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Document 62016CC0668

Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi apresentadas em 11 de abril de 2018.
Comissão Europeia contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado — Diretiva 2006/40/CE — Emissões provenientes de sistemas de ar condicionado instalados em veículos a motor — Artigo 5.o, n.os 4 e 5 — Diretiva 2007/46/CE — Homologação dos veículos a motor — Artigos 12.o, 29.o, 30.o e 46.o — Veículos não conformes com os requisitos técnicos — Responsabilidade das autoridades nacionais.
Processo C-668/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:230

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 11 de abril de 2018 ( 1 )

Processo C‑668/16

Comissão Europeia

contra

República Federal da Alemanha

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2007/46/CE — Responsabilidade das autoridades nacionais — Medidas relativas à conformidade dos veículos aos requisitos técnicos — Ponderação entre a não conformidade e os riscos relativos à segurança — Obrigações do fabricante — Sanções — Diretiva 2006/40/CE — Limite das emissões provenientes dos sistemas de climatização dos veículos a motor — Entorse à diretiva»

1.

No âmbito do presente processo, a Comissão Europeia veio intentar no Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 258.o, segundo parágrafo, TFUE, uma ação pela qual pretende obter a declaração de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de determinadas disposições concretas do sistema uniformizado de homologação dos veículos, designadamente os artigos 12.o e 30.o e o artigo 46.o das Diretivas 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos ( 2 ) (a seguir «Diretiva‑Quadro»). Além disso, a Comissão também alega que a República Federal da Alemanha adotou uma conduta que corresponde a uma entorse à Diretiva 2006/40/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa às emissões provenientes de sistemas de ar condicionado instalados em veículos a motor e que altera a Diretiva 70/156/CEE do Conselho ( 3 ) (a seguir «Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização»).

2.

Em especial, com a presente ação pretende‑se que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros no quadro do sistema de controlo ex post da conformidade dos veículos instituído pela Diretiva‑Quadro, sobre as sanções que os Estados‑Membros são obrigados a aplicar ao fabricante que viole as obrigações que a esse título lhe incumbem, bem como sobre a amplitude do conceito de «modelo de veículo», como previsto na Diretiva‑Quadro.

I. Quadro normativo

A.   Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização

3.

A Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização determina, no seu artigo 5.o, n.o 4, que: «Com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011, os Estados‑Membros deixam de conceder a homologação CE ou a homologação nacional aos tipos de veículos equipados com um sistema de ar condicionado concebido para conter gases fluorados com efeito de estufa com um potencial de aquecimento global superior a 150».

B.   Diretiva‑Quadro

4.

A Diretiva‑Quadro enuncia, no seu terceiro considerando, o seguinte: «Os requisitos técnicos aplicáveis a sistemas, componentes, unidades técnicas e veículos deverão ser harmonizados e especificados em atos regulamentares, que deverão ter como principal objetivo assegurar um elevado nível de segurança rodoviária, de proteção da saúde e do ambiente, de eficiência energética e de proteção contra a utilização não autorizada». No primeiro período do seu décimo quarto considerando, a Diretiva‑Quadro também esclarece que: «O principal objetivo da legislação relativa à homologação de veículos consiste em garantir que os novos veículos, componentes e unidades técnicas colocados no mercado oferecem um elevado nível de segurança e de proteção do ambiente». O seu décimo sétimo considerando tem o seguinte teor: «A presente diretiva constitui um conjunto de exigências de segurança específicas, na aceção do n.o 2 do artigo 1.o da Diretiva 2001/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos [(a seguir “Diretiva 2001/95”)], que prevê requisitos específicos para a proteção da saúde e da segurança dos consumidores. Por conseguinte, importa prever disposições que assegurem que, no caso de veículos que representem um sério risco para os consumidores, decorrente da aplicação da presente diretiva ou dos atos regulamentares enumerados no anexo IV, o fabricante tomou medidas de proteção eficazes, incluindo a retirada dos veículos do mercado […]».

5.

O artigo 3.o, n.o 17, fornece a definição de «modelo de veículo» nos seguintes termos: «os veículos pertencentes a uma categoria que não diferem entre si, pelo menos no que diz respeito aos aspetos essenciais especificados na parte B do anexo II. Um modelo de veículo pode incluir variantes e versões, conforme definido na parte B do mesmo anexo».

6.

O artigo 4.o, n.o 1, prevê: «Os Estados‑Membros devem assegurar que os fabricantes que apresentem um pedido de homologação cumpram as obrigações que sobre eles impendem por força da presente diretiva», e especifica em seguida, nos n.os 2 e 3 respetivamente, que «Os Estados‑Membros devem homologar apenas os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva» e que «Os Estados‑Membros só devem matricular e autorizar a venda ou entrada em circulação dos veículos, componentes e unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva».

7.

O artigo 6.o, n.o 6, relativo ao procedimento a seguir para a homologação CE dispõe: «O pedido deve ser apresentado pelo fabricante à entidade homologadora. Para cada modelo de veículo, só pode ser apresentado um único pedido junto de um único Estado‑Membro. Para cada modelo a homologar, deve ser apresentado um pedido separado».

8.

O artigo 12.o, atinente às disposições relativas à conformidade da produção, prevê, no n.o 1, que: «Um Estado‑Membro que conceda uma homologação CE deve tomar as medidas necessárias, previstas no anexo X, para verificar, eventualmente em cooperação com as entidades homologadoras de outros Estados‑Membros, se foram tomadas as medidas adequadas para assegurar que os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas, consoante o caso, produzidos estão em conformidade com o modelo ou tipo homologado». O n.o 3 do mesmo artigo dispõe: «Caso um Estado‑Membro que tenha concedido uma homologação CE apure que as medidas constantes do n.o 1 não são aplicadas, se afastam significativamente das disposições e planos de controlo aprovados ou deixaram de ser aplicadas, embora a produção não tenha sido interrompida, deve tomar as medidas necessárias, incluindo a revogação da homologação, para garantir que o procedimento relativo à conformidade da produção seja aplicado de forma correta».

9.

O artigo 17.o, n.o 1, estabelece: «A homologação CE de um veículo caduca caso se verifique algum dos seguintes casos:

[…]

b)

A produção do veículo homologado ser interrompida de modo voluntário e definitivo;

[…]».

10.

O artigo 29.o, n.o 1, primeiro parágrafo, dispõe: «Caso um Estado‑Membro apure que veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas novos, embora estejam em conformidade com os requisitos aplicáveis ou devidamente marcados, representam um sério risco para a segurança rodoviária ou prejudicam gravemente o ambiente ou a saúde pública, pode, durante um período máximo de seis meses, não autorizar a matrícula de tais veículos ou a venda ou a entrada em circulação no seu território de tais veículos, componentes ou unidades técnicas».

11.

O artigo 30.o, n.o 1, estatui: «Se o Estado‑Membro que tiver concedido a homologação CE determinar que os novos veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas acompanhados de certificado de conformidade ou que ostentam marca de homologação não estão em conformidade com o modelo ou tipo que homologou, deve tomar as medidas necessárias, incluindo, se for caso disso, a revogação da homologação, para assegurar que os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas produzidos se tornem conformes com o modelo ou tipo homologados. A entidade homologadora desse Estado‑Membro deve notificar as entidades homologadoras dos outros Estados‑Membros das medidas tomadas».

12.

O artigo 32.o prevê:

«1.   Um fabricante que tenha obtido uma homologação CE para um veículo e que, por força do disposto num ato regulamentar ou na Diretiva 2001/95/CE, esteja obrigado a retirar do mercado veículos já vendidos, matriculados ou colocados em circulação pelo facto de um ou mais sistemas, componentes ou unidades técnicas montados no modelo de veículo em causa, quer aqueles tenham ou não sido homologados em conformidade com a presente diretiva, representarem um risco sério para a segurança rodoviária, a saúde pública ou a proteção do ambiente, deve informar de imediato a entidade homologadora que concedeu a homologação do veículo.

2.   O fabricante deve propor à entidade homologadora um conjunto de medidas apropriadas para eliminar os riscos referidos no n.o 1. A entidade homologadora deve comunicar sem demora as medidas propostas às entidades dos restantes Estados‑Membros.

[…]».

13.

O artigo 46.o está redigido nos seguintes termos: «Os Estados‑Membros determinam as sanções aplicáveis em caso de violação das disposições da presente diretiva, em especial as proibições constantes do artigo 31.o ou dele decorrentes, e dos atos regulamentares enumerados na parte I do anexo IV, e tomam as medidas necessárias para a sua aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Os Estados‑Membros notificam estas disposições à Comissão até 29 de abril de 2009, e quaisquer ulteriores alterações das mesmas no mais breve prazo possível».

C.   Direito alemão

14.

O § 7 do EG‑Fahrzeugsgenehmigungsverordnung (Regulamento CE sobre a homologação dos veículos, a seguir «EG‑FGV») de 3 de fevereiro de 2011, conforme alterado pela última vez pelo § 4 do Regulamento de 19 de outubro de 2012 dispõe: «A homologação CE caduca quando por força de um ato normativo sejam impostos novos requisitos para efeitos da matrícula, venda ou colocação em circulação de novos veículos nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46/CE, não sendo possível atualizar a homologação. A homologação também caduca com a cessação definitiva da produção do modelo de veículo homologado. O construtor notificará o Kraftfahrt‑Bundesamt (organismo federal dos veículos a motor, a seguir "KBA") da cessação da produção do veículo».

15.

O § 25 do EG‑FGV prevê:

«(1)   Se o KBA verificar que veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas não estão em conformidade com o modelo homologado, deve tomar as medidas necessárias nos termos das Diretivas 2007/46/CE, 2002/24/CE e 2003/37/CE aplicáveis conforme o modelo para assegurar a conformidade da produção ao modelo homologado.

(2)   A fim de suprir as lacunas e garantir a conformidade dos veículos já colocados em circulação, componentes ou unidades técnicas, o KBA pode posteriormente aprovar normas de execução.

(3)   O KBA pode retirar ou revogar a homologação, totalmente ou em parte, em especial quando se apure que

1.

veículos acompanhados de certificado de conformidade ou componentes ou unidades técnicas incluídas numa designação definida não estão em conformidade com o modelo homologado,

2.

veículos acompanhados de certificado de conformidade ou componentes ou unidades técnicas representam um risco para a segurança rodoviária, a saúde pública e o ambiente,

3.

o fabricante não possui um sistema eficaz para monitorizar a conformidade da produção ou não o utiliza da forma prevista,

ou que

4.

o detentor da homologação não respeita os ónus decorrentes dessa homologação».

II. Matéria de facto e procedimento gracioso

16.

A Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, em vigor desde julho de 2006, prevê, designadamente, que os sistemas de climatização de todos os modelos de veículos homologados após 1 de janeiro de 2011 devem utilizar um refrigerante com um potencial de aquecimento global não superior a 150. Não prevê, porém, um tipo de refrigerante específico.

17.

Neste contexto, os produtores europeus de veículos acordaram, no quadro de um processo de normalização internacional que teve lugar em 2009, utilizar o líquido refrigerante com a referência R1234yf (a seguir «refrigerante R1234yf»). Em 2012, uma interrupção no fornecimento deste líquido refrigerante devido à destruição dos locais da sua produção por efeito do tsunami de Fukushima fez com que a aplicação das disposições da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização se tornasse problemática. Reagindo a esse evento, a Comissão, respondendo aos pedidos de esclarecimento apresentados pelas autoridades nacionais, aprovou uma comunicação mediante a qual informava os Estados‑Membros de que não desencadearia qualquer processo por incumprimento, por não conformidade dos veículos à diretiva, pelo menos enquanto o refrigerante R1234yf não estivesse de novo disponível, ficando, todavia, especificado que essa inação nunca iria para além de 31 de dezembro de 2012 ( 4 ). Isto significava que após essa data os construtores não poderiam mais utilizar o líquido refrigerante que até então tinham utilizado, ou seja, o refrigerante com a referência R134a (a seguir «refrigerante R134a»), cujo potencial de aquecimento global era muito superior ao limite imposto pela Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização ( 5 ).

18.

No início de janeiro de 2013 as condições de abastecimento do refrigerante R1234yf normalizaram‑se.

19.

Em 3 de março de 2011, 8 de junho de 2011 e 18 de outubro de 2012, o KBA, enquanto autoridade alemã competente para a homologação dos veículos, procedeu à homologação dos novos modelos de veículos 246, 176 e 117, a pedido da sociedade Daimler AG (a seguir «Daimler»). Como integravam o âmbito de aplicação no tempo da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, essas homologações não podiam ser concedidas se os modelos em causa não tivessem utilizado o refrigerante compatível com o disposto nesse diploma (R1234yf).

20.

Em seguida, a Daimler manifestou dúvidas a respeito da segurança da utilização do refrigerante R1234yf nos modelos 246, 176 e 117, e, por isso, manifestou a intenção de se servir, a partir de janeiro de 2013, do refrigerante R134a em vez do refrigerante R1234yf. No outono de 2012, essa sociedade retirou cerca de 700 veículos desses modelos e substituiu o refrigerante R1234yf pelo R134a.

21.

Em novembro de 2012, pouco tempo antes do termo da moratória concedida pela Comissão, as autoridades alemãs vieram solicitar‑lhe que prorrogasse por seis meses o período de não aplicação das disposições da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, devido à necessidade de verificar novamente a segurança do único refrigerante disponível no mercado compatível com essa diretiva.

22.

A Comissão, em seguida, convidou todos os Estados‑Membros a fornecer informações sobre a forma como a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização estava a ser respeitada nos respetivos territórios. Na sua resposta a esse pedido, as autoridades alemãs confirmaram que só um construtor alemão detentor de homologações alemãs (Daimler) produzia e vendia veículos não conformes aos requisitos relativos às suas homologações.

23.

De janeiro a junho de 2013, a Daimler comercializou 133713 veículos dos modelos 246, 176 e 117 utilizando o refrigerante R134a, embora esses modelos tivessem sido homologados após 1 de janeiro de 2011 e, por conseguinte, fosse obrigatório utilizar um refrigerante conforme às disposições da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização.

24.

Em 3 de janeiro de 2013, a Daimler foi convidada pelo KBA a apresentar, no prazo de 15 dias, as medidas adotadas para restabelecer a conformidade a essa diretiva. Respondendo ao pedido em questão no dia 15 de janeiro de 2013, a Daimler apresentou um plano de ação cujo objetivo era encontrar, até 15 de junho de 2013, uma solução técnica para resolver os problemas de segurança decorrentes da utilização do refrigerante R1234yf nos seus próprios veículos. Em 4 de março de 2013, o KBA ordenou à Daimler que tomasse as medidas adequadas para repôr a conformidade da produção dos modelos 246, 176 e 117 com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. O KBA, caso a Daimler não procedesse nesse sentido, ameaçava‑a com a revogação da homologação a partir de 30 de junho de 2013. Em 26 de junho de 2013, a Daimler comunicou ao KBA ter definitivamente abandonado a produção dos modelos 246, 176 e 117, dado que a busca de uma solução técnica capaz de resolver os problemas de segurança descritos supra não tinha tido sucesso.

25.

Em seguida, o KBA convidou por diversas vezes, entre 1 de janeiro de 2013 e 26 de junho de 2013, a Daimler a proceder à reposição da conformidade dos 133713 veículos comercializados. No final de 2015, a Daimler informou o KBA de que tinha desenvolvido as soluções técnicas necessárias. Porém, a Comissão assinala que, até à data, a conformidade dos referidos veículos à Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização ainda não foi reestabelecida, nem a revogação da homologação decidida.

26.

Em 17 de maio de 2013, o KBA deferiu um pedido da Daimler com vista a obter a extensão do modelo de veículo homologado 245G (veículo a gás natural comprimido) a novas variantes da Classe B a gás natural comprimido. Tendo sido originariamente homologado em 2008, o modelo 245G não estava sujeito à obrigação de utilizar um refrigerante compatível com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. A extensão da homologação desse modelo foi em seguida notificada à Comissão por ofício de 22 de maio de 2013. Posteriormente, em 3 de junho de 2013, o KBA deferiu outro pedido de extensão do mesmo modelo homologado, apresentado pela Daimler em relação a alguns modelos da nova Classe B, da Classe A e da Classe CLA.

27.

Segundo a Comissão, os referidos pedidos de extensão tinham, na verdade, por objeto os veículos dos modelos 246, 176 e 117, cuja produção a Daimler afirmava ter voluntariamente cessado. Na perspetiva da Comissão, a extensão do modelo 245G autorizado pelo KBA permitira à Daimler continuar a produzir e a comercializar os referidos modelos de veículos sem ser obrigada a equipá‑los com o refrigerante compatível com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização.

28.

A Comissão enviou à República Federal da Alemanha um pedido de esclarecimento em 10 de junho de 2013, e em seguida, em 27 de janeiro de 2014, uma notificação para cumprir. Nesta, as autoridades alemãs eram acusadas de ter permitido, entre janeiro e junho de 2013, que 133713 veículos fossem produzidos e comercializados violando as disposições relativas à homologação pertinente, de não ter aplicado sanções ao fabricante em questão e de ter eludido a aplicação da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização.

29.

A República Federal da Alemanha respondeu à notificação para cumprir em 26 de março de 2014. No que toca à não conformidade dos veículos às disposições relativas à sua homologação, recordou que as autoridades nacionais competentes dispõem de um poder discricionário nos termos da Diretiva‑Quadro, e sustentou também que a necessidade de respeitar o princípio da proporcionalidade não lhe permitia tomar medidas concretas. Para além disso, a República Federal explicou que os elementos fornecidos pela Daimler deixavam supor que a utilização do refrigerante R1234yf constituía um risco para a segurança. Em seu entender, no entanto, a não conformidade dos veículos dos modelos 246, 176 e 117 apenas limitadamente punha em causa o objetivo de proteção do clima perseguido pela Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. Em contrapartida, no que respeita ao presumido desvio à referida diretiva, a República Federal da Alemanha sustentou que o KBA deveria ter acolhido os pedidos de extensão da homologação do modelo 245G porque não dispunha de qualquer poder de apreciação uma vez apurado que as condições definidas na Diretiva‑Quadro tinham sido cumpridas. Além disso, importava considerar que a validade das homologações dos modelos 246, 176 e 117 tinha caducado no momento em que a Daimler tinha interrompido a respetiva produção.

30.

A Comissão, em seguida, em 25 de setembro de 2014, enviou um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha, no qual confirmava as acusações expostas na notificação para cumprir.

31.

A República Federal respondeu por ofício de 25 de novembro de 2014, no qual reiterava, no essencial, os argumentos que já havia exposto na resposta à notificação para cumprir.

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

32.

Em 22 de dezembro de 2016, a Comissão intentou a presente ação. A República Federal da Alemanha apresentou a sua contestação em 15 de março de 2017. As partes apresentaram posteriormente uma réplica e uma tréplica em, respetivamente, 26 de abril de 2017 e 12 de junho de 2017.

33.

Na audiência, que teve lugar em 11 de janeiro de 2018, a Comissão e o Governo alemão apresentaram as respetivas alegações orais e responderam às questões do Tribunal.

34.

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça declare que a República Federal da Alemanha cometeu uma tríplice violação das obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva‑Quadro e da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização (i) ao não adotar as medidas necessárias para restabelecer a conformidade dos veículos 246, 176 e 117 aos respetivos modelos homologados (artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro) (ii) ao não adotar as medidas necessárias à aplicação de sanções (conjugação dos artigos 46.o, 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro) (iii) ao deferir, em 17 de maio de 2013, um requerimento da Daimler destinado a obter a extensão da homologação do modelo de veículo 245G a veículos para os quais já tinha sido concedida uma outra homologação a que se aplicam os novos requisitos da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, o que consubstancia, segundo a Comissão, um desvio a essa diretiva. A República Federal da Alemanha pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento à ação intentada pela Comissão.

IV. Análise jurídica

A.   Quanto à violação dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro

1. Argumentos das partes

35.

Na sua petição, a Comissão recorda, antes do mais, que a leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 2, e do anexo IV da Diretiva‑Quadro, bem como do artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, revela que, no presente caso, os modelos de veículos 246, 176 e 117 apenas podiam obter a homologação CE se o potencial de aquecimento global do refrigerante utilizado nos respetivos sistemas de climatização não excedesse 150. Por conseguinte, a partir do momento em que a produção dos veículos desses modelos passou a utilizar um refrigerante com um potencial de aquecimento global mais elevado, os novos veículos produzidos, que a Comissão estima em 800000 unidades no período que decorreu entre 1 de janeiro de 2013 e a propositura da ação ( 6 ), deixaram de ser conformes ao modelo homologado. Nestas circunstâncias, o KBA era obrigado, segundo a Comissão, a assegurar que a produção e os novos veículos produzidos voltavam a ser conformes. Concretamente, essa autoridade devia, por um lado, garantir que o refrigerante utilizado na produção não tinha um potencial de aquecimento global superior a 150 e, por outro, assegurar que os veículos dos modelos 246, 176 e 117, construídos e comercializados utilizando um refrigerante não autorizado, o substituíssem por um refrigerante conforme às características correspondentes ao modelo homologado. Porém, embora tenha sido posto a par dessa inconformidade, o KBA não tomou as medidas necessárias para pôr cobro à situação, comportamento que, segundo a Comissão, corresponde a uma violação dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro ( 7 ). Em especial, a Comissão sublinha que o KBA não só não procedeu à revogação da homologação, como também não se serviu de nenhuma das alternativas de que dispunha, como, por exemplo, a retirada e a reparação dos veículos em causa. A ameaça de revogar a homologação efetivamente feita pelo KBA não constituía decerto uma medida adequada nos termos dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro.

36.

Em resposta à argumentação das autoridades alemãs, segundo as quais o KBA não podia adotar medidas mais eficazes devido às dúvidas que tinha no que respeita à utilização do refrigerante R1234yf nos veículos dos modelos 246, 176 e 117, a Comissão observa que a Diretiva‑Quadro não inclui os elementos constitutivos de uma exceção ou de uma justificação em função da qual os Estados‑Membros possam excluir a aplicação das normas técnicas harmonizadas quando surjam dúvidas sobre a sua correção. Pelo contrário, essa diretiva estabelece uma obrigação incondicional de os Estados‑Membros garantirem o respeito de todas as normas técnicas relativas à segurança e à proteção do ambiente. A única derrogação prevista é a constante do artigo 29.o da Diretiva‑Quadro.

37.

Na sua contestação, a República Federal da Alemanha põe em causa, antes de mais, a alegada violação do artigo 12.o da Diretiva‑Quadro. Segundo a sua interpretação, a verificação a que essa disposição obriga não versa sobre a conformidade ao modelo homologado dos próprios veículos, mas sobre a mera existência de medidas teoricamente idóneas a garantir essa conformidade. Para o caso de se considerar que a República Federal da Alemanha apenas era obrigada a verificar se a Daimler tinha respeitado o controlo de qualidade da produção, a demandada considera que não existia qualquer indício de que o referido controlo não tivesse funcionado, recusando a tese segundo a qual as violações da verificação do sistema de controlo de qualidade eram uma consequência automática da existência de uma falta de conformidade.

38.

Do mesmo modo, a República Federal da Alemanha contesta a acusação respeitante à violação do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro. O ponto de partida para a sua argumentação é o de que essa norma confere de forma explícita um poder discricionário às autoridades competentes dos Estados‑Membros. Em caso de não conformidade, essas autoridades não eram, por conseguinte, imediatamente obrigadas a revogar a homologação, antes devendo atuar de forma progressiva («deve tomar as medidas necessárias») e só em última instância proceder à revogação («incluindo, se for caso disso»). Em resumo, segundo a República Federal da Alemanha a formulação do artigo 30.o exige que a intervenção da autoridade competente seja conforme ao princípio da proporcionalidade. Por esta razão, nenhuma crítica podia ser feita ao KBA, que tinha solicitado à Daimler que lhe apresentasse um plano de ação com propostas visando a resolução do problema, ameaçando revogar a homologação caso não o fizesse dentro do prazo fixado. A revogação não pôde, em seguida, ser ordenada, devido à cessação da produção, pela Daimler, dos veículos em questão antes do termo desse prazo.

39.

Respondendo em seguida à acusação que a Comissão faz ao KBA, de ter num primeiro momento tomado medidas para analisar os riscos recorrentes da utilização do refrigerante R1234yf, a República Federal da Alemanha sublinha que o KBA não podia, então, excluir a existência de um risco grave para a segurança na aceção da Diretiva 2001/95. A este propósito, a demandada refere que a Diretiva‑Quadro não regula o que deve acontecer aos veículos produzidos e comercializados com um problema de conformidade até à revogação da homologação. Nem sequer o artigo 32.o, que prevê a retirada dos veículos, podia ser invocado, dado que essa disposição se aplica apenas aos veículos que «representarem um sério risco para a segurança rodoviária, a saúde pública ou a proteção do ambiente». Nas circunstâncias em causa, a não conformidade dos veículos dos modelos 246, 176 e 117 não implicava de facto, de acordo com a argumentação da República Federal da Alemanha, um risco maior para a segurança rodoviária e a saúde pública, apenas tendo um impacto marginal não mensurável no ambiente.

40.

À luz das informações de que dispunha, o KBA atuou, segundo a República Federal da Alemanha, dentro dos limites do seu poder de apreciação, procedendo a uma ponderação entre a falta de conformidade e os riscos para a segurança no integral respeito do princípio da proporcionalidade. Efetivamente, o KBA tinha estudado a situação potencialmente perigosa e efetuado as suas próprias investigações que, embora não tivessem confirmado a necessidade de atuar sem demora devido à presença de um risco grave na aceção da Diretiva 2001/95, tinham revelado a existência de perigo de inflamação e de exposição ao fluoreto de hidrogénio. Em seguida, após a Daimler ter anunciado que começara a utilizar o refrigerante R1234yf nos seus veículos a partir de 20 de outubro de 2015, o KBA questionou por escrito essa sociedade sobre as medidas de segurança que haviam permitido essa utilização. Tendo ficado satisfeito com as respostas recebidas, o KBA perguntou, em dezembro de 2015, se as medidas em causa também podiam ser aplicadas aos 133713 veículos já comercializados para que voltassem a estar conformes à homologação. Perante as respostas da Daimler, que punham em evidência os problemas de eliminação do refrigerante e os enormes riscos decorrentes da necessidade de modificar componentes sensíveis a nível da segurança, o KBA incumbiu um serviço técnico de avaliar a viabilidade de medidas de transformação. Informado por este serviço de que não era possível uma avaliação clara sem um procedimento de controlo complexo, em julho de 2016 o KBA pediu à Daimler informações circunstanciadas sobre o método de avaliação e a análise dos riscos para a conversão em garagem dos veículos em causa. A apreciação técnica das análises enviada pela Daimler em setembro de 2016 ainda não está concluída. Uma vez terminada, o KBA pretende, se for negativa, emitir uma ordem à Daimler no sentido de restabelecer essa conformidade.

41.

Na réplica, a Comissão afirma, em primeiro lugar, que o artigo 12.o da Diretiva‑Quadro não impõe apenas a adoção de medidas adequadas à identificação de eventuais inconformidades da produção, antes pretendendo salvaguardar a sua conformidade garantindo a adoção das medidas necessárias quando essas inconformidades sejam efetivamente identificadas. Relativamente ao artigo 30.o da Diretiva‑Quadro, a Comissão entende que as considerações em matéria de proporcionalidade apresentadas pela demandada não justificam que esta ainda não tenha tomado as medidas necessárias para obrigar a Daimler a repor a conformidade. Mais exatamente, o facto de a República Federal da Alemanha ainda não ter ordenado a reposição da conformidade, limitando‑se a ponderar uma ordem, excede o poder de apreciação conferido pela Diretiva‑Quadro.

42.

A Comissão observa ainda que os artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro não conferem aos Estados‑Membros qualquer margem de apreciação no que toca ao respeito das normas técnicas harmonizadas no momento da adoção das medidas necessárias à reposição da conformidade. Nesta ótica, a ponderação entre as repercussões climáticas da falta de conformidade e os presumíveis riscos para a segurança decorrentes da utilização do refrigerante compatível com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização está, na opinião da Comissão, em conflito com as referidas disposições.

43.

Na tréplica, a República Federal da Alemanha reitera que a escolha das «medidas necessárias» imposta pelo artigo 30.o da Diretiva‑Quadro em caso de não conformidade implica necessariamente uma ponderação de todas as circunstâncias do caso, inclusive as relativas à segurança e à saúde das pessoas. No essencial, o KBA tinha exercido corretamente o seu poder discricionário e tinha atuado de forma apropriada e eficaz.

2. Apreciação

44.

O exame do primeiro fundamento da ação exige, em meu entender, algumas breves observações preliminares com vista a esclarecer o contexto jurídico, caracterizado por um elevado nível de tecnicidade, que subjaz ao caso submetido à apreciação do Tribunal.

a) Observações preliminares

45.

A regulamentação ora em objeto integra o âmbito do processo de harmonização das disposições nacionais relativas às normas técnicas e à homologação dos veículos a motor desencadeado pela Comunidade Económica Europeia nos anos 60, com o objetivo de tornar efetiva a livre circulação de mercadorias no setor automóvel. Para esse efeito, o legislador europeu adotou uma metodologia que consiste na incorporação de todas as normas técnicas respeitantes à matrícula, venda e comercialização dos veículos numa única Diretiva‑Quadro (inicialmente, a Diretiva do Conselho de 6 de fevereiro de 1970 relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à homologação dos veículos a motor e seus reboques ( 8 ), mais tarde substituída pela atual Diretiva‑Quadro), completada por uma série de atos normativos (a seguir «atos normativos»), a que a Diretiva‑Quadro faz referência ( 9 ).

46.

A observância das normas técnicas harmonizadas é garantida pela Diretiva‑Quadro através de um duplo controlo. O primeiro decorre antes do início da produção (a seguir «controlo ex ante»), enquanto o segundo decorre posteriormente a esse início (a seguir «controlo ex post»). O controlo ex ante, efetuado num protótipo representativo do veículo em causa, consiste na verificação da conformidade desse protótipo às normas técnicas harmonizadas ( 10 ). Se esse controlo for positivo, os Estados‑Membros procedem a uma homologação CE para o modelo de veículo em questão, homologação essa que tem por função fornecer ao construtor a certeza jurídica de que todos os produtos conformes ao modelo homologado podem ser licitamente comercializados. Dado que o respeito das normas técnicas harmonizadas já está controlado e certificado quando da homologação, o controlo ex post está limitado à conformidade da produção e dos novos veículos produzidos à homologação do modelo de veículo em causa.

47.

O primeiro fundamento apresentado pela Comissão no presente processo apenas diz respeito a esta última forma de controlo. Mais concretamente, a Comissão lamenta a inação da República Federal da Alemanha face ao facto de a Daimler, após ter obtido a homologação dos modelos 246, 176 e 117, ter produzido veículos não absolutamente conformes às normas técnicas harmonizadas aplicáveis a esses modelos, visto que em violação de um dos atos normativos, ou seja, a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. Face a esse comportamento da Daimler, o KBA deveria ter reagido, segundo a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 12.o da Diretiva‑Quadro, para restabelecer a conformidade da produção do construtor em causa ao modelo homologado, e com o disposto no artigo 30.o do mesmo diploma, a fim de repor a conformidade dos veículos já produzidos ao modelo homologado.

48.

Perante o facto de a República Federal da Alemanha ter apresentado, nos seus articulados, diversas objeções relativamente às duas disposições alegadamente violadas, considero relevante debruçar‑me sobre o primeiro fundamento dividindo‑o em duas partes.

b) Quanto ao não restabelecimento da conformidade da produção

49.

O artigo 12.o da Diretiva‑Quadro («Disposições relativas à conformidade da produção»), cujo conteúdo está mais detalhadamente exposto no anexo X desse mesmo diploma, imputa aos Estados‑Membros uma tríplice obrigação.

50.

O n.o 1 dispõe que, quando da concessão da homologação, o Estado‑Membro é obrigado a tomar as «medidas necessárias» para verificar se o construtor requerente tomou as medidas adequadas para assegurar que os veículos produzidos estão em conformidade com o modelo ou tipo homologado. Essas medidas consistem, de acordo com o anexo X, numa avaliação dos sistemas de gestão da qualidade («avaliação inicial»), de acordo com as orientações sobre o planeamento e a condução das avaliações contidas na norma harmonizada ISO 10011 de 1991 ( 11 ), e na verificação do objeto da homologação e controlos relacionados com o produto («disposições relativas à conformidade do produto»), de acordo com o disposto no ponto 2.2 («a entidade de homologação CE de um Estado‑Membro deve verificar a existência de disposições adequadas e de planos de controlo documentados, a acordar com o fabricante para cada homologação, com vista a efetuar, a intervalos determinados, os ensaios ou verificações correlacionados necessários para verificar que se mantém a conformidade com o modelo ou tipo homologado»).

51.

O n.o 2 prevê que, após a concessão da homologação, o Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para verificar, uma vez iniciada a produção, se as medidas constantes do n.o 1 continuam a ser adequadas e se os veículos continuam a estar em conformidade com o modelo ou tipo homologado.

52.

O n.o 3 regula os casos em que as medidas previstas no n.o 1 não foram aplicadas, se afastam significativamente das aprovados ou deixaram de ser aplicadas, especificando que o Estado‑Membro, nesse caso, deve tomar as medidas necessárias, incluindo a revogação da homologação, para garantir que o procedimento relativo à conformidade da produção seja aplicado de forma correta.

53.

A argumentação apresentada pela República Federal da Alemanha na contestação diz apenas respeito ao n.o 1 do artigo 12.o. A este propósito, a demandada sustenta que a natureza da obrigação imposta aos Estados‑Membros por essa disposição é diferente daquela que a Comissão delineou na petição. Em especial, os Estados‑Membros não são obrigados a garantir a inexistência de não conformidades dos veículos produzidos, mas apenas a verificar a existência de medidas adequadas para assegurar a conformidade da produção. No entender da República Federal da Alemanha, nada lhe podia ser censurado no presente caso, dado que não existia qualquer prova de que o controlo de qualidade da Daimler não funcionou. Pelo contrário, o KBA foi informado desde o início da existência de inconformidades nos veículos dos modelos 246, 176 e 117 devido à utilização do refrigerante R134a em vez do R1234yf.

54.

Não duvido que o n.o 1 do artigo 12.o, se examinado separadamente, possa ser interpretado no sentido indicado pela República Federal da Alemanha. Todavia, não se pode ignorar que isso é, como há pouco se referiu, apenas uma componente de todo o sistema de controlo da conformidade da produção definido no artigo 12.o.

55.

Se, em seguida, se examinar a disposição em causa na sua integralidade, concluir‑se‑á claramente que aquilo que é pedido aos Estados‑Membros não é simplesmente a adoção das medidas adequadas para verificar ( 12 ) a existência de divergências de conformidade da produção, mas sim das medidas necessárias para restabelecer ( 13 ) a sua conformidade.

56.

A principal evidência do que acaba de se afirmar encontra‑se, como a Comissão ao de leve observou na sua réplica, na letra do n.o 3 do artigo 12.o. A obrigação de tomar as «medidas necessárias» imposta aos Estados‑Membros nessa disposição tem como pressuposto a verificação da existência dessa divergência («Caso […] apure que as medidas constantes do n.o 1 não são aplicadas, se afastam significativamente das disposições e planos de controlo aprovados ou deixaram de ser aplicadas»), enquanto o seu objeto é indubitavelmente a efetiva reposição da conformidade da produção («garantir que o procedimento relativo à conformidade da produção seja aplicado de forma correta»).

57.

Nesta perspetiva, não restam dúvidas de que se deve considerar que, no presente caso, houve infração ao artigo 12.o Com efeito, a não aplicação pela Daimler, a partir de 1 de janeiro de 2013, das medidas suscetíveis de garantir a conformidade da produção dos veículos dos modelos homologados 246, 176 e 117 deveria ter levado o KBA, enquanto autoridade competente, a adotar as medidas necessárias à reposição da referida conformidade.

58.

A primeira parte do primeiro fundamento de incumprimento, relativo à violação do artigo 12.o da Diretiva‑Quadro pela República Federal da Alemanha, deve, portanto, em meu entender, ser acolhida.

c) Quanto à não adaptação dos veículos já produzidos

59.

O artigo 30.o da Diretiva‑Quadro («não‑conformidade de veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas com o modelo ou tipo homologados») regula os casos em que o sistema de controlo da conformidade da produção não funcionou adequadamente, com a consequência de os veículos produzidos pelo construtor não serem conformes ao respetivo modelo homologado. Nesse caso, o artigo em questão prevê que o Estado‑Membro que tiver concedido a homologação deve tomar as medidas necessárias, incluindo a revogação da própria homologação, para restabelecer a conformidade ao modelo homologado.

60.

Recordo antes de mais que a questão relativa à violação do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro surge, neste processo, devido aos 133713 veículos dos modelos 246, 176 e 117 produzidos e colocados no mercado pela Daimler entre 1 de janeiro e 26 de junho de 2013 (ou, segundo a Comissão, os cerca de 800000 veículos produzidos e colocados no mercado entre 1 de janeiro de 2013 e a data em que foi intentada a ação) apesar de não serem conformes à respetiva homologação devido à utilização do refrigerante R134a em vez do refrigerante compatível com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização (R1234yf). A razão da não conformidade desses veículos reside no facto de a Daimler estar persuadida, tendo disso informado o KBA, de que a utilização do refrigerante R1234yf implicava riscos sérios para a segurança.

61.

As partes concordam que a reação do KBA em relação a essa não conformidade, descrita nos n.os 24 e 25 das presentes conclusões, não conduziu à adoção de nenhuma das medidas para reposição da conformidade previstas na norma de direito alemão que transpõe o artigo 30.o da Diretiva‑Quadro (§25 da EG‑FGV), como a revogação da homologação, a retirada e reparação dos veículos em causa ou a imposição de medidas acessórias. Na verdade, após uma ameaça inicial de revogação da homologação (com a fixação de um prazo para pôr termo à não conformidade), o KBA limitou‑se a encetar um diálogo com a Daimler a fim de explorar a possibilidade de se desenvolverem soluções técnicas suscetíveis de permitir a utilização do refrigerante R1234yf nos veículos em causa sem riscos para a segurança ( 14 ).

62.

Esta reação do KBA ter‑lhe‑ia sido imposta, no entender da República Federal da Alemanha, pela necessidade de atuar no respeito do princípio da proporcionalidade, que decorre da letra do próprio artigo 30.o da Diretiva‑Quadro («medidas necessárias»). Nas presentes circunstâncias, a revogação da homologação, que nunca seria imposta por essa norma («incluindo, se for caso disso»), representava, segundo a demandada, uma resposta desproporcionada, dada a natureza relativamente pouco importante da não conformidade existente nos veículos dos modelos 246, 176 e 117.

63.

Para determinar se a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro, importa antes de mais apurar se, por força dessa disposição, dispunha de uma margem de apreciação e, eventualmente, qual a extensão dessa margem.

64.

Ora, mesmo admitindo que a referência genérica às «medidas necessárias ( 15 ) […] para assegurar que os veículos […] produzidos se tornem conformes com o modelo ou tipo homologados» implica que a disposição em causa atribui às autoridades competentes dos Estados‑Membros alguma margem de discricionariedade na escolha da medida a adotar, concordo com a Comissão relativamente ao facto de essa margem não permitir às referidas autoridades fazer a sua escolha fora do leque de medidas idóneas a restabelecer a conformidade ( 16 ).

65.

Esta conclusão é corroborada, em minha opinião, por duas observações essenciais.

66.

A primeira tem a ver com a letra do artigo 30.o Embora em contextos diferentes dos das diretivas em causa, o Tribunal de Justiça já esclareceu que a utilização da fórmula «medidas necessárias» sem mais esclarecimentos acerca do conteúdo concreto das medidas que devem ser tomadas para assegurar o objetivo definido, de resto não raro na redação dos atos legislativos da União, permite aos Estados‑Membros escolher a medida a tomar apenas de entre aquelas que permitem alcançar o referido objetivo ( 17 ).

67.

A segunda, de importância ainda maior, funda‑se no facto, corretamente sublinhado pela Comissão na réplica, de que reconhecer às autoridades competentes dos Estados‑Membros uma maior margem de discricionariedade, que prescinda da consecução do objetivo de restabelecer a conformidade ao modelo homologado, equivaleria a privar o sistema uniformizado das homologações definido pela conjugação do disposto na Diretiva‑Quadro e nos atos normativos de qualquer efeito útil ( 18 ). A existência dessa margem de discricionariedade implicaria, de facto, que as autoridades nacionais competentes dispusessem da faculdade, quando confrontadas com uma inconformidade, de determinar a importância a atribuir ao respeito das normas técnicas em questão à luz das circunstâncias de facto, e de decidir em consequência sobre se atuar, ou não, para a reposição da conformidade dos veículos em causa com o modelo homologado. Ora, uma interpretação que tem por efeito deixar a essas autoridades nacionais a decisão sobre quais normas técnicas de entre as constantes dos atos normativos devem ser respeitadas esvaziaria de efeito útil o sistema uniformizado das homologações, dado que esse efeito útil depende do respeito de todas ( 19 ) as normas técnicas harmonizadas constantes dos atos normativos elencados no anexo IV da Diretiva‑Quadro.

68.

Em síntese, uma correta interpretação do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro, que tenha em conta tanto a letra como o efeito útil da disposição em causa, deve reconhecer que a margem de apreciação reconhecida às autoridades nacionais não pode desprezar a obrigação de obter o resultado definido, ou seja, a reposição da conformidade dos veículos em questão com o respetivo modelo homologado.

69.

No presente caso, se é verdade que a revogação da homologação não devia ser considerada obrigatória nos termos da norma em análise, também é pacífico que as disposições nacionais de transposição do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro oferecem um vasto leque de medidas suscetíveis de permitir restabelecer a conformidade dos veículos em causa aos modelos homologados 246, 176 e 117 (v.g. retirada e reparação dos veículos, imposição de mutação para o refrigerante R1234yf a título de medida acessória). Nestas circunstâncias, a fórmula «medidas necessárias» não obrigava o KBA a escolher uma medida concreta de entre as previstas, mas sim uma delas ( 20 ).

70.

Os argumentos da demandada no que toca à necessidade de ponderação entre a exigência de alcançar o objetivo de repor a conformidade, mediante a mutação dos veículos em causa para o refrigerante R1234yf, e os riscos para a segurança decorrentes da utilização do referido refrigerante nos veículos dos modelos 246, 176 e 117 não podem, em meu entender, pôr em causa a referida conclusão. Por outras palavras, a não realização do objetivo da reposição da conformidade não se justifica, nem mesmo pela necessidade, invocada pela República Federal da Alemanha, de proceder a verificações no que toca aos referidos riscos para a segurança.

71.

Sublinho, a este respeito, que a argumentação da demandada parte do «altruísmo» das considerações atinentes à segurança dos veículos por comparação com as que preveem as normas técnicas harmonizadas constantes dos atos normativos elencados no anexo IV. É o que em especial se depreende da afirmação, constante da tréplica, segundo a qual a argumentação da Comissão sobrepunha o «respeito formal ilimitado» dessas normas técnicas à proteção da saúde e da vida das pessoas.

72.

Esta premissa é, em meu entender, errada, e invalida, portanto, fatalmente a argumentação da demandada.

73.

Com efeito, parece‑me incontestável que a proteção da segurança coincida, em princípio, com o respeito das normas técnicas contempladas nas disposições dos atos normativos. É o que resulta com a maior clareza da leitura do terceiro considerando da Diretiva‑Quadro, segundo o qual os atos normativos devem ter como objetivo assegurar um elevado nível de segurança rodoviária e de proteção da saúde. As referidas normas, longe de serem requisitos meramente formais cujo não respeito pode ser justificado por preocupações atinentes à segurança, marcam de forma exaustiva as preocupações de segurança que, a este respeito, o legislador da União considera que se devem, ou podem, ter presentes ( 21 ).

74.

Se os atos normativos já definiram o nível de segurança julgado adequado, os Estados‑Membros não podem por certo invocar razões de segurança para justificar o não respeito das disposições desses atos.

75.

Por conseguinte, o KBA não pode alegar a necessidade de efetuar verificações dos riscos para a segurança no que toca à utilização do refrigerante com um potencial de aquecimento inferior a 150 (R1234yf) para justificar o não ter tomado as medidas necessárias para pôr cobro ao não cumprimento, pela Daimler, da norma técnica que obrigava à utilização desse refrigerante, constante do artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. Daqui decorre, necessariamente, que a conduta adotada pela República Federal da Alemanha nestas circunstâncias consubstancia uma violação do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro.

76.

Esta conclusão não sofre alterações, em meu entender, pelo facto de na sua contestação a República Federal da Alemanha sustentar que a utilização do refrigerante R1234yf nos veículos produzidos pela Daimler poder criar uma situação de risco incompatível com a Diretiva 2001/95/CE.

77.

Considero, efetivamente, que a Diretiva 2001/95 não é aplicável no presente caso. É o que claramente se depreende da referência existente no décimo sétimo considerando da Diretiva‑Quadro, segundo o qual essa diretiva constitui um conjunto de «exigências de segurança», na aceção do n.o 2 do artigo 1.o da Diretiva 2001/95/CE. Este artigo, ao estabelecer que «no caso de produtos abrangidos por legislação comunitária que contemple exigências de segurança específicas, a presente diretiva éaplicável apenas aos aspetos e riscos ou categorias de riscos não abrangidos por essas exigências» ( 22 ), qualifica a Diretiva 2001/95 como lex generalis que pode ser aplicada apenas quando não se aplique a lex specialis constituída pela conjugação do disposto na Diretiva‑Quadro e nos atos normativos. Porém, estes atos incluem uma norma técnica (ou, para usar a linguagem do décimo sétimo considerando, uma exigência de segurança) relativa à utilização do refrigerante, ou seja, o artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva‑Quadro, e aplicam‑se, portanto, em vez da Diretiva 2001/95 ( 23 ).

78.

Importa, ainda, fazer uma precisão.

79.

Tanto na fase escrita como na audiência, as partes manifestaram dúvidas sobre qual deveria ter sido a linha de conduta do KBA para atender às preocupações relativas à segurança evidenciadas pela Daimler sem incorrer na violação do artigo 30.o da Diretiva‑Quadro.

80.

A este propósito, concordo com a Comissão quanto ao facto de que, neste caso, o KBA apenas poderia ter recorrido à faculdade conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 29.o da Diretiva‑Quadro.

81.

Essa disposição, integrada no Capítulo XII da Diretiva‑Quadro («Cláusulas de Salvaguarda»), permite aos Estados‑Membros ter em consideração os riscos para a segurança rodoviária, a saúde pública e o ambiente devido a insuficiências nas diretivas específicas aplicáveis ou a incorreta aplicação das normas técnicas nelas contidas, sem, no entanto, permitir que derroguem unilateralmente as referidas normas técnicas.

82.

Em especial, essa disposição determina que os Estados‑Membros podem, durante um período máximo de seis meses, não autorizar a matrícula, a venda ou a colocação em circulação de veículos, caso i) os veículos em causa sejam conformes às normas técnicas previstas nas diretivas específicas ii) subsista um «grave» risco para a segurança rodoviária, o ambiente ou a saúde pública, e iii) que em seguida haja lugar a um processo de sinalização especial, que envolva tanto os outros Estados‑Membros como a Comissão.

83.

De qualquer modo, mesmo que a República Federal da Alemanha tivesse invocado a sua aplicação (quod non), parece claro que nenhuma das referidas condições pode, no caso em apreço, considerar‑se satisfeita.

84.

Entendo, portanto, que também a segunda parte do primeiro fundamento de incumprimento deve ser acolhida.

B.   Quanto à violação do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro

1. Argumentos das partes

85.

Na sua petição, a Comissão alega que a Daimler violou os artigos 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro. A este propósito, recorda antes de mais que o artigo 5.o determina que o construtor é obrigado a garantir que as normas que subjazem à homologação dos veículos correspondentes são duradoiramente respeitadas. Todavia, a partir de janeiro de 2013 os modelos 246, 176 e 117 deixaram de ser construídos em conformidade com a respetiva homologação. Além disso, a Comissão recorda que a conjugação do disposto no artigo 18.o, n.o 1, com o anexo IX da Diretiva‑Quadro prevê que o fabricante entregue um certificado de conformidade a acompanhar um veículo acabado desde que o veículo em questão seja «fabricado em conformidade com o modelo do veículo homologado». Consequentemente, segundo a Comissão, um fabricante não pode entregar um certificado de conformidade se a conformidade do veículo em causa ao modelo homologado, como atestada pelo certificado, não existir. Todavia, dado que a partir de janeiro de 2013 os veículos dos modelos 246, 176 e 117 deixaram de estar em conformidade com o modelo homologado, a declaração da Daimler que figura no certificado de conformidade entregue para acompanhar os veículos desses modelos não correspondia à realidade. Nestas circunstâncias, a Comissão recorda que o artigo 46.o da Diretiva‑Quadro estabelece que os Estados‑Membros determinam, nos seus ordenamentos jurídicos, sanções «efetivas, proporcionadas e dissuasivas» aplicáveis em caso de incumprimento das disposições dessa diretiva pelos fabricantes. Como o KBA, segundo a Comissão, não tomou nenhuma medida penalizante relativamente à Daimler, essa omissão corresponde a uma violação do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro.

86.

Na sua contestação, a República Federal da Alemanha nega que tenha havido violação do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro. A este propósito, esclarece que apenas poderão ser aplicadas sanções quando o KBA opte por uma ordem no termo da referida avaliação técnica e essa injunção não for respeitada pela Daimler.

87.

Na réplica, a Comissão limita‑se a realçar, a este respeito, que a obrigação de aplicar sanções prevista nesse artigo é aplicável sem prejuízo da violação dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro.

2. Apreciação

88.

O segundo incumprimento imputado à República Federal da Alemanha versa sobre a obrigação de punir quaisquer violações das disposições da Diretiva‑Quadro, e no presente caso dos artigos 5.o e 18.o Em síntese, essas disposições impõem ao construtor, respetivamente, a obrigação de garantir que a produção dos seus veículos será duradoiramente conforme às normas técnicas em cujo respeito se fundou a sua homologação e a obrigação de entregar um certificado de conformidade que acompanhará cada veículo fabricado em conformidade com o modelo homologado.

89.

Observo, em primeiro lugar, que nem na contestação nem na tréplica apresentadas pela República Federal da Alemanha no decurso da fase escrita do processo existem quaisquer vestígios de pretender pôr em causa o não cumprimento, pela Daimler, das obrigações impostas pelos artigos 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro, circunstância que parece aliás resultar de forma inequívoca do quadro factual em análise. Nesta perspetiva, não me alongarei mais sobre este aspeto e passarei de imediato a analisar se é possível considerar que o comportamento da República Federal da Alemanha consubstancia uma violação do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro.

90.

A este respeito, recordo que a primeira parte dessa norma prevê que os Estados‑Membros são obrigados a determinar, no respetivo ordenamento jurídico, as sanções aplicáveis em caso de violação das disposições da Diretiva‑Quadro e dos atos normativos. Essa obrigação foi, segundo entendo, cumprida pela demandada, pois o §37 EG‑FGV prevê que as violações referidas no artigo 46.o da Diretiva‑Quadro devem ser punidas como violações de direito interno.

91.

O mesmo não se pode afirmar no que toca à segunda parte da norma, que obriga os Estados‑Membros a tomar todas as medidas necessárias para assegurar a aplicação de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Dos autos resulta, com efeito, que, perante a violação dos artigos 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro, o KBA não aplicou ao construtor Daimler qualquer sanção ( 24 ). Esta inação é, indubitavelmente, suscetível de integrar a violação do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro.

92.

A argumentação defensiva da República Federal da Alemanha não me convence do contrário.

93.

Segundo essa argumentação, as sanções previstas no artigo 46.o da Diretiva‑Quadro apenas seriam aplicadas pelo KBA no termo da apreciação técnica dos riscos ligados à mutação para o refrigerante R1234yf dos veículos já produzidos e comercializados que padecem da não conformidade caso fosse proferida uma ordem para efeitos da conversão dos referidos veículos e a mesma não tivesse sido respeitada. Na verdade, parte da premissa errada de que o incumprimento das obrigações que impendem sobre o fabricante nos termos dos artigos 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro não deve ser punido autonomamente, mas apenas como consequência do facto de as medidas que visam a reposição da conformidade adotadas pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros ao abrigo dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva‑Quadro não terem sido executadas.

94.

A mim parece‑me inquestionável, pelo contrário, que a obrigação prevista no artigo 46.o da Diretiva‑Quadro, de aplicar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em caso de incumprimento das disposições da Diretiva‑Quadro, deve ser aplicada independentemente ( 25 )da obrigação imposta pelos artigos 12.o e 30.o da mesma diretiva, de restabelecer a conformidade ao modelo homologado.

95.

O que é confirmado, como corretamente observado pela Comissão na réplica, pelo facto de o artigo 46.o perseguir, no âmbito do sistema instaurado pela Diretiva‑Quadro, objetivos diferentes daqueles que são os dos artigos 12.o e 30.o Enquanto estes artigos, sendo fundamentais para a preservação do respeito das normas técnicas constantes dos atos normativos, são funcionais para efeitos da consecução dos objetivos perseguidos pelos referidos atos, ou seja, principalmente, a proteção da segurança rodoviária, da saúde pública e do ambiente ( 26 ), o artigo 46.o, assegurando uma aplicação eficaz do sistema de homologação, serve principalmente o objetivo da instituição e funcionamento de um mercado interno caracterizado por uma concorrência leal entre os fabricantes ( 27 ).

96.

Apesar de o processo sobre que nos debruçamos demonstrar que é possível ponderar uma sua aplicação cumulativa caso o incumprimento de uma disposição da Diretiva‑Quadro tenha o efeito de gerar uma não conformidade, não pode certamente afirmar‑se que existe uma relação de dependência entre a violação dos artigos 12.o e 30.o e a do artigo 46.o, pelo que a obrigação punitiva prevista nesta última disposição surge apenas em caso de violação das medidas definidas nos primeiros para efeitos da reposição da conformidade.

97.

Consequentemente, o KBA deveria ter censurado o incumprimento das obrigações que incumbiam à Daimler nos termos dos artigos 5.o e 18.o da Diretiva‑Quadro mediante a aplicação de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Não tendo cumprido essa obrigação sancionatória, deve‑se concluir que a República Federal da Alemanha violou o artigo 46.o da Diretiva‑Quadro.

98.

Assim, o segundo fundamento de incumprimento deve, em meu entender, ser julgado procedente pelo Tribunal de Justiça.

C.   Quanto à entorse à Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização em razão da extensão da homologação do modelo 245G

1. Argumentos das partes

99.

Na petição, a Comissão recorda antes do mais, referindo‑se ao artigo 14.o da Diretiva‑Quadro, que um modelo homologado pode ser objeto de extensão a outros veículos que se diferenciam do referido modelo, quando estes cumprirem as condições jurídicas de que dependia a concessão da homologação originária e possam considerar‑se incluídos nesse modelo ao abrigo dos critérios constantes do anexo II, parte B, da Diretiva‑Quadro. Essas condições não se encontram satisfeitas, segundo a Comissão, no presente caso, em que o modelo 245G, homologado num momento em que a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização ainda não era aplicável, foi estendido a veículos que tinham sido homologados (e fabricados) como modelos 246, 176 e 117 num momento em que a diretiva já era aplicável. Esta não seria, de facto, uma extensão na aceção da diretiva, mas uma substituição de homologação sob a aparência de uma extensão, e correspondia, portanto, a uma entorse ao direito da União. Esta conclusão, segundo a Comissão, encontra confirmação na letra de algumas disposições específicas da Diretiva‑Quadro, designadamente o artigo 6.o, n.o 6, que estabelece que um modelo já homologado não pode ser objeto de nova homologação, o anexo II, n.o 7, e os anexos VII e IX. Estas normas obstavam, efetivamente, à possibilidade de substituição da homologação. A este propósito, a Comissão sublinha que a função da extensão é a de permitir adaptar um modelo de veículo existente a novas normas introduzidas para novos veículos em virtude do surgimento de inovações técnicas, e não, pelo contrário, a de adaptar as normas em vigor para um determinado modelo de veículo.

100.

Na sua contestação, a República Federal da Alemanha sustenta que, deferindo a extensão do modelo já existente 245G a veículos que já tinham beneficiado de homologações a que se aplicam as normas da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, ou seja, as homologações 246, 176 e 117, o KBA não pretendeu contornar a diretiva. De resto, segundo a República Federal da Alemanha, a produção dos referidos modelos cessou definitivamente em 26 de junho de 2013. Os veículos abrangidos pelo pedido de extensão do modelo 245G deviam, portanto, considerar‑se incluídos num modelo diferente relativamente aos veículos homologados como modelos 246, 176 e 117.

101.

De todo o modo, a demandada sublinha que a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização não proíbe a extensão de homologações anteriores. Aliás, a obrigação de todos os veículos respeitarem as normas dessa diretiva quando da sua primeira matrícula só entrava em vigor em 1 de janeiro de 2017. Além disso, a República Federal da Alemanha sublinha que a extensão está expressamente prevista no artigo 45.o, n.o 5, da Diretiva‑Quadro. Por último, sustenta que o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva‑Quadro não consagra uma proibição absoluta de substituição da homologação.

102.

Na réplica, a Comissão afirma que os veículos dos modelos 246, 176 e 117 construídos após 26 de junho de 2013 são tecnicamente idênticos aos fabricados anteriormente a essa data. O facto de a partir de 26 de junho de 2013 os referidos veículos deverem ter uma homologação diferente era uma questão jurídica, e não de facto. Com base nisto, a Comissão defende que a demandada não tinha o direito de deferir o pedido da Daimler de extensão do modelo 245G, na medida em que esse pedido respeitava a veículos que já tinham sido homologados como modelos 246, 176 e 117. O acolhimento do pedido da Daimler violou, portanto, segundo a Comissão, o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva‑Quadro.

2. Apreciação

103.

Resumindo, o terceiro incumprimento imputado à República Federal da Alemanha diz respeito a uma entorse à Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, que foi posta em causa, segundo a Comissão, através do acolhimento do pedido da Daimler relativo à extensão do modelo 245G, homologado em 2008 e, portanto, não sujeito à obrigação de utilizar um refrigerante compatível com a referida diretiva, a veículos relativamente aos quais já haviam sido concedidas outras homologações (246, 176 e 117) e que, por força dessas mesmas homologações, estavam sujeitos à aplicação da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização. A demandada contesta a tese da Comissão, alegando que a produção dos veículos dos modelos 246, 176 e 117 cessou voluntariamente em 26 de junho de 2013.

104.

Noto antes de mais que, na sua petição, a Comissão indicou, no que respeita ao fundamento ora em discussão, quais as normas concretas do sistema uniformizado de homologação que foram violadas. Contudo, da leitura dos argumentos apresentados pela Comissão nos seus articulados infere‑se que o fundamento jurídico do alegado incumprimento é a incompatibilidade do acolhimento do pedido de extensão da Daimler com (i) o sistema de controlo ex post consagrado na Diretiva‑Quadro, bem como com (ii) o objetivo prosseguido por esta. Analisarei em seguida sucessivamente estas duas partes do fundamento em questão.

105.

No âmbito da primeira parte, a Comissão observa que as modalidades do controlo ex post, que incluem uma verificação limitada à conformidade do veículo ao modelo homologado, implicam necessariamente que cada veículo corresponda exatamente ao modelo correspondente homologado e que este modelo esteja conforme às normas técnicas em vigor no momento da respetiva homologação. Por essa razão, as normas relativas à homologação estabelecem, em primeiro lugar, que um modelo já homologado não pode ser objeto de nova homologação (artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva‑Quadro) ( 28 ). Em segundo lugar, prevê a atribuição a cada modelo homologado de um número de identificação, revelador da situação jurídica em vigor no momento da homologação, que não deve ser confuso (anexos II, n.o 7, e VII da Diretiva‑Quadro), bem como a entrega conjuntamente com cada veículo comercializado de um certificado de conformidade que contenha igualmente informações sobre a referida situação jurídica (anexo X da Diretiva‑Quadro). Daqui decorre, segundo a Comissão, que o sistema de controlo ex post delineado na Diretiva‑Quadro, especialmente nos artigos 12.o e 30.o, inclui uma «proibição [tácita] de substituição da homologação», que não foi respeitada quando o KBA deferiu os pedidos apresentados pela Daimler.

106.

A interpretação da Comissão, que a leva a concluir que a extensão do modelo 245G pedida pela Daimler viola as normas fundamentais do sistema de controlo ex post, em especial o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva‑Quadro, por os veículos em causa já terem sido objeto de outras homologações, não me convence.

107.

De resto, essa interpretação é, em meu entender, contrariada pelo próprio teor literal do artigo 6.o, n.o 6.

108.

Sendo de facto verdade que a passagem pertinente dessa norma prevê que o fabricante só pode apresentar um único pedido de homologação, também esclarece que essa proibição é «para cada modelo de veículo». Por conseguinte, a conclusão a que a Comissão chegou apenas pode ser subscrita se se demonstrar que os veículos em causa no que toca à extensão do modelo homologado 245G são absolutamente idênticos, no que respeita aos critérios definidos no anexo II, parte B, da Diretiva‑Quadro, aos anteriormente homologados como modelos 246, 176 e 117. Só nesse caso, com efeito, se poderia concluir, como faz a Comissão, que o pedido de extensão da Daimler versa sobre um modelo de veículo que já havia sido anteriormente homologado, e assim que o deferimento, pela KBA, do referido pedido viola o artigo 6.o, n.o 6, da Diretiva‑Quadro.

109.

A questão que acabámos de descrever foi objeto de uma discussão intensa entre as partes, especialmente na audiência.

110.

A este propósito, cabe antes de mais recordar que, sendo uma questão fundamental para se decidir da procedência do presente fundamento de incumprimento, o ónus de provar que os veículos com os números de identificação 246, 176 e 117 integram o mesmo modelo que os abrangidos pelo pedido de homologação do modelo 245G cabe à Comissão, a qual deve fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este verifique a existência do incumprimento ( 29 ).

111.

Apresentarei agora as razões pelas quais considero que a Comissão não cumpriu essa obrigação.

112.

A conclusão da Comissão de que os veículos dos modelos 246, 176 e 117 são todos idênticos aos incluídos no pedido de extensão da homologação do modelo 245G funda‑se na igualdade absoluta entre as respetivas denominações comerciais e os modelos correspondentes. Esta evidência não basta. É verdade que os «aspetos essenciais de construção e projeto» de um veículo são um dos três elementos essenciais do conceito de «modelo» para a categoria dos veículos M1 ( 30 ) na aceção do anexo II, parte B, da Diretiva‑Quadro, conjuntamente com o «fabricante» e a «designação de modelo do fabricante». Porém, como argumenta a República Federal da Alemanha com base em inúmeros exemplos a nível europeu de veículos com características de fabrico idênticas ou quase idênticas, mas homologados como modelos diferentes, o legislador europeu, com a regulamentação que estava em vigor à época dos factos, conferiu à «designação de modelo do fabricante» uma importância determinante ( 31 ) para efeitos da determinação do âmbito de um modelo. Consequentemente, mesmo que os veículos homologados como modelos 246, 176 e 117 fossem absolutamente idênticos aos incluídos na extensão do modelo 245G, o facto de, para estes, a Daimler ter utilizado designações do modelo diferentes deve bastar, à luz da regulamentação então aplicável, para se concluir que se trata de modelos de veículos diferentes ( 32 ).

113.

É certo que essa regulamentação acarreta para o fabricante um poder discricionário seguro. É precisamente por isto que o Regulamento n.o 678/2011 da Comissão, de 14 de julho de 2011, que substitui o anexo II e altera os anexos IV, IX e XI da Diretiva‑Quadro (a seguir «Regulamento n.o 678/2011»), retirou da lista das características essenciais do conceito de modelo a «designação de modelo do fabricante» ( 33 ).

114.

Deve em seguida considerar‑se, da mesma maneira que a República Federal da Alemanha, que a regulamentação aplicável ao presente caso confere efetivamente ao fabricante a faculdade de definir o alcance do conceito de modelo.

115.

À luz do exposto, entendo que a Comissão não fez prova bastante de que os veículos homologados como modelos 246, 176 e 117 eram idênticos aos abrangidos no pedido de extensão do modelo 245G e que, por consequência, o acolhimento desses pedidos pelo KBA viola o sistema de controlo ex post instituído pela Diretiva‑Quadro, e especialmente a proibição de substituição da homologação a que se refere o artigo 6.o, n.o 6.

116.

No âmbito da segunda parte do presente fundamento, a Comissão afirma que o deferimento do pedido de extensão da homologação da Daimler é incompatível com os objetivos da Diretiva‑Quadro, designadamente com o de assegurar que os novos veículos fornecem um elevado nível de segurança e de proteção do ambiente. O respeito efetivo das normas que presidem a esse nível de proteção, ou seja, as contidas nos atos normativos enumerados no anexo IV da Diretiva‑Quadro, ficaria efetivamente comprometido, segundo a Comissão, se a diretiva em questão autorizasse a extensão a determinados veículos de um modelo a que se aplicam normas técnicas que implicam um menor grau de proteção da segurança e do ambiente do que as aplicáveis ao modelo em que os referidos veículos se integravam em virtude de uma anterior homologação.

117.

A este respeito, gostaria de dizer que, segundo penso, os objetivos da Diretiva‑Quadro relativos à segurança e à proteção do ambiente apenas se podem opor ao deferimento dos pedidos de extensão do modelo 245G se essa conclusão for corroborada por elementos decorrentes das normas da própria diretiva ou dos atos normativos correspondentes. De resto, é razoável supor que o legislador europeu, ao regular matérias que se caracterizam por um alto índice de tecnicidade, como aquela sobre que nos debruçamos, o faça no que respeita aos aspetos fundamentais através do recurso a disposições específicas e pontuais.

118.

Importa em seguida interrogarmo‑nos sobre se as disposições em sede de extensão da homologação (na Diretiva‑Quadro) ou as de execução das normas técnicas no que respeita à utilização de um refrigerante com um potencial de aquecimento global inferior a 150 (na Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização) devem ser interpretadas no sentido de que o deferimento do pedido de extensão da homologação do modelo 245G a veículos que já haviam sido objeto de homologação como modelos 246, 176 e 117 é compatível com os objetivos de segurança e de proteção do ambiente da Diretiva‑Quadro. Por outras palavras, importa verificar se esta para além de permitir um progresso pode também autorizar um retrocesso temporário ( 34 ) no âmbito da prossecução desses objetivos.

119.

A esta questão penso que é necessário responder pela positiva.

120.

Recordo antes de mais que as disposições relativas à extensão da homologação, definida no artigo 14.o da Diretiva‑Quadro, se integra numa regulamentação mais geral, constante do Capítulo V do mesmo diploma, que se aplica sempre que as autoridades competentes dos Estados‑Membros decidem que as modificações introduzidas em veículos que se enquadram num modelo homologado posteriormente à concessão da homologação não justificam o recurso a nova homologação ( 35 ). As referidas modificações comportam uma «extensão» se, adicionalmente à mera modificação das indicações registadas no processo de homologação, se revelarem necessárias novas inspeções ou novos ensaios, tiver havido alterações na informação constante do certificado de homologação e entrarem em vigor novos requisitos técnicos harmonizados aplicáveis aos veículos homologados em causa.

121.

Do teor literal do artigo 14.o resulta claramente que a extensão da homologação é um procedimento simplificado que a Diretiva‑Quadro autoriza tipicamente quando seja necessário dar uma resposta à entrada em vigor de novas normas técnicas aplicáveis aos veículos em causa. Em contrapartida, nem do artigo 14.o, nem de qualquer outra norma do sistema uniformizado resulta que, como reiteradamente afirmado pela Comissão, a extensão requerida deva ser consequência de um progresso técnico ( 36 ) na ótica da prossecução dos objetivos da Diretiva‑Quadro relativos à segurança e à proteção do ambiente.

122.

A Comissão não pode, portanto, validamente sustentar que o veredicto de incompatibilidade com a Diretiva‑Quadro no que toca ao acolhimento de um pedido de extensão, como os apresentados pela Daimler ao KBA, deva fundar‑se apenas na circunstância de os veículos terem sido anteriormente objeto de homologação, como as correspondentes aos modelos 246, 176 e 117, que garantiam, através da aplicação da norma técnica relativa à utilização de um refrigerante com baixo potencial de aquecimento global, um mais elevado grau de segurança e de proteção do ambiente.

123.

Para sustentar ainda mais esta conclusão, parece‑me necessário recordar que a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, ao prosseguir o objetivo de proteção do ambiente através da limitação das emissões dos gases fluorados com efeito de estufa, adota uma perspetiva gradual ( 37 ). Para além de proibir os Estados‑Membros de, a partir de 1 de janeiro de 2011, concederem novas homologações a veículos munidos de refrigerante com um potencial de aquecimento global superior a 150, esse diploma prevê expressamente que a matrícula de veículos munidos do refrigerante incompatível com a referida disposição pudesse ser recusada pelos Estados‑Membros a partir de 1 de janeiro de 2017 ( 38 ). A introdução do referido período transitório implica, portanto, que até 1 de janeiro de 2017 os veículos de um modelo homologado anteriormente a 1 de janeiro de 2011 podiam utilizar um refrigerante incompatível com a Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização.

124.

Do exposto decorre que, ao abster‑se de previamente requerer a homologação dos veículos em causa correspondentes aos modelos 246, 176 e 117, a Daimler poderia, ao abrigo do referido período transitório, ter obtido, mediante a introdução de pedidos subsequentes, a extensão da homologação do modelo 245G, que contém um refrigerante incompatível com as normas técnicas em vigor, até 1 de janeiro de 2017. Se uma tal conduta, com efeitos prejudiciais evidentes no que respeita aos objetivos de segurança e de proteção do ambiente, é permitida pela Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização, tenho por certo que o acolhimento do pedido de extensão da homologação do modelo 245G no presente caso, cujo efeito prejudicial relativamente aos referidos objetivos seria comparável ou mesmo menor, não está em conflito com esses mesmos objetivos, ao contrário do alegado pela Comissão.

125.

Não é certamente prova do contrário o facto de o pedido de extensão da homologação deferido pelo KBA ser relativo a um modelo homologado anteriormente à data de entrada em vigor da Diretiva‑Quadro (29 de abril de 2009) ( 39 ), dado que o seu artigo 45.o, n.o 5, determina que a sua entrada em vigor não invalida qualquer homologação concedida antes de 29 de abril de 2009, nem impede a extensão dessas homologações ( 40 ).

126.

Sublinho de resto, a este respeito, que são casos como o em apreço que levaram a Comissão, como ela própria expressamente admitiu na audiência, a prever na proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de janeiro de 2016, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos ( 41 ), que as homologações tenham uma duração máxima de cinco anos, não prorrogáveis ( 42 ). De facto, essa disposição permitiria evitar os abusos em sede de homologação que, em alguns casos, podem ser levados a cabo pelos fabricantes através da reiteração de pedidos de extensão de uma determinada homologação ou mediante pedidos de extensão apresentados com o objetivo de evitar novas normas técnicas que comportem um maior grau de segurança ou de proteção do ambiente.

127.

Em conclusão, considero que o deferimento do pedido de extensão do modelo 245G a veículos que já haviam sido anteriormente homologados como modelos 246, 176 e 117 pelo KBA também não é suscetível de contrariar os objetivos de segurança e de proteção do ambiente visados pela Diretiva‑Quadro.

128.

Sou, pois, do parecer que o terceiro fundamento de incumprimento não deve ser acolhido pelo Tribunal.

V. Conclusões

129.

À luz das considerações que precedem, proponho, portanto, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie nos seguintes termos:

A República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 12.o e 30.o da Diretiva 2007/46/CE ao não ter adotado as medidas necessárias para restabelecer a conformidade dos veículos dos modelos 246, 176 e 117 aos respetivos modelos homologados.

A República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 46.o da Diretiva‑Quadro ao não ter adotado as medidas necessárias à aplicação das sanções por violação dos artigos 5.o e 18.o da diretiva cometida pela Daimler.

Quanto ao demais, o pedido é julgado improcedente.

A República Federal da Alemanha é condenada a suportar dois terços das despesas da Comissão Europeia e dois terços das suas próprias despesas. A Comissão suportará um terço das despesas da República Federal da Alemanha e um terço das suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) JO 2007, L 263, p. 1. Anteriormente, apenas o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva‑Quadro foi objeto da interpretação do Tribunal de Justiça quando da apreciação da procedência de uma ação de incumprimento. V. Acórdãos de 20 de março de 2014, Comissão/Polónia (C‑639/11, EU:C:2014:173), e de 20 de março de 2014, Comissão/Lituânia (C‑61/12, EU:C:2014:172).

( 3 ) JO 2006, L 161, p. 15.

( 4 ) Communication de la Commission «Rupture d’approvisionnement d’un élément essentiel dans les systèmes de climatisation mobiles et son incidence sur l’application de la directive 2006/40/CE dans l’industrie automobile» C(2012)2200 final [Comunicação da Comissão «Interrupção do fornecimento de um elemento fundamental nos sistemas de climatização móveis e as suas consequências a nível da aplicação da Diretiva 2006/40/CE na indústria automóvel» C(2012)2200 final].

( 5 ) Resulta dos autos que o potencial de aquecimento global desse refrigerante anda próximo dos 3000, perante o limite de 150 estabelecido na diretiva.

( 6 ) Esta estimativa baseia‑se no volume de vendas dos modelos 246, 176 e 117. A diferença relativamente à anterior estimativa de 133713 deve‑se ao facto de também terem sido tomados em consideração veículos produzidos e comercializados após 26 de junho de 2013.

( 7 ) De resto, segundo a Comissão, a não conformidade é ainda atual. A validade da homologação dos modelos 246, 176 e 117 não teria de facto cessado em 26 de junho de 2013, dado que também os veículos que a Daimler produziu após essa data correspondiam aos referidos modelos, embora entre esses veículos se inclua agora também o modelo 245G.

( 8 ) JO 1970, L 42, p. 1.

( 9 ) V. lista exaustiva constante do anexo IV da Diretiva‑Quadro.

( 10 ) A obrigatoriedade desse controlo decorre do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro.

( 11 ) V. nota 1 do anexo X.

( 12 ) Sublinhado nosso.

( 13 ) Sublinhado nosso.

( 14 ) Só em 23 de março de 2017 foi emitida uma injunção em sentido próprio para reposição da conformidade dos veículos em causa, ou seja, cerca de três meses após a Comissão ter apresentado a sua petição. Por conseguinte, não tem relevância para efeitos do presente processo.

( 15 ) Sublinhado nosso.

( 16 ) Sublinhado nosso.

( 17 ) Sublinhado nosso. V., a propósito do artigo 4.o da Diretiva 75/442/CE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos («os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos suscetíveis de agredir o ambiente […]»), Acórdão de 26 de abril de 2007, Comissão/Itália (C‑135/05, EU:C:2007:250, n.o 37).

( 18 ) Sublinhado nosso.

( 19 ) Sublinhado nosso.

( 20 ) Sublinhado nosso.

( 21 ) Como resulta do segundo considerando da Diretiva‑Quadro, a harmonização instituída pela conjugação da Diretiva‑Quadro com os atos normativos tem caráter exaustivo («Para efeitos do estabelecimento e funcionamento do mercado interno da Comunidade, afigura‑se adequado substituir os regimes de homologação dos Estados‑Membros por um procedimento de homologação comunitária baseado no princípio da harmonização total»). V., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 2014, Comissão/Polónia (C‑639/11, EU:C:2014:173, n.os 34 e 35).

( 22 ) Sublinhado nosso.

( 23 ) Para dar um exemplo de risco para a segurança a que, em contrapartida, se aplicariam as disposições da Diretiva 2001/95, nomeadamente o conceito de «produto seguro» constante do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), a Comissão mencionou, na audiência, o caso do pedal do acelerador que não funciona. Como não existem nos atos normativos normas técnicas relativas ao fabrico desse pedal, será a Diretiva 2001/95 que se aplica a essa situação.

( 24 ) Sublinhado nosso. Por essa razão, parece‑me evidente não ser necessário avocar, como a Comissão faz na petição, os critérios definidos pela jurisprudência para determinar se as sanções aplicadas pelos Estados‑Membros por violação do direito da União têm caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo.

( 25 ) Sublinhado nosso.

( 26 ) V. os objetivos indicados no terceiro considerando da Diretiva‑Quadro.

( 27 ) V. o objetivo indicado no segundo considerando da Diretiva‑Quadro.

( 28 ) Na réplica, a Comissão apresenta o conteúdo desse artigo em termos ligeiramente diferentes, afirmando que essa disposição obrigava os Estados‑Membros a garantir que ainda não tenha sido requerida nenhuma homologação para os veículos em causa na extensão. Todavia, este elemento não invalida a argumentação que se apresenta nestas conclusões.

( 29 ) V., em especial, Acórdão de 27 de janeiro de 2011, Comissão/Luxemburgo (C‑490/09, EU:C:2011:34, n.o 49).

( 30 ) A categoria M1 é aquela a que pertencem os veículos objeto do pedido de extensão do modelo 245G. Nos termos do anexo II, parte A, da Diretiva‑Quadro, que define as categorias de veículos, essa categoria designa os veículos «concebidos e construídos para o transporte de passageiros com oito lugares sentados no máximo, além do lugar do condutor».

( 31 ) Sublinhado nosso.

( 32 ) Sublinhado nosso.

( 33 ) Cabe esclarecer que a nova versão do anexo II não se aplica ao presente caso, em que o modelo objeto do pedido de extensão foi homologado em 2008, porquanto o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 678/2011 determina inequivocamente que o regulamento só se aplica aos modelos de veículos homologados a partir de 29 de outubro de 2012. Em esclarecimento ao que já foi dito, preciso que, segundo a versão do anexo II aplicável aos factos em apreço, um «modelo de veículo» compreende os veículos que não diferem entre si, pelo menos no que diz respeito ao fabricante, à designação de modelo do fabricante, aos aspetos essenciais de construção e projeto: quadro/piso (diferenças obvias e fundamentais), motor (de combustão interna/elétrico/híbrido). Em contrapartida, a versão atual, conforme modificada pelo Regulamento n.o 678/2011, dispõe que «modelo» de veículo abrange veículos que têm em comum o nome da empresa do fabricante e a conceção e a montagem das peças essenciais da estrutura da carroçaria (no caso de uma carroçaria autoportante).

( 34 ) Sublinhado nosso.

( 35 ) V. artigo 13.o da Diretiva‑Quadro.

( 36 ) Sublinhado nosso.

( 37 ) Sublinhado nosso.

( 38 ) V. artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva relativa aos Sistemas de Climatização.

( 39 ) Esta data infere‑se da conjugação do disposto no artigo 45.o, n.o 1, com o anexo XIX da Diretiva‑Quadro.

( 40 ) Sublinhado nosso.

( 41 ) COM(2016) 31 final.

( 42 ) V. artigo 33.o da proposta.

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