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Document 62016CJ0303

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 19 de outubro de 2017.
    Solar Electric Martinique contra Ministre des Finances et des Comptes publics.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État.
    Reenvio prejudicial — Sexta Diretiva IVA — Diretiva 2006/112/CE — Obras em imóveis — Departamentos franceses ultramarinos — Disposições tornadas aplicáveis pelo direito nacional — Operações de venda e de instalação em imóveis — Qualificação de operação única — Incompetência.
    Processo C-303/16.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:773

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    19 de outubro de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Sexta Diretiva IVA — Diretiva 2006/112/CE — Obras em imóveis — Departamentos franceses ultramarinos — Disposições tornadas aplicáveis pelo direito nacional — Operações de venda e de instalação em imóveis — Qualificação de operação única — Incompetência»

    No processo C‑303/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por decisão de 20 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2016, no processo

    Solar Electric Martinique

    contra

    Ministre des Finances et des Comptes publics,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits (relator), A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 9 de fevereiro de 2017,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Solar Electric Martinique, por F. Fabiani e F. Joly, avocats,

    em representação do Governo francês, por S. Ghiandoni e D. Colas, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por N. Gossement e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de junho de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 5, e do artigo 6.o, n.o 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995 (JO 1995, L 102, p. 18) (a seguir «Sexta Diretiva»), bem como do artigo 14.o, n.o 3, e do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»), que substituiu, a partir de 1 de janeiro de 2007, a Sexta Diretiva.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Solar Electric Martinique ao ministre des Finances et des Comptes publics (Ministro das Finanças e das Contas Públicas, França) a respeito das liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a que esta empresa foi sujeita relativamente ao período de 1 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro 2007.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 3.o da Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Aplicação territorial», prevê:

    «1.   Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

    “território de um Estado‑Membro”: o território do país, tal como é definido, relativamente a cada Estado‑Membro, nos n.os 2 e 3,

    […]

    3.   Ficam excluídos do “território do país” os seguintes territórios nacionais:

    […]

    Ficam igualmente excluídos do “território do país” os seguintes territórios nacionais:

    […]

    República Francesa:

    departamentos ultramarinos;

    […]»

    4

    O artigo 5.o da Sexta Diretiva, com a epígrafe «Entregas de bens», dispõe:

    «1.   Por “entrega de um bem” entende‑se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

    […]

    5.   Os Estados‑Membros podem considerar como entrega, na aceção do n.o 1, a entrega de determinados trabalhos imobiliários.

    […]»

    5

    O artigo 6.o da Sexta Diretiva, com a epígrafe «Prestações de serviços», prevê, no seu n.o 1:

    «1.   Por “prestação de serviços” entende‑se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 5.o

    Essa prestação pode, designadamente, consistir:

    na cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título;

    na obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação;

    na execução de um serviço prestado em consequência de ato da administração pública ou em seu nome ou por força da lei.»

    6

    Por força do seu artigo 6.o, n.o 1, alínea c), a Diretiva IVA não é aplicável aos departamentos franceses ultramarinos.

    7

    O artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva IVA retoma o teor do artigo 5.o, n.o 5, da Sexta Diretiva:

    8

    Segundo o artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA, entende‑se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.

    Direito francês

    9

    Nos termos do artigo 256.o, ponto IV, n.o 1, do code général des impôts (Código Geral dos Impostos, a seguir «CGI»), na sua redação aplicável às liquidações em causa no processo principal, «as obras em imóveis são consideradas prestações de serviços sujeitas [a IVA]».

    10

    O artigo 266.o deste código dispõe:

    «1.   A matéria coletável é constituída:

    […]

    f.

    No caso das obras em imóveis, pelo montante dos contratos, memorandos ou faturas;

    […]»

    11

    O artigo 268.o bis do referido código prevê:

    «Quando alguém efetua simultaneamente operações que se reportam a várias categorias previstas nos artigos do presente capítulo, o seu volume de negócios é determinado por aplicação a cada um dos grupos de operações das regras fixadas por esses artigos.»

    12

    Nos termos do artigo 295.o do CGI:

    «1.   Estão isentas de [IVA]:

    […]

    Nos departamentos de Guadalupe, da Martinica e da Reunião:

    a.

    As importações de […] produtos cuja lista é fixada por portarias conjuntas do Ministro da Economia e das Finanças e do Ministro […] encarregado dos departamentos ultramarinos;

    b.

    As vendas […] dos produtos de fabrico local análogos àqueles cuja importação para os departamentos acima referidos está isenta nos termos das disposições anteriores;

    […]»

    13

    O artigo 50.o duodecies, ponto I, do anexo IV deste código menciona, entre os produtos que podem ser importados para os departamentos de Guadalupe, da Martinica e da Reunião com isenção de IVA, os «dispositivos fotossensíveis semicondutores, incluindo as células fotovoltaicas, mesmo montadas em módulos ou compostas por painéis».

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    14

    A Solar Electric Martinique, que tem, designadamente, por atividade a venda e a instalação de equipamentos ligados à energia solar no departamento da Martinica, só submeteu a IVA as operações de instalação de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares no telhado de imóveis de habitação pelo montante do custo das prestações de instalação.

    15

    Na sequência de uma verificação relativa ao período de 1 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2007, a Administração fiscal considerou que essas operações de instalação constituíam obras em imóveis e, por isso, deviam incluir o custo dos equipamentos fornecidos. Consequentemente, esta Administração retificou a matéria coletável destas operações.

    16

    Em 21 de setembro de 2010, a Solar Electric Martinique intentou no tribunal administratif de Fort‑de‑France (Tribunal Administrativo de Fort‑de‑France, França) uma ação em que pedia a anulação das liquidações adicionais de IVA a que tinha sido sujeita na sequência dessa retificação.

    17

    Uma vez que o seu pedido foi julgado improcedente por sentença de 26 de junho de 2012, a Solar Electric Martinique interpôs recurso dessa sentença para a cour administrative d’appel de Bordeaux (Tribunal Administrativo de Recurso de Bordéus, França), que, por acórdão de 10 de julho de 2014, negou provimento a esse recurso.

    18

    A Solar Electric Martinique interpôs recurso de cassação para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), alegando, designadamente, que o referido Tribunal Administrativo de Recurso tinha cometido um erro de direito ao considerar que as obras de instalação de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares que tinha realizado constituíam obras em imóveis, quando esses equipamentos podiam ser instalados sem causar danos graves ao imóvel em questão, e não acompanhavam normalmente a edificação de imóveis.

    19

    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que as operações de venda e de instalação de equipamentos mencionadas no artigo 295.o do CGI e no artigo 50.o duodecies do anexo IV deste código apenas são tributadas em sede de IVA pelo montante do custo das operações de instalação, com exclusão do custo de aquisição dos equipamentos, exceto se se considerar que essas operações de instalação constituem prestações de serviços de obras em imóveis e, por conseguinte, estão sujeitas a IVA pelo montante total do preço faturado ao cliente.

    20

    Este órgão jurisdicional precisa que, embora o artigo 295.o do CGI só se aplique nos departamentos ultramarinos, isto é, fora do âmbito de aplicação territorial da Sexta Diretiva, as disposições do artigo 256.o desse código relativas às obras em imóveis aplicam‑se também na França metropolitana e asseguram a transposição para o direito francês do artigo 5.o, n.o 5, e do artigo 6.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, cujas disposições foram retomadas no artigo 14.o, n.o 3, e no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

    21

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que procurar uma aplicação uniforme das disposições destas diretivas no interior da União Europeia. Por conseguinte, embora o litígio que lhe foi submetido diga respeito a operações realizadas fora do âmbito de aplicação territorial destas diretivas, coloca‑se a questão de saber se a venda e a instalação de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares em imóveis ou com vista a fornecer eletricidade ou água quente a imóveis constituem uma operação única com caráter de obras em imóveis, na aceção das referidas diretivas.

    22

    Neste contexto, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «[A] venda e a instalação de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares em imóveis ou com vista a fornecer eletricidade ou água quente a imóveis constituem uma operação única com caráter de obras em imóveis na aceção do artigo 5.o, n.o 5, e do artigo 6.o, n.o 1, da Sexta Diretiva […], atuais artigo 14.o, n.o 3, e artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva [IVA]?»

    Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    23

    Resulta da decisão de reenvio que os factos que estão na origem do processo principal se situam inteiramente no departamento da Martinica, que é um dos departamentos ultramarinos da República Francesa.

    24

    Por força do artigo 3.o, n.o 3, da Sexta Diretiva e do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, estes departamentos estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação destas diretivas.

    25

    A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça várias vezes se declarou competente para decidir pedidos de decisão prejudicial que tinham por objeto disposições do direito da União em situações em que os factos no processo principal saíam do âmbito de aplicação do direito da União, mas em que as referidas disposições desse direito passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas (v., neste sentido, acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 17 e jurisprudência referida, e de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 45).

    26

    Com efeito, quando, para as soluções que dá a situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, uma legislação nacional está em conformidade com as soluções adotadas pelo referido ato, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições retomadas desse ato sejam interpretadas de modo uniforme (v., neste sentido, acórdãos de 7 de julho de 2011, Agafiței e o., C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 39 e jurisprudência referida, e de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 46).

    27

    Assim, uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, das disposições do direito da União em situações que não são abrangidas pelo respetivo âmbito de aplicação justifica‑se quando essas disposições foram tornadas aplicáveis pelo direito nacional a essas situações, de maneira direta e incondicional, a fim de assegurar um tratamento idêntico a essas situações e às abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2012:868, n.o 19 e jurisprudência referida).

    28

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a venda e a instalação de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares em imóveis ou com vista a fornecer eletricidade ou água quente a imóveis constituem uma operação única com caráter de obras em imóveis, na aceção da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA, precisando, por um lado, que o artigo 256.o do CGI assegura a transposição das disposições pertinentes para o direito nacional e, por outro, que estes conceitos têm o mesmo alcance no que respeita aos departamentos ultramarinos, territórios expressamente excluídos do âmbito de aplicação das referidas diretivas.

    29

    É certo que se deve considerar que existe um interesse da União em que, para evitar futuras divergências de interpretação, o conceito de obras em imóveis e o de operação única com caráter de obras em imóveis sejam interpretados de modo uniforme.

    30

    Todavia, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 41 a 44 das suas conclusões, em primeiro lugar, não se pode considerar que as disposições pertinentes da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA foram transpostas pelo artigo 256.o do CGI.

    31

    Com efeito, enquanto o artigo 5.o, n.o 5, da Sexta Diretiva e o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva IVA estabelecem a faculdade de os Estados‑Membros considerarem como entrega a realização de determinadas obras em imóveis, o artigo 256.o do CGI prevê, ao invés, que as obras em imóveis são qualificadas de prestações de serviços.

    32

    Em segundo lugar, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 27 do presente acórdão, os artigos 256.o e 295.o do CGI não podem constituir uma remissão direta e incondicional para as referidas disposições pertinentes dessas diretivas.

    33

    Por um lado, a escolha efetuada no artigo 256.o do CGI só permite inferir, a contrario, que as obras em imóveis, aliás como todas as operações que não constituem uma entrega de bens, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Sexta Diretiva e do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

    34

    Por outro lado, não se pode considerar que o artigo 295.o do CGI, ao prever um regime de isenção derrogatório das regras aplicáveis no território metropolitano francês às entregas de bens realizadas em territórios expressamente excluídos do âmbito de aplicação da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA, procede a um reenvio direto e incondicional para as disposições destas diretivas.

    35

    Acresce que o pedido de decisão prejudicial foi apresentado precisamente porque, no que diz respeito aos departamentos ultramarinos aos quais a Sexta Diretiva e a Diretiva IVA não se aplicam, existem disposições especiais que preveem a isenção da venda de painéis fotovoltaicos e de aquecedores de água solares.

    36

    Consequentemente, em relação às soluções aplicadas às situações que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação dos atos da União em questão, a legislação nacional em causa no processo principal não está em conformidade com as soluções adotadas quer na Sexta Diretiva quer na Diretiva IVA, na medida em que estabelece uma isenção que não está prevista nestas diretivas. Por conseguinte, não se pode considerar que as disposições das referidas diretivas foram tornadas aplicáveis pelo direito nacional, de maneira direta e incondicional, a situações que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação dessas mesmas diretivas.

    37

    Nestas condições, há que declarar que o Tribunal de Justiça é incompetente para responder à questão submetida pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

    Quanto às despesas

    38

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para responder à questão submetida pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) por decisão de 20 de maio de 2016.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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