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Document 62016CC0546

Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 26 de junho de 2018.
Montte SL contra Musikene.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi.
Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Qualidade de órgão jurisdicional do órgão de reenvio — Diretiva 2014/24/UE — Procedimentos de adjudicação dos contratos públicos — Concurso aberto — Critérios de adjudicação — Avaliação técnica — Limiar mínimo de pontuação — Avaliação baseada no preço.
Processo C-546/16.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:493

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 26 de junho de 2018 ( 1 )

Processo C‑546/16

Montte SL

contra

Musikene

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão administrativo de recurso de decisões administrativas em matéria de contratos públicos da Comunidade Autónoma de Euskadi, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Concurso aberto — Critérios de adjudicação de contratos — Avaliação faseada das propostas — Limiar mínimo de pontuação»

I. Introdução

1.

O presente processo tem por objeto, em particular, a margem de liberdade de que dispõem os Estados‑Membros na transposição para o direito nacional das disposições da Diretiva 2014/24/UE ( 2 ) em matéria de procedimentos relativos a contratos adjudicados no âmbito de um concurso aberto.

2.

Mais precisamente, a primeira questão tem por objeto saber se a legislação nacional pode autorizar as autoridades adjudicantes a efetuarem uma avaliação em duas fases das propostas, no âmbito de um concurso aberto, de tal forma que na segunda fase (fase económica) apenas são avaliadas as propostas que tenham obtido a pontuação exigida na primeira fase (fase técnica). A segunda questão diz respeito a saber se tal legislação nacional relativa a concursos abertos deve impor à autoridade adjudicante a obrigação de assegurar que, na última fase do procedimento, seja analisado um determinado número de propostas. Por último, a terceira questão tem por objeto a compatibilidade com a Diretiva 2014/24 de uma solução segundo a qual, na primeira fase (fase técnica) do procedimento, a proposta deve receber uma determinada pontuação para poder ser avaliada na segunda fase (fase económica).

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

3.

Nos termos do artigo 26.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24:

«1.   Na adjudicação dos seus contratos públicos, as autoridades adjudicantes aplicam os procedimentos nacionais adaptados em conformidade com a presente diretiva, desde que, sem prejuízo do disposto no artigo 32.o, tenha sido publicado um anúncio de concurso nos termos da mesma.

2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades adjudicantes possam aplicar procedimentos de concurso aberto ou limitado, de acordo com o disposto na presente diretiva.»

4.

O artigo 27.o da referida diretiva, intitulado «Concurso aberto», estabelece os prazos dentro dos quais os operadores económicos interessados podem apresentar propostas no âmbito de um concurso de adjudicação de um contrato público, em que um concurso aberto tenha sido lançado pela autoridade adjudicante.

5.

O artigo 66.o da Diretiva 2014/24 dispõe:

«Quando as autoridades adjudicantes recorrerem à faculdade de reduzir o número de propostas a negociar, conforme previsto no artigo 29.o, n.o 6, ou de reduzir as soluções a debater, conforme previsto no artigo 30.o, n.o 4, procedem a essa redução aplicando os critérios de adjudicação indicados nos documentos do concurso. O número a que se chegar na fase final deve permitir assegurar uma concorrência real, desde que o número [de] proponentes, de soluções ou de candidatos qualificados seja suficiente.»

6.

Nos termos do artigo 67.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2014/24:

«1.   Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas ao preço de certos fornecimentos ou à remuneração de determinados serviços, as autoridades adjudicantes devem adjudicar os contratos públicos com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa.

2.   A proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo, utilizando uma abordagem de custo‑eficácia, como os custos do ciclo de vida em conformidade com o artigo 68.o, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público em causa. […]

4.   Os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada. Devem assegurar a possibilidade de concorrência efetiva e ser acompanhados de especificações que permitam verificar efetivamente a informação fornecida pelos proponentes, a fim de avaliar até que ponto estes cumprem os critérios de adjudicação. […]»

B. Direito espanhol

7.

O artigo 150.o, n.o 4, do Texto Refundido de la Ley de Contratos del Sector Público (texto revisto da lei de contratos do setor público, a seguir «TRLCSP») dispõe:

«Quando seja tido em consideração mais de um critério, deverá ser especificada a ponderação relativa atribuída a cada um deles, que poderá ser expressa estabelecendo um intervalo de valores com uma amplitude adequada. Nos casos em que o procedimento de adjudicação se desenrole em várias fases, será também indicado em quais delas irão sendo aplicados os diferentes critérios, assim como o limiar mínimo de pontuação exigida ao proponente para continuar no processo de seleção.»

8.

No artigo 22.o, n.o 1, alínea d), del Real Decreto 817/2009, de 8 de mayo, por el que se desarrolla parcialmente la Ley 30/2007, de 30 de octubre, de Contratos del Sector Público (Real Decreto 817, de 8 de maio de 2009, que dá execução parcial à Lei 30, de 30 de outubro de 2007, relativa aos Contratos do Setor Público), que regula as funções das Mesas de Contratación [comissões dos concursos], órgãos colegiais de apoio às entidades adjudicantes, está estipulado, entre outras coisas, o seguinte:

«1.   Sem prejuízo das restantes funções que lhe sejam atribuídas pela Lei dos Contratos do Setor Público e pelas suas disposições complementares, a comissão do concurso desempenha as seguintes funções nos concursos abertos:

[…]

d)

Quando o procedimento de avaliação [das propostas apresentadas] se desenrole em várias fases, determina os proponentes que tenham de ser excluídos por não atingirem o limiar mínimo de pontuação exigido ao proponente para continuar no processo de seleção.

[…]»

III. Matéria de facto do litígio no processo principal

9.

A Musikene (a seguir «autoridade adjudicante») é uma fundação de direito público da Comunidad Autónoma de Euskadi que organizou um concurso aberto para adjudicação de um contrato descrito como sendo de «Fornecimento de equipamento mobiliário e sinalização gráfica, mobiliário musical especializado, instrumentos musicais, equipamento eletroacústico, de gravação e audiovisuais, equipamento informático e reprografia». O valor do contrato ascendia a um montante estimado superior ao limiar que exige à autoridade adjudicante a aplicação das disposições de transposição da Diretiva 2014/24 para o direito espanhol.

10.

O convite à apresentação de propostas no âmbito de um concurso aberto, na aceção do artigo 27.o da Diretiva 2014/24, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 26 de julho de 2016.

11.

Nos documentos do concurso ficou estabelecido o procedimento de adjudicação desse contrato, incluindo os critérios de avaliação das propostas. Em termos simples, nestes documentos fazia‑se a distinção entre duas fases, a fase técnica e a fase económica. Em cada uma destas duas fases uma proposta podia receber, no máximo, 50 pontos.

12.

Na fase técnica aplicava‑se o critério «Apresentação e descrição do projeto», dividido em vários subcritérios, correspondentes a cada um dos lotes constitutivos do contrato. Depois, na fase económica, avaliava‑se o critério do preço. Este critério consistia em atribuir pontos à redução do preço proposto em relação ao valor do contrato.

13.

Além disso, ficou estabelecido nos documentos do concurso um requisito segundo o qual uma proposta deveria obter um número mínimo de pontos na fase técnica para poder passar à fase económica. Só passariam a esta fase os proponentes que tivessem recebido, no mínimo, 35 pontos na fase técnica.

14.

O Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão administrativo de recurso de decisões administrativas em matéria de contratos públicos da Comunidade Autónoma de Euskadi, a seguir «OARC») é um órgão permanente de apreciação de recursos apresentados no âmbito de contratos públicos.

15.

Em 11 de agosto de 2016, o OARC recebeu um recurso interposto pela empresa Montte, SL (a seguir «recorrente»), relativo aos documentos de um contrato. No seu recurso, a recorrente contesta estes documentos, na medida em que aí se estabelece o requisito de obter um número mínimo de pontos na fase técnica. Segundo a recorrente, este tipo de requisito deve ser declarado inadmissível. Resulta do estabelecimento deste requisito que a forma de ponderação dos critérios técnicos e económicos, prevista nos documentos, se torna irrelevante. Este requisito conduz a uma situação em que a autoridade adjudicante não tem a possibilidade de avaliar as propostas também com base no preço proposto, nem de determinar a proposta mais vantajosa.

16.

A autoridade adjudicante, por seu turno, considera que estabelecer este requisito era imprescindível em virtude do objeto do contrato. O contrato tinha por objeto o fornecimento de equipamento que é parte integrante do edifício. Por esse motivo, determinada proposta poderia passar à fase económica desde que cumprisse determinados requisitos mínimos. Assegurava‑se, deste modo, que o contrato seria executado dentro dos prazos fixados e a um nível técnico adequado.

IV. Questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

17.

Nestas condições, o OARC decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Diretiva 2014/24/UE […] opõe‑se a uma disposição nacional, como o artigo 150.o, n.o 4, do Texto revisto da lei de contratos do setor público, ou a uma interpretação e aplicação da referida disposição que autorizem as autoridades adjudicantes a estabelecer, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, critérios de adjudicação que são aplicáveis em fases sucessivas eliminatórias para as propostas que não atingem um valor mínimo de pontuação predeterminado?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, a referida Diretiva 2014/24 opõe‑se a uma legislação nacional, ou a uma interpretação e aplicação da referida legislação, que utilize no concurso aberto o referido sistema de critérios de adjudicação aplicáveis em fases sucessivas eliminatórias de forma a que à última fase não chegue um número de propostas suficiente para garantir uma concorrência real?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a referida Diretiva 2014/24, por não garantir uma concorrência real ou por não respeitar o mandato de adjudicar o contrato à proposta com a melhor relação qualidade/preço, opõe‑se a uma cláusula como a discutida, na qual o fator preço só é avaliado para as propostas que tenham obtido 35 em 50 pontos nos critérios técnicos?»

18.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de outubro de 2016.

19.

Os Governos espanhol e grego, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. Estes governos e a Comissão também participaram na audiência que teve lugar no dia 16 de abril de 2018.

V. Análise

A. Quanto à admissibilidade

20.

No seu pedido de decisão prejudicial o OARC pondera, logo no início, a possibilidade de ser considerado um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o do TFUE. Assim, começarei por abordar esta questão.

21.

Segundo jurisprudência constante, para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.o do TFUE, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de requisitos, tais como a origem legal do órgão, o seu caráter permanente ou temporário, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo órgão, das normas de direito, bem como a sua independência ( 3 ). Além disso, os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça quando perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar‑se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional ( 4 ). Estes requisitos são de natureza indicativa, não sendo determinantes nem exaustivos. São a referência de qualquer apreciação do caráter jurisdicional do órgão de reenvio ( 5 ).

22.

Há que salientar que, ainda que esse órgão seja considerado, nos termos do direito de um Estado‑Membro, um órgão administrativo, este facto não é, em si mesmo, determinante para efeitos da apreciação do caráter de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o do TFUE ( 6 ).

23.

Resulta da informação constante do reenvio prejudicial que o OARC é um órgão permanente de recurso, criado com base na legislação vigente. A competência do OARC para conhecer de recursos em matéria de contratos públicos não depende de um acordo entre as partes ( 7 ). As suas decisões são vinculativas para as partes. Além disso, o OARC decide de processos que lhe são submetidos com base em disposições jurídicas, após o procedimento contraditório. Por último, o OARC é um órgão independente que não está sujeito a quaisquer instruções externas.

24.

À luz destas observações, considero que o OARC preenche os critérios de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o do TFUE.

B. Quanto à primeira questão

25.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 2014/24 se opõe a que a legislação de transposição das disposições desta diretiva para a legislação nacional autorizavam as autoridades adjudicantes a estabelecer, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, uma avaliação faseada das propostas, com a condição de que, nas fases sucessivas, sejam eliminadas as propostas que não atingirem um limiar mínimo de pontuação predeterminado.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que as dúvidas que surgem quanto à possibilidade de proceder a uma avaliação faseada das propostas decorrem de vários motivos.

27.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 prevê a faculdade de reduzir o número de propostas ou soluções, por via da organização de um concurso público de adjudicação em fases sucessivas, no que toca ao procedimento concorrencial com negociação (artigo 29.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24) e ao diálogo concorrencial (artigo 30.o, n.o 4, da diretiva). Na Diretiva 2014/24 não foi incluída uma regra análoga, aplicável aos concursos abertos, a que se refere o artigo 27.o da diretiva.

28.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção para a possibilidade de estabelecer fases num procedimento de adjudicação de um contrato público, que só se aplica a procedimentos em que existe a possibilidade de negociar a proposta inicialmente apresentada. Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é defensável a posição segundo a qual a autoridade adjudicante não pode fasear os procedimentos que não preveem a possibilidade de negociar as propostas. O concurso aberto constitui um destes procedimentos.

29.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o conteúdo dos considerandos 90, 92 e 104 da Diretiva 2014/24 também poderia ser considerado como opondo‑se ao estabelecimento de fases num concurso aberto. O órgão jurisdicional de reenvio entende que estes considerandos dizem respeito à função desempenhada pelos critérios de adjudicação. Graças a eles, é possível comparar as propostas, a fim de as analisar objetivamente. Os critérios de adjudicação não visam, no entanto, a eliminação de propostas. Eliminatórios são, esses sim, os critérios de avaliação da capacidade do proponente para executar o contrato ou os relativos aos requisitos técnicos mínimos, estabelecidos nos documentos do contrato.

30.

Em terceiro e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio destaca que a avaliação faseada das propostas, realizada de forma semelhante àquela que teve lugar no processo principal, pode conduzir a uma situação em que as propostas economicamente mais vantajosas não serão tidas em conta pela autoridade adjudicante. Consequentemente, o contrato não será adjudicado tendo em conta o critério do preço, o que poderia revelar‑se incompatível, em particular, com o artigo 67.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24.

1.   Argumentos das partes

31.

Em relação às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, o Governo espanhol indica, em primeiro lugar, que o legislador da União não harmonizou plenamente as disposições aplicáveis aos concursos abertos. Qualquer Estado‑Membro pode assim regulamentar livremente os aspetos relacionados com um concurso público nos termos do direito nacional, desde que a legislação adotada não afete a eficácia das disposições da Diretiva 2014/24.

32.

Em segundo lugar, o Governo espanhol não concorda com a interpretação feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, que considera que a avaliação faseada das propostas no âmbito de um concurso aberto tem por objetivo reduzir o número de candidatos ou propostas. Segundo o Governo espanhol, o objetivo de avaliar as propostas em duas fases, no processo principal, era o de considerar apenas as propostas que respondessem às necessidades da autoridade adjudicante.

33.

Em terceiro e último lugar, segundo o Governo espanhol, é verdade que a autoridade adjudicante não pode determinar os critérios de adjudicação do contrato de uma forma que lhe garanta uma margem de manobra ilimitada. Contudo, resulta do artigo 67.o, n.o 2, da diretiva que a proposta economicamente mais vantajosa pode ser identificada utilizando o critério da relação qualidade/preço.

34.

No que diz respeito à primeira questão, o Governo helénico e a Comissão defendem, no essencial, a mesma posição do Governo espanhol.

2.   Análise

35.

Na minha opinião, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, a que as partes se referem nas suas observações, suscitam três questões. Em primeiro lugar, está em causa o alcance da margem de que dispõe o Estado‑Membro para regulamentar os concursos abertos no direito nacional. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio também tem dúvidas quanto a saber se a avaliação das propostas em duas fases, efetuada do mesmo modo que a que está em causa no processo principal, não conduz a que os critérios de avaliação das propostas sejam essencialmente eliminatórios, quando a sua função deveria ser a de avaliar. Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a avaliação faseada das propostas não tem como consequência que o critério do preço seja ignorado na adjudicação do contrato. Posteriormente, abordarei cada uma destas questões.

a)   Margem de liberdade dos Estados‑Membros para regulamentar concursos abertos

1) Notas introdutórias

36.

Nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, aquando da adjudicação dos seus contratos públicos, as autoridades adjudicantes aplicam os procedimentos nacionais adaptados em conformidade com a presente diretiva. Além disso, segundo o artigo 26.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades adjudicantes possam aplicar procedimentos de concurso aberto, de acordo com o disposto na presente diretiva ( 8 ).

37.

Neste contexto, importa salientar que a Diretiva 2014/24 não regula exaustivamente a forma de realizar um concurso aberto. Os Governos espanhol e grego, bem como a Comissão, também indicam isto mesmo. É verdade que no artigo 27.o da Diretiva 2014/24 se fixam prazos para apresentar propostas num concurso aberto. No entanto, a diretiva não inclui regras sobre a realização de processos de adjudicação de contratos, levados a cabo recorrendo a este procedimento.

38.

No entanto, uma vez que, por um lado, os Estados‑Membros são obrigados a garantir que as autoridades adjudicantes têm a possibilidade de recorrer a um concurso aberto e, por outro, que se trata de um procedimento adaptado aos requisitos da diretiva e conforme com as suas disposições, no que toca a regular este procedimento no direito da União apenas marginalmente, cabe aos legisladores nacionais estabelecer disposições adequadas sobre a tramitação desses procedimentos.

39.

Como é óbvio, os legisladores nacionais não dispõem de uma liberdade ilimitada neste âmbito. A legislação nacional não pode levar a que os procedimentos decorram de uma forma que infrinja sistematicamente as regras de adjudicação de contratos públicos pelas autoridades adjudicantes, que são fixadas pelo artigo 18.o da Diretiva 2014/24 e pelos princípios gerais do direito da União. A legislação nacional também não pode privar as disposições da diretiva da sua eficácia (effet utile) ( 9 ). É deste modo que, a meu ver, deve ser entendida a exigência de adaptar os procedimentos aos requisitos da Diretiva 2014/24 e de manter a sua conformidade com as disposições da referida diretiva.

40.

À luz das observações acima expostas, importa ponderar se o silêncio da Diretiva 2014/24 quanto à admissibilidade de avaliar as propostas de forma faseada num concurso aberto deve conduzir à conclusão de que autorizar as autoridades adjudicantes a estabelecer esta solução nos documentos relativos à adjudicação de um contrato público é contrário às disposições da Diretiva 2014/24. Neste contexto, no que respeita às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, há que ter em conta a interpretação sistemática da Diretiva 2014/24, à luz do seu artigo 66.o

2) Quanto à função do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, à luz de outras disposições da diretiva

41.

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que as suas dúvidas quanto à possibilidade de estabelecer uma avaliação das propostas em duas fases nos documentos de um contrato adjudicado no âmbito de um concurso aberto resultam da inclusão na Diretiva 2014/24 de uma disposição que autoriza explicitamente a avaliação das soluções ou propostas por fases em determinados procedimentos (artigo 66.o), ao passo que não existem na diretiva regras análogas para concursos abertos.

42.

A este respeito, não partilho das dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio.

43.

A introdução de uma regra explícita que autoriza a apreciação faseada das soluções e propostas, utilizando os critérios de adjudicação no âmbito de um procedimento concorrencial com negociação e diálogo concorrencial assenta, a meu ver, no facto de, nestes procedimentos, ser possível negociar as propostas iniciais (artigo 29.o, n.o 5) e clarificar, precisar e otimizar essas mesmas propostas (artigo 30.o, n.o 6).

44.

Por um lado, a negociação de um grande número de propostas e soluções poderia, em alguns casos, revelar‑se problemática para as autoridades adjudicantes. A Comissão salientou isto mesmo nas suas observações escritas. Graças à redução do número de propostas e soluções nas fases sucessivas dos procedimentos, apenas podem ser negociadas as propostas que respondam às necessidades das autoridades adjudicantes.

45.

Por outro lado, como resultado da divisão do procedimento em fases sucessivas com vista à redução do número de propostas ou de soluções a discutir, pode acontecer que apenas os proponentes cujas propostas ou soluções não tenham sido eliminadas em fases anteriores do procedimento tenham uma verdadeira hipótese de negociar, e com base nisso, celebrar um contrato com a autoridade adjudicante. Tal pode levantar dúvidas quanto ao respeito pelas regras em matéria de adjudicação de contratos, que estão estipuladas no artigo 18.o da Diretiva 2014/24. Trata‑se, antes de mais, dos princípios do tratamento equitativo e não discriminatório, da obrigação de transparência e da proibição de uma redução artificial da concorrência.

46.

O legislador da União determinou, portanto, claramente a admissibilidade da avaliação faseada de propostas no âmbito de procedimentos que prevejam a possibilidade de negociar essas propostas. Dissipam‑se, assim, as dúvidas quanto à admissibilidade de se dividir este tipo de procedimento por fases ( 10 ).

47.

Não se colocam dúvidas destas no caso dos concursos abertos, que não comportam a possibilidade de negociar a proposta inicial ( 11 ). Por conseguinte, na ausência de regras análogas às do artigo 66.o da Diretiva 2014/24 que se apliquem aos concursos abertos, não se pode considerar que, no âmbito de tal procedimento, é inaceitável que este seja dividido por fases correspondentes aos vários critérios de adjudicação.

48.

Resumindo, não se pode deduzir da inclusão na Diretiva 2014/24 de uma disposição como a do seu artigo 66.o, relativa ao procedimento concorrencial com negociação e diálogo concorrencial, que num concurso aberto não se admite a avaliação faseada das propostas, com a ressalva de que tal não pode afetar as regras em matéria de adjudicação de contratos previstas no artigo 18.o da mesma e os princípios gerais do direito da União, nem a eficácia das disposições da diretiva.

b)   Quanto à natureza e à função dos critérios de adjudicação

49.

No seu pedido de decisão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à questão de saber se fasear um concurso aberto, como aquele a que dizem respeito os documentos contestados no processo principal, não implica que, na prática, os critérios de adjudicação se tornem critérios de verificação da capacidade de executar o contrato adjudicado, cuja natureza é eliminatória.

50.

A fim de responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece‑me necessário esclarecer a essência dos critérios utilizados nos procedimentos de adjudicação de contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24.

51.

No artigo 56.o da Diretiva 2014/24, o legislador da União distingue claramente dois tipos de critérios, a saber: os critérios de seleção qualitativa, que consistem, principalmente, nos motivos de exclusão e nos critérios de seleção que verificam a aptidão dos operadores económicos para executar o contrato adjudicado (v. artigos 57.o e 58.o da diretiva) e os critérios de adjudicação do contrato, que dizem respeito às próprias propostas. Ao contrário dos critérios de seleção qualitativa, os critérios de adjudicação do contrato são objetivos, na medida em que se trata de critérios relacionados com o próprio objeto do contrato (artigo 67.o, n.o 2, primeira frase, in fine, da diretiva) ( 12 ).

52.

A análise do reenvio prejudicial leva a concluir que os critérios utilizados em ambas as fases do concurso aberto se aplicavam às propostas (critérios de adjudicação do contrato) e não à capacidade dos operadores económicos para executar o contrato adjudicado (critérios de seleção qualitativa). Segundo as informações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, na fase técnica foram utilizados critérios relativos à apresentação e descrição do projeto.

53.

É certo que a aplicação dos critérios de adjudicação, como sucedeu no processo principal leva, na prática, a que algumas das propostas não sejam consideradas pela autoridade adjudicante em fases posteriores. Na minha opinião, todavia, tal não constitui uma pré‑seleção dos proponentes, mas antes a agilização da forma de ponderar os vários critérios de adjudicação.

54.

É concebível que a autoridade adjudicante proceda à análise de critérios técnicos e económicos num concurso aberto, que não estaria dividido por fases. Tal exigiria que o peso de cada critério fosse estabelecido nos documentos do concurso de modo a que uma proposta que não cumprisse os requisitos técnicos específicos, na prática, não pudesse obter uma pontuação que permitisse a sua seleção pela autoridade adjudicante.

55.

Estou convencido de que a solução descrita no ponto anterior, bem como a solução que prevê que a avaliação das propostas se faça em duas fases, que é contestada pela recorrente no processo principal, não são, em si, incompatíveis com a Diretiva 2014/24. Em ambas as soluções, os critérios de adjudicação devem ser, evidentemente, estabelecidos de modo a garantir uma concorrência efetiva, conforme previsto no artigo 67.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24. Importa referir neste contexto que, no processo principal, a recorrente não parece contestar a proporcionalidade destas expectativas da autoridade adjudicante que levaram a determinar o limiar de 35 pontos na fase técnica para a proposta ser alvo da avaliação qualitativa.

56.

Considero, portanto, que a Diretiva 2014/24 não se opõe a que nos documentos sejam especificados os critérios de adjudicação, conformes com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, da diretiva, de uma forma que implique que apenas são avaliadas nas fases posteriores do concurso aberto as propostas que obtiverem uma determinada pontuação nas fases anteriores.

c)   Quanto ao papel do preço como critério de adjudicação do contrato

57.

O órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que a avaliação faseada das propostas, tal como a prevista nos documentos contestados pela recorrente, pode levar a que o contrato seja adjudicado sem que seja considerado o seu preço. Na opinião do órgão jurisdicional de reenvio tal poderia ser incompatível com a Diretiva 2014/24.

58.

Com efeito, o considerando 90, segunda frase, da Diretiva 2014/24, estipula que a avaliação com base na melhor relação qualidade/preço deverá sempre incluir um elemento de preço ou de custo.

59.

Contudo, resulta do artigo 67.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 que as autoridades adjudicantes devem basear a adjudicação de contratos públicos na proposta economicamente mais vantajosa. Nos termos do artigo 67.o, n.o 2, da diretiva, trata‑se da proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante, podendo a proposta economicamente mais vantajosa incluir a melhor relação qualidade/preço ( 13 ).

60.

Além disso, segundo o considerando 90, segundo parágrafo, da diretiva, o objetivo é incentivar uma maior orientação da contratação pública para a qualidade. Por esta razão, os Estados‑Membros deverão ser autorizados a proibir ou restringir a utilização exclusiva do preço ou do custo para avaliar a proposta economicamente mais vantajosa, quando o considerarem adequado. Além disso, segundo o considerando 92, primeiro parágrafo, quarta frase, as autoridades adjudicantes deverão ser incentivadas a escolher critérios de adjudicação que permitam a essas autoridades adquirir obras, fornecimentos e serviços de elevada qualidade e que correspondam perfeitamente às suas necessidades.

61.

Isto não significa que autoridade adjudicante tenha uma liberdade ilimitada de formulação dos critérios de adjudicação do contrato. A este respeito, aplica‑se o já referido artigo 67.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24. Este artigo dispõe que as autoridades adjudicantes têm a obrigação de formular critérios de adjudicação de uma forma que assegure a possibilidade de concorrência efetiva.

62.

A obrigação decorrente do artigo 67.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 deve, contudo, ser respeitada pelas autoridades adjudicantes independentemente de estabelecerem a avaliação faseada das propostas nos documentos do contrato. Por conseguinte, esta aplicar‑se‑ia mesmo se nos documentos relativos ao contrato contestados pela recorrente não se tivesse decidido avaliar os critérios qualitativos e económicos de modo faseado. Não resulta da avaliação faseada das propostas que as obrigações da autoridade adjudicante, decorrentes do artigo 67.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 se tornam mais rigorosas, de tal forma que esta se veja obrigada a dar um maior destaque ao critério do preço.

63.

Concluindo, em primeiro lugar, não se pode deduzir do artigo 66.o da Diretiva 2014/24 que os documentos de um contrato adjudicado no âmbito de um concurso aberto não podem estabelecer que a avaliação das propostas será feita por fases, na condição de não se violarem as regras em matéria de adjudicação de contratos previstas no artigo 18.o da diretiva, nem os princípios gerais do direito da União e de não se pôr em causa a eficácia das disposições da diretiva. Em segundo lugar, os critérios utilizados neste tipo de avaliação faseada das propostas continuam a constituir critérios de adjudicação, desde que estejam em conformidade com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2014/24. Em terceiro lugar, este tipo de avaliação faseada das propostas não significa que a autoridade adjudicante não baseie a adjudicação do contrato na proposta economicamente mais vantajosa.

64.

À luz destas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial da seguinte forma: a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que, utilizando critérios de adjudicação compatíveis com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, da diretiva, a autoridade adjudicante seja autorizada a estabelecer, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, a avaliação faseada das propostas.

C. Quanto à segunda questão

65.

A segunda questão foi formulada para o caso de o Tribunal de Justiça dar uma resposta à primeira questão que implique que o legislador nacional pode autorizar as autoridades adjudicantes a estabelecer uma avaliação faseada das propostas nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, esclarecer se a Diretiva 2014/24 se opõe a que a autoridade adjudicante não seja obrigada a obter, na última fase do procedimento, um número de propostas suficiente para garantir uma «concorrência real», na aceção do artigo 66.o da Diretiva 2014/24.

66.

O Governo espanhol considera que a segunda questão é de natureza hipotética. Na opinião deste governo, nada indica que a avaliação faseada das propostas no processo principal possa levar à adjudicação do contrato em condições de ausência de concorrência. Além disso, o Governo espanhol refere que no processo principal estão em apreço os documentos relativos ao contrato, que são contestados pela recorrente. Por sua vez, o Governo grego e a Comissão consideram que o requisito de assegurar «uma concorrência real» não se aplica a concursos abertos.

1.   Quanto à admissibilidade

67.

Importa, antes de mais, analisar as dúvidas do Governo espanhol quanto à admissibilidade da segunda questão.

68.

A legislação espanhola em matéria de concursos abertos não prevê o requisito da «concorrência real». Não há qualquer indicação de que este requisito tenha sido previsto nos documentos do concurso, que a recorrente contesta.

69.

Em meu entender, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a necessidade de cumprir o requisito da «concorrência real» na avaliação faseada das propostas apresentadas no âmbito de um concurso aberto, em função do disposto no artigo 66.o da Diretiva 2014/24, evocado várias vezes no reenvio prejudicial. A verificar‑se, porém, que o requisito previsto no artigo 66.o da Diretiva 2014/24 também se aplica, diretamente ou por analogia, a concursos abertos, em que haja uma avaliação faseada das propostas, o órgão jurisdicional de reenvio teria de apreciar se os documentos do contrato permitem que a autoridade adjudicante garanta uma «concorrência real» na última fase do procedimento.

70.

À luz destas considerações deve considerar‑se que a segunda questão é admissível.

2.   Quanto ao mérito

71.

Para dar resposta a esta questão é preciso determinar se o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 se aplica, diretamente ou por analogia, a um concurso aberto em que as propostas sejam avaliadas por fases.

72.

Na minha opinião, o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 não é aplicável a concursos abertos.

73.

Em primeiro lugar, o artigo 66.o da Diretiva 2014/24 diz apenas respeito ao procedimento concorrencial com negociação e ao diálogo concorrencial. Essa disposição não se aplica, no entanto, a concursos abertos ( 14 ). A autoridade adjudicante pode, de resto, dar continuidade ao concurso aberto mesmo que resulte dos critérios de adjudicação do contrato que apenas um número limitado de operadores económicos pode concorrer à adjudicação do contrato ( 15 ).

74.

Em segundo lugar, o artigo 66.o, segunda frase, da Diretiva 2014/24 prevê que o número de propostas ou soluções a que se chega na fase final deve permitir assegurar uma concorrência real, desde que o número de proponentes, de soluções ou de candidatos qualificados seja suficiente.

75.

Resulta do teor desta disposição que o requisito de assegurar que um determinado número de propostas e soluções chegue à última fase do processo não é absoluto. É aplicável quando há possibilidade de se chegar a um número adequado de proponentes, de soluções ou de candidatos qualificados ( 16 ). Considero, portanto, que visar alcançar, na última fase do procedimento concorrencial com negociação e diálogo aberto, um número de propostas que garanta uma concorrência real tem por objetivo evitar uma situação em que um proponente ou candidato não esteja interessado na negociação da proposta, por ser o único operador considerado pela autoridade adjudicante, ainda que outros operadores possam apresentar à autoridade adjudicante propostas que correspondam às suas expectativas e necessidades.

76.

A meu ver, portanto, não é necessário aplicar o artigo 66.o da Diretiva 2014/24, por analogia, a concursos abertos em que a avaliação das propostas é feita por fases. Nas fases sucessivas de um procedimento destes verifica‑se que são consideradas unicamente as propostas que correspondam às expectativas da autoridade adjudicante e respondam às suas necessidades. Não é possível, contudo, negociar tais propostas.

77.

À luz das observações acima expostas, o requisito de alcançar determinado número de propostas na última fase de um concurso aberto, de modo a que esse número de propostas possa garantir uma «concorrência real», na aceção do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, não se aplica diretamente nem por analogia a concursos abertos, como aquele cujos documentos são contestados pela recorrente.

78.

Assim, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à segunda questão: a Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que uma autoridade adjudicante que estabelece uma avaliação das propostas por fases, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, seja isenta da obrigação de chegar, na última fase do procedimento, a um número suficiente de propostas que permita garantir uma «concorrência real», no sentido do conceito com o qual está relacionado o artigo 66.o da diretiva.

D. Quanto à terceira questão

79.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, esclarecer se um requisito como aquele que foi contestado pela recorrente é contrário à Diretiva 2014/24, por não permitir garantir uma concorrência real ou adjudicar o contrato ao operador que tenha apresentado a proposta com a melhor relação qualidade/preço.

80.

A terceira questão foi formulada caso seja dada uma resposta positiva à segunda questão. Uma tal resposta implica que o requisito de obter, na última fase de avaliação, um número de propostas que garanta uma concorrência real, no sentido do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, também se aplica a concursos abertos.

81.

Tendo em conta a resposta que proponho para a segunda questão, não é necessário responder à terceira questão. Contudo, caso o Tribunal de Justiça não concorde com a minha posição quanto à resposta à segunda pergunta, abordarei também, sucintamente, a terceira questão.

82.

No contexto do requisito de obter, na última fase do procedimento, um número de propostas que permita assegurar uma concorrência real, há que recordar que, mesmo admitindo que este requisito decorre do artigo 66.o da Diretiva 2014/24, aplicado diretamente ou por analogia, este não é de natureza absoluta. Seria aplicável na medida em que o permitisse o número de propostas adequadas ( 17 ). De qualquer das maneiras, a avaliação final desta questão deve ser deixada ao órgão jurisdicional de reenvio.

83.

No que diz respeito à adjudicação do contrato ao operador que apresente a proposta com melhor relação qualidade/preço, a Diretiva 2014/24 impõe às autoridades adjudicantes a obrigação de adjudicar os contratos com base na proposta economicamente mais vantajosa. Este critério não pode, no entanto, ser interpretado no sentido de que a autoridade adjudicante está obrigada a selecionar a proposta mais vantajosa em termos de preço, pese embora o facto de essa proposta poder não estar conforme com os requisitos de qualidade dessa autoridade, que figuram nos documentos. A liberdade das autoridades adjudicantes para determinar os critérios de adjudicação está limitada pelo artigo 67.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 ( 18 ). A questão de saber se a autoridade adjudicante cumpriu os requisitos previstos nesta disposição deve ser deixada à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio.

VI. Conclusões

84.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais do Órgano Administrativo de Recursos Contractuales de la Comunidad Autónoma de Euskadi (Órgão administrativo de recurso de decisões administrativas em matéria de contratos públicos da Comunidade Autónoma de Euskadi, Espanha), nos seguintes termos:

1)

A Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que, utilizando critérios de adjudicação compatíveis com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, da diretiva, a autoridade adjudicante seja autorizada a estabelecer, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, a avaliação faseada das propostas.

2)

A Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que uma autoridade adjudicante que estabelece uma avaliação das propostas por fases, nos documentos que regem o procedimento de um concurso aberto, seja isenta da obrigação de chegar, na última fase desse procedimento, a um número suficiente de propostas que permita garantir uma «concorrência real», no sentido do conceito com o qual está relacionado o artigo 66.o da diretiva.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

( 3 ) V. Acórdãos de 31 de maio de 2005, Syfait e o. (C‑53/03, EU:C:2005:333, n.o 29); de 31 de janeiro de 2013, no processo Bełow (C‑394/11, EU:C:2013:48, n.o 38).

( 4 ) Acórdãos de 31 de maio de 2005, Syfait e o. (C‑53/03, EU:C:2005:333, n.o 29); de 31 de janeiro de 2013, no processo Bełow (C‑394/11, EU:C:2013:48, n.os 39 e 40).

( 5 ) V. as minhas conclusões no Processo Ascendi (C‑377/13, EU:C:2014:246, n.o 33).

( 6 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.o 17).

( 7 ) A este propósito, chamo a atenção para o facto de no Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664), o Tribunal de Justiça ter interpretado as disposições da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), que precedeu a Diretiva 2014/24, no contexto das questões prejudiciais submetidas pelo órgão de recurso da Catalunha. É certo que, neste contexto, é invocada a disposição do direito espanhol, que previa que o recurso especial em matéria de contratos públicos, antes da interposição de um recurso contencioso administrativo, tem caráter facultativo. Não posso excluir que esta disposição do direito espanhol seja aplicável ao processo principal, que também diz respeito a um órgão de recurso de outra Comunidade Autónoma. Contudo, no Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.os 22 a 25), o Tribunal de Justiça declarou que o órgão de recurso catalão satisfaz também o critério do caráter vinculativo da sua jurisdição, a despeito de que quem interponha um recurso em matéria de contratos públicos pode optar entre o recurso especial no órgão de reenvio e o recurso contencioso administrativo. Determinante é que a competência não dependa de um acordo entre as partes e que as decisões sejam vinculativas para as mesmas.

( 8 ) O sublinhado é meu.

( 9 ) Neste sentido, no que respeita à Diretiva 2004/18, v. Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, MA.T.I. Sud e Duemme SGR (C‑523/16 e C‑536/16, EU:C:2018:122, n.o 48). Sobre as normas processuais nacionais relativas aos recursos judiciais em matéria de contratos públicos, v. Acórdão de 5 de abril de 2017, Marina del Mediterráneo e o. (C‑391/15, EU:C:2017:268, n.o 33).

( 10 ) Além disso, ao contrário do que acontece num concurso aberto, os procedimentos concorrenciais com negociação e diálogo concorrencial podem ser utilizados desde que sejam satisfeitas determinadas condições. Acresce que o legislador da União regulamentou o decurso destes procedimentos de forma mais rigorosa do que sucede no caso do concurso aberto. Na doutrina, esclarece‑se que o risco de restringir a concorrência é, regra geral, mais elevado em caso de aplicação deste tipo de regimes especiais, do que no caso de a autoridade adjudicante recorrer aos concursos abertos. Quanto à situação jurídica anterior à adoção da Diretiva 2014/24, v. Bovis, C., Public Procurement in the European Union, Nova Iorque, Palgrave, 2005, pp. 132 e 133.

( 11 ) V. González García, J., em: Caranta, R., Edelstam, G., Trybus, M. (editors), EU Public Contract Law: Public Procurement and Beyond, Bruxelas, Bruylant, 2013, Chapter 3, point 4. Autorizar a autoridade adjudicante a entabular negociações poderia, contudo, conduzir à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como do dever de transparência. V. Acórdão de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214, n.o 62 e jurisprudência aí referida).

( 12 ) No contexto da determinação da natureza objetiva dos critérios de adjudicação, importa referir que estes critérios podem incluir também o pessoal afetado à execução do contrato em questão, desde que exista um nexo entre as características do pessoal e a execução do contrato. V. artigo 67.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2014/24. V. também Acórdão de 26 de março de 2015, Ambisig (C‑601/13, EU:C:2015:204, n.os 33 e 34). Importa realçar que no artigo 66.o da diretiva, muito referido no pedido de decisão prejudicial, também se reduz o número de propostas e soluções a discutir por via da separação entre o procedimento concorrencial com negociação e o diálogo aberto, aplicando critérios de adjudicação e não critérios de seleção qualitativa. V. Pawelec, J. (ed.), A Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE. Comentário, Varsóvia, Beck, C.H., 2017, p. 315; Sánchez Graells, A., Public Procurement and the EU Competition Rules, Oxford ‑ Portland, Hart Publishing, 2015, p. 312.

( 13 ) O sublinhado é meu.

( 14 ) V. n.o 47 das presentes conclusões.

( 15 ) Neste sentido, v. Acórdão de 17 de setembro de 2002, Concordia Bus Finland (C‑513/99, EU:C:2002:495, n.o 85). Além disso, no Acórdão de 16 de setembro de 1999, Fracasso e Leitschutz (C‑27/98, EU:C:1999:420, n.os 32 a 34), relativo à situação jurídica antes da entrada em vigor da Diretiva 2014/24, o Tribunal de Justiça indicou que quando no termo de um dos processos de adjudicação resta uma única proposta, a entidade adjudicante não está obrigada a adjudicar o contrato ao único proponente que apresentou uma proposta. Daqui não resulta, contudo, que a autoridade adjudicante deva invalidar um tal procedimento.

( 16 ) Segundo a nota explicativa relativa ao diálogo concorrencial, elaborada pela Comissão (European Commission Directorate General Internal Market And Services Public Procurement Policy, Explanatory Note — Competitive Dialogue — Classic Directive, disponível na página internet: ec.europa.eu, pp. 8 e 9), a restrição do número de soluções pode levar a que, na última fase do processo, apenas seja selecionada uma única solução. Tal não impede, porém, que a autoridade adjudicante dê continuidade ao processo. Neste sentido, v. também o considerando 41, segunda frase, da Diretiva 2004/18, em que se esclarece que a redução do número de propostas que continuarão afinal a discutir ou a negociar no âmbito do diálogo concorrencial e nos procedimentos por negociação com publicação de um anúncio de concurso deve assegurar uma real concorrência, desde que o número de soluções ou de candidatos adequados o permita.

( 17 ) V. n.o 75 das presentes conclusões.

( 18 ) V. n.os 61 e 62 das presentes conclusões.

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