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Document 62016CJ0093

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de julho de 2017.
    Ornua Co-operative Ltd contra Tindale & Stanton Ltd España SL.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de Alicante.
    Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Marca da União Europeia — Caráter unitário — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c) — Proteção uniforme do direito conferido pela marca da União Europeia contra riscos de confusão e contra violações que afetam o prestígio — Coexistência pacífica desta marca com uma marca nacional utilizada por um terceiro numa parte da União Europeia — Coexistência que não é pacífica noutras partes da União — Perceção do consumidor médio — Diferenças de perceção que podem existir em diferentes partes da União.
    Processo C-93/16.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:571

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    20 de julho de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Marca da União Europeia — Caráter unitário — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c) — Proteção uniforme do direito conferido pela marca da União Europeia contra riscos de confusão e contra violações que afetam o prestígio — Coexistência pacífica desta marca com uma marca nacional utilizada por um terceiro numa parte da União Europeia — Coexistência que não é pacífica noutras partes da União — Perceção do consumidor médio — Diferenças de perceção que podem existir em diferentes partes da União»

    No processo C‑93/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de Alicante (Tribunal da Província de Alicante, Espanha), por decisão de 8 de fevereiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de fevereiro de 2016, no processo

    Ornua Co‑operative Ltd, anteriormente The Irish Dairy Board Co‑operative Ltd,

    contra

    Tindale & Stanton Ltd España SL,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Prechal, A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2017,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Ornua Co‑operative Ltd, anteriormente The Irish Dairy Board Co‑operative Ltd, por E. Armijo Chávarri, abogado,

    em representação da Tindale & Stanton Ltd España SL, por A. von Mühlendahl e J. Güell Serra, abogados,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por D. Colas e D. Segoin, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por E. Gippini Fournier, T. Scharf e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de março de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Ornua Co‑operative Ltd, anteriormente The Irish Dairy Board Co‑operative Ltd (a seguir «Ornua»), à Tindale & Stanton Ltd España SL (a seguir «T & S») a respeito da utilização, por esta última, de um sinal que, segundo a Ornua, cria um risco de confusão com marcas da União Europeia de que esta é titular e prejudica o prestígio dessas marcas.

    Quadro jurídico

    3

    O Regulamento n.o 207/2009, que revogou e substituiu o Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), foi alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21), que entrou em vigor em 23 de março de 2016. Contudo, atendendo à data dos factos no processo principal, o presente reenvio prejudicial é examinado à luz do Regulamento n.o 207/2009, na versão em vigor antes desta alteração.

    4

    Nos termos do considerando 3 deste regulamento:

    «Para atingir os objetivos [da União Europeia], […] parece adequado prever um regime […] de marcas que confira às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas [da União Europeia] que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da [União]. O princípio do caráter unitário da marca [da União Europeia] assim definido deverá ser aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

    5

    O artigo 1.o, n.o 2, do mesmo regulamento, que faz parte do título I deste último, intitulado «Disposições gerais», dispõe:

    «A marca [da União Europeia] tem caráter unitário. A marca […] produz os mesmos efeitos em toda a [União]: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a [União]. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

    6

    O título II do mesmo regulamento intitula‑se «Direito de marcas». A sua secção 2, intitulada «Efeitos da marca [da União]», inclui nomeadamente os artigos 9.o e 12.o, que têm, respetivamente, os títulos «Direito conferido pela marca [da União Europeia]» e «Limitação dos efeitos da marca [da União Europeia]».

    7

    Nos termos do n.o 1 do referido artigo 9.o:

    «A marca [da União Europeia] confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

    a)

    Um sinal idêntico à marca [da União Europeia] para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

    b)

    Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca [da União Europeia] e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca [da União Europeia] e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

    c)

    Um sinal idêntico ou similar à marca [da União Europeia] para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca [da União Europeia] foi registada, sempre que esta goze de prestígio [na União] e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do caráter distintivo ou do prestígio da marca [da União Europeia] ou lhe cause prejuízo.»

    8

    O referido artigo 12.o prevê:

    «O direito conferido pela marca [da União Europeia] não permite ao seu titular proibir a um terceiro a utilização, na vida comercial:

    a)

    Do seu nome ou endereço;

    b)

    De indicações relativas à espécie, [à qualidade,] à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época de fabrico do produto ou da prestação do serviço ou a outras características destes;

    c)

    Da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente como acessórios ou peças separadas,

    desde que a utilização seja feita em conformidade com os usos honestos em matéria industrial ou comercial.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    A Ornua é uma sociedade de direito irlandês cujas atividades económicas pertencem ao setor alimentar. Comercializa, nomeadamente, manteiga e outros produtos lácteos.

    10

    É titular de várias marcas da União Europeia, incluindo a marca nominativa KERRYGOLD, registada durante o ano de 1998 para produtos pertencentes à classe 29 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, a saber, em particular, manteiga e outros produtos lácteos, e das duas marcas figurativas seguintes, registadas, respetivamente, no decurso dos anos de 1998 e 2011 para a mesma classe de produtos (a seguir, em conjunto, «marcas da União Europeia KERRYGOLD»):

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    11

    Os produtos nos quais estas marcas estão apostas são exportados para vários países. Na União, os referidos produtos são principalmente vendidos em Espanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Alemanha, na Irlanda, na Grécia, em França, em Chipre, no Luxemburgo, em Malta, nos Países Baixos e no Reino Unido.

    12

    A T & S é uma sociedade de direito espanhol que importa e distribui, em Espanha, margarinas sob o sinal KERRYMAID. Estes produtos são fabricados na Irlanda pela Kerry Group plc.

    13

    A Kerry Group registou, na Irlanda e no Reino Unido, a marca nacional KERRYMAID.

    14

    Em 29 de janeiro de 2014, a The Irish Dairy Board Co‑operative, que em 31 de março de 2015 passou a denominar‑se Ornua, intentou uma ação de contrafação contra a T & S no Juzgado de lo Mercantil de Alicante (Tribunal de Comércio de Alicante, Espanha) na sua qualidade de tribunal de marcas da União Europeia, em cujo âmbito pediu que fosse declarado que a T & S, na medida em que importa e distribui em Espanha margarinas sob o sinal KERRYMAID, viola os direitos conferidos pelas marcas da União Europeia KERRYGOLD. A utilização do sinal KERRYMAID pela T & S cria um risco de confusão e retira indevidamente proveito do caráter distintivo e do prestígio das referidas marcas.

    15

    Este último órgão jurisdicional começou por constatar que a única semelhança entre o sinal KERRYMAID e as marcas da União Europeia KERRYGOLD diz respeito ao elemento «kerry», que se refere a um condado irlandês conhecido pela criação de gado bovino.

    16

    Em seguida, o mesmo órgão jurisdicional salientou que era um facto assente entre as partes que, na Irlanda e no Reino Unido, as marcas da União Europeia KERRYGOLD e a marca nacional KERRYMAID coexistem pacificamente.

    17

    O referido órgão jurisdicional deduziu assim que não podia existir, em Espanha, um risco de confusão entre as marcas da União Europeia KERRYGOLD e o sinal KERRYMAID. Com efeito, tendo a Irlanda e o Reino Unido, em conjunto, um peso demográfico significativo na União, a coexistência pacífica entre estas marcas e este sinal nestes dois Estados‑Membros deve, à luz do caráter unitário da marca da União Europeia, conduzir à conclusão de que não existe risco de confusão entre as referidas marcas e o referido sinal em todo o território da União.

    18

    Por último, o mesmo órgão jurisdicional considerou que, devido à referida coexistência pacífica na Irlanda e no Reino Unido, não se verifica, em Espanha, um aproveitamento indevido pela T & S do caráter distintivo ou do prestígio das marcas da União Europeia KERRYGOLD.

    19

    Baseando‑se nestas considerações, o Juzgado de lo Mercantil de Alicante (Tribunal de Comércio de Alicante) julgou improcedente a ação de contrafação por decisão de 18 de março de 2015.

    20

    Foi interposto recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

    21

    Partindo da constatação de que a coexistência pacífica entre as marcas da União Europeia KERRYGOLD e o sinal KERRYMAID só existe na Irlanda e no Reino Unido, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade da extrapolação efetuada pelo órgão jurisdicional de primeira instância com o Regulamento n.o 207/2009. No caso de se admitir que a coexistência pacífica entre estas marcas e este sinal na Irlanda e no Reino Unido conduz ao resultado de que não existe risco de confusão nestes dois Estados‑Membros, daí não decorre, no entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que também não exista risco de confusão entre as referidas marcas e o referido sinal nos outros Estados‑Membros. Com efeito, tal extrapolação pode privar do respetivo efeito útil os direitos conferidos ao titular da marca da União Europeia nos termos do artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009.

    22

    Nestas condições, a Audiencia Provincial de Alicante (Tribunal da Província de Alicante, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do [Regulamento n.o 207/2009], na medida em que exige que haja um risco de confusão para que o titular da marca [da União Europeia] possa proibir um terceiro de utilizar na vida comercial, sem o seu consentimento, um sinal, nos casos previstos no mesmo, pode ser interpretado num sentido que permita excluir o risco de confusão quando a marca [da União Europeia] anterior coexistiu pacificamente, por tolerância do titular, durante anos, em dois Estados‑Membros da União com marcas nacionais semelhantes, de modo que a ausência de risco de confusão nesses dois Estados possa ser extrapolada a outros Estados‑Membros, ou ao conjunto da União, tendo em conta o tratamento unitário imposto pela marca [da União Europeia]?

    2)

    No caso previsto no número anterior, é possível ter em consideração as circunstâncias geográficas, demográficas, económicas, ou de outra índole, dos Estados em que se verificou a coexistência, para avaliar o risco de confusão, de modo a que possa ser extrapolada a um terceiro Estado, ou ao conjunto da União, a inexistência de risco de confusão nesses Estados?

    3)

    Quanto ao caso previsto na alínea c) do n.o 1 do artigo 9.o do [Regulamento n.o 207/2009] e em consequência do tratamento unitário imposto pela marca [da União Europeia], deve este preceito ser interpretado no sentido de que, na hipótese de a marca anterior ter coexistido com o sinal controvertido durante um certo número de anos em dois Estados‑Membros da União sem oposição do titular dessa marca anterior, essa tolerância do titular relativamente à utilização do sinal posterior nesses dois Estados em especial pode ser extrapolada ao restante território da União para efeitos de determinar a utilização por um terceiro de um sinal posterior com justo motivo?»

    23

    O Tribunal de Justiça enviou um pedido de esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio, destinado a saber se esse órgão jurisdicional é chamado a incluir, na sua aplicação do Regulamento n.o 207/2009, uma análise da apreciação feita pelo órgão jurisdicional de primeira instância segundo a qual, devido à presença da indicação de proveniência geográfica «kerry» nos sinais em conflito e à inexistência de semelhança entre os elementos «gold» e «maid», não pode de modo nenhum haver risco de confusão.

    24

    O órgão jurisdicional de reenvio respondeu afirmativamente a este pedido de esclarecimentos.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    25

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de, numa parte da União, uma marca da União Europeia e uma marca nacional coexistirem pacificamente permite, atendendo ao caráter unitário da marca da União Europeia, concluir que noutra parte da União, na qual a coexistência entre esta marca da União Europeia e o sinal idêntico desta marca nacional não é pacífica, não existe risco de confusão entre a referida marca da União Europeia e este sinal.

    26

    Sendo esta questão colocada sob o prisma do caráter unitário da marca da União Europeia, há que salientar desde já que, nos termos deste princípio, expresso no considerando 3 do Regulamento n.o 207/2009 e precisado no artigo 1.o, n.o 2, deste, as marcas da União Europeia gozam de uma proteção uniforme e produzem os seus efeitos em todo o território da União. Nos termos desta disposição, a marca da União Europeia só pode, salvo disposição em contrário deste regulamento, ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido em todo o território da União.

    27

    Embora o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 só mencione o registo da marca, a transferência desta, a perda dos direitos conferidos pela marca e a proibição de utilizar esta última, decorre no entanto de uma leitura conjugada desta disposição e do considerando 3 deste regulamento que os efeitos da marca da União Europeia enumerados no título II, secção 2, do referido regulamento se aplicam, também eles, de forma uniforme em todo o território da União.

    28

    Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que o direito exclusivo conferido pela marca da União Europeia ao seu titular nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 estende‑se, em princípio, a todo o território da União (v., neste sentido, acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France, C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 39).

    29

    No que diz respeito ao artigo 9.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esta disposição protege o titular de uma marca da União Europeia contra qualquer utilização que afete ou possa afetar a função de indicação de origem dessa marca (acórdão de 22 de setembro de 2016, combit Software, C‑223/15, EU:C:2016:719, n.o 27 e jurisprudência referida).

    30

    A proteção uniforme que esta disposição confere assim ao titular da marca da União Europeia consiste em permitir que este titular, em toda a União, proíba qualquer terceiro de, na vida comercial e sem o consentimento do referido titular, utilizar um sinal idêntico ou semelhante para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes que prejudique ou seja suscetível de prejudicar a função de indicação de origem da marca e que crie assim um risco de confusão.

    31

    Para que o titular da marca da União Europeia possa beneficiar deste direito, não é de forma nenhuma necessário que a utilização do sinal idêntico ou semelhante que cria um risco de confusão se verifique em todo o território da União.

    32

    Com efeito, se o titular da marca da União Europeia só estivesse protegido contra violações cometidas em todo o território da União, não lhe seria possível opor‑se à utilização de sinais idênticos ou semelhantes que criem um risco de confusão numa única parte deste território, embora o objetivo do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 consista em proteger este titular, em todo o território da União, contra qualquer utilização que prejudique a função de indicação de origem da sua marca.

    33

    Por conseguinte, quando a utilização de um sinal cria, numa parte da União, um risco de confusão com uma marca da União Europeia, ao passo que, noutra parte da União, a mesma utilização não cria esse risco, há violação do direito exclusivo conferido por esta marca. Neste caso, o tribunal de marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se deve proibir a comercialização dos produtos abrangidos pelo sinal em causa em todo o território da União, com exceção da parte deste na qual foi constatada a inexistência de um risco de confusão (acórdão de 22 de setembro de 2016, combit Software, C‑223/15, EU:C:2016:719, n.os 25 e 36).

    34

    No presente caso, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que é facto assente entre as partes no processo principal que a coexistência entre as marcas da União Europeia KERRYGOLD e a marca nacional KERRYMAID é pacífica na Irlanda e no Reino Unido, não se opondo, por conseguinte, a Ornua à utilização desta marca nacional nestes Estados‑Membros.

    35

    É também facto assente que essa coexistência pacífica não existe numa parte do território da União visada pela ação de contrafação, a saber, o território espanhol, e que a T & S aí utilizou o sinal KERRYMAID sem consentimento da Ornua.

    36

    Decorre, além disso, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a análise da existência de um risco de confusão numa parte da União se deve basear numa apreciação global de todos os fatores pertinentes do caso concreto e que esta apreciação deve incluir uma comparação visual, fonética ou conceptual da marca e do sinal utilizado pelo terceiro, o que pode originar, nomeadamente por motivos linguísticos, conclusões diferentes para diferentes partes da União (v., neste sentido, acórdão de 22 de setembro de 2016, combit Software, C‑223/15, EU:C:2016:719, n.os 31, 33 e jurisprudência referida).

    37

    Daqui decorre, como salientou o advogado‑geral no n.o 39 das suas conclusões, que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em cujo âmbito foi constatada uma coexistência pacífica entre marcas da União Europeia e um sinal na Irlanda e no Reino Unido, o tribunal das marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se numa ação de contrafação sobre a utilização deste sinal noutro Estado‑Membro, neste caso o Reino de Espanha, não pode basear a sua apreciação na referida coexistência pacífica que prevalece na Irlanda e no Reino Unido. Este tribunal deve, pelo contrário, proceder a uma apreciação global de todos os fatores pertinentes.

    38

    Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de numa parte da União Europeia uma marca da União Europeia e uma marca nacional coexistirem pacificamente não permite concluir que noutra parte da União, na qual a coexistência entre esta marca da União Europeia e o sinal idêntico a esta marca nacional não é pacífica, não existe risco de confusão entre a referida marca da União Europeia e este sinal.

    Quanto à segunda questão

    39

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que os elementos que, segundo o tribunal de marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se sobre uma ação de contrafação, são relevantes para apreciar se o titular de uma marca da União Europeia pode proibir, numa parte da União não visada por esta ação, a utilização de um sinal podem ser tomados em consideração por esse tribunal para apreciar se este titular pode proibir a utilização desse sinal na parte da União visada pela referida ação.

    40

    Conforme foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, a análise que deve ser efetuada pelo tribunal de marcas da União Europeia competente deve basear‑se numa apreciação global de todos os fatores relevantes do caso concreto que lhe foi submetido.

    41

    Esta apreciação global deve, no que diz respeito à comparação visual, auditiva ou conceptual entre a marca da União Europeia em causa e o sinal utilizado pelo terceiro, basear‑se na impressão global que esta marca e este sinal produzem no público relevante, o qual é constituído pelo consumidor médio dos produtos ou dos serviços em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., neste sentido, acórdão de 25 de junho de 2015, Loutfi Management Propriété intellectuelle, C‑147/14, EU:C:2015:420, n.os 21, 25 e jurisprudência referida).

    42

    Conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 41 e 42 das suas conclusões, quando as condições do mercado e as circunstâncias socioculturais ou outras que contribuem para a impressão global produzida pela marca da União Europeia e pelo sinal em causa no consumidor médio não variam significativamente em diferentes partes da União, nada se opõe a que os fatores relevantes, cuja presença foi provada numa parte da União, sejam tomados em conta para apreciar se o titular desta marca pode proibir a utilização desse sinal noutra parte da União ou em todo o território desta.

    43

    No presente caso, como decorre da resposta ao pedido de esclarecimentos e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, a T & S alegou nomeadamente que o sinal KERRYMAID, utilizado por esta última em Espanha, não é semelhante às marcas da União Europeia KERRYGOLD da Ornua e não pode, consequentemente, criar um risco de confusão na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, porquanto o elemento «kerry» é uma indicação de proveniência geográfica que não está abrangida, nos termos do artigo 12.o deste regulamento, pelo direito exclusivo conferido à Ornua pelo referido artigo 9.o

    44

    Ora, a limitação do direito exclusivo conferido pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009 à qual a T & S se refere está sujeita ao requisito de a utilização do sinal que comporta a indicação de origem geográfica ser conforme com os usos honestos em matéria industrial ou comercial. Para examinar se este requisito, que é expressão de uma obrigação de lealdade face aos interesses legítimos do titular da marca, está preenchido, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se deve proceder a uma apreciação global de todas as circunstâncias relevantes (v., designadamente, acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Gerolsteiner Brunnen, C‑100/02, EU:C:2004:11, n.os 24 e 26; de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.os 82 e 84; e de 17 de março de 2005, Gillette Company e Gillette Group Finland, C‑228/03, EU:C:2005:177, n.o 41).

    45

    A este respeito, importa tomar em consideração, nomeadamente, a apresentação global do produto comercializado pelo terceiro, as condições em que é feita a diferença entre a marca em causa e o sinal utilizado por este, bem como o esforço desenvolvido pelo referido terceiro para se assegurar de que os consumidores distinguem os seus produtos dos produtos do titular da marca (v., neste sentido, acórdão de 17 de março de 2005, Gillette Company e Gillette Group Finland, C‑228/03, EU:C:2005:177, n.o 46).

    46

    Se o órgão jurisdicional de reenvio, para apreciar se a Ornua pode proibir a utilização do sinal KERRYMAID em Espanha, tivesse de tomar em consideração elementos presentes na Irlanda e no Reino Unido, incumbir‑lhe‑ia certificar‑se previamente de que não existe uma diferença significativa entre as condições do mercado ou as circunstâncias socioculturais que podem ser observadas, respetivamente, na parte da União visada pela ação de contrafação e naquela em que se situa a zona geográfica correspondente ao termo geográfico contido no sinal em causa. Com efeito, não se pode excluir que o comportamento que pode ser esperado do terceiro para que a sua utilização do sinal seja conforme com os usos honestos em matéria industrial e comercial deva ser analisado de forma diferente numa parte da União na qual os consumidores têm uma afinidade particular com o termo geográfico contido na marca e com o sinal em causa e numa parte da União na qual esta afinidade é menor.

    47

    À luz do que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que os elementos que, segundo o tribunal de marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se sobre uma ação de contrafação, são relevantes para apreciar se o titular de uma marca da União Europeia pode proibir, numa parte da União Europeia não visada por esta ação, a utilização de um sinal podem ser tomados em consideração por esse tribunal para apreciar se este titular pode proibir a utilização desse sinal na parte da União visada pela referida ação, desde que as condições do mercado e as circunstâncias socioculturais não sejam significativamente diferentes em cada uma das referidas partes da União.

    Quanto à terceira questão

    48

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de, numa parte da União, uma marca de prestígio da União Europeia e um sinal coexistirem pacificamente permite, atendendo ao caráter unitário da marca da União Europeia, concluir que noutra parte da União, na qual essa coexistência não é pacífica, há um justo motivo que legitima a utilização deste sinal.

    49

    Conforme foi recordado no n.o 28 do presente acórdão, o direito exclusivo conferido pela marca da União Europeia ao seu titular nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 estende‑se, em princípio, a todo o território da União.

    50

    A proteção alargada conferida pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento aos titulares de marcas de prestígio da União Europeia consiste em permitir que estes titulares proíbam qualquer terceiro, na vida comercial e sem o consentimento do referido titular, de utilizar sem justo motivo um sinal idêntico ou semelhante — seja para produtos ou serviços semelhantes ou para produtos ou serviços não semelhantes àqueles para os quais essas marcas estão registadas — que tira indevidamente proveito do caráter distintivo ou do prestígio das referidas marcas ou causa prejuízo a este caráter distintivo ou a este prestígio (v., neste sentido, acórdão de 22 de setembro de 2011, Interflora e Interflora British Unit, C‑323/09, EU:C:2011:604, n.os 68 e 70).

    51

    Para que o titular de uma marca da União Europeia beneficie desta proteção alargada, deve ser determinado, nos termos do referido artigo 9.o, n.o 1, alínea c), que esta marca goza «de prestígio na [União]». Para este efeito, basta que esteja determinado que a referida marca goza desse prestígio numa parte substancial do território da União, podendo esta última, se for caso disso, corresponder nomeadamente ao território de um único Estado‑Membro. Desde que este requisito esteja preenchido, há que considerar que a marca da União Europeia em causa goza de prestígio em todo o território da União (acórdãos de 6 de outubro de 2009, PAGO International, C‑301/07, EU:C:2009:611, n.os 27, 29 e 30, e de 3 de setembro de 2015, Iron & Smith, C‑125/14, EU:C:2015:539, n.os 19 e 20).

    52

    Esta jurisprudência garante que o titular de uma marca da União Europeia ou beneficia da proteção alargada conferida pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 em toda a União ou dela nada beneficia. Assim, o âmbito da proteção conferida por qualquer marca da União Europeia reveste um caráter uniforme em todo o território da União.

    53

    Em contrapartida, para que o titular de uma marca da União Europeia que goza da referida proteção alargada possa invocar o seu direito conferido pelo mesmo artigo 9.o, n.o 1, alínea c), não é de modo nenhum necessário que a utilização do sinal viole o referido direito em todo o território da União.

    54

    Com efeito, se este titular só fosse protegido contra violações cometidas em todo o território da União, seria impossível opor‑se às violações cometidas apenas numa parte deste território, apesar de o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 ter por objetivo proteger este titular, em toda a União, de toda a utilização sem justo motivo de um sinal idêntico ou semelhante que tire indevidamente proveito do caráter distintivo ou do prestígio destas marcas ou que cause prejuízo a esse caráter distintivo ou a esse prestígio.

    55

    No presente caso, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não parece ser contestado que as marcas da União Europeia KERRYGOLD gozam de prestígio, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009.

    56

    Decorre, por outro lado, dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que é facto assente entre as partes no processo principal que existe, devido à coexistência pacífica na Irlanda e no Reino Unido entre estas marcas e a marca nacional KERRYMAID, um justo motivo para a utilização deste sinal nessa parte da União.

    57

    Como já foi salientado no n.o 35 do presente acórdão, é também facto assente que tal coexistência não é pacífica na parte do território da União visada pela ação de contrafação, a saber, o território espanhol, e que a utilização pela T & S do sinal KERRYMAID aí ocorreu sem o consentimento da Ornua.

    58

    Além disso, decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a análise da existência de uma violação referida no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 se deve basear numa apreciação global que tome em consideração todos os fatores relevantes do caso concreto (acórdãos de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 44, e de 18 de julho de 2013, Specsavers International Healthcare e o., C‑252/12, EU:C:2013:497, n.o 39).

    59

    Daqui resulta que, no presente caso, no qual existe um justo motivo que legitima a utilização do sinal KERRYMAID na Irlanda e no Reino Unido devido à coexistência pacífica entre as marcas da União Europeia KERRYGOLD e a marca nacional em causa nestes dois Estados‑Membros, o tribunal de marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se no âmbito de uma ação de contrafação sobre a utilização deste sinal noutro Estado‑Membro não pode basear a sua apreciação na referida coexistência pacífica que existe na Irlanda e no Reino Unido, devendo, pelo contrário, proceder a uma apreciação global de todos os fatores relevantes.

    60

    Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de, numa parte da União Europeia, uma marca de prestígio da União Europeia e um sinal coexistirem pacificamente não permite concluir que noutra parte da União, na qual essa coexistência não é pacífica, há um justo motivo que legitima a utilização deste sinal.

    Quanto às despesas

    61

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 29 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que o facto de numa parte da União Europeia uma marca da União Europeia e uma marca nacional coexistirem pacificamente não permite concluir que noutra parte da União, na qual a coexistência entre esta marca da União Europeia e o sinal idêntico a esta marca nacional não é pacífica, não existe risco de confusão entre a referida marca da União Europeia e este sinal.

     

    2)

    O artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que os elementos que, segundo o tribunal de marcas da União Europeia chamado a pronunciar‑se sobre uma ação de contrafação, são relevantes para apreciar se o titular de uma marca da União Europeia pode proibir, numa parte da União Europeia não visada por esta ação, a utilização de um sinal podem ser tomados em consideração por esse tribunal para apreciar se este titular pode proibir a utilização desse sinal na parte da União visada pela referida ação, desde que as condições do mercado e as circunstâncias socioculturais não sejam significativamente diferentes em cada uma das referidas partes da União.

     

    3)

    O artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o facto de, numa parte da União Europeia, uma marca de prestígio da União Europeia e um sinal coexistirem pacificamente não permite concluir que noutra parte da União, na qual essa coexistência não é pacífica, há um justo motivo que legitima a utilização deste sinal.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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