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Document 62016CC0466

Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi apresentadas em 3 de outubro de 2018.
Conselho da União Europeia contra Marquis Energy LLC.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Regulamento de Execução (UE) n.° 157/2013 — Importações de bioetanol oriundo dos Estados Unidos da América — Direito antidumping definitivo — Margem de dumping determinada à escala nacional — Recurso de anulação — Produtor não exportador — Legitimidade — Afetação direta.
Processo C-466/16 P.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:795

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 3 de outubro de 2018 ( 1 )

Processo C‑466/16 P

Conselho da União Europeia

contra

Marquis Energy LLC

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Dumping — Importações de bioetanol originário dos Estados Unidos da América — Direito antidumping definitivo — Regulamento de execução (UE) n.o 157/2013 — Regulamento (CE) n.o 1225/2009 — Legitimidade de um produtor não exportador — Afetação direta»

I. Introdução

1.

Com o presente recurso, o Conselho da União Europeia pede ao Tribunal de Justiça que anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de junho de 2016, Marquis Energy/Conselho (T‑277/13, não publicado, EU:T:2016:343), no qual este, por um lado, reconheceu a admissibilidade do recurso de anulação interposto pela Marquis Energy LLC contra o Regulamento de Execução (UE) n.o 157/2013 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2013, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de bioetanol originário dos Estados Unidos da América ( 2 ), e, por outro, anulou o referido regulamento no que diz respeito à Marquis Energy.

2.

Como irei expor na análise da primeira parte do primeiro fundamento do recurso do Conselho, considero que foi erradamente que o Tribunal Geral concluiu que a Marquis Energy era diretamente afetada pelo regulamento impugnado. O acórdão recorrido deve, por isso, no meu entender, ser anulado e o recurso em primeira instância rejeitado.

3.

Se o Tribunal de Justiça concordar com a minha análise, não será necessário pronunciar‑se sobre os fundamentos de mérito invocados pelo Conselho que visam, como no processo paralelo C‑465/16 P Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association, no qual apresento igualmente conclusões neste mesmo dia, obter a declaração de que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente o artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia ( 3 ) (a seguir «regulamento de base»), à luz das disposições do acordo relativo à aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT) ( 4 ) (a seguir «Acordo antidumping da OMC»). Por conseguinte, limito‑me a remeter para os desenvolvimentos dedicados a esses fundamentos, a título subsidiário, nas minhas Conclusões no processo C‑465/16 P Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association.

II. Resumo dos antecedentes do litígio e do acórdão do Tribunal Geral

4.

Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 14 do acórdão recorrido. Apenas os elementos indispensáveis à compreensão dos argumentos apresentados pelas partes no âmbito do recurso serão incluídos nas considerações que se seguem.

5.

Na sequência de uma denúncia, a Comissão Europeia publicou, em 25 de novembro de 2011, um aviso de início de um processo antidumping relativo às importações de bioetanol originário dos Estados Unidos da América ( 5 ) para a União Europeia, em que anunciava a sua intenção de recorrer à metodologia da amostragem para a seleção dos produtores‑exportadores dos Estados Unidos da América abrangidos pelo inquérito.

6.

Em 16 de janeiro de 2012, a Comissão notificou cinco empresas membros da Growth Energy e da Renewable Fuels Association, a saber a Marquis Energy, a Patriot Renewable Fuels LLC, a Plymouth Energy Company LLC, a POET LLC e a Platinum Ethanol LLC, de que tinham sido escolhidas para a amostra dos produtores‑exportadores ( 6 ).

7.

Em 24 de agosto de 2012, a Comissão comunicou à Marquis Energy o documento de informação provisório anunciando o prosseguimento do inquérito sem adoção de medidas provisórias e a sua extensão aos comerciantes/misturadores. Este documento indicava que não era possível, nessa fase, apreciar se as exportações de bioetanol originário dos Estados Unidos eram feitas a preços de dumping, com base no facto de os produtores da amostra não fazerem distinção entre as vendas internas e as vendas para exportação efetuando todas as suas vendas para os comerciantes/misturadores independentes estabelecidos nos Estados Unidos, que, de seguida, misturavam o bioetanol com gasolina e o revendiam.

8.

Em 6 de dezembro de 2012, a Comissão enviou à Marquis Energy o documento de informação definitivo, no qual analisava, com base nos dados dos comerciantes/misturadores independentes, a existência de um dumping causador de prejuízo para a indústria da União, e previa a aplicação de medidas definitivas, à taxa de 9,6% à escala nacional, por um período de três anos.

9.

Com fundamento no regulamento de base, em 18 de fevereiro de 2013, o Conselho adotou o regulamento impugnado que institui um direito antidumping sobre o bioetanol, chamado «etanol combustível», à taxa de 9,5% à escala nacional por um período de cinco anos.

10.

O Tribunal Geral também referiu, por um lado, que, nos considerandos 12 a 16 do regulamento impugnado, o Conselho verificou que o inquérito tinha revelado que nenhum dos produtores da amostra tinha exportado bioetanol para o mercado da União e que não eram os produtores americanos de bioetanol, mas sim os comerciantes/misturadores quem exportava o produto em causa para a União, pelo que, para levar a cabo o inquérito relativo ao dumping, aquele baseou‑se nos dados dos dois comerciantes/misturadores que aceitaram cooperar (n.o 16 do acórdão recorrido). Salientou, por outro lado, que o Conselho explicou, nos considerandos 62 a 64 do regulamento impugnado, que entendia ser oportuno determinar uma margem de dumping à escala nacional, na medida em que a estrutura da indústria do bioetanol e a forma como o produto em causa era produzido e vendido no mercado dos Estados Unidos e exportado para a União tornavam impossível estabelecer margens de dumping individuais para os produtores dos Estados Unidos (n.o 17 do acórdão recorrido).

11.

Seguidamente, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a admissibilidade do recurso interposto pela Marquis Energy enquanto produtor de bioetanol.

12.

Nos n.os 55 a 67 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, que o regulamento impugnado dizia diretamente respeito à Marquis Energy, rejeitando, além disso, nos n.os 69 a 80 do acórdão recorrido, vários argumentos em sentido contrário apresentados pelo Conselho e pela Comissão Europeia.

13.

Nos n.os 81 a 92 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que o regulamento impugnado dizia individualmente respeito à Marquis Energy e julgou improcedente, nos n.os 93 a 106 desse acórdão, os argumentos em sentido contrário invocados pelo Conselho e pela Comissão, bem como as demais objeções destas instituições quanto à admissibilidade do recurso examinados nos n.os 107 a 118 do acórdão recorrido.

14.

Quanto ao mérito, no termo do raciocínio exposto nos n.os 121 a 168 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente a segunda parte do primeiro fundamento invocado pela Marquis Energy, de que o regulamento impugnado violava o artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, e, por conseguinte, anulou o regulamento impugnado na medida em que dizia respeito à Marquis Energy, sem examinar nem as outras partes do fundamento nem os outros nove fundamentos invocados em primeira instância pela Marquis Energy.

15.

Em substância, o Tribunal Geral decidiu que foi sem razão que o Conselho considerou que, por força do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, estava autorizado a estabelecer uma margem de dumping à escala nacional e não estava obrigado a calcular margens de dumping individuais para cada produtor americano incluído na amostra do regulamento impugnado.

16.

Para chegar a essa conclusão, o Tribunal Geral salientou, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, o legislador da União quis dar execução a uma obrigação particular assumida no âmbito dos acordos da OMC, contida no presente caso nos artigos 6.10 e 9.2 do Acordo antidumping da OMC; o artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base deveria ser interpretado em conformidade com os referidos artigos (v. n.os 129 a 139 do acórdão recorrido).

17.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que, na medida em que a Comissão tinha conservado a Marquis Energy na amostra dos produtores e exportadores americanos, aquela reconheceu que esta era um «fornecedor» do produto objeto de dumping, de modo que o Conselho era, por força do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, obrigado, em princípio, a calcular uma margem de dumping individual e um direito de dumping individual (v. n.os 140 a 168 do acórdão recorrido).

18.

Por último, em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que, embora houvesse, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, uma exceção ao cálculo individual do montante do direito aplicável quando «tal não for possível», o que permite então indicar apenas o nome do país fornecedor, ou seja, a aplicação de um direito antidumping à escala nacional, a expressão «não for possível» deve ser interpretada de acordo com o termo análogo utilizado nos artigos 6.10 e 9.2 do Acordo antidumping da OMC (v., neste sentido, n.o 188 do acórdão recorrido). Ora, à luz destas últimas disposições, o Tribunal Geral considerou que o artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base não permite qualquer exceção à obrigação de instituir um direito antidumping individual a um produtor da amostra que tenha cooperado no inquérito, quando as instituições entendam não terem a possibilidade de determinar relativamente a este um preço de exportação individual (v. n.o 188, último segmento, do acórdão recorrido). O Tribunal Geral concluiu que, tendo em conta as explicações fornecidas pelas instituições, foi sem razão que o Conselho considerou que a instituição dos direitos antidumping individuais para os membros da amostra dos exportadores americanos «não [era] possível», na aceção do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base» (n.o 197 do acórdão recorrido), sem que o facto de as instituições considerarem ter dificuldades para reconstituir o percurso das vendas individuais ou para comparar os valores normais com os preços de exportação correspondentes, relativamente aos produtores da amostra possa ser suficiente para justificar o recurso a essa exceção (v., neste sentido, n.os 198 a 200 do acórdão recorrido). Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou o regulamento impugnado com o fundamento de uma violação do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base e na medida em que dizia respeito à Marquis Energy.

III. Pedidos das partes

19.

O Conselho conclui pedindo, a título principal, que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

negar provimento ao recurso interposto em primeira instância pela Marquis Energy;

condenar a Marquis Energy no pagamento das despesas relativas a todo o processo.

20.

O Conselho conclui pedindo, a título subsidiário, que o Tribunal de Justiça se digne:

remeter o processo ao Tribunal Geral;

reservar para final a decisão quanto às despesas relativas a todo o processo.

21.

A título principal, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

declarar inadmissível o recurso em primeira instância;

condenar a Marquis Energy no pagamento das despesas efetuadas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

22.

A título subsidiário, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento apresentado em primeira instância pela Marquis Energy e remeter o processo para o Tribunal Geral quanto ao restante;

reservar para final a decisão quanto às despesas nas duas instâncias.

23.

A Marquis Energy conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso na íntegra;

condenar o Conselho a suportar as despesas da totalidade do processo.

IV. Análise

24.

Em apoio do seu recurso, o Conselho, acompanhado pela Comissão, invoca três fundamentos. O primeiro fundamento diz respeito à admissibilidade do recurso em primeira instância e é relativo a uma interpretação errada do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e a uma falta de fundamentação do acórdão recorrido. Os outros dois fundamentos dizem respeito às apreciações de fundo efetuadas pelo Tribunal Geral e são ambos relativos a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base. Como já esclareci nas minhas observações introdutórias, limitar‑me‑ei a examinar a primeira parte do primeiro fundamento do recurso do Conselho, na medida em que considero que deve ser julgada procedente e, por conseguinte, anulado o acórdão recorrido.

25.

Contudo, e antes de abordar o recurso do Conselho, importa responder à argumentação apresentada pela Comissão na réplica, segundo a qual a contestação apresentada pela Marquis Energy é inadmissível.

A.   Quanto à admissibilidade da contestação apresentada pela Marquis Energy

1. Argumentação da Comissão

26.

A Comissão sustenta que a contestação apresentada pela Marquis Energy foi assinada eletronicamente por uma pessoa cujo estatuto de advogado e cujos poderes não foram apresentados. Tais circunstâncias deverão conduzir, na falta de retificação, a declarar a contestação inadmissível.

2. Apreciação

27.

A argumentação da Comissão deve, em meu entender, ser rejeitada por carecer de base factual.

28.

Recordo que, nos termos do artigo 119.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável à contestação no âmbito do recurso nos termos do artigo 173.o, n.o 2, desse regulamento, os advogados devem apresentar na Secretaria um documento oficial ou um mandato emitido pela parte que representam.

29.

Além disso, resulta do artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que, para beneficiarem dos privilégios, imunidades e direitos mencionados no artigo 43.o do referido regulamento, os advogados devem demonstrar previamente a sua qualidade mediante mandato emitido pela parte que representam, quando esta for uma pessoa coletiva de direito privado.

30.

Daqui decorre que para representar validamente uma pessoa coletiva de direito privado no Tribunal de Justiça, incluindo no âmbito de um recurso, um advogado deve possuir um documento oficial ou de um mandato conferido por esta parte.

31.

No caso em apreço, independentemente do estatuto da pessoa que apresentou por via eletrónica na Secretaria do Tribunal de Justiça a contestação da Marquis Energy utilizando uma conta para aceder à aplicação informática denominada «e‑Curia» ( 7 ), importa observar que foi o advogado de Vander Schueren quem assinou o original da contestação sendo que nem o seu estatuto de advogado nem o seu mandato foram postos em causa pela Comissão.

32.

Por conseguinte, a objeção da Comissão carece de base factual. A contestação apresentada pela Marquis Energy é, por conseguinte, perfeitamente admissível.

B.   Quanto ao primeiro fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e a uma violação do dever de fundamentação

33.

Em substância, este fundamento divide‑se em duas partes. Na primeira parte do primeiro fundamento, o Conselho sustenta que, ao concluir que o regulamento impugnado dizia diretamente respeito à Marquis Energy, o Tribunal Geral desrespeitou a interpretação deste pressuposto previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Na segunda parte do fundamento, o Conselho acusa o Tribunal Geral de ter erradamente interpretado a condição de afetação individual prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, sem explicar nem demonstrar as razões pelas quais a Marquis Energy possuía qualidades que a distinguiam de outros produtores americanos de bioetanol.

34.

Como já indiquei, considero que a primeira parte exposta pelo Conselho deve ser acolhida, o que, tendo em conta o caráter cumulativo dos dois pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, deve tornar supérfluo o exame da segunda parte.

1. Síntese da argumentação das partes relativa à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a erros de direito quanto à conclusão de que o regulamento impugnado dizia diretamente respeito à Marquis Energy

35.

O Conselho, apoiado pela Comissão, alega que o Tribunal Geral interpretou incorretamente o pressuposto da afetação direta previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, ao não declarar que o regulamento impugnado produzia diretamente efeitos na situação jurídica da Marquis Energy, mas pondo em evidência, quando muito, um efeito indireto na situação económica desta empresa que não exporta os seus produtos para o mercado da União. Ora, segundo estas instituições, o Tribunal de Justiça rejeitou, designadamente no Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284), a tese segundo a qual, para preencher o pressuposto da afetação direta, bastaria demonstrar que a medida controvertida implica consequências puramente económicas ou uma desvantagem concorrencial. No caso concreto, os erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral resultariam, em particular, dos n.os 72, 73, 76, 78 e 79 do acórdão recorrido. A Comissão acrescenta que, em aplicação da jurisprudência relativa ao pressuposto da afetação direta, o Tribunal Geral, nos n.os 56 a 67 do acórdão recorrido, considerou erradamente que bastava, para determinar essa afetação, que a Marquis Energy tivesse fabricado um produto que, em caso de exportação por um terceiro para a União, estava sujeito a um direito antidumping. Tal conceção confundiria o que é direto com o que é indireto e o que é jurídico com o que é económico. Na opinião da Comissão, a tentativa da Marquis Energy, nos seus articulados no Tribunal de Justiça, de interferir no conteúdo factual do acórdão recorrido em nada altera esta análise.

36.

A Marquis Energy contrapõe, em primeiro lugar, que o Conselho convida o Tribunal de Justiça a reavaliar os factos apurados pelo Tribunal Geral, o que não é da competência do juiz de segunda instância. Estas críticas, que dizem respeito às apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 66 e 76 do acórdão recorrido, não são, portanto, admissíveis. Em segundo lugar, a Marquis Energy considera que o facto de grandes quantidades de bioetanol por si produzidas terem sido exportadas para a União e ter sido identificada como produtor/exportador no regulamento impugnado seria suficiente para que o Tribunal Geral concluísse que era diretamente afetada pelo referido regulamento. Afirma que o Tribunal Geral concluiu corretamente que a Marquis Energy é um produtor americano de bioetanol que exporta a sua produção para a União e uma vez que os direitos antidumping têm incidido sobre essa produção, afetaram a posição jurídica dessa empresa. Em todo o caso, na medida em que os produtores da amostra sabiam que as suas vendas se destinavam a exportação para a União, tendo, por conseguinte, um preço de exportação, a ausência de venda direta não é relevante. Segundo a Marquis Energy, a afetação é também direta na situação de um exportador potencial do produto em causa na União. Por outro lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida pelas instituições em apoio da sua tese não é relevante, uma vez que não incide sobre o critério da afetação direta ou diz respeito a situações de facto não comparáveis.

2. Apreciação

37.

Como o Tribunal Geral acertadamente recordou no n.o 44 do acórdão recorrido, ponto que, aliás, é pacífico no caso em apreço, o conceito de afetação direta previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos. Por um lado, o ato controvertido deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica da pessoa que pretende a anulação. Por outro lado, esse ato não deve deixar qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua aplicação, tendo esta um caráter puramente automático e decorrendo unicamente da regulamentação do direito da União sem a aplicação de outras normas intermédias ( 8 ).

38.

No caso vertente, só a aplicação do primeiro critério, a saber, os efeitos diretos do regulamento impugnado na situação jurídica da Marquis Energy, é objeto das críticas dirigidas pelo Conselho e pela Comissão ao acórdão recorrido.

39.

A este respeito, antes de mais, há que rejeitar as alegações da Marquis Energy de que a primeira parte do primeiro fundamento do recurso do Conselho pretende pôr em discussão no Tribunal de Justiça as constatações e as apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral.

40.

Com efeito, como me proponho explicar mais detalhadamente o Conselho parece‑me fazer uma leitura correta das premissas de facto em que o Tribunal Geral baseou a sua conclusão jurídica de que o regulamento impugnado dizia diretamente respeito à Marquis Energy, conclusão que é contestada pelas instituições. É, pelo contrário, a Marquis Energy que, em várias ocorrências nos seus articulados, tenta distorcer as constatações e as apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

41.

Passo a explicar.

42.

As partes no litígio perante o Tribunal Geral discutiram longamente a questão de saber se os cinco produtores americanos de bioetanol incluídos na amostra durante o inquérito, entre os quais a Marquis Energy, exportavam a sua produção de bioetanol para a União ou se, pelo contrário, essas exportações foram efetuadas pelos comerciantes/misturadores independentes.

43.

Tal como recordado pelo Tribunal Geral no n.o 57 do acórdão recorrido, o regulamento impugnado especificava que, uma vez que nenhum dos cinco produtores da amostra exportou bioetanol por si próprio para o mercado da União, as vendas são realizadas no mercado interno (americano) a comerciantes/misturadores independentes, que, em seguida, misturaram o bioetanol com gasolina para revenda no mercado interno e para exportação, em especial para a União.

44.

Na sequência das constatações efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 58 a 65 do acórdão recorrido, que não são postas em causa no presente recurso, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 66 do referido acórdão, que «foi feita prova bastante de que os volumes muito consideráveis de bioetanol adquiridos no período do inquérito pelos oito comerciantes/misturadores inquiridos aos cinco produtores americanos de bioetanol da amostra, entre os quais [a Marquis Energy], foram em grande parte exportados para a União […]».

45.

Utilizando uma forma impessoal e indireta, já presente, aliás, no n.o 60 do acórdão recorrido («[…] um grande volume de bioetanol proveniente [da Marquis Energy] tinha sido exportado de forma regular para a União durante o período de inquérito»), o Tribunal Geral não considerou, ainda que implicitamente, e contrariamente ao que sustenta a Marquis Energy no Tribunal de Justiça, que esta empresa exportava a sua produção para a União.

46.

Com efeito, resulta necessariamente do n.o 66 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral admitiu que o bioetanol produzido pela Marquis Energy tinha sido «adquirido» pelos comerciantes/misturadores independentes inquiridos antes de ser exportado, por estes últimos, em grande parte com destino à União. Como salienta a Comissão, o Tribunal Geral declarou simplesmente que o bioetanol produzido pela Marquis Energy foi indiretamente encaminhado para o mercado da União, ou seja, através dos comerciantes/misturadores independentes, sendo que estes o tinham misturado com gasolina.

47.

Nenhuma passagem do acórdão recorrido sugere que o Tribunal Geral reconheceu aos produtores americanos de bioetanol o estatuto de exportador. A ausência de reconhecimento dessa qualidade resulta expressamente do n.o 72 do acórdão recorrido, nos termos do qual o Tribunal Geral considerou que pode ser «substancialmente afetado» pela imposição de direitos antidumping sobre produtos importados para a União, um produtor «mesmo que sem a qualidade de exportador desses produtos». É ainda confirmada pelo n.o 73 do mesmo acórdão segundo o qual a Marquis Energy «produzia bioetanol em estado puro no período de inquérito e que eram os seus produtos que os comerciantes/misturadores misturavam com gasolina e exportavam para a União».

48.

Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a Marquis Energy, o Conselho, tal como a Comissão, não convida, de modo algum, o Tribunal de Justiça a reapreciar os factos. Essas instituições fazem, pelo contrário, uma leitura fiel dos números pertinentes do acórdão recorrido.

49.

As críticas do Conselho, tal como as da Comissão, limitam‑se a contestar a dedução jurídica feita pelo Tribunal Geral segundo a qual, em substância, a instituição dos direitos antidumping prevista no regulamento impugnado produziu diretamente efeitos na situação jurídica da Marquis Energy devido ao seu estatuto de produtor americano de bioetanol da amostra, tendo uma parte da produção sido exportada para a União.

50.

Ora, considero que essas críticas são fundadas, uma vez que os fundamentos apresentados pelo Tribunal Geral para concluir que o regulamento impugnado produzia efeitos diretos na situação jurídica da Marquis Energy são, a meu ver, insuficientes e errados.

51.

Recordo, antes de mais, que o Tribunal Geral, no n.o 67 do acórdão recorrido, deduz das considerações contidas nos n.os 60 a 66 do referido acórdão que a Marquis Energy era diretamente afetada, na aceção nomeadamente da jurisprudência mencionada no n.o 44 do referido acórdão, ao passo que, nos n.os 69 a 79 do mesmo acórdão, rejeitou uma a uma as objeções a essa conclusão opostas pelo Conselho e pela Comissão.

52.

Os n.os 60 a 65 do acórdão recorrido limitam‑se a considerações relativas ao destino, ao volume e às características da produção de bioetanol dos produtores americanos da amostra, entre eles a Marquis Energy. Tal como já foi referido, no n.o 66 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral inferiu dessas considerações que tinha existido prova bastante de que os volumes muito consideráveis de bioetanol adquiridos junto dos produtores da amostra pelos comerciantes/misturadores independentes foram em grande parte exportados para a União.

53.

Se essas apreciações de ordem económica não são incorretas e, de qualquer modo, não são impugnadas pelo Conselho, são, no entanto, insuficientes para demonstrar, como o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 67 do acórdão recorrido, que os direitos antidumping instituídos pelo regulamento impugnado afetavam diretamente a situação jurídica da Marquis Energy.

54.

Com efeito, a constatação de que, antes da introdução dos direitos antidumping, a produção de bioetanol dos produtores da amostra, entre eles a Marquis Energy, entrou no mercado da União por intermédio dos comerciantes/misturadores independentes, após ter sido misturado com gasolina, não significa que foi ainda demonstrado que a situação jurídica da Marquis Energy foi alterada pela instituição desses direitos.

55.

Avaliar desse modo sugere que qualquer produtor de um país terceiro cujos produtos podem encontrar‑se no mercado da União é diretamente afetado, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, pela instituição de direitos antidumping aplicáveis a esses produtos.

56.

Ora, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os regulamentos que instituem um direito antidumping têm, pela sua natureza e alcance, um caráter normativo na medida em que se aplicam à generalidade dos operadores económicos e que é apenas em virtude de determinadas circunstâncias específicas que as disposições desses regulamentos podem dizer direta (e individualmente) respeito aos produtores e exportadores do produto em causa, aos quais sejam imputadas práticas de dumping com base em dados relativos à sua atividade comercial ( 9 ).

57.

A mera circunstância de um produto se encontrar no mercado da União, mesmo que seja num volume considerável, não é suficiente para considerar, uma vez que este produto se encontra abrangido pela instituição de direitos antidumping, que o produtor é diretamente afetado na sua posição jurídica pelo referido direito.

58.

Se tal fosse o caso, o caráter normativo dos regulamentos seria privado de qualquer fundamento. Por outras palavras, cada produtor de um produto sujeito a um direito antidumping seria automaticamente, por defeito, em razão da sua qualidade objetiva de produtor desse produto, considerado diretamente afetado pelo regulamento que instituiu este direito.

59.

O facto de este fabricante ter participado no inquérito sendo incluído na amostra utilizada no âmbito do procedimento que levou à adoção do regulamento impugnado não altera esta apreciação. Com efeito, a inclusão de uma empresa numa amostra representativa no âmbito do inquérito realizado pela Comissão, pode, quando muito, constituir um indício da afetação individual do operador ( 10 ). Tal não significa que este produtor veja a sua situação jurídica diretamente afetada pela instituição de direitos antidumping definitivos no final desse inquérito.

60.

A conclusão a que chegou o Tribunal Geral, de forma prematura, no n.o 67 do acórdão recorrido parece‑me tanto mais objeto de críticas quando, ao mesmo tempo, o Tribunal Geral nunca contraria a constatação feita no regulamento impugnado, e recordado no n.o 57 do acórdão recorrido, segundo a qual os produtores em causa efetuaram vendas no mercado interno (americano) a comerciantes/misturadores independentes para efeitos de revenda, por estes últimos, tanto no mercado interno americano como no mercado de exportação, e, igualmente recordado no n.o 65 do acórdão recorrido, que não era possível comparar os valores normais com os preços de exportação correspondentes, constatações que corroboram a tese das instituições segundo a qual a Marquis Energy vendeu a sua produção no mercado interno americano aos referidos comerciantes/misturadores e não tinha qualquer influência sobre o destino ou sobre os preços das vendas de exportação.

61.

As apreciações efetuadas nos n.os 70 a 74 e 76 a 79 do acórdão recorrido, sob a forma da rejeição dos argumentos apresentados pelo Conselho e pela Comissão à conclusão a que o Tribunal Geral chegou no n.o 67 do referido acórdão, não é convincente.

62.

Em primeiro lugar, as considerações do Tribunal Geral, expostas nos n.os 70 a 72 do acórdão recorrido, segundo as quais, em substância, a afetação direta de um operador por força de um regulamento que impõe direitos antidumping não depende do seu estatuto de produtor ou de exportador, pois um produtor, que não tenha a qualidade de exportador dos produtos exportados sujeitos a um direito antidumping, que pode encontrar‑se «substancialmente afetado» pela imposição de um direito sobre o produto em causa, não corresponde, em última análise, à questão da afetação direta da situação jurídica da Marquis Energy através da imposição de direitos antidumping pelo regulamento impugnado.

63.

Na verdade, estou disposto a admitir que o mero estatuto de produtor de um operador não basta para afastar ipso jure o preenchimento do pressuposto da afetação direta desse operador, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

64.

Todavia, o Tribunal Geral não explicou por que é que um produtor de um país terceiro que vende os seus produtos apenas no mercado interno desse país a outros operadores que revendem o produto, após adição de uma outra substância, no mercado interno e em mercados de exportação, pode ver a sua situação jurídica diretamente modificada pela instituição de direitos antidumping sobre esse produto, aplicáveis no mercado da União. A este respeito, o facto de, no n.o 72 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter utilizado a expressão «substancialmente afetada», que se refere à condição da afetação individual, e não à da afetação direta, parece indicar não só uma aproximação de ordem terminológica, mas, mais fundamentalmente, a ausência de um verdadeiro exame do impacto da imposição de direitos antidumping sobre a situação jurídica dos produtores americanos de bioetanol da amostra, que se refere à condição da afetação direta prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, bem como do argumento das instituições segundo o qual o regulamento impugnado só produz um efeito indireto, de ordem económica, sobre a situação destes produtores, entre os quais a Marquis Energy.

65.

Considerações do mesmo tipo valem para as apreciações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 76 a 78 do acórdão recorrido.

66.

Em primeiro lugar, no n.o 76 desse acórdão, que merece ser reproduzido na íntegra, o Tribunal Geral precisou que, «[…] mesmo admitindo que os comerciantes/misturadores suportem o direito antidumping e que se verifique que a cadeia comercial do bioetanol é interrompida de modo a deixarem poder de repercutir o direito antidumping nos produtores, a verdade é que a instituição de um direito antidumping muda as condições legais em que decorre a comercialização do bioetanol produzido pelos […] produtores da amostra terá lugar no mercado da União. Assim, a posição legal dos produtores em questão no mercado da União será, de qualquer forma, direta e substancialmente afetada». Por outro lado, no n.o 77 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou igualmente o argumento, apresentado pela Comissão, do efeito unicamente indireto da imposição de direitos antidumping sobre a situação da Marquis Energy salientando que foi erradamente que a Comissão «contesta o facto de uma empresa da cadeia comercial diferente [desse] exportador, que se prova praticar dumping, poder contestar um direito antidumping […]».

67.

Estes números do acórdão recorrido parecem‑me incluir dois erros de direito.

68.

Por um lado, o Tribunal Geral não explica de que modo um produtor de um país terceiro, tal como a Marquis Energy, que vende apenas o produto no mercado interno desse país a operadores independentes, que se verificou praticarem dumping, pode ser diretamente afetado na sua posição jurídica através da imposição de direitos antidumping que incidem sobre o produto exportado por esses operadores independentes, mesmo quando estes não poderiam repercutir os direitos antidumping sobre o produtor.

69.

Por outras palavras, se, na hipótese examinada pelo Tribunal Geral nos n.os 76 e 77 do acórdão recorrido, os comerciantes/misturadores independentes praticam dumping e suportam a totalidade dos direitos antidumping impostos pelo regulamento impugnado no mercado da União, não entendo como a situação jurídica dos produtores do produto em causa, que vendem apenas o produto no mercado interno americano pode ser diretamente afetada pela cobrança desses direitos.

70.

Em tal hipótese, é efetivamente possível, como defende a Comissão, que a imposição de direitos antidumping tenha uma repercussão no volume de vendas dos produtores de bioetanol no mercado interno americano a comerciantes/misturadores independentes; com efeito, estes últimos são suscetíveis de reduzir as suas compras destinadas a exportação para a União, sem que estejam em condições de compensar esta redução através do aumento dos seus aprovisionamentos com destino ao mercado interno americano ou para mercados de exportação que não o da União. Contudo, essas consequências são de ordem económica e são, portanto, na minha opinião, insuficientes para demonstrar que a imposição dos direitos antidumping modifica diretamente a situação jurídica dos produtores em questão no mercado da União. Na realidade, nesse caso, e contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 76, segunda frase, do acórdão recorrido, os produtores americanos de bioetanol não têm «posição legal» no mercado da União.

71.

Por outro lado, afigura‑se que o Tribunal Geral, pelo menos implicitamente, atribui importância ao facto de os produtores em causa terem participado no inquérito levado a cabo pela Comissão. Ora, como já referi no n.o 64 das presentes conclusões, essa participação pode, quando muito, ser relevante no âmbito da verificação da satisfação da condição relativa à afetação individual de um operador, mas não quando se trata de examinar o pressuposto da afetação direta, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

72.

Em segundo lugar, as apreciações feitas pelo Tribunal Geral no n.o 78 do acórdão recorrido também não conduzem a infirmar o que acaba de ser dito e a assinalar que foi corretamente que o Tribunal Geral concluiu que a Marquis Energy era diretamente afetada pelo regulamento impugnado.

73.

Por um lado, é incorreto afirmar, na minha opinião, que «a estrutura dos acordos contratuais entre operadores económicos no interior da cadeia comercial do bioetanol não tem qualquer influência na questão de saber se o regulamento [impugnado] diz diretamente respeito a um produtor de bioetanol» e que sustentar o contrário «levaria a considerar que só a um produtor que venda diretamente o seu produto ao importador na União pode dizer diretamente respeito […], o que de nenhuma forma resulta do regulamento de base».

74.

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, corretamente citada pelo Tribunal Geral nos n.os 47 e 48 do acórdão recorrido, demonstra que as situações nas quais o Tribunal de Justiça concluiu pela admissibilidade dos recursos interpostos por operadores económicos contra regulamentos que instituem direitos antidumping assentavam, designadamente, na consideração das especificidades das relações comerciais com outros operadores, nomeadamente para efeitos da construção do preço de exportação para a União.

75.

Consequentemente, não vejo por que razão as particularidades da estrutura dos acordos contratuais entre os produtores americanos de bioetanol e os comerciantes/misturadores independentes deveriam escapar a esta lógica, apesar de isso levar a negar a afetação direta dos referidos produtores.

76.

De resto, não posso concordar com a afirmação de que esta conclusão equivaleria a admitir a afetação direta de um produtor apenas quando este vende diretamente a sua produção para o mercado da União. Outras hipóteses são com efeito possíveis, em função, precisamente, dos acordos comerciais, como a venda a intermediários/exportadores ligados ao produtor em questão. De qualquer modo, o facto de, como o Tribunal Geral salientou, o regulamento de base ser omisso quanto a esta questão é irrelevante, uma vez que os pressupostos de admissibilidade de um recurso de anulação, como o do caso em apreço, são regulados pelo artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

77.

Por outro lado, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou na última frase do n.o 78 do acórdão recorrido, a abordagem das instituições, à qual adiro, não tem o «efeito de restringir a proteção jurídica dos produtores de produtos atingidos por direitos antidumping unicamente em função da estrutura comercial das exportações».

78.

Esta abordagem baseia‑se, como já disse, no exame dos pressupostos relativos à afetação direta destes produtores, que são regidos pelo artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

79.

Por outro lado, se se vier a declarar, como proponho, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao reconhecer a afetação direta da Marquis Energy pelo regulamento impugnado, tal não significa que esse produtor seja privado de proteção jurídica.

80.

Com efeito, um operador que se verificou não ser, sem dúvida, direta e individualmente afetado por um regulamento que institui direitos antidumping, não pode ser impedido, incluindo, na minha opinião, no quadro de uma intervenção voluntária, de invocar a invalidade de tal regulamento perante um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro chamado a pronunciar‑se sobre um litígio relativo aos direitos a pagar às autoridades aduaneiras ou fiscais competentes ( 11 ).

81.

Assim, o Tribunal Geral maculou, na minha opinião, o acórdão recorrido de vários erros de direito ao concluir que a Marquis Energy era diretamente afetada pelo regulamento impugnado.

82.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça acolha a primeira parte do primeiro fundamento do recurso do Conselho e anule o acórdão recorrido.

83.

Por conseguinte, seria apenas a título subsidiário que haveria que examinar os fundamentos de mérito apresentados pelo Conselho, apoiado pela Comissão, relativos a uma interpretação e a uma aplicação erradas do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base.

84.

Como referi nas minhas observações introdutórias, uma vez que estes fundamentos são idênticos aos expostos pelo Conselho no processo C‑465/16 P, permito‑me remeter para as considerações aí feitas, a título subsidiário, nas minhas conclusões apresentadas hoje nesse processo.

V. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

85.

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça, no caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para decisão.

86.

Considero que o Tribunal de Justiça está em condições de decidir sobre a admissibilidade do recurso em primeira instância, contestada pelo Conselho. A este respeito, basta reconhecer, na minha opinião, que o recurso da Marquis Energy é inadmissível, dado que este operador não demonstrou que era diretamente afetado, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, pelos direitos antidumping instituídos pelo regulamento impugnado.

VI. Quanto às despesas

87.

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. O artigo 138.o do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, dispõe, no seu n.o 1, que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Quanto ao artigo 140.o do mesmo regulamento, dispõe, no seu n.o 1, que as instituições intervenientes no litígio suportarão as suas próprias despesas e, no seu n.o 3, que o Tribunal de Justiça pode decidir que um interveniente, diferente dos mencionados nos números anteriores, suporte as suas próprias despesas.

88.

Devendo a primeira parte do primeiro fundamento do recurso do Conselho, na minha opinião, ser julgada procedente e devendo ser negado provimento ao recurso em primeira instância, proponho condenar a Marquis Energy no pagamento das despesas efetuadas pelo Conselho tanto em primeira instância como no âmbito do presente recurso, em conformidade com o pedido deste último.

89.

Além disso, proponho que a Comissão suporte as suas próprias despesas tanto em primeira instância como no âmbito do presente processo.

VII. Conclusão

90.

À luz destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que decida nos termos seguintes:

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de junho de 2016, Marquis Energy/Conselho (T‑277/13, não publicado, EU:T:2016:343), é anulado.

2)

O recurso em primeira instância é julgado inadmissível.

3)

A Marquis Energy é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia.

4)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas nas duas instâncias.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2013, L 49, p. 10.

( 3 ) JO 2009, L 343, p. 51.

( 4 ) JO 1994, L 336, p. 103.

( 5 ) JO 2011, C 345, p. 7.

( 6 ) Contrariamente à Marquis Energy, os restantes quatro produtores acima mencionados não apresentaram o seu próprio recurso de anulação do regulamento impugnado, mas foram representados perante o Tribunal Geral pelas associações profissionais Growth Energy e Renewable Fuels Association. Pelo seu Acórdão de 9 de junho de 2016, Growth Energy e Renewable Fuels Association/Conselho (T‑276/13, EU:T:2016:340), o Tribunal Geral deu provimento ao recurso interposto por essas duas associações. Este acórdão foi objeto de recurso examinado nas minhas Conclusões de hoje no processo C‑465/16 P Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association.

( 7 ) Nos termos, nomeadamente, da Decisão do Tribunal de Justiça, de 13 de setembro de 2011, relativa à apresentação e à notificação de atos processuais através da aplicação e‑Curia (JO 2011, C 289, p. 7).

( 8 ) V., neste sentido, nomeadamente, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 66), e Despacho de 10 de março de 2016, SolarWorld/Comissão (C‑142/15 P, não publicado, EU:C:2016:163, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

( 9 ) V., nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 1990, Gestetner Holdings/Conselho e Comissão (C‑156/87, EU:C:1990:116, n.o 17), e de 16 de abril de 2015, TMK Europe (C‑143/14, EU:C:2015:236, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2002, BSC Footwear Supplies e o./Conselho (T‑598/97, EU:T:2002:52, n.o 61), e Despacho de 7 de março de 2014, FESI/Conselho (T‑134/10, não publicado, EU:T:2014:143, n.o 58).

( 11 ) V., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2016, Portmeirion Group (C‑232/14, EU:C:2016:180, n.os 23 a 32 e jurisprudência aí referida). Para registo, recordo que, neste contexto, o Tribunal de Justiça tem competência exclusiva para declarar a invalidade de um ato da União e que um órgão jurisdicional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional no direito interno deve suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial de apreciação de validade se esse órgão jurisdicional constatar que um ou vários dos fundamentos de invalidade apresentados perante ele terão fundamento: v., nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.os 27 a 32), e de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares (C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 44 a 48).

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