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Document 62016CC0151

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 2 de março de 2017.
«Vakarų Baltijos laivų statykla» UAB contra Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 14.o, n.o 1, alínea c) — Isenção dos produtos energéticos utilizados como carburante ou combustível para a navegação em águas da União Europeia e para a produção de eletricidade a bordo dos barcos — Carburante utilizado por um navio para navegar do local onde foi construído para um porto de outro Estado‑Membro, a fim de aí receber a sua primeira carga comercial.
Processo C-151/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:159

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 2 de março de 2017 ( 1 )

Processo C‑151/16

«Vakarų Baltijos laivų statykla» UAB

Interveniente:

Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos

[pedido de decisão prejudicial apresentado Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Direito dos impostos sobre o consumo — Isenção da entrega de produtos energéticos — Utilização como combustível para a navegação — Requisitos impostos pelos Estados‑Membros para assegurar uma aplicação correta e simples — Inexistência de prova — Proporcionalidade — Transposição dos princípios do direito relativo ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)»

I. Introdução

1.

No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre uma isenção especial dos impostos especiais de consumo à luz do direito da União. Esta tem por objetivo exonerar a navegação marítima comercial nas águas territoriais da União dos impostos que incidem sobre o consumo do combustível. No entanto, quem invocou esta isenção não foi uma empresa de navegação marítima, mas sim um construtor de navios. Este vendeu um navio com combustível a uma empresa de navegação marítima, sem possuir as licenças exigidas pelo direito nacional para poder vender combustível com isenção de imposto.

2.

Nesta medida, colocam‑se duas questões fundamentais. Por um lado, há que clarificar o âmbito de aplicação pessoal da isenção do imposto, devendo responder‑se à questão de saber se um construtor ou um vendedor de um navio está também abrangido pela isenção relativa à navegação marítima, prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2004/75/CE do Conselho de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 195, p. 1) (a seguir «Diretiva 2003/96»). Por outro, deve precisar‑se qual é a relevância dos requisitos de prova no quadro de uma disposição legal relativa à isenção do imposto. Neste caso há que analisar a tendência, revelada em dois acórdãos da Nona Secção do Tribunal de Justiça ( 2 ), para transpor a jurisprudência proferida em matéria do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «IVA») para a legislação relativa aos impostos especiais de consumo.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

3.

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12; a seguir «Diretiva 2008/118»), dispõe:

«O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.»

4.

O artigo 41.o da Diretiva 2008/118 contém a seguinte disposição:

«Até que o Conselho aprove disposições comunitárias em matéria de aprovisionamento de navios e aeronaves, os Estados‑Membros podem manter as disposições nacionais sobre isenções relativamente a esse aprovisionamento.»

5.

O artigo 6.o da Diretiva 2003/96 confere aos Estados‑Membros a seguinte faculdade:

«Os Estados‑Membros têm a faculdade de aplicar as isenções ou reduções do nível de tributação previstas na presente diretiva:

a) Diretamente,

b) Através de uma taxa diferenciada; ou

c) Através do reembolso da totalidade ou parte do montante do imposto.»

6.

O artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 dispõe:

«1.   Para além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE [do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1)] relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

[…]

c) Produtos energéticos fornecidos para utilização como carburante na navegação em águas comunitárias (incluindo a pesca), com exceção da navegação de recreio privada, e eletricidade produzida a bordo de embarcações.

Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “embarcação de recreio privada”, qualquer embarcação utilizada pelo seu proprietário ou por uma pessoa singular ou coletiva que a possa utilizar mediante aluguer ou a outro título, para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas.»

B. Direito nacional

7.

Os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a aplicação dos impostos especiais de consumo a estes produtos e os aspetos específicos do controlo e do transporte destes produtos regem‑se pela Akcizų įstatymas (Lei relativa aos impostos especiais de consumo), na redação que lhe foi dada pela Lei XI 722 de 1 de abril de 2010. Segundo o artigo 19.o, n.o 1, ponto 5, da lei relativa aos impostos especiais de consumo, «os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo […] ficam isentos dos mesmos quando […] são fornecidos para abastecer navios de passageiros ou de carga […] em rotas internacionais». Além disso, o artigo 43.o, n.o 1, ponto 2, desta lei prevê que a isenção de impostos especiais de consumo também se aplica ao «combustível fornecido a navios utilizados para a navegação nas águas da União Europeia (incluindo as atividades de pesca), com exceção das atividades privadas de navegação não comercial».

III. Litígio no processo principal

8.

A recorrente é uma sociedade com sede na Lituânia, que exerce, entre outras, a atividade de construção de navios de vários tipos. Em 7 de outubro de 2009, celebrou um contrato para a construção de um navio de carga (a seguir «navio») para uma empresa cliente.

9.

Durante a construção do navio, a recorrente adquiriu 80600 l de combustível a uma sociedade fornecedora. Esta sociedade fornecedora descarregou o combustível diretamente nos tanques de combustível do navio. Debitou o imposto especial de consumo respeitante ao combustível fornecido, que a recorrente pagou com a fatura que lhe foi emitida para efeitos do IVA. A recorrente utilizou uma parte desse combustível para o ensaio do navio.

10.

Em 6 de junho de 2013, a recorrente transmitiu para a cliente a propriedade e todos os direitos e interesses sobre o navio. O navio foi entregue à cliente com os produtos destinados à sua manutenção, entre os quais os 73030 l de combustível que restaram do ensaio do navio. A cliente estava obrigada contratualmente a adquirir este combustível pelo seu preço de custo, que fazia parte do preço total da compra.

11.

Depois da entrega do navio à cliente, esta fez navegar o navio pelos seus próprios meios, sem carga (comercial), do estaleiro para o porto de Stralsund (Alemanha). O navio carregou aí a sua primeira carga, que devia ser transportada, a título oneroso, para Santander (Espanha).

12.

A recorrente, pouco depois da venda do navio (em 22 de julho de 2013), apresentou um pedido de reembolso do imposto especial de consumo respeitante ao combustível vendido à cliente juntamente com o navio. Por decisão de 21 de agosto de 2013, que foi impugnada, a autoridade tributária (recorrida no presente recurso) indeferiu o pedido de reembolso, fundamentando o indeferimento, em substância, no facto de a recorrente não ter preenchido devidamente os documentos de registo e de, além disso, não possuir autorização (licença), emitida segundo o procedimento aplicável previsto no direito nacional, para a venda de combustível para navios.

13.

Na apreciação da reclamação apresentada contra a referida decisão, a Mokestinių ginčų komisija (Comissão para apreciação de litígios fiscais), pela sua decisão S 185 (7 195/2013) de 28 de novembro de 2013, anulou a decisão da autoridade tributária, com o fundamento, designadamente, de que o incumprimento dos requisitos se refere a disposições formais e não pode implicar a supressão do direito da recorrente ao reembolso do imposto especial de consumo.

14.

A recorrida intentou uma ação para anulação desta última decisão no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia), o qual, por acórdão de 9 de dezembro de 2014, julgou a ação procedente, uma vez que a recorrente não possuía uma autorização/licença válida para realizar a venda (de combustível) em causa. A recorrente, por seu turno, interpôs recurso jurisdicional desse acórdão.

IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.

O Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo), no qual o recurso está agora pendente, submeteu ao Tribunal de Justiça, em 14 de março de 2016, as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 2004/75/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, ser interpretado no sentido de que não podem ser cobrados impostos especiais de consumo sobre o fornecimento de produtos energéticos em circunstâncias, como as do caso vertente, em que esses produtos são fornecidos como combustível a um navio destinado a ser utilizado em navegação em águas [da União Europeia] com o objetivo de, a título gratuito, conduzir esse navio, pelos seus próprios meios, desde o local onde foi construído até um porto noutro Estado‑Membro, a fim de aí receber a sua primeira carga comercial?

2.

O artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 opõe‑se às disposições da legislação nacional dos Estados‑Membros, como as aplicáveis no caso em apreço, que excluem a isenção de imposto prevista naquela disposição quando o fornecimento de produtos energéticos tenha sido realizado em violação dos requisitos estabelecidos pelo Estado‑Membro, ainda que esse fornecimento cumpra os requisitos essenciais para a aplicação da isenção prevista na referida disposição da Diretiva 2003/96?»

16.

A República da Lituânia, a República da Polónia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas sobre estas questões no processo pendente no Tribunal de Justiça.

V. Análise jurídica

A. Quanto à primeira questão

17.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber de que modo deve ser interpretado o artigo 14.o da Diretiva 2003/96 no caso vertente — relativo a uma navegação dita sem carga de um navio comercial. Porém, uma vez que, no processo de reenvio prejudicial, o vendedor do navio pretende obter o reembolso do imposto especial de consumo, há que precisar a questão prejudicial. Em última análise, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, nomeadamente, se o vendedor de um navio pode pedir o reembolso do imposto especial de consumo. Neste caso, a questão refere‑se ao reembolso respeitante ao combustível que o comprador do navio utilizou para se dirigir a um porto em que o navio devia ser carregado pela primeira vez.

18.

Assim, o que é determinante no presente processo é apenas a questão de saber se a venda de um navio com o combustível pelo construtor do navio (vendedor) exige o reembolso do imposto especial de consumo ao vendedor, quando tenha sido «unicamente» o comprador do navio a utilizar o combustível, eventualmente, para a navegação do navio (neste caso, numa navegação dita sem carga).

19.

Embora um tal reembolso não possa ser excluído pelo direito nacional, com base no artigo 41.o da Diretiva 2008/118 (v. ponto 1, infra), um construtor de navios que vende um navio juntamente com o combustível que já entrou no consumo não é abrangido nem pelo âmbito de aplicação pessoal (a) nem pelo âmbito de aplicação material (b) da isenção do imposto referida no artigo 14.o da Diretiva 2003/96 (v. ponto 2, infra).

1.  Relação entre o artigo 41.o da Diretiva 2008/118 e o artigo 14.o da Diretiva 2003/96

20.

Nas suas observações escritas, o governo da Lituânia declara que o artigo 41.o da Diretiva 2008/118 pode eventualmente ser aplicável, podendo a isenção fracassar face ao direito nacional. Pelo contrário, o artigo 14.o da Diretiva 2003/96 impõe uma isenção obrigatória, pelo que há que clarificar, em primeiro lugar, a relação entre estas duas disposições.

21.

No entanto, o artigo 41.o da Diretiva 2008/118 prevê «apenas» um tipo de disposição transitória para o «aprovisionamento de navios e aeronaves» com isenção do imposto, de acordo com as disposições nacionais, até que o Conselho aprove disposições comunitárias nesta matéria.

22.

É possível que existam matérias sobre as quais ainda não haja regulamentação da União. Porém, a isenção de produtos energéticos «fornecidos» para utilização como carburante na navegação está expressa e obrigatoriamente regulada no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, para a qual até remete o artigo 1.o da Diretiva 2008/118. Por esta razão, o artigo 41.o da Diretiva 2008/118 (já) não pode referir‑se ao caso do fornecimento de combustíveis com isenção de imposto para utilização na navegação.

23.

A disposição especial é, ao invés, o artigo 14.o da Diretiva 2003/96 — como também realçou com razão o Governo da Lituânia. Por isso, no presente processo — e de acordo com a Comissão — não é aplicável o artigo 41.o da Diretiva 2008/118, mas apenas o artigo 14.o da Diretiva 2003/96.

2.   Âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 14.o da Diretiva 2003/96

24.

Para obter o reembolso pretendido, um construtor de navios deverá ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. Não é esse o caso.

a)   Âmbito de aplicação pessoal da isenção

25.

Como resulta do artigo 7.o da Diretiva 2008/118, o imposto especial de consumo — diferentemente, por exemplo, do que acontece no regime do IVA — não se torna exigível em cada nível do circuito económico, mas sim apenas uma vez, no momento da introdução (do produto) no consumo.

26.

A este respeito, o artigo 6.o da Diretiva 2003/96 estabelece com clareza que os Estados‑Membros têm a faculdade de aplicar as isenções ou reduções do nível de tributação previstas na diretiva, seja diretamente [alínea a)] ou indiretamente, através do reembolso da totalidade ou de parte do montante do imposto [alínea c)]. Uma leitura conjunta das alíneas a) e c) da Diretiva 2003/96 mostra que com a alínea c) se pretende referir o reembolso (mais precisamente, a compensação ( 3 )) de um imposto pago por um terceiro, mas não devido por ele ( 4 ).

27.

Se o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 isenta os produtos energéticos fornecidos para utilização como carburante, então, tendo em conta o disposto no artigo 6.o da mesma diretiva, há duas possibilidades de isenção do imposto. Ou se toma em consideração a isenção (direta) do vendedor pela introdução no consumo (entrega) ou uma isenção (indireta) da utilização posterior dos produtos energéticos.

28.

A recorrente no processo principal reclama o «reembolso» do imposto especial de consumo devido pelo vendedor. Por conseguinte, apenas se pode considerar a segunda possibilidade de isenção indireta.

29.

É verdade que não resulta da decisão de reenvio se a Lituânia exerceu sequer a faculdade que lhe confere o artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2003/96 de prever uma isenção indireta. A regra relativa ao fornecimento mencionada na decisão de reenvio parece, à primeira vista, abranger apenas a introdução no consumo. Em todo o caso, é nesse sentido que apontam os requisitos de licença aí mencionados.

30.

Seguidamente, porém, para responder às questões prejudiciais, pressupõe‑se que a isenção prevista na legislação nacional também abrange uma isenção indireta do imposto (reembolso do imposto especial de consumo ao utilizador do produto energético). De outro modo, a questão colocada não faria qualquer sentido. Esta isenção deveria então prever que o imposto pago pelo fornecedor também é compensado (reembolsado, na aceção do artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2003/96) a um terceiro, quando estão reunidos os pressupostos da isenção do imposto previstos no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96.

31.

No caso vertente, a entrega do combustível ao construtor do navio foi tratada pelo fornecedor como sujeita a imposto. Do ponto de vista do direito da União este procedimento foi correto, o que resulta da comparação dos artigos 14.°, n.o 1, alínea c), e 15.°, n.o 1, alínea j), da Diretiva 2003/96. Segundo esses artigos, a entrega de combustível para ser utilizado na construção e ensaio de navios não está abrangida pela utilização de combustível para a navegação comercial nas águas da União a que se refere o artigo 14.o, alínea c), da Diretiva 2003/96. Mais, a entrega de combustível para ser utilizado na construção e ensaio de navios pode ser isenta pelos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, alínea j), da Diretiva 2003/96, mas não tem de o ser. Visivelmente, a Lituânia não exerceu a faculdade de prever a isenção do imposto.

32.

Segundo a matéria de facto que foi comunicada, no momento da venda do navio fabricado, juntamente com o resto do combustível, a entrega do combustível não foi onerada (outra vez) com o imposto. Também isso é lógico: o combustível já tinha sido introduzido no consumo. Deste modo, a isenção não é pedida pelo devedor do imposto, mas sim por um terceiro.

33.

Não havendo uma dívida do imposto imputável ao próprio construtor do navio no momento da entrega do combustível ao comprador, a isenção da entrega não faria sentido. Por conseguinte, no caso vertente não se trata da isenção de uma entrega de combustível.

b)   Âmbito de aplicação material

34.

Além disso, o vendedor de um navio com combustível não utiliza o combustível para a navegação marítima, que beneficia da isenção do imposto.

35.

O artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 isenta, indiretamente, a entrega de produtos energéticos fornecidos para utilização como carburante na navegação em águas [da União] (incluindo a pesca), com exceção da navegação de recreio privada. Deste modo, pretende‑se assegurar a capacidade de concorrência da navegação comercial na União Europeia ( 5 ), consumidora intensiva de combustível, e a posição concorrencial das empresas europeias em relação a empresas de países terceiros ( 6 ). Além disso, a isenção também tem como objetivo facilitar as trocas comerciais intracomunitárias ( 7 ). Assim, é evidente que, tratando‑se de uma isenção indireta, só pode ter direito à compensação do imposto especial de consumo quem participa na atividade de navegação beneficiária da isenção.

36.

Por conseguinte, até pode ficar em aberto a questão de saber se uma viagem dita sem carga, efetuada por uma empresa de navegação com um navio de transporte do lugar da sua construção até ao lugar da primeira carga, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. A Comissão, a República da Polónia e, em última análise, também a Lituânia afirmam que isso é possível ( 8 ). A questão, porém, só se colocaria em relação à empresa de navegação que utilizou o combustível para esta viagem do navio dita sem carga. No entanto, no caso vertente, é o vendedor desse navio que reclama o reembolso do imposto especial de consumo.

37.

O artigo 14.o da Diretiva 2003/96 não visa instaurar isenções de caráter geral ( 9 ), pelo que só beneficia de isenção o combustível que também é utilizado para a navegação.

38.

No conceito de navegação marítima apenas cabem, no entanto, prestações de serviços a título oneroso que sejam inerentes à deslocação do navio ( 10 ). Todavia, a venda do navio não é uma prestação de serviços a título oneroso que seja inerente à deslocação do navio. Com a venda do navio realiza‑se uma entrega que apenas permite ao comprador realizar prestações de serviços de transporte a título oneroso aos seus clientes. Nesta medida, a entrega do navio está, de qualquer modo, (indiretamente) ligada à atividade do comprador que beneficia de isenção. Mas isto não implica que o vendedor exerça igualmente uma atividade isenta.

39.

Finalmente, não é evidente que a preservação da competitividade dos construtores de navios seja um objetivo do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. A isenção dos construtores de navios é antes mencionada apenas como opção — claramente não exercida pela Lituânia — no artigo 15.o da Diretiva 2003/96.

40.

Logicamente, também o Tribunal de Justiça só reconheceu sempre a isenção referida no artigo 14.o, n.o 1, alíneas b) e c) da Diretiva 2003/96 a quem tenha utilizado o meio de transporte aí mencionado para prestações de serviços a título oneroso ( 11 ).

41.

Por conseguinte, o artigo 14.o n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 opõe‑se a que o vendedor de um navio possa beneficiar a posteriori da isenção do imposto especial de consumo. O vendedor não faz parte do círculo dos beneficiários da isenção (a navegação comercial) nem deve suportar o imposto especial de consumo. Quem deve suportar o imposto é apenas o comprador do navio, porque pagou o imposto através do preço de compra.

42.

Por consequência, o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 não se opõe a uma disposição do direito nacional que recusa ao vendedor de um navio a isenção sob a forma de reembolso/compensação do imposto especial de consumo respeitante ao combustível vendido juntamente com o navio.

B. Quanto à segunda questão

43.

Apesar disso, se o Tribunal de Justiça viesse a entender que o vendedor de um navio também deve ser isento do imposto especial de consumo de acordo com o artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, quando o seu parceiro contratual utiliza o objeto da compra no quadro da atividade de navegação, haveria então que responder ainda à segunda questão. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, finalmente, saber se um Estado‑Membro pode fazer depender a isenção do cumprimento de certos requisitos formais.

44.

O teor do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 prevê, desde logo, que os Estados‑Membros devem isentar os produtos energéticos fornecidos para utilização como carburante na navegação em águas [da União] «nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas». Deste modo, o direito da União confere expressamente aos Estados‑Membros a possibilidade de estabelecerem outros requisitos para a isenção.

45.

Todavia, o Tribunal de Justiça, no âmbito de aplicação do IVA, estabeleceu uma jurisprudência assente, segundo a qual a recusa da isenção do imposto (de uma entrega intracomunitária ou de uma exportação) apenas por não terem sido cumpridas obrigações formais é normalmente desproporcionada ( 12 ).

1.   Transposição da jurisprudência relativa à legislação do IVA para uma isenção direta na legislação do imposto especial de consumo

46.

O IVA é um imposto geral sobre o consumo. Por isso, é também natural transpor os princípios atrás referidos da legislação do IVA para a legislação especial do imposto especial de consumo e, por conseguinte, para a aplicação do artigo 14.o da Diretiva 2003/96. Foi o que fez, aliás, a Nona Secção do Tribunal de Justiça em duas recentes decisões ( 13 ). A Comissão, nas suas observações escritas, também se inclina nesse sentido. Esta abordagem em relação à isenção direta de uma entrega de combustível em virtude da semelhança existente neste caso com o regime do IVA é lógica e sistematicamente coerente.

47.

A tributação em IVA faz‑se em todas as fases (do circuito económico), sendo a tributação múltipla (cumulação do imposto) evitada pela dedução do imposto pago a montante. Através da dedução do imposto pago a montante assegura‑se que só o consumidor final é onerado com o IVA ( 14 ) e que o sujeito passivo (a empresa) não é onerada com o mesmo (princípio da neutralidade). O sujeito passivo age em todas as fases como coletor do imposto por conta do Estado ( 15 ). Não se deve entender este facto como um benefício do sujeito passivo.

48.

Este papel do sujeito passivo como coletor forçado de impostos coloca especiais requisitos à intervenção do Estado à luz do princípio da proporcionalidade. Por isso, a isenção do IVA não pode ser simplesmente recusada apenas por inexistência de provas (formais), quando se verifica objetivamente que todas as suas condições materiais estão reunidas. De outro modo, haveria uma exigência desproporcionada de um privado para prossecução dos fins do Estado.

49.

O imposto especial de consumo é exigível uma única vez (artigo 7.o da Diretiva 2008/118), no momento da introdução no consumo. Segundo o artigo 8.o da Diretiva 2008/118, o imposto é devido por quem introduz os produtos no consumo, apesar de dever ser repercutido sobre o consumidor (destinatário do imposto). Também neste caso o fornecedor se limita a agir como coletor do imposto para o Estado. Por isso, devem aplicar‑se, neste caso, as mesmas exigências de proporcionalidade que se aplicam no domínio do IVA ( 16 ).

2.   Não transposição da jurisprudência relativa ao IVA para uma isenção indireta no domínio do imposto especial de consumo

50.

A jurisprudência em matéria do IVA, contrariamente ao que entende a Comissão, não pode ser transposta igualmente para uma isenção indireta no domínio do imposto especial de consumo como a que está aqui em causa. Isto resulta da falta de semelhança a este respeito com o sistema do IVA. O próprio Tribunal de Justiça recusou, com razão, a transposição da sua jurisprudência, referindo‑se à diferença de regimes dos direitos aduaneiros e do IVA ( 17 ).

51.

Pelo contrário, uma isenção indireta sob a forma de um reembolso/compensação a um terceiro exige obrigatoriamente — como previsto no artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2003/96 — determinadas provas. Estas destinam‑se a decidir se o reembolso pode ser pedido e quem o pode pedir. De outro modo, haveria o risco de reembolso ou compensação repetidos do mesmo imposto. Nesta medida, a necessidade de certas provas formais resulta desde logo do sistema do imposto especial de consumo, regulado de modo diferente.

52.

No caso de uma isenção indireta, o interessado goza sempre de um verdadeiro benefício. Neste caso, o utilizador do produto é o beneficiário em si mesmo. Na verdade, verifica‑se uma utilização de um bem de consumo tributável, mas esta utilização, apesar disso, não é tributada por determinadas razões (neste caso por razões de política económica), favorecendo o utilizador. O titular do direito de reembolso não age, neste caso, como coletor do imposto por conta do Estado, mas por sua própria conta.

53.

Numa situação deste tipo, não é desproporcionado que, tendo em vista o controlo efetivo, o benefício só seja concedido quando as provas correspondentes — necessárias para o controlo — estão reunidas. Diferentemente do que acontece no caso de um coletor forçado do imposto, um ónus de cooperação mais elevado pode ser imposto a um beneficiário de uma isenção de imposto (neste caso o utilizador do combustível). O limite deste ónus só é atingido quando a legislação nacional per se não permite a correção de provas defeituosas ou a apresentação posterior destas provas. Porém, não parece ser esse o caso no presente processo.

3.   Conclusão

54.

O princípio da proporcionalidade não proíbe que o direito a reembolso ou a compensação só exista quando o beneficiário apresente as provas necessárias ao respetivo controlo.

VI. Proposta de decisão

55.

Pelo exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda do modo seguinte às questões submetidas pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia):

1.

O artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, conforme alterada pela Diretiva 2004/75/CE do Conselho de 29 de abril de 2004, pressupõe que uma isenção indireta só possa ser concedida a um beneficiário do reembolso que tenha utilizado o combustível para a navegação. Não é este o caso quando este se tenha limitado a fazer a entrega do navio, juntamente com combustível, a uma empresa de navegação. Um construtor de navios, ao vender um navio com o combustível nele contido, não realiza nenhuma prestação de serviços a título oneroso no domínio da navegação (comercial).

2.

Os Estados‑Membros podem estabelecer os requisitos da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), conjugado com o artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2003/96. O princípio da proporcionalidade não proíbe que o direito de um terceiro ao reembolso ou à compensação do imposto especial de consumo seja condicionado à apresentação de determinadas provas que permitam o efetivo controlo e evitar uma dupla isenção ou uma não tributação injustificada.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Acórdãos de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.os 59 e segs.), e de de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT (C‑418/14, EU:C:2016:400, n.os 20, 21, 35 e 36).

( 3 ) A terminologia alemã em matéria de dívida fiscal é mais precisa a este respeito: com o termo «Erstattung» (reembolso) designa‑se, habitualmente, a devolução do imposto ao devedor do imposto (relação jurídica entre duas pessoas), ao passo que, com o termo «Vergütung» (compensação), se designa o pagamento do montante do imposto a um terceiro que não é o devedor do imposto, mas que suportou o respetivo custo económico (relação jurídica entre três pessoas).

( 4 ) O reembolso do imposto devido pelo devedor do imposto (neste caso o fornecedor do combustível) é abrangido desde logo pelo artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2003/96 como isenção direta.

( 5 ) V. considerando 23 da Diretiva 2003/96, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à isenção de imposto, formulada de modo semelhante ao artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96: v. acórdão de 1 de dezembro de 2011, Systeme Helmholz (C‑79/10, EU:C:2011:797, n.os 24 e 26); v., também, acórdãos de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 28), e de 29 de abril de 2004, Comissão/Alemanha (C‑240/01, EU:C:2004:251, n.os 39 e 44).

( 6 ) Proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos, de 12 de março de 1997 [COM(97) 30 final 97/0111(CNS), p. 7 (JO 1997, C 139, p.14)].

( 7 ) Neste sentido, v. expressamente o acórdão de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.os 24 e 25).

( 8 ) Nesta medida poderia também a primeira viagem para receber carga ser abrangida pelo conceito de navegação (comercial), mesmo que tenha não sido realizada diretamente a título oneroso. As despesas desta viagem constituem custos da empresa de navegação que são imputados ou à primeira viagem ou a qualquer outra viagem posterior (a título oneroso). O espírito e a finalidade da isenção do artigo 14.o da Diretiva 2003/96 é tão pertinente numa viagem para o lugar de carga como numa viagem para o lugar de descarga (com a carga). Em ambos os casos, é indubitável que o proprietário do navio exerce a atividade de navegação (comercial).

( 9 ) V., expressamente, neste sentido, o acórdão de 1 de dezembro de 2011, Systeme Helmholz, (C‑79/10, EU:C:2011:797, n.o 23); também neste sentido os acórdãos de 10 de novembro de 2011, Sea Fighter (C‑505/10, EU:C:2011:725, n.o 21), e de 29 de abril de 2004, Comissão/Alemanha (C‑240/01, EU:C:2004:251, n.o 23).

( 10 ) Acórdãos de 10 de novembro de 2011, Sea Fighter (C‑505/10, EU:C:2011:725, n.o 18), de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 37), e de 1 de abril de 2004, Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft (C‑389/02, EU:C:2004:214, n.o 28); o Tribunal de Justiça pronuncia‑se no mesmo sentido ao apreciar a isenção semelhante que beneficia o tráfego aéreo — acórdão de 1 de dezembro de 2011, Systeme Helmholz (C‑79/10, EU:C:2011:797, n.o 21).

( 11 ) V. apenas os acórdãos de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.os 33 e segs.), e de 1 de abril de 2004, Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft (C‑389/02, EU:C:2004:214, n.o 28) — nestes processos, o requerente utilizou o combustível para o qual foi pedida a isenção para a navegação dos navios em prestações de serviços a título oneroso —, confirmados pelo acórdão de 1 de dezembro de 2011, Systeme Helmholz (C‑79/10, EU:C:2011:797, n.o 30), e de modo semelhante pelo acórdão de 21 de dezembro de 2011, Haltergemeinschaft (C‑250/10, não publicado, EU:C:2011:862, n.o 24).

( 12 ) V., a título de exemplo, acórdãos de 27 de setembro de 2007, Teleos e o. (C‑409/04, EU:C:2007:548, n.os 45 e segs.); de 27 de setembro de 2007, Collée,C‑146/05 (EU:C:2007:549, n.os 29 e segs.); e de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592, n.os 45 e segs.); quanto ao princípio da proporcionalidade em matéria de IVA, acórdãos de 18 de dezembro de 1997, Molenheide e o. (C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, EU:C:1997:623, n.o 48), e de 11 de maio de 2006, Federation of Technological Industries e o. (C‑384/04, EU:C:2006:309, n.os 29 e 30).

( 13 ) Acórdãos de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.os 59 e segs.), e ROZ‑ŚWIT (C‑418/14, EU:C:2016:400, n.os 20, 21, 35 e 36).

( 14 ) Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C‑317/94, EU:C:1996:400, n.o 19), e de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722, n.o 34); despacho de 9 de dezembro de 2011, Connoisseur Belgium (C‑69/11, não publicado, EU:C:2011:825, n.o 21).

( 15 ) Acórdãos de 20 de outubro de 1993, Balocchi (C‑10/92, EU:C:1993:846, n.o 25), e de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt (C‑271/06, EU:C:2008:105, n.o 21).

( 16 ) Nesse sentido, os dois acórdãos da Nona Secção do Tribunal de Justiça: acórdãos de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.os 59 e segs.), e ROZ‑ŚWIT (C‑418/14, EU:C:2016:400, n.os 20, 21, 35 e 36).

( 17 ) Acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o. (C‑409/04, EU:C:2007:548, n.o 57).

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