de equídeos domésticos, com exceção dos equídeos registados, e de animais domésticos das espécies bovina, ovina, caprina e suína, os transportadores e os organizadores devem cumprir as disposições relativas ao diário de viagem previstas no [A]nexo II.»

6

O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Detentores», prevê, no seu n.o 2:

«Os detentores devem controlar todos os animais que cheguem a um local de trânsito ou de destino e determinar se os animais são ou foram submetidos a uma viagem de longo curso entre Estados‑Membros e entre estes e países terceiros. No caso das viagens de longo curso de equídeos domésticos, com exceção dos equídeos registados, e de animais domésticos das espécies bovina, ovina, caprina e suína, os detentores devem cumprir as disposições relativas ao diário de viagem previstas no [A]nexo II.»

7

O artigo 14.o do referido regulamento, intitulado «Controlos e outras medidas relacionadas com o diário de viagem a tomar pela autoridade competente antes das viagens de longo curso», dispõe, no seu n.o 1:

«No caso de viagens de longo curso entre Estados‑Membros e entre estes e países terceiros de [espécies abrangidas], a autoridade competente do local de partida deve:

a)

Efetuar os controlos necessários por forma a certificar‑se de que:

i)

Os transportadores indicados no diário de viagem possuem as autorizações válidas para transportadores, os certificados válidos de aprovação do meio de transporte para viagens de longo curso e os certificados de aptidão profissional válidos para condutores e tratadores;

ii)

O diário de viagem apresentado pelo organizador é realista e denota conformidade com o presente regulamento;

b)

Sempre que o resultado dos controlos previstos na alínea a) não seja satisfatório, exigir que o organizador altere as disposições referentes à viagem de longo curso prevista, por forma a torná‑la conforme com o presente regulamento;

c)

Sempre que o resultado dos controlos previstos na alínea a) seja satisfatório, apor um carimbo no diário de viagem;

[…]»

8

O Anexo II do Regulamento n.o 1/2005, sob a epígrafe «Diário de viagem», enuncia, nos seus n.os 1 a 3, 7 e 8:

«1.

Qualquer pessoa que planeie uma viagem de longo curso deve preparar, carimbar e assinar todas as páginas do diário de viagem em conformidade com as disposições do presente anexo.

2.

O diário de viagem deve compreender as seguintes secções:

Secção 1 — Planeamento;

Secção 2 — Local de partida;

Secção 3 — Local de destino;

Secção 4 — Declaração do transportador

Secção 5 — Modelo de relatório de anomalia.

[…]

3.

O organizador deve:

a)

Identificar cada diário de viagem com um número de identificação;

b)

Assegurar que, no prazo de dois dias úteis antes da partida, a autoridade competente do local de partida receba, nos moldes por ela definidos, uma cópia assinada da secção 1 do diário de viagem corretamente preenchida, exceto no que se refere aos números dos atestados veterinários;

[…]

e)

Assegurar que o diário de viagem acompanhe os animais durante a viagem até ao ponto de destino ou, em caso de exportação para um país terceiro, pelo menos, até ao ponto de saída.

[…]

7.

Se os animais forem exportados para um país terceiro, os transportadores devem entregar o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída.

Em caso de exportação de bovinos vivos com restituição, não é necessário preencher a secção 3 do diário de viagem se a legislação agrícola impuser um relatório.

8.

O transportador mencionado na secção 3 do diário de viagem deve conservar:

a)

Uma cópia do diário de viagem preenchido;

[…]

Os documentos referidos nas alíneas a) e b) devem ser facultados à autoridade competente que concedeu a autorização ao transportador e à autoridade competente do local de partida, a pedido desta, no prazo de 1 mês a contar do seu preenchimento, devendo ser conservados pelo transportador durante, pelo menos, 3 anos a contar da data do controlo.

Os documentos referidos na alínea a) devem ser enviados à autoridade competente do local de partida no prazo de 1 mês a contar do fim da viagem […]»

9

O apêndice do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 é constituído por várias secções, incluindo cada uma um formulário modelo. Na secção 3 deste apêndice figura um formulário intitulado «Local de destino». O n.o 4 desse formulário especifica os «controlos [a] efetua[r]» pelo «detentor [n]o local de destino/veterinário oficial» referido no n.o 1 do referido formulário. Um desses controlos — mencionado no n.o 4.5 do mesmo formulário — diz respeito a «[d]ados registados no diário de viagem e [a] limites do tempo de viagem». Além disso, a secção 4 do mesmo apêndice contém um formulário de declaração do transportador a preencher pelo condutor durante a viagem. Essa declaração deve indicar, no que respeita ao itinerário efetivo (pontos de repouso, transferência ou saída), os vários locais e endereços, as datas e horas de chegada e de partida, a duração das paragens e respetivos motivos, quaisquer motivos para eventuais diferenças entre o itinerário efetivo e o previsto e quaisquer outras observações, e o número e motivos de animais feridos ou mortos durante a viagem. A referida declaração deve ser assinada pelo ou pelos condutor(es) e transportador.

Regulamento n.o 817/2010

10

Segundo o considerando 3 do Regulamento n.o 817/2010, «[p]ara garantir o respeito das normas relativas ao bem‑estar dos animais, é conveniente instituir um sistema de controlo que inclua controlos sistemáticos à saída do território aduaneiro da [União], bem como após a saída do território aduaneiro da [União], caso haja uma mudança de meios de transporte, e no local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.»

11

O artigo 1.o do Regulamento n.o 817/2010, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», enuncia, no seu primeiro parágrafo:

«O pagamento das restituições à exportação dos animais vivos da espécie bovina do código NC 0102 (a seguir denominados “animais”), em conformidade com o artigo 168.o do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 [do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento “OCM única”) (JO 2007, L 299, p. 1)], está sujeito ao cumprimento, durante o transporte dos animais até ao primeiro local de descarregamento no país terceiro de destino final, dos artigos 3.° a 9.° do Regulamento [n.o 1/2005] e dos anexos neles mencionados, e do presente regulamento.»

12

O artigo 2.o do Regulamento n.o 817/2010, sob a epígrafe «Controlos no território aduaneiro da [União]», dispõe, no seu n.o 2:

«No respeitante aos animais relativamente aos quais for aceite uma declaração de exportação, o veterinário oficial do ponto de saída deve verificar e certificar […] se:

a)

As exigências estabelecidas no Regulamento [n.o 1/2005] foram cumpridas desde o local de partida […] até ao ponto de saída;

e

b)

As condições de transporte para o resto da viagem satisfazem o Regulamento [n.o 1/2005] e foram adotadas as medidas necessárias para assegurar a observância das disposições em causa até ao primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

O veterinário oficial que efetuou os controlos deverá elaborar um relatório, em conformidade com o modelo que consta do [A]nexo I do presente regulamento, que certifique que os resultados dos controlos efetuados em conformidade com o primeiro parágrafo produziram resultados satisfatórios ou insatisfatórios.

A autoridade veterinária responsável pelo ponto de saída manterá aquele relatório durante, pelo menos, três anos. É enviada uma cópia do relatório ao organismo pagador.»

13

O artigo 3.o do Regulamento n.o 817/2010, sob a epígrafe «Controlos nos países terceiros», prevê:

«1.   O exportador assegurará que, após deixarem o território aduaneiro da [União], os animais sejam objeto de controlo:

a)

em qualquer local em que haja mudança de meios de transporte, exceto se essa mudança não tiver sido programada e decorrer de circunstâncias excecionais e imprevistas;

b)

no local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

2.   A responsabilidade pela execução dos controlos previstos no n.o 1 incumbirá a uma agência internacional de controlo e supervisão aprovada e fiscalizada para tal por um Estado‑Membro […], ou a uma agência oficial de um Estado‑Membro.

[…]

O veterinário que realiza o controlo deverá elaborar um relatório de cada controlo efetuado em conformidade com o n.o 1, utilizando os modelos que constam dos [A]nexos III e IV do presente regulamento.»

14

O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Procedimento para o pagamento das restituições à exportação», enuncia:

«1.   O exportador comunicará à autoridade competente do Estado‑Membro em que a declaração de exportação seja aceite todas as informações necessárias relativas à viagem, o mais tardar aquando da apresentação da declaração de exportação.

[…]

2.   O pedido de pagamento das restituições à exportação […] completar‑se‑á […] pelos seguintes elementos:

a)

Documento referido no n.o 3 do artigo 2.o do presente regulamento, devidamente preenchido;

e

b)

Relatórios mencionados no terceiro parágrafo do n.o 2 do artigo 3.o do presente regulamento.

3.   Quando, na sequência de circunstâncias não imputáveis ao exportador, o controlo referido no n.o 1 do artigo 3.o não tenha sido efetuado, a autoridade competente pode, mediante pedido fundamentado do exportador, aceitar outros documentos que constituam prova suficiente perante ela própria de que o Regulamento [n.o 1/2005] foi respeitado.»

15

O artigo 5.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Não pagamento das restituições à exportação», dispõe, no seu n.o 1:

«O montante total da restituição à exportação por animal, calculada em conformidade com o segundo parágrafo, não será pago:

a)

No caso de animais que tenham morrido durante o transporte, sem prejuízo do disposto no n.o 2;

[…]

c)

No caso de animais relativamente aos quais a autoridade competente considere, com base nos documentos referidos no n.o 2 do artigo 4.o e/ou em quaisquer outros elementos de que disponha no respeitante à observância do presente regulamento, que houve incumprimento dos artigos 3.° a 9.° do Regulamento [n.o 1/2005] e dos anexos neles mencionados.

[…]»

16

O artigo 7.o do Regulamento n.o 817/2010, sob a epígrafe «Recuperação de montantes pagos em excesso», dispõe:

«Quando, após o pagamento da restituição, se verificar que o Regulamento [n.o 1/2005] não foi respeitado, a parte correspondente da restituição, incluindo, se for caso disso, a penalização prevista no n.o [6] será considerada indevidamente paga e será recuperada em conformidade com o artigo 49.o do Regulamento (CE) n.o 612/2009 [da Comissão, de 7 de julho de 2009, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO 2009, L 186, p. 1)].»

17

O Anexo IV do Regulamento n.o 817/2010 consiste num modelo de relatório de controlo no local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final. Um dos casos consagrados nos «[c]ontrolos efetuados» diz respeito à «[g]uia de marcha».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

No fim de 2010, a Vion exportou 36 bovinos vivos para o Líbano. Os mesmos foram, em primeiro lugar, transportados por camião de Woerden (Países Baixos) para Koper (Eslovénia), onde foram transferidos para um navio adaptado ao transporte de animais. Em seguida, esses bovinos saíram do território da União, por via marítima, para chegar a Beirute (Líbano).

19

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, terá sido em Koper que o transportador entregou o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída da União, de forma que o original desse diário não pôde ser atualizado até Beirute.

20

Em conformidade com o Regulamento n.o 1/2005, a Vion submeteu à administração neerlandesa competente, antes da viagem, um diário de viagem que especificava, nos termos da secção 1 do mesmo, sob a epígrafe «Planeamento», que a duração total do transporte devia ser de sete dias, que o local de partida era Woerden e que o local de destino era Beirute. Esse transporte devia começar em 9 de setembro de 2010, sem que a hora de partida fosse precisada, e concluir‑se em 16 de setembro de 2010. Por último, foi indicado que os animais iriam repousar em Munique (Alemanha) e que seriam transferidos para o navio em Koper.

21

Do mesmo modo, embora os bovinos devessem ser encaminhados para o Líbano, a secção 3 do diário de viagem em causa no processo principal, sob a epígrafe «Local de destino», mencionava Koper e a Eslovénia como sendo o local e o Estado‑Membro de destino. A «[d]eclaração do transportador», que consta da secção 4 desse diário de viagem, atestava que os animais tinham chegado em 10 de setembro de 2010 às 10 h 50 m a Koper e que essas data e hora correspondiam às de chegada ao local de destino. Em contrapartida, o referido diário de viagem não inclui informações relativas ao decorrer do transporte entre a partida do navio de Koper e a chegada do mesmo a Beirute.

22

Os animais foram descarregados em 22 de setembro de 2010, entre as 11 h 15 m e as 13 h 30 m, e foram objeto de uma inspeção realizada por um veterinário independente estabelecido em Beirute, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 817/2010.

23

Com base no relatório datado do mesmo dia e assinado por esse veterinário, a Control Union Nederland, sociedade que age por conta da Vion, certificou, em 12 de outubro de 2010, que as disposições dos Regulamentos n.os 1/2005 e 817/2010 tinham sido respeitadas.

24

Por decisão de 4 de fevereiro de 2014, o Secretário de Estado exigiu contudo à Vion que reembolsasse a restituição à exportação no montante de 5292,92 euros que lhe havia sido paga, montante ao qual acresciam 577,40 euros a título de um aumento de 10% e de juros. O Secretário de Estado acusou o transportador da Vion de ter atualizado a secção 4 do diário de viagem apenas até ao ponto de saída do território da União e não até ao destino final dos animais. Assim, à luz da declaração desse transportador, a viagem devia ter sido concluída em Koper e não ter prosseguido até Beirute.

25

O Secretário de Estado indeferiu a sua reclamação por decisão de 18 de junho de 2014, pelo que a Vion interpôs um recurso no College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Contencioso Administrativo Económico, Países Baixos).

26

A Vion e o Secretário de Estado divergem quanto à questão de saber se a obrigação de conservar e de manter um diário de viagem, em caso de transporte de longo curso de animais, é apenas imposta até ao ponto de saída do território da União ou se a mesma vale, de uma forma mais ampla, até ao destino final, e, por conseguinte, até à chegada dos animais ao país terceiro em causa.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera‑se, a este respeito, confrontado com uma dificuldade séria de interpretação do direito da União, tendo em conta as divergências que existem, segundo o mesmo, entre as disposições dos artigos 4.°, 5.° e 7.° do Regulamento n.o 817/2010, por um lado, e do artigo 5.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2005, assim como do n.o 3 do Anexo II deste último regulamento, por outro. Nem a tese defendida pela Vion nem a tese defendida pelo Secretário de Estado lhe parecem desprovidas de pertinência.

28

À luz da redação dos n.os 3 e 7 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005, o órgão jurisdicional de reenvio duvida, tal como a Vion, que o organizador ou o transportador possa conservar o diário de viagem até ao ponto de destino final da viagem, a saber, até ao país terceiro em causa. Está, por conseguinte, convencido de que é apenas com base no diário de viagem que o veterinário do local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final pode efetivamente assegurar‑se do cumprimento do Regulamento n.o 1/2005.

29

A obrigação de entregar o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída da União, decorrente do n.o 7 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005, impediria assim o exportador de apresentar a prova, junto do veterinário do local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final, de que cumpriu efetivamente os artigos 3.° a 9.° deste regulamento, bem como os seus anexos.

30

O órgão jurisdicional de reenvio alega, contudo, que a tese defendida pelo Secretário de Estado também se baseia em argumentos sólidos. Em particular, o considerando 11 do Regulamento n.o 1/2005, na parte em que enuncia que os animais não devem ser transportados em condições suscetíveis de lhes causar lesões ou sofrimentos desnecessários, é suscetível de abranger a totalidade da viagem para um país terceiro.

31

Além disso, várias disposições do Regulamento n.o 817/2010 subordinam o pagamento das restituições à exportação ao cumprimento do Regulamento n.o 1/2005, cumprimento que deve ser verificado pelo veterinário do local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final. Ora, para ser efetivo, tal controlo pressupõe que o diário de viagem seja mantido até à chegada ao referido país terceiro. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, qualquer outra solução teria por efeito impedir que a parte do transporte que tem lugar no território de país terceiro pudesse ser controlada por meio do diário de viagem.

32

Nestas condições, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Contencioso Administrativo Económico) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 5.°, n.o 4, e 8.°, n.o 2, do Regulamento [n.o 1/2005], lidos em conjugação com as disposições relativas ao diário de viagem previstas no [A]nexo II do referido regulamento, ser interpretados no sentido de que implicam, para o organizador do transporte e/ou para o detentor dos animais, no caso de transporte de animais para um país terceiro, a obrigação de manter o diário de viagem até ao local de destino nesse país terceiro?

2)

Devem os artigos 5.° e 7.° do Regulamento [n.o 817/2010], lidos em conjugação com o artigo 4.o do referido regulamento, ser interpretados no sentido de que as restituições à exportação devem ser recuperadas se o diário de viagem não for mantido até ao local de destino no país terceiro pelo facto de o transportador ter cumprido a obrigação de entregar o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída [da União], prevista no [A]nexo II, n.o 7, do Regulamento n.o 1/2005?

3)

Devem os artigos 5.° e 7.° do Regulamento n.o 817/2010, lidos em conjugação com o artigo 4.o deste regulamento, ser interpretados no sentido de que as restituições à exportação devem ser recuperadas se o exportador não puder demonstrar que foram cumpridas as regras do Regulamento n.o 1/2005, no caso de o veterinário não poder verificar se os registos da guia de marcha (o diário de viagem) são ou não satisfatórios, ou seja, se estão em conformidade com as exigências do Regulamento n.o 1/2005 (e, por conseguinte, também não poder declarar que o resultado dos referidos controlos é satisfatório), no âmbito dos controlos que deve realizar no país terceiro, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 817/2010, pelo facto de o transportador ter entreg[ado] o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída?»

Quanto às questões prejudiciais

33

Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o do Regulamento n.o 817/2010, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.os 1 e 2, o artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento, e os n.os 3, 7 e 8 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005, deve ser interpretado no sentido de que pode ser exigido o reembolso das restituições à exportação ao abrigo do Regulamento n.o 817/2010 quando o transportador de animais da espécie bovina não tenha atualizado o diário de viagem previsto no Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

34

Importa sublinhar, liminarmente, que nem o Regulamento n.o 817/2010 nem o Regulamento n.o 1/2005 preveem expressamente que documentos deve fornecer um transportador que exporta animais da espécie bovina com destino a um país terceiro para poder beneficiar das restituições à exportação.

35

Não obstante, resulta de jurisprudência constante que, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que recorrer não apenas aos termos da mesma, mas também ao contexto em que a mesma se insere, tendo em conta a sistemática e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, C‑292/82, EU:C:1983:335, n.o 12; de 26 de junho de 1990, Velker International Oil Company, C‑185/89, EU:C:1990:262, n.o 17; e de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C‑409/04, EU:C:2007:548, n.o 35).

36

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, assim como resulta do artigo 7.o do Regulamento n.o 817/2010, quando, após o pagamento da restituição, se verificar que o Regulamento n.o 1/2005 não foi respeitado, a parte correspondente da restituição é considerada indevidamente paga. Logo, deve recuperada, bem como a penalização eventualmente aplicada ao exportador ou ao transportador. Por conseguinte, o reembolso das restituições à exportação é subordinado a uma inobservância pelo exportador ou transportador das obrigações decorrentes do Regulamento n.o 1/2005.

37

Ora, o artigo 1.o do Regulamento n.o 817/2010 condiciona o pagamento das restituições à exportação ao cumprimento, durante o transporte dos animais até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final, dos artigos 3.° a 9.° do Regulamento n.o 1/2005 e dos anexos nele mencionados, bem como das suas próprias disposições. O seu reembolso deve, por conseguinte, ser motivado por uma violação destes mesmos artigos 3.° a 9.° do Regulamento n.o 1/2005.

38

Em segundo lugar, o Regulamento n.o 817/2010 exige, em conformidade com o seu considerando 3, para garantir o respeito das normas relativas ao bem‑estar dos animais, um sistema de controlo que inclua controlos sistemáticos efetuados não apenas no ponto de saída do território aduaneiro da União, mas também até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final. Com efeito, em conformidade, nomeadamente, com o artigo 3.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, deve ser efetuado um controlo no local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final, o qual deve, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, último parágrafo, do referido regulamento, conduzir à elaboração de um relatório, segundo o modelo evocado no n.o 17 do presente acórdão. Ora, como confirma esse modelo, o objetivo desse controlo é, em substância, estabelecer se as disposições do Regulamento n.o 1/2005 foram respeitadas, incluindo durante a parte da viagem compreendida entre o ponto de saída da União e o local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

39

Na medida em que um dos elementos que devem ser examinados aquando do referido controlo é a «[g]uia de marcha», a qual corresponde ao diário de viagem, assim como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, a realização do controlo mencionado no número anterior do presente acórdão necessita da entrega das informações previstas para esse efeito à sociedade encarregada de efetuar esse controlo.

40

Ora, a «declaração do transportador», que constitui a secção 4 do diário de viagem, deve ser preenchida pelo condutor e assinada por este último e pelo transportador. Essa declaração deve indicar, no que respeita ao itinerário efetivo (pontos de repouso, transferência ou saída), os vários locais e endereços, as datas e horas de chegada e de partida, a duração das paragens e respetivos motivos, quaisquer motivos para eventuais diferenças entre o itinerário efetivo e o itinerário previsto e quaisquer outras observações, e o número de animais feridos ou mortos durante a viagem.

41

Esta interpretação é de forma a preservar o efeito útil do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2005, o qual deve ser interpretado no sentido de que, para um transporte que envolva uma viagem de longo curso de animais em causa, com início no território da União e que prossiga fora desse território, poder ser autorizado pela autoridade competente do local de partida, o organizador da viagem deve apresentar um diário de viagem que seja realista e denote que as disposições desse regulamento serão respeitadas, incluindo no tocante à parte dessa viagem que venha a decorrer no território de países terceiros (acórdão de 23 de abril de 2015, Zuchtvieh‑Export, C‑424/13, EU:C:2015:259, n.o 56).

42

Assim, para garantir tanto a utilidade desse controlo ex ante operado pela autoridade competente do local de partida como a efetividade do bem‑estar dos animais, é indispensável exigir que esse diário de viagem seja atualizado durante toda a viagem, incluindo durante a parte do transporte compreendida entre o ponto de saída da União e o local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

43

Em terceiro lugar, é certo que decorre do n.o 7 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 que, no caso de exportação de animais para um país terceiro aos quais se aplica este regulamento, os transportadores devem entregar o diário de viagem ao veterinário oficial do ponto de saída da União.

44

Contudo, o n.o 8 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 demonstra que este regulamento prevê a utilização de cópias do diário de viagem. Tal é igualmente o caso do artigo 2.o, n.o 2, terceiro parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 817/2010.

45

Além disso, se o n.o 3, alínea e), do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 prevê que, em caso de exportação para um país terceiro, o organizador deve assegurar que o diário de viagem acompanhe os animais durante a viagem pelo menos até ao ponto de saída da União, isso implica que o organizador deve continuar a preencher uma cópia até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

46

Por conseguinte, o local estabelecido pelo Regulamento n.o 817/2010 com o Regulamento n.o 1/2005 permite considerar que a cópia do diário de viagem, em caso de transporte até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final, deve cumprir a mesma função que o original durante o transporte até ao ponto de saída da União.

47

Tendo em conta que é à pessoa que solicita as restituições à exportação que incumbe a prova do respeito pelas condições decorrentes dos artigos 3.° a 9.° do Regulamento n.o 1/2005 e dos anexos que nele são mencionados, assim como das disposições do Regulamento n.o 817/2010, decorre destas considerações que lhe cabe preencher uma cópia do diário de viagem até ao controlo dos animais pelo veterinário do local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final e permitir a esse último verificar se foram cumpridas as obrigações previstas relativamente ao diário de viagem.

48

Daqui resulta que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 817/2010 pressupõe que o transportador preencha uma cópia do diário de viagem até à chegada dos animais em causa ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

49

Nestas condições, há que responder às questões submetidas que o artigo 7.o do Regulamento n.o 817/2010, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.os 1 e 2, o artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento, e com os n.os 3, 7 e 8 do Anexo II do Regulamento n.o 1/2005, deve ser interpretado no sentido de que pode ser exigido o reembolso das restituições à exportação ao abrigo do Regulamento n.o 817/2010 quando o transportador de animais da espécie bovina não tenha atualizado uma cópia do diário de viagem previsto no Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 7.o do Regulamento (UE) n.o 817/2010 da Comissão, de 16 de setembro de 2010, que, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, estabelece normas específicas no que respeita às exigências associadas ao bem‑estar dos animais vivos da espécie bovina durante o transporte, para a concessão de restituições à exportação, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.os 1 e 2, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 817/2010, e com os n.os 3, 7 e 8 do Anexo II do Regulamento (CE) n.o 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97, deve ser interpretado no sentido de que pode ser exigido o reembolso das restituições à exportação ao abrigo do Regulamento n.o 817/2010 quando o transportador de animais da espécie bovina não tenha atualizado uma cópia do diário de viagem previsto no Anexo II do Regulamento n.o 1/2005 até ao local do primeiro descarregamento no país terceiro de destino final.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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