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Document 62016CC0403

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 7 de setembro de 2017.
Soufiane El Hassani contra Minister Spraw Zagranicznych.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Regulamento (CE) n.o 810/2009 — Artigo 32.o, n.o 3 — Código Comunitário de Vistos — Decisão de recusa de visto — Direito do requerente de interpor recurso desta decisão — Obrigação de um Estado‑Membro de garantir o direito ao recurso judicial.
Processo C-403/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:659

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 7 de setembro de 2017 ( 1 )

Processo C‑403/16

Soufiane El Hassani

contra

Minister Spraw Zagranicznych

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Código de Vistos — Direito de recurso — Recusa de emissão de um visto Schengen por um cônsul — Recurso perante a mesma autoridade administrativa Artigo 47.o da Carta — Natureza do direito ao recurso — Administrativa ou judicial»

I. Introdução

1.

S. El Hassani (o recorrente) requereu um visto Schengen para visitar a sua mulher e filho que vivem na Polónia. O cônsul polaco em Rabat (Marrocos) recusou o visto, tanto aquando do seu pedido inicial, como posteriormente, quando decidiu o recurso interposto pelo recorrente perante a mesma autoridade. O recorrente pediu uma revisão judicial dessa recusa nos tribunais polacos. No entanto, o direito polaco exclui, em princípio, a revisão judicial das decisões sobre vistos dos cônsules.

2.

Neste contexto factual e jurídico, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (a seguir «código de vistos») ( 2 ) à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O que engloba o direito de recurso previsto no artigo 32.o, n.o 3? Estabelece esse direito a obrigação de os Estados‑Membros preverem a revisão judicial das decisões sobre vistos? Ou será suficiente um recurso administrativo? Além disso, que repercussões tem o artigo 47.o da Carta nessa avaliação?

II. Quadro jurídico

A.  Direito da UE

1.  Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)

3.

O artigo 47.o, n.o 1, da Carta dispõe o seguinte:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.»

2.  Código de vistos

4.

De acordo com o considerando 18 do código de vistos:

«A cooperação local Schengen é crucial para a aplicação harmonizada da política comum de vistos e para a avaliação adequada do risco migratório e/ou para a segurança. Dadas as diferenças a nível das circunstâncias locais, a aplicação prática de disposições legislativas específicas deverá ser apreciada entre as missões diplomáticas e os postos consulares específicos dos Estados‑Membros, a fim de assegurar a aplicação harmonizada das disposições legislativas para evitar o “visa shopping” e o tratamento desigual dos requerentes de visto.»

5.

O considerando 29 do código de vistos tem a seguinte redação:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, designadamente, na Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»

6.

O artigo 1.o do código de vistos estabelece o seu objeto e âmbito de aplicação:

«1.   O presente regulamento estabelece os procedimentos e condições para a emissão de vistos de trânsito ou de estada prevista no território dos Estados‑Membros não superior a três meses por cada período de seis meses.

[…]»

7.

O artigo 2.o do código de vistos contém uma série de definições. Em especial, o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), define um visto como «uma autorização emitida por um Estado‑Membro para efeitos de […] [t]rânsito ou estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a três meses por cada período de seis meses a contar da primeira data de entrada no território dos Estados‑Membros».

8.

O artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos estabelece o seguinte:

«Os requerentes a quem seja recusado um visto têm direito de recurso. Os recursos são interpostos contra o Estado‑Membro que tomou a decisão final sobre o pedido e nos termos do direito interno desse Estado‑Membro. Os Estados‑Membros informam os requerentes sobre o procedimento a seguir em caso de recurso, tal como especificado no anexo VI.»

9.

Nos termos do artigo 47.o, n.o 1, do código de vistos:

«As autoridades centrais e os consulados dos Estados‑Membros prestam ao público todas as informações relevantes sobre o pedido de visto, nomeadamente:

[…]

h)

O facto de as decisões negativas sobre pedidos deverem ser notificadas ao requerente e fundamentadas e de os requerentes cujo pedido de visto seja recusado terem direito de recurso, sendo os requerentes informados sobre o procedimento a seguir em caso de recurso, incluindo sobre o tribunal competente e sobre prazo para interpor recurso […]»

10.

O anexo VI do código de vistos contém o modelo de formulário para notificar e fundamentar uma recusa, anulação ou revogação de visto que cada requerente deve receber. Também determina, na parte inferior do formulário, que cada Estado‑Membro deve indicar o processo nacional aplicável ao direito de recurso, incluindo a autoridade competente para conhecer do recurso e o prazo de interposição do mesmo.

B.  Direito polaco

11.

O artigo 60.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Ustawa z dnia 12 grudnia 2013 r.o cudzoziemcach (Lei de 12 de dezembro de 2013, relativa aos cidadãos estrangeiros, a seguir «lei relativa aos cidadãos estrangeiros») tem a seguinte redação:

«Deve ser emitido um visto Schengen ou nacional para efeitos de:

[…]

2)

visita à família ou amigos.»

12.

O artigo 76.o, n.o 1, dessa lei também estabelece que:

«A recusa de um visto Schengen […] por:

1)

um cônsul — pode ser impugnada através de um pedido de revisão judicial do processo por essa autoridade;

2)

um comandante de um posto de fronteira — pode ser impugnada através de um recurso para o Comandante‑Chefe do posto de fronteira.»

13.

O artigo 5.o da Ustawa z dnia 30 sierpnia 2002 r. Prawo o postępowaniu przed sądami administracyjnymi (Lei de 30 de agosto de 2002 relativa ao procedimento perante os tribunais administrativos, a seguir «código do procedimento administrativo») tem a seguinte redação:

«Os tribunais administrativos não têm competência em processos relativos a:

[…]

4)

vistos emitidos por cônsules, salvo vistos emitidos a um cidadão estrangeiro que seja membro da família de um cidadão de um Estado‑Membro da União Europeia, um Estado‑Membro da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) que seja parte do Espaço Económico Europeu (EEE) ou da Confederação Suíça, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Lei de 14 de julho de 2006, relativa à entrada, residência e saída da República da Polónia de cidadãos dos Estados‑Membros da União Europeia e dos membros das suas famílias.»

III. Matéria de facto, tramitação processual e questão prejudicial

14.

Em 24 de dezembro de 2014, o recorrente requereu ao cônsul da República da Polónia em Rabat (Marrocos) um visto Schengen. O recorrente pretendia visitar a sua mulher e filho, ambos cidadãos polacos que vivem na Polónia. Em 5 de janeiro de 2015, o cônsul recusou emitir o visto. O recorrente apresentou um pedido ao cônsul para reapreciação da primeira decisão. Em 27 de janeiro de 2015, o cônsul emitiu uma segunda decisão negativa. O fundamento para a recusa de ambas as decisões foi a falta de certeza de que o recorrente sairia da Polónia antes da data de caducidade do visto.

15.

O recorrente intentou uma ação contra a segunda decisão negativa do cônsul perante o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo Regional, Varsóvia, Polónia) (a seguir «tribunal de primeira instância»). O recorrente alegou, inter alia, que a recusa em emitir o visto significava um incumprimento do artigo 60.o, n.o 1, segundo parágrafo, da lei relativa aos cidadãos estrangeiros, interpretada à luz do artigo 8.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «convenção»).

16.

O recorrente alegou também que o parágrafo 1, do artigo 76.o, n.o 1, da lei relativa aos cidadãos estrangeiros não estabelecia um modelo de proteção conforme com o artigo 13.o da convenção. Além disso, o recorrente sustentou que o artigo 5.o, n.o 4, do código do procedimento administrativo violava o artigo 14.o da Convenção: o recorrente, cuja mulher e filho são cidadãos polacos que vivem na Polónia, não pode interpor uma ação perante um tribunal administrativo, enquanto que os cônjuges de outros cidadãos da UE podem fazê‑lo.

17.

Por despacho de 24 de novembro de 2015, o tribunal de primeira instância negou provimento à ação. O tribunal de primeira instância considerou que não tinha competência nos termos do artigo 5.o, n.o 4, do código do procedimento administrativo.

18.

O recorrente impugnou esse despacho no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), o órgão jurisdicional de reenvio. Nas suas conclusões nesse órgão jurisdicional, o recorrente reafirmou a sua posição relativamente ao alegado incumprimento do artigo 8.o, n.o 1, do artigo 13.o e do artigo 14.o da Convenção. Além disso, o recorrente alegou que o artigo 5.o, n.o 4, do código do procedimento administrativo violava o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos e o artigo 47.o da Carta, que garante o direito a uma ação perante um tribunal.

19.

Por despacho de 28 de abril de 2016, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) suspendeu a instância e submeteu a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

«Deve o artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (código de vistos), à luz do disposto no considerando 29 do código de vistos e no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ser interpretado no sentido de que impõe ao Estado‑Membro a obrigação de garantir o direito a uma ação (recurso) perante um tribunal?»

20.

Foram apresentadas observações escritas pelo recorrente, pelo recorrido Ministrer Spraw Zagranicznych (Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, a seguir «recorrido»), pela República Checa, pela República da Estónia, pela República da Polónia e pela Comissão Europeia. Todas essas partes, com exceção da Estónia, apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 17 de maio de 2017.

IV. Apreciação

21.

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede a interpretação do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos à luz do artigo 47.o da Carta. No essencial, a questão consiste em saber se essas disposições devem ser interpretadas no sentido de obrigarem os Estados‑Membros a prever um recurso judicial (isto é, uma ação perante um tribunal) contra as recusas de vistos ou se é suficiente um recurso administrativo (ação prevista pela Administração Pública) ( 3 ).

22.

Por um lado, o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos prevê um «direito de recurso» geral e indeterminado contra as recusas de vistos, sem mais especificações quanto ao tipo de recurso. Por outro lado, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta garante o direito a uma ação perante um tribunal a qualquer pessoa cujos direitos e liberdades protegidos nos termos do direito da UE foram violados.

23.

Uma forma de interpretar essas disposições pode, efetivamente, consistir na leitura do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos à luz do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, tal como proposto pela Comissão. Uma vez que, à primeira vista, o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos é aberto e indeterminado, mas o artigo 47.o, n.o 1, da Carta exige claramente uma ação perante um tribunal, a leitura do artigo 32.o, n.o 3 do código de vistos à luz do artigo 47.o, n.o 1, da Carta significaria simplesmente que o artigo 32.o, n.o 3, seria automaticamente «reajustado» para o «nível mais elevado» e interpretado no sentido de exigir uma ação judicial.

24.

Não considero que esta seja a abordagem correta no caso em apreço. Em meu entender, é mais adequado analisar cada uma destas normas separadamente antes de atentar no que significam quando interpretadas em conjunto. Não se trata de um simples exercício académico, favorecendo uma taxonomia analítica detalhada sobre o minimalismo judicial pragmático. Como será explicado mais detalhadamente abaixo na secção C das presentes conclusões, esta análise tem implicações práticas consideráveis.

25.

As presentes conclusões encontram‑se estruturadas da seguinte forma. Em primeiro lugar, avaliarei quais os requisitos relativos aos recursos que estão estabelecidos no artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos (A). Em seguida, analisarei o que decorre especificamente do artigo 47.o, n.o 1, da Carta (B). Finalmente, refletirei sobre as consequências da aplicação conjunta do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos e do artigo 47.o, n.o 1, da Carta (C).

A.  Requisitos decorrentes do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos

1.  Recurso administrativo ou judicial?

26.

O que exige o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos? Em meu entender, o artigo 32.o, n.o 3 não exige que os Estados‑Membros prevejam um mecanismo de revisão judicial para aferir da legalidade das recusas de vistos. O recurso previsto pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 32.o, n.o 3, pode ser administrativo ou judicial. Este recurso também pode consistir em vários tipos híbridos, que se situam entre a revisão administrativa e a judicial. Aparentemente, o artigo 32.o, n.o 3, é uma disposição consideravelmente aberta: deve existir uma revisão, mas a determinação da sua forma exata compete aos Estados‑Membros.

27.

Esta conclusão deriva de uma interpretação textual, contextual e teleológica do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos.

a)  Texto

28.

Em primeiro lugar, nas suas diferentes versões linguísticas, o artigo 32.o, n.o 3, utiliza predominantemente uma terminologia aberta que não permite uma conclusão firme quanto à natureza do recurso exigido nos termos dessa disposição.

29.

A maior parte das várias versões linguísticas refere um conceito amplo e indeterminado de recurso, sem indicar claramente um tipo específico de recurso. Por exemplo, em francês, o código de vistos prevê um «recours»; em italiano, «ricorso» e em espanhol, «recursos». São termos neutros que se podem referir tanto a um recurso administrativo como a um recurso judicial, ou a ambos.

30.

Existem mais cambiantes em algumas das outras versões linguísticas. Por um lado, «beroep» em holandês ou «Rechtsmittel» em alemão pode ser interpretado no sentido de se inclinar para um recurso de natureza judicial. Por outro lado, os termos utilizados em algumas línguas eslavas, tais como «odvolání» em checo, «odvolanie» em eslovaco, ou «odwołania» em polaco, podem ser claramente interpretados no sentido de se referirem a uma ação de natureza administrativa.

31.

Seja como for, é jurisprudência assente que, em caso de divergência entre as versões linguísticas, o alcance da disposição em questão não deve ser apreciado com base numa interpretação exclusivamente literal, mas em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento ( 4 ). Por conseguinte, o argumento da comparação linguística, por si só, claramente não é determinante.

32.

Em segundo lugar, o que pode ser mais importante ao nível textual é o facto de a própria redação do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos fazer uma referência expressa ao direito interno. Com efeito, essa disposição indica claramente que os recursos devem ser interpostos nos termos do direito interno do Estado‑Membro que adotou a decisão final sobre o pedido de visto.

33.

Assim, a única conclusão evidente que decorre da redação do artigo 32.o, n.o 3, reside no facto de o legislador da UE ter deixado para os Estados‑Membros a decisão sobre a natureza e as condições concretas das vias de recurso à disposição dos requerentes de vistos. É aos Estados‑Membros, em primeiro lugar, que compete definir o direito de recurso.

b)  Contexto

34.

Esta conclusão provisória não se altera quando se analisa o contexto do artigo 32.o, n.o 3, tanto no âmbito do código de vistos (argumento sistemático interno) como fora dele (argumento sistemático externo).

35.

No que respeita ao argumento sistemático interno, devo notar que o conceito de «recurso» também é utilizado noutras partes do código de vistos. No entanto, também é aí empregado de forma aberta, indeterminada.

36.

O artigo 34.o, n.o 7, que está redigido em termos muito semelhantes aos do artigo 32.o, n.o 3, apenas prevê um «direito de recurso» contra anulações ou revogações de vistos. Também não define o conceito de recurso. Do mesmo modo, o artigo 47.o, n.o 1, alínea h), exige aos Estados‑Membros que informem o público de que os requerentes cujo pedido de visto seja recusado têm «direito de recurso». Mais especialmente, exige aos Estados‑Membros que forneçam informações relativas ao procedimento a seguir em caso de recurso, «incluindo sobre o tribunal competente e sobre prazo para interpor recurso».

37.

Esse dever de informação que recai sobre os Estados‑Membros ganha maior expressão no modelo de formulário contido no anexo VI do código de vistos. Esse formulário deve ser utilizado para notificar e fundamentar uma recusa, anulação ou revogação de visto. Em conformidade com o artigo 32.o, n.o 3, esse formulário também confirma, no essencial, que compete ao legislador nacional estabelecer os procedimentos adequados e, depois, informar o requerente sobre os mesmos.

38.

Uma vez mais, não sendo específico quanto à natureza da autoridade competente — se judicial ou administrativa — para decidir recursos contra decisões negativas relativas a vistos, afigura‑se que o código de vistos, visto como um todo, deixa intencionalmente para os Estados‑Membros a questão de preverem o tipo específico de recurso que considerem o mais adequado à luz das suas estruturas institucionais ( 5 ).

39.

Esta interpretação é claramente confirmada pelo argumento sistemático externo e contextual mais amplo, quando o foco se desloca do código de vistos para outros atos de direito derivado que também regulam a entrada de nacionais de países terceiros no território da UE. Por um lado, em casos tanto de estadas curtas como de estadas longas, esses atos não exigem geralmente uma revisão judicial de decisões que proíbem a entrada. Por outro lado, e em contrapartida, quando o legislador da União considera necessário um recurso perante um tribunal, prevê‑o expressamente.

40.

Dentro da primeira categoria, vários atos de direito derivado que regulam a admissão de nacionais de países terceiros no território da UE não exigem expressamente que esteja disponível um mecanismo de recurso judicial. Alguns atos não especificam a natureza do recurso contra decisões negativas relativas à entrada, tais como a recusa de uma autorização única para trabalho ( 6 ); a rejeição de um pedido para reagrupamento familiar ( 7 ); ou — talvez a analogia mais próxima à presente situação — a decisão adotada na fronteira de recusa de entrada no território dos Estados‑Membros ( 8 ). Outros atos preveem explicitamente a possibilidade de interpor um recurso tanto perante um tribunal, como perante uma autoridade administrativa. É particularmente o caso da recusa de autorização de residência a um estudante estrangeiro ( 9 ), ou de qualquer decisão negativa relativa a pedidos de autorização para efeitos de trabalho sazonal ( 10 ).

41.

Apesar destas diferenças, é notório que as estadas longas não são tratadas de forma mais «favorável» do que as estadas curtas em relação ao direito de recurso contra decisões negativas de entrada. No entanto, se essas decisões não garantem necessariamente uma revisão judicial, essa conclusão deve a fortiori ser a mesma no contexto das estadas curtas.

42.

No que respeita à segunda categoria, afigura‑se que poucos atos de direito derivado que abrangem a entrada de nacionais de países terceiros no território dos Estados‑Membros preveem explicitamente uma revisão judicial de decisões negativas. É esse o caso da entrada dos membros da família de cidadãos da UE ( 11 ) ou de requerentes de asilo ( 12 ). Esse facto demonstra que, quando o legislador da União pretende que seja prevista a revisão judicial, pode determiná‑lo de forma explícita.

43.

Acima de tudo, esta variedade de abordagens demonstra que o legislador da UE pode prever ambos os tipos de recursos e, quando exige claramente um recurso judicial, tal exigência pode ser expressamente referida. Salvo situações específicas relacionadas principalmente com a cidadania e o asilo, também se afigura que os Estados‑Membros não são obrigados a garantir a revisão judicial de decisões negativas sobre a entrada de nacionais de países terceiros.

c)  Objetivo

44.

Tanto quanto é possível determinar, afigura‑se que a intenção do legislador da União foi deixar a escolha da natureza do recurso para os Estados‑Membros. Isto decorre não só do objetivo específico do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos, mas também do objetivo global do código de vistos.

45.

Ao considerar o objetivo específico do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos, os poucos documentos disponíveis sugerem que vários Estados‑Membros estavam relutantes quanto à previsão expressa de um direito a um recurso judicial. Na audiência, o Governo checo alegou que a natureza precisa e as características do recurso foram deliberadamente deixadas abertas à interpretação durante as negociações que conduziram à adoção do código de vistos. Apesar de estas sugestões encontrarem algum apoio na história legislativa dessa disposição ( 13 ), na ausência de uma formulação clara da intenção legislativa nesta matéria, o argumento permanece inconclusivo.

46.

No que diz respeito à lógica global do código de vistos, afigura‑se que, ao adotar um código comunitário de vistos, o Parlamento e o Conselho se esforçaram por pôr termo às regras díspares que existiam anteriormente, especialmente no que diz respeito às condições substantivas de entrada e salvaguardas processuais, tais como a obrigação de fundamentação e o direito de recurso de decisões negativas ( 14 ). É, por isso, evidente que pretendiam unificar essas condições com vista a evitar o «visa shopping» e garantir a igualdade de tratamento dos requerentes de vistos, como decorre do considerando 18.

47.

No entanto, ainda que o legislador da UE tenha unificado a existência de um recurso, ficou aquém da harmonização total quanto à sua natureza. Tudo visto, aparentemente os autores foram deliberadamente ambíguos, deixando a natureza exata da ação em aberto.

d)  Conclusão provisória

48.

O artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos exige que seja prevista a possibilidade de um recurso. No entanto, não impõe, como tal e per se, a natureza específica desse recurso. Essa matéria é deixada para os Estados‑Membros. Assim, o recurso pode ser administrativo, ou judicial, ou uma combinação de ambos.

2.  A equivalência e a efetividade do tipo de recurso escolhido

49.

Como o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos foi deixado em aberto, a Polónia optou por prever um recurso administrativo contra as recusas de vistos: pode ser interposto um recurso contra a primeira decisão do cônsul para esse cônsul, que reverá a sua decisão.

50.

Importa recordar que, nesta fase, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta, que consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva, ainda não entra em cena. No entanto, a escolha da natureza (nível) da ação não significa que a concretização dessa escolha, uma vez exercida, escape ao escrutínio do direito da UE.

51.

É jurisprudência assente que, na ausência de harmonização dos procedimentos nacionais, as regras pormenorizadas que estabelecem o direito de recurso são matérias que competem à ordem jurídica de cada Estado‑Membro, de acordo com o princípio da autonomia processual. Não obstante, essas regras não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 15 ).

52.

Assim, importa analisar se o recurso administrativo, avaliado isoladamente e visto de forma independente, cumpre a exigência dupla de equivalência (a) e de efetividade (b). É claro que, a este respeito, esta argumentação apenas pode fornecer algumas orientações sobre a avaliação que compete, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem pleno conhecimento do direito interno e do processo nacional relevantes.

a)  Equivalência

53.

Avaliar a equivalência no tocante ao processamento dos pedidos de visto não é um exercício simples. Atualmente, a maior parte dos vistos de estada curta são «vistos Schengen» ou vistos emitidos nos termos do código de vistos. Assim, não é uma tarefa fácil determinar o que é ou pode ser o regime paralelo mais próximo no direito interno com vista a estabelecer uma comparação adequada para a avaliação da equivalência.

54.

Foram discutidos dois esquemas de comparação na audiência: em primeiro lugar, decisões administrativas discricionárias relativas à entrada (em especial, recusas de vistos nos termos do código de vistos e recusas de entrada adotadas com base no código das fronteiras Schengen) e, em segundo lugar, outras decisões adotadas por cônsules (tais como potenciais decisões relativas ao estado civil, à legalização de documentos ou à emissão de passaportes). A primeira comparação potencial abrange a mesma matéria (decisões relativas à entrada no território nacional), mas as instâncias de decisão são diferentes. A segunda diz respeito à mesma instância de decisão, mas a matéria das decisões emitidas por essa instância é diferente.

55.

Em primeiro lugar, no que respeita às decisões administrativas discricionárias relativas à entrada, afigura‑se que, nos termos do direito polaco, o alcance da revisão da legalidade das decisões de vistos depende da identidade da autoridade administrativa nacional que é competente para emitir decisões e da identidade do estatuto da pessoa que requer a permissão de entrada. Em especial, a revisão judicial parece estar disponível para decisões de vistos adotadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Voïvode, ou pelo Comandante‑Chefe do posto de fronteira ( 16 ).

56.

Em segundo lugar, tudo indica que, relativamente às decisões adotadas por cônsules, o procedimento de reapreciação de decisões adotadas por um cônsul apenas se aplica às recusas de vistos. Como parece ter sido sugerido pelo Governo polaco na audiência, outros tipos de decisões tomadas por um cônsul são passíveis de revisão através de diferentes procedimentos.

57.

A avaliação clássica do requisito de equivalência normalmente tem em mente este último tipo de comparação: as reclamações baseadas no direito da UE são comparadas com reclamações baseadas noutro direito que são tratadas perante a mesma autoridade no decurso de processos semelhantes — no presente caso, o cônsul.

58.

No entanto, uma vez que a informação fornecida a este propósito ao Tribunal de Justiça é pouca, compete, efetivamente, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o que são reclamações semelhantes tratadas pelos cônsules e se essas reclamações são tratadas de forma diferente.

b)  Efetividade

59.

Conforme já referido, a exigência de efetividade significa que as ações nacionais não devem tornar a concretização do direito da UE ao nível nacional impossível ou excessivamente difícil na prática.

60.

De acordo com o direito polaco, parece que, sujeito à verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o mesmo cônsul que emitiu a primeira decisão será encarregado de apreciar o recurso contra a sua própria decisão. Poderá este procedimento de reapreciação ser considerado efetivo?

61.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com o recorrente e com a Comissão, existe incerteza quanto à efetividade de uma reapreciação pelo mesmo cônsul.

62.

Pelo contrário, o Ministério dos Negócios Estrangeiros polaco defendeu que a reapreciação pelo cônsul é efetiva. Este Ministério apresentou estatísticas para comprovar o seu ponto de vista: de acordo com os números avançados pelo Ministério, em média e analisados globalmente em relação a todos os consulados polacos, mais de um terço das decisões de recusa da emissão de um visto são alteradas. Especificamente no que respeita ao Cônsul da República da Polónia em Marrocos, é referido que esse número ascende a cerca de 60% dos casos.

63.

Do meu ponto de vista, a questão da efetividade de um procedimento é, principalmente, uma questão estrutural, legal, e não um exercício de estatística. Os dados estatísticos são, certamente, relevantes, mas apenas secundariamente, no âmbito da análise jurídica: para confirmar ou refutar que determinado regime jurídico funciona de determinado modo. Ou para apoiar a dúvida de que, à primeira vista, um regime jurídico é aplicável sem fazer distinções tem um impacto bastante diferente na realidade. Separados da análise jurídica, os dados estatísticos têm relevância limitada.

64.

No entanto, de resto, não tenho a certeza de que ao avançar esses números, o Governo polaco esteja efetivamente a ajudar a sua posição quanto à efetividade dos seus procedimentos. Muito pelo contrário: uma taxa de alteração de 60% em sede de recurso lança algumas dúvidas sérias sobre todo o procedimento, em especial sobre a qualidade da decisão em primeira instância.

65.

Voltando ao nível estrutural, legal: quando é que um recurso administrativo pode ser considerado uma ação efetiva?

66.

Como questão de bom senso, para que um procedimento possa ser denominado recurso, deve estar associado a algum elemento de novidade. Se a mesma pessoa for chamada a apreciar novamente o mesmo conjunto de informações, essa diligência pode ter várias designações ( 17 ), mas dificilmente a designação de «recurso». O elemento de novidade significa habitualmente que outra pessoa lança um novo olhar sobre o mesmo processo, normalmente apoiado com informações, documentos ou argumentos adicionais. Assim, pode‑se dizer existem dois elementos que definem um recurso: um revisor ou árbitro diferente e apresentação de documentação diferente para apreciação.

67.

A questão de saber se, e em que medida, esses requisitos foram cumpridos no que diz respeito à reapreciação da recusa de visto pelo cônsul nos termos do direito polaco compete ao órgão jurisdicional de reenvio. Quando questionado sobre esta questão específica na audiência, o recorrido referiu que os requerentes cujo pedido não é aceite podem apresentar nova documentação ao cônsul com o recurso. O recorrido também sugeriu a existência de uma circular interna do departamento consular do Ministério dos Negócios Estrangeiros que recomenda que os cônsules distribuam os recursos, na medida do possível, «horizontalmente»: designadamente, a um funcionário consular diferente, no mesmo consulado.

68.

Determinar a legislação e prática nacionais exatas nesta matéria compete ao órgão jurisdicional de reenvio. Pode apenas acrescentar‑se que o contexto especial das missões diplomáticas é naturalmente relevante no caso em apreço. Por um lado, as missões diplomáticas estão devidamente preparadas para avaliar pedidos de visto, devido ao conhecimento profundo dos factos concretos relacionados com o requerente do visto. Por conseguinte, estão também particularmente habilitadas para decidir de recursos contra recusas de vistos, apesar de dever ser assegurado que o tipo de recurso administrativo previsto pelo direito interno é efetivo. Por outro lado, também é suficientemente claro que nem todas as missões diplomáticas e postos consulares têm pessoal suficiente e quadros hierarquicamente superiores à pessoa que emitiu a primeira decisão. No entanto, mesmo nesses casos, permanecem em aberto várias opções para os Estados‑Membros garantirem que, mesmo quando existam esses constrangimentos, um recurso administrativo é efetivo no sentido acima descrito, como a confiança do tratamento dos recursos a outra pessoa dentro da mesma autoridade consular (delegação horizontal).

c)  Conclusão provisória

69.

À luz do que precede, é meu entendimento que o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos deve ser interpretado no sentido de que compete a cada Estado‑Membro decidir a natureza do recurso contra recusas de vistos, desde que o recurso cumpra os princípios da equivalência e da efetividade.

B.  Requisitos decorrentes do artigo 47.o, n.o 1, da Carta

70.

O artigo 47.o da Carta, com a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», codificou o princípio geral da tutela jurisdicional efetiva, anteriormente estabelecido pelo Tribunal de Justiça ( 18 ). Recentemente, o Tribunal de Justiça também declarou que «[a] este direito corresponde a obrigação imposta aos Estados‑Membros no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE de estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União» ( 19 ).

71.

Nos termos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.

72.

O que exige o artigo 47.o, n.o 1, da Carta no contexto do código de vistos em geral e do artigo 32.o em especial? Em meu entender, o artigo 47.o, n.o 1, exige que os Estados‑Membros prevejam uma revisão das recusas de vistos perante um tribunal, isto é, um órgão jurisdicional.

73.

Após analisar a aplicabilidade do artigo 47.o, n.o 1, com o caso em apreço, especialmente por referência ao(s) direito(s) e liberdade(s) da União que foram afetados (1), avaliarei o significado exato de «uma ação perante um tribunal» (2).

1.  Quais são os «direitos e liberdades» garantidos pelo direito da União?

74.

Para que o artigo 47.o, n.o 1, da Carta seja aplicável, devem estar preenchidas duas condições cumulativas. Em primeiro lugar, a situação em causa deve estar abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da UE para que a Carta seja, como um todo, aplicável (artigo 51.o, n.o 1, da Carta, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Åkerberg Fransson ( 20 )). Em segundo lugar, como decorre expressamente do teor do artigo 47.o, n.o 1, o requerente deve ter um «direito ou liberdade» concreto garantido pelo direito da União que possa desencadear a aplicação específica do artigo 47.o, n.o 1.

75.

Teria muitas dúvidas em acolher a proposta de que o direito a uma ação perante um tribunal deriva da mera aplicabilidade da Carta ( 21 ), pelo menos por quatro razões.

76.

Em primeiro lugar, temos o texto do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, que refere o facto de «os direitos e liberdades garantidos pelo direito da União» terem sido violados para tornar essa disposição aplicável. Se os autores tivessem pretendido que o artigo 47.o, n.o 1, fosse uma disposição universalmente aplicável, desencadeada pelo artigo 51.o, n.o 1, independentemente de quaisquer direitos ou liberdades concretos, teriam simplesmente previsto que «toda a pessoa tem direito a uma ação perante um tribunal», omitindo quaisquer especificações ou limites adicionais?

77.

Em segundo lugar, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, apesar de haver algumas exceções ( 22 ), afigura‑se que o Tribunal de Justiça tende a sujeitar a ação à existência de um direito ou liberdade da União, cuja violação pode ser alegada por um requerente. Esta conexão feita pelo Tribunal de Justiça entre direito e ação não é, de forma alguma, nova ( 23 ).

78.

Em terceiro lugar, a proposta de que a mera aplicabilidade da Carta também desencadeia o artigo 47.o, n.o 1, imporia, consequentemente, uma obrigação aos Estados‑Membros de preverem um recurso judicial em toda e qualquer questão regulada pelo direito da UE. Considero essa consequência difícil de conciliar com o artigo 51.o, n.o 2, da Carta, que estabelece que esta não alarga o âmbito de aplicação do direito da União para além dos poderes da União, bem como com a intenção repetidamente expressa pelos Estados‑Membros ( 24 ) no sentido de que a Carta não cria, por si só, obrigações novas e independentes ( 25 ).

79.

Em quarto lugar, também existe o contexto mais amplo da autonomia processual dos Estados‑Membros. Sujeitar a aplicabilidade do artigo 47.o, n.o 1, da Carta efetivamente à alegada violação de simples interesses jurídicos que possam pairar em algum lugar dentro das penumbras do âmbito de aplicação do direito da UE, em oposição aos direitos e liberdades concretos, discerníveis e individuais garantidos pelo direito da UE, exigiria, em termos da sua aplicação, reajustes consideráveis nas tradições jurídicas dos Estados‑Membros em que a legitimidade (legitimidade ativa para apresentar uma reclamação) depende da violação de um direito subjetivo ( 26 ).

80.

81. Assim, a aplicabilidade do artigo 47.o, n.o 1, da Carta depende tanto da aplicabilidade global da Carta, como da existência de um direito ou liberdade concreto garantido pelo direito da União.

82.

Por outro lado, importa reconhecer que, em termos práticos, a diferença entre as duas posições provavelmente não é significativa. Na maioria dos processos, um litígio está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da UE e, por conseguinte, do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, precisamente porque o sujeito procura determinar os seus direitos baseados no direito da UE num processo nacional. Dito de forma diferente: se existe um direito ou liberdade garantido nos termos da UE claramente identificável que é suficientemente sólido para desencadear a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, é óbvio que essa questão também está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da UE nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta (o argumento a maiore ad minus). No entanto, como tentei explicar nos n.os precedentes, a lógica inversa não se aplica.

83.

No entanto, exigir um direito ou liberdade concreto que beneficie o litigante específico em questão para a aplicabilidade do artigo 47.o, n.o 1, além do artigo 51.o, n.o 1, não é um debate académico. Tem consequências práticas, tais como, inter alia, a erradicação da actio popularis. Deve existir um direito concreto previsto pelo direito da UE que beneficie o litigante específico.

84.

No caso em apreço, no que respeita à primeira condição, a aplicabilidade global da Carta não foi contestada por nenhum dos participantes do processo. Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, a Carta é aplicável quando os Estados‑Membros apliquem direito da União. A aplicabilidade do direito da UE implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta. Assim, a Carta aplica‑se naturalmente quando as disposições do código de vistos são aplicadas pelas autoridades dos Estados‑Membros, quer sejam as disposições relativas às condições de entrada, ao pedido ou às salvaguardas processuais. Em especial, aplica‑se quando um Estado‑Membro adota decisões com base no código de vistos, tal como uma decisão de recusa de emissão de um visto nos termos do artigo 32.o, n.o 1.

85.

A avaliação da segunda condição é, de alguma forma, mais complexa. Quais são o(s) direito(s) ou liberdade(s) concreto(s) garantidos pelo direito da União ao requerente de visto que desencadeiam a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, no caso em apreço? Foram discutidos três tipos diferentes de direitos potenciais no decurso do presente processo: o direito à vida familiar; o direito a um visto; e o direito ao tratamento imparcial do pedido de visto.

86.

Examinarei estes três direitos sucessivamente. O direito à vida familiar, como afirmou o recorrente, parece ter uma relevância limitada para desencadear a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, da Carta no caso em apreço (a). Seguidamente, em meu entender, não existe um «direito a um visto» nos termos do direito da UE (b). Existe, no entanto, o direito a que o pedido de visto seja tratado de forma imparcial e adequada, o qual, no caso em apreço, pode desencadear a aplicação do artigo 47.o, n.o 1 (c).

a)  Direito à vida familiar

87.

Relativamente ao direito à vida familiar, o recorrente invocou, nas suas alegações escritas, que a recusa de visto prejudicou o seu direito de manter relações pessoais regulares com a sua mulher e filho.

88.

O direito à vida familiar é certamente relevante no contexto do pedido do código de vistos e na avaliação posterior do mérito do processo. No entanto, é o código de vistos, ou seja, as disposições substantivas e processuais do direito derivado da UE aplicável neste caso, que desencadeiam a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, da Carta.

89.

É óbvio que as considerações familiares não estão ausentes do código de vistos. Em especial, o artigo 24.o, n.o 2, prevê que os vistos de entradas múltiplas devem ser emitidos quando o requerente demonstre a necessidade ou justifique a intenção de viajar frequentemente devido à sua situação familiar ( 27 ). Assim, pondo de parte fins empresariais ou turísticos, os vistos também podem ser requeridos para visitar membros da família. Nessa conformidade, a vida familiar é um dos elementos subjacentes ao código de vistos.

90.

Por outro lado, a vida familiar implica um compromisso de longo prazo e estabilidade. É, por conseguinte, provavelmente menos relevante no contexto de vistos de estadas curtas do que no caso de vistos de estadas longas ou autorizações de residência ( 28 ). Além disso, ao contrário de outros atos de direito da UE, tais como a diretiva cidadãos ( 29 ) ou a diretiva reagrupamento familiar ( 30 ), que não são aplicáveis ao caso em apreço ( 31 ), o código de vistos visa facilitar as viagens internacionais legítimas e lutar contra a imigração ilegal, e não criar ou fortalecer laços familiares ( 32 ).

91.

Por conseguinte, o direito à vida familiar, conforme previsto no código de vistos como um direito fundamental garantido pela Carta, deve certamente ser tomado em consideração aquando da avaliação posterior do mérito do processo. No entanto, em si mesma, isolada do código de vistos, a referência a um direito à vida familiar consagrado na Carta não pode desencadear a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, da Carta ( 33 ).

b)  Existe um direito a um visto?

92.

O recorrente e a Comissão (principalmente nas suas alegações escritas, uma vez que defendeu uma visão mais matizada na audiência) alegaram que existe um direito, subjetivo, apesar de não automático, a um visto. De acordo com estas partes, esse entendimento decorre do acórdão Koushkaki ( 34 ).

93.

Todos os demais participantes no processo alegam que o código de vistos não pode ser interpretado no sentido de estabelecer um direito (subjetivo) de um cidadão de um país terceiro a que lhe seja emitido um visto Schengen.

94.

Concordo com este último entendimento. Não existe qualquer direito a um visto nos termos do direito da UE.

95.

Em primeiro lugar, a minha interpretação do acórdão Koushkaki é algo diferente da do recorrente e da Comissão. É verdade que, no n.o 55 desse acórdão, a Grande Secção do Tribunal de Justiça referiu que as autoridades competentes só podem recusar um pedido de visto uniforme no caso de poder ser oposto ao requerente um dos motivos de recusa enumerados nos artigos 32.o, n.o 1, e 35.o, n.o 6, do código de vistos ( 35 ).

96.

No entanto, essa afirmação não significa, em meu entender, que «o sujeito tem um direito subjetivo a um visto, protegido pelo direito da União». O contexto é importante. Na parte do acórdão que conduziu ao n.o 55, o Tribunal de Justiça não estava preocupado com os direitos individuais, mas com o objetivo global do código de vistos e a margem de apreciação conferida às autoridades dos Estados‑Membros que o aplicavam. Nos n.os 50 a 54, imediatamente antes daquela afirmação, o Tribunal de Justiça relembrou que o objetivo do código de vistos é harmonizar as condições da emissão de vistos, assim proporcionando um visto genuinamente uniforme e evitando o visa shopping. Os critérios estabelecidos no código de vistos devem ser respeitados. Os Estados‑Membros devem aplicá‑los de forma uniforme.

97.

Interpretado neste sentido, o n.o 55 do acórdão recapitula, no essencial, a exigência de legalidade uniforme imposta aos Estados‑Membros pelas disposições relevantes do código de vistos. No entanto, da afirmação de que as autoridades administrativas devem cumprir as suas obrigações nos termos do código de vistos não decorre, certamente, que um sujeito tem um direito subjetivo a um visto. Dito doutra forma, da afirmação de que um árbitro deve aplicar rigorosamente as regras do jogo e não se pode recusar a interromper o jogo ou a punir uma falta quando as regras assim o exigem não decorre que algum dos participantes tenha o direito subjetivo de vencer o jogo.

98.

Em segundo lugar, e talvez mais importante, reconhecer a existência de um direito subjetivo a um visto pressuporia, em meu entender, a existência de um direito de entrada no território da União. No entanto, não existe tal direito.

99.

A simples existência da exigência de um visto já se opõe, per se, à ideia de um direito subjetivo de entrada no território dos Estados‑Membros. Tal como é referido no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do código de vistos, um visto é «uma autorização emitida por um Estado‑Membro para efeitos de [t]rânsito ou estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a três meses […]».

100.

Analisando a lógica subjacente aos vistos, estes são a expressão da soberania do Estado no seu território, «uma ferramenta de controlo das entradas e, portanto, dos fluxos migratórios, e pode igualmente revelar‑se como um instrumento de política externa e de segurança» ( 36 ). Por conseguinte, compete aos Estados‑Membros exercer a sua margem de apreciação para decidir quem pode entrar no seu próprio território, mesmo sob circunstâncias excecionais ( 37 ). A fortiori, em circunstâncias normais, compete aos Estados‑Membros avaliar, em última instância, se, por exemplo, o requerente de visto pode constituir uma ameaça para a política pública, se dispõe dos meios de subsistência necessários, ou se existem dúvidas razoáveis de que o requerente tem a intenção de abandonar o território dos Estados‑Membros antes da caducidade do visto que requereu.

101.

Por último, nem todos os estrangeiros são iguais no que respeita à exigência de visto. O simples facto de alguns sujeitos (tais como cidadãos da UE e membros das suas famílias ou cidadãos de países terceiros que estão isentos da exigência de visto ( 38 )) não terem de obter um visto para entrar no território da União demonstra que aqueles que devem apresentar um visto válido na fronteira não gozam de um direito ao visto nem de um direito de entrada ( 39 ), por oposição às pessoas «privilegiadas» acima referidas, às quais assiste esse direito.

102.

A este respeito, concordo com as dúvidas do advogado‑geral P. Mengozzi nas suas conclusões no processo Koushkaki relativas à adoção do código de vistos sob a forma de um regulamento, podendo entender‑se que «os Estados‑Membros […] de facto [consentiram] num salto qualitativo tão fundamental como a passagem de uma obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de recusar a emissão de um visto […] para a consagração de um direito subjetivo à emissão, que os nacionais de países terceiros poderiam invocar» ( 40 ).

103.

Em suma, não existe um direito subjetivo a um visto que possa desencadear a aplicação do artigo 47.o, n.o 1, da Carta.

c)  O direito ao tratamento imparcial e adequado do pedido de visto

104.

No entanto, apesar da ausência de um direito substantivo a um visto que possa ser invocado para corroborar a aplicabilidade do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, é claro que a afirmação acima citada do Tribunal de Justiça no acórdão Koushkaki continua relevante a um nível diferente. Se existe uma obrigação por parte da Administração de aplicar de certa forma o código de vistos e as suas disposições, também deve existir um direito correlativo, correspondente a essa obrigação de legalidade. Esse direito não é um direito substantivo à emissão de um visto, é um direito de natureza processual. Não é um direito a um visto, mas sim o direito ao tratamento do pedido de visto de forma imparcial e adequada.

105.

Assim, voltando à metáfora desportiva, apesar de o participante não ter o direito ao resultado concreto do jogo, tem, pelo simples facto de entrar no jogo, o direito a uma partida imparcial.

106.

Pode ser acrescentado que esse entendimento não é, de forma alguma, incomum noutras áreas do direito da UE: é possível estabelecer um paralelismo com matérias como contratação pública e os pedidos de subsídios ou de autorização de residência ( 41 ). Em todos esses casos, não existe um direito ao resultado, designadamente para obter a adjudicação, o subsídio ou a autorização. No entanto, existe o direito a que o pedido seja adequada e legalmente tratado e esse direito pode constituir a base para a revisão judicial da decisão sobre o pedido.

107.

Aplicado ao caso em apreço, isto significa que o recorrente goza de um direito processual que é protegido nos termos do direito da União, designadamente o direito a que o seu pedido de visto seja legalmente analisado. Assim, uma vez que tem um direito garantido nos termos do direito da União, o seu direito a uma ação perante um tribunal, em conformidade com o artigo 47.o, n.o 1, da Carta, deve ser reconhecido.

2.  Uma «ação perante um tribunal» no contexto de uma recusa de visto

108.

Serão feitas três observações finais relativamente à natureza de uma ação exigida no contexto de uma recusa de visto nos termos do artigo 47.o, n.o 1.

109.

Em primeiro lugar, nos termos do acórdão Koushkaki, os Estados‑Membros devem emitir vistos quando as condições previstas no código de vistos estiverem preenchidas. Isto justifica‑se pela lista exaustiva de fundamentos para a recusa, anulação ou revogação de um visto no código de vistos ( 42 ). No entanto, e também no acórdão Koushkaki, o Tribunal de Justiça insistiu na «margem de apreciação ampla» de que beneficiam os Estados‑Membros quando analisam pedidos de vistos ( 43 ). Em especial, o Tribunal de Justiça salientou que a apreciação da posição individual de um requerente de visto implicava avaliações complexas. Essas avaliações envolvem a elaboração de prognósticos sobre o comportamento previsível do requerente e devem, nomeadamente, assentar num vasto conhecimento do país de residência deste último ( 44 ).

110.

Em segundo lugar, a margem de apreciação ampla das autoridades dos Estados‑Membros implica, logicamente, um nível mais ligeiro da revisão judicial a ser desempenhada pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros ( 45 ). Assim, em situações como a que está em causa no processo principal, é suficiente que os órgãos jurisdicionais nacionais assegurem que a recusa de visto não foi arbitrariamente decidida, antes correspondendo a factos apurados pela autoridade administrativa e tendo sido adotada dentro dos limites da margem de apreciação da Administração.

111.

Em terceiro lugar, o dever dos Estados‑Membros nos termos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta é garantir o núcleo ou a essência do direito ali consagrado, designadamente o acesso aos tribunais ( 46 ). Para preservar esse núcleo, a revisão de decisões sujeitas a escrutínio jurisdicional não pode ser excluída quando um direito ou uma liberdade da União foi violado ( 47 ). No entanto, tal não implica, no contexto específico de processos como o presente, quaisquer obrigações positivas adicionais dos Estados‑Membros para facilitar ativamente esse acesso.

112.

Afinal, esse direito, razoavelmente concebido, de acesso ao tribunal em matéria de vistos não diz apenas respeito aos direitos dos requerentes a serem tratados de forma imparcial e correta, o que também decorre da sua dignidade humana. Está também em causa o interesse especial da União e dos seus Estados‑Membros em manter e controlar o exercício do poder público e a legalidade (europeia). Esta necessidade pode ser ainda mais forte em locais geograficamente distantes, como os consulados dos Estados‑Membros espalhados por todo o mundo, onde as instruções e orientações centrais podem ser interpretadas e desenvolvidas de várias formas. Uma ação individual pode, assim, ser igualmente benéfica para fazer luz sobre a prática genuína nesse local ( 48 ). Por conseguinte, faça‑se luz.

C.  Aplicação conjunta do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos e do artigo 47.o, n.o 1, da Carta

113.

Nos termos do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos, o direito de recurso é de natureza indefinida: pode ser concretizado, dependendo do exercício de escolha pelo Estado‑Membro, através de um recurso administrativo, através de um recurso judicial ou também através de um tipo de recurso híbrido com elementos de ambos. Pelo contrário, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta exige claramente um recurso perante um tribunal, designadamente, um recurso judicial.

114.

Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio sugeriu que o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos fosse lido à luz do artigo 47.o da Carta. O que significa isto na prática?

115.

«Ler à luz de» ( 49 ), como sugerido pela Comissão no caso em apreço, significaria que o direito de recurso previsto no artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos se refere a um recurso judicial. No entanto, esse reajuste interpretativo do conceito eliminaria efetivamente, ao mesmo tempo, a opção por um recurso administrativo nos termos do código de vistos.

116.

Em contrapartida, se o artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos e o artigo 47.o da Carta devessem ser lidos e aplicados em conjunto, em paralelo, o resultado seria diferente. Isto significaria que os Estados‑Membros manteriam claramente a liberdade de escolher o tipo de recurso nos termos do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos, apesar de, em última instância, dever existir a possibilidade de revisão judicial nos termos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta.

117.

Esta última interpretação é, em meu entender, a correta. Não vejo por que motivo, no caso em apreço, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta deveria privar eficazmente os Estados‑Membros da opção de criar um sistema de recurso (administrativo ou híbrido) que pudesse ser considerado adequado na perspetiva das suas tradições jurídicas e da especificidade da matéria em questão.

118.

Poderia sugerir‑se que, por analogia com outras áreas, o princípio da tutela jurisdicional efetiva não se opõe à legislação nacional que impõe a aplicação prévia de um processo de resolução extrajudicial ou o recurso a um processo de mediação como condição de admissibilidade da ação judicial ( 50 ).

119.

No entanto, essa analogia, ou melhor, a sua necessidade em primeiro lugar, parece‑me muito peculiar. Significaria efetivamente remover primeiro a escolha (especificamente prevista) dos Estados‑Membros, reduzindo o âmbito de aplicação do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos através do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, apenas para reintroduzir a mesma escolha através da jurisprudência (de discutível aplicação genérica) relativa a mecanismos de acordo prévios intrinsecamente compatíveis com o artigo 47.o, n.o 1, da Carta.

120.

Pode, por conseguinte, ser sugerido que o artigo 47.o, n.o 1, da Carta não questiona a própria existência de outros meios de reparação, tais como as ações administrativas asseguradas em vários Estados‑Membros. Não altera também o âmbito do artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos. O artigo 47.o, n.o 1, da Carta s acrescenta simplesmente uma obrigação para os Estados‑Membros: numa qualquer fase do processo, deve existir a possibilidade de submeter a questão a um órgão jurisdicional. Antes disso, compete a cada Estado‑Membro decidir optar por uma revisão puramente administrativa (perante a mesma autoridade ou outra); ou por uma revisão efetuada por tribunais mistos compostos tanto por juízes como por funcionários públicos; ou, claro, querendo os Estados‑Membros, permitir também uma revisão perante um tribunal na aceção do artigo 47.o, n.o 1.

121.

Isto leva‑me ao meu último ponto, também abordado na audiência no caso presente: o que se entende por «tribunal» nos termos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta no presente contexto ( 51 )?

122.

Para efeitos dos requisitos do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, parece‑me bastante claro que essa disposição visa um órgão de natureza jurisdicional verdadeiramente independente e imparcial que preencha todos os critérios de definição de órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.o TFUE. Assim, esse órgão deve ser instituído por lei; deve ser permanente; a sua jurisdição deve ter caráter obrigatório; o seu processo deve ser inter partes — isto é, de natureza jurisdicional contraditória; deve aplicar normas de direito; e deve ser independente ( 52 ). No entanto, em oposição à flexibilidade demonstrada pelo Tribunal de Justiça quanto aos termos de aplicação destes critérios para efeitos de admissibilidade de decisões prejudiciais nos termos do artigo 267.o TFUE, para efeitos de assegurar o cumprimento do artigo 47.o, n.o 1, da Carta, todos estes critérios devem estar preenchidos ( 53 ).

123.

Mais uma vez, no entanto, tal como acima referido, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta exige que numa determinada fase, os processos que envolvem uma recusa de um visto possam ser submetidos a um órgão jurisdicional que preencha todos estes critérios. Daqui não decorre que o processo tenha de ser imediatamente apresentado a esse órgão, nem que os órgãos que intervieram anteriormente devem preencher esses critérios.

V. Conclusão

124.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial apresentada pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia):

O artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 que estabelece o Código Comunitário de Vistos (código de vistos) deve ser interpretado no sentido de que compete a cada Estado‑Membro decidir a natureza do recurso contra recusas de vistos, desde que o recurso cumpra os princípios da equivalência e da efetividade.

O artigo 47.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não podem excluir a possibilidade de revisão judicial de recusas de vistos por um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.o TFUE.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2009, L 243, p. 1.

( 3 ) Deve acrescentar‑se, como elemento contextual, que, em 16 de outubro e em 26 de novembro de 2014, a Comissão enviou pareceres fundamentados, nos termos do artigo 258.o TFUE, à República Checa, à Estónia, à Finlândia, à Polónia e à Eslováquia, instando‑os «a prever o direito a um recurso jurisdicional efetivo contra uma decisão de recusa/anulação/revogação de um visto». V. notas informativas da Comissão: MEMO/14/589 de 16 de outubro de 2014 e MEMO/14/2130 de 26 de novembro de 2014. De acordo com a Comissão, os cidadãos de países terceiros têm o direito a um tratamento não arbitrário do seu pedido de visto e este direito deve ser protegido por um processo de recurso judicial. Além disso, na audiência, a Comissão referiu que, atualmente, esses processos por infração apenas diziam respeito à República Checa, à Polónia e à Eslováquia.

( 4 ) V., por exemplo, acórdãos de 1 de março de 2016, Kreis Warendorf e Osso (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 27), e de 15 de março de 2017, Al Chodor (C‑528/15, EU:C:2017:213, n.o 32).

( 5 ) Pode acrescentar‑se que o Manual (da Comissão) relativo ao tratamento dos pedidos de vistos também não especifica a natureza do recurso [Decisão da Comissão C(2010) 1620 final, de 19 de março de 2010 que estabelece o Manual relativo ao tratamento dos pedidos de visto e à alteração dos vistos emitidos, pp. 77 e 89]. É verdade que o manual não é juridicamente vinculativo. No entanto, pode afirmar‑se com segurança que, caso se entendesse claramente que o código de vistos exigia de facto um recurso judicial, a Comissão certamente não teria omitido um facto tão significativo num manual tão detalhado.

( 6 ) V. artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2011/98/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado‑Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado‑Membro (JO 2011, L 343, p. 1).

( 7 ) V. artigo 18.o da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12) (a seguir «diretiva relativa ao reagrupamento familiar»).

( 8 ) V. artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (código das fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1).

( 9 ) V. artigo 34.o, n.o 5, da Diretiva (UE) 2016/801 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação, de estudos, de formação, de voluntariado, de programas de intercâmbio de estudantes, de projetos educativos e de colocação au pair (JO 2016, L 132, p. 21). Pode acrescentar‑se que, no contexto da antecessora desta diretiva, o advogado‑geral M. Szpunar teve dúvidas de que a exclusão de uma ação judicial estivesse em consonância com o artigo 47.o da Carta [conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 75)].

( 10 ) V. artigo 18.o, n.o 5, da Diretiva (UE) 2014/36 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa às condições de entrada e de permanência de nacionais de países terceiros para efeitos de trabalho sazonal (JO 2014, L 94, p. 375).

( 11 ) V. artigos 15.o e 31.o da Diretiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77) (a seguir «diretiva cidadãos»).

( 12 ) V. artigo 27.o, n.o 1 do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (reformulação) (JO 2013, L 180, p. 31; e corrigendum JO 2017, L 149, p. 50). Sobre o alcance da revisão nos termos desse regulamento, v. acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409). V., também, artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

( 13 ) Aparentemente, durante as negociações, tanto o Parlamento Europeu como a Comissão defenderam um recurso judicial, enquanto vários Estados‑Membros se opuseram por temerem sobrecarregar os seus órgãos jurisdicionais — documento do Conselho n.o 14628/08, Projeto de regulamento do Parlamento e do Conselho que estabelece um Código Comunitário dos Vistos de 23 de outubro de 2008, p. 3 (n.o 2).

( 14 ) Antes da entrada em vigor do código de vistos, os Estados‑Membros tinham práticas muito diferentes no que respeita ao processamento de vistos. Em especial, o direito de recurso não estava previsto em todo o lado. Para uma visão comparativa das condições atuais nos Estados‑Membros, v. relatório anual de 2012 da Agência dos Direitos Fundamentais, Direitos fundamentais: desafios e conquistas em 2012, Serviço das Publicações, pp. 91 a 95.

( 15 ) V., por exemplo, acórdãos de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 48); de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 31); e de 17 de março de 2016, Bensada Benallal (C‑161/15, EU:C:2016:175, n.o 24).

( 16 ) Respetivamente, para decisões sobre vistos relativos a diplomatas (Ministério dos Negócios Estrangeiros), prolongamento de vistos (Voïvode) e emissão de vistos na fronteira (Comandante‑Chefe do posto de fronteira).

( 17 ) Sempre acreditei que tinha sido Albert Einstein a dizer que «loucura é fazer sempre a mesma coisa e esperar um resultado diferente». Na verdade, essa citação é incorretamente atribuída a Einstein — v. Calaprice, A. (E.), The Ultimate Quotable Einstein. Princeton University Press, 2011, p. 474, que atribui a citação ao romance Sudden Death, de Rita Mae Brown (Bantam Books, New York 1983, p. 68).

( 18 ) V., sobre o princípio da tutela jurisdicional efetiva, acórdãos de 15 de maio de 1986, Johnston (222/84, EU:C:1986:206, n.o 18), e de 15 de outubro de 1987, Heylens e o. (222/86, EU:C:1987:442, n.o 14); por último, relativamente ao artigo 47.o da Carta, v. acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 37); de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 33); e de 18 de dezembro de 2014, Abdida (C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 45).

( 19 ) V. acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 44).

( 20 ) Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 (C‑617/10, EU:C:2013:105).

( 21 ) V., por exemplo, as conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:2, n.os 51 e segs.). V., também, Prechal, S., «The Court of Justice and Effective Judicial Protection: What Has the Charter Changed?»in Paulussen, C. et al. (EE.) Fundamental Rights in International and European Law (2016, Asser Press), p. 143.

( 22 ) V., por exemplo, acórdãos de 26 de setembro de 2013, Texdata Software (C‑418/11, EU:C:2013:588), e de 17 de setembro de 2014, Liivimaa Lihaveis (C‑562/12, EU:C:2014:2229), em que o Tribunal de Justiça não se empenhou em identificar um direito ou liberdade específicos protegidos pelo direito da União.

( 23 ) V., por exemplo, no contexto do princípio geral da tutela jurisdicional efetiva, acórdão de 15 de outubro de 1987, Heylens e o. (222/86, EU:C:1987:442, n.o 14); e no contexto do artigo 47.o da Carta, acórdãos de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 35), de 23 de outubro de 2014, Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:2316, n.os 33 a 40) e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 51 a 52).

( 24 ) V. artigo 6.o, n.o 1, TUE e Declaração anexada à ata final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa.

( 25 ) Ou, de forma mais poética, os direitos fundamentais são a «sombra» do direito da União [Lenaerts, K., e Gutiérez‑Fons, J. A., «The Place of the Charter in the EU Constitutional Edifice», in Peers, S., Hervey, T., Kenner, J., e Ward, (ed.) A The EU Charter of Fundamental Rights: A Commentary (C.H. Beck, Hart, Nomos, 2014), p. 1568]. Uma «sombra» dos direitos fundamentais segue outra disposição, substantiva ou processual, de direito da UE. Mas uma sombra não pode lançar a sua própria sombra.

( 26 ) O mesmo parâmetro teria, assim, naturalmente de ser aplicável à revisão judicial e legitimidade perante os órgãos jurisdicionais da União, uma vez que o artigo 47.o, n.o 1, da Carta abrange qualquer atividade ou decisão das instituições da UE (e órgãos e organismos) por força do artigo 51.o, n.o 1.

( 27 ) V., também, artigo 14.o, n.o 4, do código de vistos.

( 28 ) V., por exemplo, acórdão do Tribunal dos Direitos Humanos de 3 de outubro de 2014, Jeunesse/Países Baixos (CE:ECHR:2014:1003JUD001273810), em que o TEDH declarou que recusar uma autorização de residência a uma mãe surinamesa de três crianças que nasceram nos Países Baixos violava o seu direito ao respeito pela sua vida familiar.

( 29 ) Diretiva 2004/38/CE.

( 30 ) Diretiva 2003/86/CE.

( 31 ) O recorrente não pode invocar a diretiva cidadãos, uma vez que a sua mulher e filho são cidadãos da União que não exerceram o seu direito de livre circulação na União Europeia [v. acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (C‑256/11, EU:C:2011:734)]. O recorrente tão‑pouco pode invocar a Diretiva Reagrupamento Familiar porque o requerente do reagrupamento não é um cidadão de um país terceiro.

( 32 ) Como foi recentemente afirmado pelo Tribunal de Justiça num contexto algo diferente, o código de vistos não pode ser invocado quando o que se pretende, no essencial, é um visto de curta duração. V. acórdão de 7 de março de 2017, X e X (C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.os 47 a 48), proferido no contexto de um pedido de visto com validade territorial limitada com o objetivo de apresentação de um pedido de proteção internacional.

( 33 ) Em geral, v. n.os 74 a 80, supra, das presentes conclusões.

( 34 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2013 (C‑84/12, EU:C:2013:862).

( 35 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 55). Para uma abordagem semelhante no contexto de uma recusa de entrada com base no código das fronteiras Schengen e de uma recusa de concessão de autorização de residência para estudantes, v. acórdãos de 4 de setembro de 2014, Air Baltic Corporation (C‑575/12, EU:C:2014:2155), e de 10 de setembro de 2014, Ben Alaya (C‑491/13, EU:C:2014:2187).

( 36 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 51).

( 37 ) Consequentemente, em conformidade com o artigo 25.o do código de vistos, mesmo os vistos humanitários só devem ser emitidos quando o Estado‑Membro o considerar necessário para derrogar o princípio de que as condições de entrada estabelecidas no código das fronteiras Schengen devem estar preenchidas.

( 38 ) V. Regulamento (CE) n.o 539/2001, de 15 de março de 2001, que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação (JO 2001, L 81, p. 1).

( 39 ) No artigo 30.o, o próprio código de vistos separa o visto do direito de entrada, ao referir que a «mera posse de um visto uniforme ou de um visto com validade territorial limitada não confere um direito de entrada automático».

( 40 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 54).

( 41 ) V., por exemplo, acórdãos de 17 de julho de 2014, Tahir (C‑469/13, EU:C:2014:2094); de 17 de setembro de 2014, Liivimaa Lihaveis (C‑562/12, EU:C:2014:2229); e de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688).

( 42 ) V. acórdão de 19 de dezembro de 2013 (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.os 38 e 47).

( 43 ) Ibidem, n.os 60 a 63.

( 44 ) Ibidem, n.os 56 a 57.

( 45 ) Para esse efeito, v. conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no que respeita à recusa na emissão de uma autorização de residência para efeitos de estudo no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 72).

( 46 ) V., por exemplo, acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 59), e de 30 de junho de 2016, Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci (C‑205/15, EU:C:2016:499, n.o 44).

( 47 ) V., por exemplo, acórdão de 17 de março de 2011, Peñarroja Fa (C‑372/09 e C‑373/09, EU:C:2011:156, n.o 63). Ainda antes da entrada em vigor da Carta, v., por exemplo, acórdão de 3 de dezembro de 1992, Oleificio Borelli/Comissão (C‑97/91, EU:C:1992:491, n.os 13 e 14).

( 48 ) Podem ser referidas, a título de exemplo, duas decisões recentes da Grande Secção do Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo, República Checa). No seu acórdão de 30 de maio de 2017, no processo n.o 10 Azs 153/2016‑52, o Nejvyšší správní soud analisou problemas estruturais na Embaixada checa em Hanoi, onde o tratamento de pedidos de autorização para trabalho era sujeito a um processo verdadeiramente kafkiano, inutilizando efetivamente qualquer apresentação normal de um pedido. Invocando a sua jurisprudência anterior sobre a matéria e referindo que a prática contínua da função pública checa era totalmente inaceitável e vergonhosa (n.o 56 da decisão), o Nejvyšší správní soud acrescentou que «a função pública checa estabeleceu, para requerentes de autorizações de residência checas em especial no Vietname e na Ucrânia, um sistema completamente opaco, dependente do comportamento arbitrário dos funcionários públicos competentes que controlavam o acesso à apresentação desses pedidos, inutilizando qualquer réstia de controlo externo, mas com fortes suspeitas de corrupção e abuso» (n.o 57 da decisão; v. também um acórdão paralelo do mesmo dia no processo n.o 7 Azs 227/2016‑36).

( 49 ) Para um processo em que o Tribunal de Justiça interpretou o direito derivado da União «à luz do» artigo 47.o da Carta, no contexto da contratação pública, v., acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688).

( 50 ) V. acórdãos de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146), e de 14 de junho de 2017, Menini e Rampanelli (C‑75/16, EU:C:2017:457).

( 51 ) O Tribunal de Justiça já foi confrontado com esta questão no processo Zakaria, no contexto do código das fronteiras Schengen, relativamente a uma disposição equivalente ao artigo 32.o, n.o 3, do código de vistos. A questão, que acabou por não ser decidida pelo Tribunal de Justiça, consistia em saber se o artigo 13.o, n.o 3, do código das fronteiras Schengen exigia que os Estados‑Membros garantissem uma ação perante «um órgão jurisdicional ou [perante] uma instituição que, a nível institucional e funcional, ofereça as mesmas garantias que um órgão jurisdicional» [acórdão de 17 de janeiro de 2013 (C‑23/12, EU:C:2013:24)].

( 52 ) V., por exemplo, acórdãos de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 23); de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 46 e segs.); e de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2016:347, n.o 23). V., também, no que respeita ao Irish Refugee Appeals Tribunal, acórdão de 31 de janeiro de 2013, D. e A. (C‑175/11, EU:C:2013:45, n.os 95 e segs.).

( 53 ) Adicionalmente, v. as minhas conclusões no processo Pula Parking (C‑551/15, EU:C:2016:825, n.os 101 a 107).

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