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Document 62015TJ0747

    Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 16 de janeiro de 2018.
    Électricité de France (EDF) contra Comissão Europeia.
    Auxílios de Estado — Auxílios concedidos pelas autoridades francesas à EDF — Reclassificação como dotação de capital de provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da rede de alimentação geral — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Caso julgado — Critério do investidor privado.
    Processo T-747/15.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2018:6

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

    16 de janeiro de 2018 ( *1 )

    «Auxílios de Estado — Auxílios concedidos pelas autoridades francesas à EDF — Reclassificação como dotação de capital de provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da rede de alimentação geral — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Caso julgado — Critério do investidor privado»

    No processo T‑747/15,

    Électricité de France (EDF), com sede em Paris (França), representada por M. Debroux, avocat,

    recorrente,

    apoiada por:

    República Francesa, representada inicialmente por G. de Bergues, D. Colas e J. Bousin e, em seguida, por D. Colas e J. Bousin, na qualidade de agentes,

    interveniente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por É. Gippini Fournier, B. Stromsky e D. Recchia, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE de anulação dos artigos 1.o a 5.o da Decisão (UE) 2016/154 da Comissão, de 22 de julho de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.13869 (C 68/2002) (ex NN 80/2002) Reclassificação como capital das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da Rede de Alimentação Geral de energia elétrica concedido pela França à EDF (JO 2016, L 34, p. 152),

    O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

    composto por: S. Frimodt Nielsen (relator), presidente, V. Kreuschitz e N. Półtorak, juízes,

    secretário: E. Coulon,

    profere o presente

    Acórdão

    I. Antecedentes do litígio

    A. Introdução

    1

    Por Decisão de 16 de outubro de 2002 (JO 2002, C 280, p. 8, a seguir «decisão de início do procedimento»), a Comissão das Comunidades Europeias deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE sobre a vantagem decorrente do não pagamento do imposto sobre as sociedades devido pela recorrente, Électricité de France (EDF), na reestruturação do seu balanço em 1997, relativamente a uma parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da rede de alimentação geral (a seguir «RAG») e reclassificadas como dotação de capital.

    2

    Por Decisão de 16 de dezembro de 2003 (JO 2005, L 49, p. 9, a seguir «decisão inicial»), a Comissão declarou que a medida de auxílio de que a EDF beneficiara era incompatível com o mercado interno e exigiu que esse auxílio fosse recuperado, acrescido dos respetivos juros. O montante do auxílio foi reembolsado à República Francesa em fevereiro de 2004.

    3

    Por acórdão de 15 de dezembro de 2009, EDF/Comissão (T‑156/04, a seguir «acórdão proferido no processo T‑156/04», EU:T:2009:505), o Tribunal Geral anulou os artigos 3.o e 4.o da decisão inicial. Na sequência deste acórdão, a República Francesa restituiu à EDF o montante que esta lhe reembolsara.

    4

    Por acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF (C‑124/10 P, a seguir «acórdão proferido no processo C‑124/10 P», EU:C:2012:318), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto pela Comissão do acórdão proferido no processo T‑156/04.

    5

    Por Decisão de 2 de maio de 2013 (JO 2013, C 187, p. 73), que convidava à apresentação de observações nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (a seguir «decisão de alargamento»), a Comissão alargou o procedimento formal de investigação.

    6

    Através da sua Decisão (UE) 2016/154, de 22 de julho de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.13869 (C 68/2002) (ex NN 80/2002) Reclassificação como capital das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal para a renovação da RAG concedido pela França à EDF (JO 2016, L 34, p. 152, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão declarou, mais uma vez, que a medida de auxílio de que a EDF beneficiara era incompatível com o mercado interno e exigiu que esse auxílio fosse recuperado, acrescido dos respetivos juros. O montante do auxílio foi reembolsado à República Francesa em 13 de outubro de 2015.

    7

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de dezembro de 2015, a EDF interpôs o presente recurso.

    B. Quanto ao beneficiário do auxílio

    8

    A EDF foi criada pela Lei n.o 46‑628, de 8 de abril de 1946, relativa à nacionalização da eletricidade e do gás (JORF de 9 de abril de 1946, p. 2651), que, nos termos do seu artigo 1.o, nacionalizou a produção, o transporte, a distribuição, a importação e a exportação de eletricidade em França. Essa lei confiava a gestão das empresas de eletricidade nacionalizadas a um estabelecimento público nacional, industrial e comercial denominado «Électricité de France (EDF), Service national».

    9

    O artigo 16.o da Lei n.o 46‑628 dispunha que o saldo líquido dos bens, direitos e obrigações transferidos para a EDF constituía o seu capital, pertencia à nação, era inalienável e, em caso de perdas de exploração, devia ser reconstituído com base nos resultados dos exercícios posteriores. Nos termos do artigo 1.o do Decreto n.o 56‑493, de 14 de maio de 1956, relativo às dotações de capital concedidas à EDF (JORF de 19 de maio de 1956, p. 4613), estas estavam sujeitas às regras estabelecidas pelo artigo 16.o da referida lei. De acordo com o artigo 2.o do mesmo decreto, essas dotações implicavam o pagamento de juros e dividendos ao Estado.

    10

    Ao abrigo da Lei n.o 46‑628, a EDF era, desde a sua criação e ainda em 1997, um estabelecimento público nacional, industrial e comercial, não regido pelas disposições aplicáveis às sociedades anónimas. A Lei n.o 2004‑803, de 9 de agosto de 2004, relativa ao serviço público de eletricidade e de gás e às empresas de eletricidade e de gás (JORF de 11 de agosto de 2004, p. 14256), alterou este estatuto, prevendo, no seu artigo 24.o, que a EDF, cujo capital devia ser detido em mais de 70% pelo Estado, seria regida pelas leis aplicáveis às sociedades anónimas, salvo disposições legislativas em contrário. O artigo 47.o desta lei prevê igualmente a posterior transformação do estabelecimento público EDF numa sociedade anónima, sob reserva da publicação de um decreto relativo ao seu novo estatuto. O artigo 46.o dessa mesma lei especifica que o balanço da sociedade EDF em 31 de dezembro de 2004 seria elaborado a partir do balanço em 31 de dezembro de 2003 e da conta de resultados do exercício de 2004 do estabelecimento público EDF.

    11

    A transformação da EDF em sociedade anónima tornou‑se efetiva nos termos do Decreto n.o 2004‑1224, de 17 de novembro de 2004, relativo aos estatutos da sociedade anónima EDF (JORF de 19 novembro de 2004, p. 19505). Os estatutos anexos ao referido decreto dispõem que a EDF passará a ser uma sociedade anónima regida pela legislação e pela regulamentação aplicáveis às sociedades comerciais, nomeadamente o Código Comercial, desde que este não seja derrogado por disposições mais específicas, incluindo os próprios estatutos.

    12

    O artigo 6.o dos estatutos da EDF fixa o capital social da sociedade, inicialmente detido integralmente pelo Estado, em 8,129 mil milhões de euros, dividido em 1625800000 ações de 5 euros cada. O capital social da nova sociedade anónima EDF foi fixado, em novembro de 2004, no montante correspondente à soma do capital e das dotações de capital do estabelecimento público, económico e comercial EDF até então acumulados, ou seja, 8,1 mil milhões de euros. Este montante de capital e de dotações de capital foi atingido nos termos da Lei n.o 97‑1026, de 10 de novembro de 1997, relativa a várias medidas de ordem económica e comercial (JORF de 11 de novembro de 1997, p. 16387), e permaneceu inalterado desde 1997 até ao momento da adoção da decisão impugnada.

    13

    A Lei n.o 2004‑803 e os estatutos da EDF preveem ainda que, a todo o momento, o Estado deve deter mais de 70% do capital da sociedade. Em novembro de 2005, novas ações da EDF admitidas a cotação na Euronext foram objeto de oferta com preço aberto ([offertes à prix ouvert], a seguir «OPO»), abrindo assim o capital da EDF a outros acionistas que não o Estado.

    C. Quanto à constituição de provisões contabilísticas para a renovação da RAG

    14

    Nos termos do artigo 36.o da Lei n.o 46‑628, todas as concessões de eletricidade nacionalizadas foram transferidas para a EDF. De acordo com o artigo 37.o da mesma lei, no que respeita a essas concessões, o concessionário é obrigado a respeitar um caderno de encargos tipo. As várias concessões de transporte de eletricidade assim transferidas pelo Estado para a EDF foram unificadas, em 1958, numa concessão única, denominada RAG.

    15

    Na falta de regras contabilísticas específicas para as concessões, a EDF considerou, desde 1946, que era proprietária do património da RAG e inscreveu‑o no ativo do seu balanço.

    16

    Nos termos do artigo 8.o do caderno de encargos aprovado pelo Decreto n.o 56‑1225, de 28 de novembro de 1956, a EDF devia executar, por sua conta, todos os trabalhos de conservação e renovação necessários para manter as instalações concedidas em bom estado de funcionamento.

    17

    Em 1987, na sequência de uma alteração feita em 1982 ao plano geral de contabilidade, que previa regras específicas para os bens que deviam ser restituídos ao Estado no termo da concessão, a EDF modificou a sua prática contabilística em relação aos ativos da RAG, até então considerados bens próprios, e classificou‑os na rubrica do balanço «bens em regime de concessão». A EDF aplicou a esses ativos as regras contabilísticas especiais em vigor em França para os bens em regime de concessão que deviam ser devolvidos ao Estado no termo desta e criou, com isenção fiscal, provisões para a renovação da RAG.

    18

    Num relatório de 1994, o Tribunal de Contas francês considerou que, tratando‑se de um concessionário único e permanente do Estado, designado por lei, como a EDF, era difícil distinguir os bens constituintes da RAG que deviam ser restituídos ao Estado no termo da concessão dos bens próprios da RAG que pertenciam à EDF. Por outras palavras, a alteração contabilística introduzida pela EDF em 1987 e que se traduziu na constituição de provisões com isenção fiscal não se afigurava justificada aos olhos do Tribunal de Contas francês. A empresa e as administrações de tutela iniciaram então trabalhos de regularização da situação da EDF.

    19

    Em 1997, a EDF tinha nas suas contas dois tipos de provisões criadas com isenção fiscal para a renovação da RAG: as provisões ainda não utilizadas, no montante de 38,5 mil milhões de francos franceses (FRF), e os direitos do concedente, correspondentes às operações de renovação já realizadas, no montante de 18,345 mil milhões de FRF.

    D. Quanto à reclassificação das provisões contabilísticas

    20

    A Lei n.o 97‑1026 clarificou o estatuto dos bens constituintes da RAG. O artigo 4.o dessa lei dispõe:

    «I.

    As instalações da RAG de energia elétrica são consideradas propriedade da EDF desde que lhe foi atribuída a concessão dessa rede.

    II.

    Para aplicação das disposições do ponto I, em 1 de janeiro de 1997, o contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da RAG constantes do passivo do balanço da EDF é inscrito, excluídas as diferenças de reavaliação correspondentes, na rubrica “Dotações de capital” […]».

    21

    É pacífico que a lei era aplicável a qualquer operação respeitante ao capital da EDF, na medida em que, com efeito, o artigo 16.o da Lei n.o 46‑628 na versão em vigor em 1997, previa que o capital da EDF era inalienável e pertencia à nação. Deste modo, as dotações no capital da EDF resultantes da reclassificação das provisões para a renovação da RAG eram, no direito francês, do domínio da lei.

    22

    A Lei n.o 97‑1026 estabelece a propriedade dos ativos da RAG. O balanço da EDF foi reorganizado por essa lei. As provisões constituídas pela EDF entre 1987 e 1996 para a renovação da RAG, tendo em vista a restituição desses ativos ao Estado, independentemente de serem ou não utilizadas, ficaram sem objeto na medida em que passou a considerar‑se que a propriedade dos ativos da RAG pertencia à EDF.

    23

    Uma carta do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria, do Secretário de Estado do Orçamento e do Secretário de Estado da Indústria, enviada à EDF em 22 de dezembro de 1997 (a seguir «carta de 22 de dezembro de 1997»), explica, no seu anexo 1, a reestruturação dos capitais permanentes da EDF, nos termos do artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026:

    «Reclassificação dos “direitos do concedente” (18345563605 FRF):

    consolidação em dotações de capital do contravalor dos ativos corpóreos atribuídos à RAG ao abrigo de uma concessão, no montante de 14119065335 FRF;

    reagrupamento das diferenças de reavaliação da RAG de 1959 (2425 [milhões de FRF]) e de 1976 (imobilizações não amortizáveis: 97 [milhões de FRF]) com a rubrica “Diferenças de reavaliação da RAG”, cujo montante passa assim de 1720 milhões de FRF] para 4145 [milhões de FRF];

    reagrupamento das provisões regulamentadas relativas à reavaliação das imobilizações amortizáveis de 1976 (1704 [milhões de FRF]), passando a rubrica de 877 milhões de FRF] para 2581 [milhões de FRF];

    reclassificação das provisões para a renovação que se tornaram injustificadas (38520943408 FRF) nos resultados transitados, nos termos do Parecer do Conselho Nacional da Contabilidade n.o 97‑06, de 18 de junho de 1997, relativo às alterações contabilísticas.»

    24

    No âmbito da reorganização do balanço da EDF, as autoridades francesas seguiram o parecer n.o 97‑06, de 18 de junho de 1997, do Conselho Nacional da Contabilidade (CNC), relativo às alterações de métodos contabilísticos, alterações de estimativa, alterações de opções fiscais e correções de erros (a seguir «parecer do Conselho Nacional da Contabilidade»), que estabelece, nomeadamente, que as correções de erros contabilísticos, que, pela sua natureza, dizem respeito à contabilização das operações passadas, «são imputadas ao resultado do exercício durante o qual foram detetados os erros».

    25

    De acordo com a Lei n.o 97‑1026 e com a carta de 22 de dezembro de 1997, as diferenças de reavaliação foram transferidas para a rubrica «Capitais próprios» sem incidência fiscal, porque correspondiam a mais‑valias de reavaliação realizadas com isenção fiscal ou sob um regime de neutralidade fiscal na sequência das leis de reavaliação de 1959 e de 1976.

    E. Quanto à incidência fiscal da reclassificação das provisões contabilísticas

    26

    O anexo 3 da carta de 22 de dezembro de 1997 estabelece igualmente as consequências fiscais da reorganização do balanço da EDF. Verifica‑se uma variação de ativo líquido com a reclassificação, nos resultados transitados, das provisões para a renovação não utilizadas, no montante de 38,5 mil milhões de FRF, sujeita ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66%, aplicável em 1997. Deste modo, as provisões ainda não utilizadas, no montante de 38,5 mil milhões de FRF, foram tributadas pelas autoridades francesas. Em contrapartida, resulta da leitura desse anexo que a parte das provisões que foram utilizadas para a renovação da RAG, correspondente aos direitos do concedente e igualmente constituída com isenção fiscal e consolidada como dotação de capital, não foi tributada.

    27

    Uma nota da Direção‑Geral de Impostos de 9 de abril de 2002 (a seguir «nota de 9 de abril de 2002»), enviada à Comissão pelas autoridades francesas, refere, a este respeito, que «os direitos do concedente aferentes à RAG representam uma dívida indevida que a incorporação no capital isentou de imposto de forma injustificada» e que «essa reserva devia ter sido transferida, previamente à sua incorporação no capital, do passivo do estabelecimento em que figurava erradamente para uma conta de situação clara, implicando assim uma variação positiva de ativo líquido tributável, em aplicação do artigo 38.o‑2» do Código Geral dos Impostos. As autoridades francesas esclarecem que «a vantagem fiscal assim obtida [em 1997 pela EDF] pode ser avaliada em 5,88 mil milhões de FRF (14,119 × 41,66%)».

    F. Quanto à decisão de início do procedimento

    28

    Através da decisão de início do procedimento, a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE sobre a vantagem resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades devido pela EDF, na reestruturação do seu balanço em 1997, relativamente à parte das provisões correspondente aos direitos do concedente.

    29

    Há que salientar que, no considerando 52 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, na medida em que nem o Tribunal de Justiça nem o Tribunal Geral tinham considerado que a decisão de início do procedimento continha qualquer irregularidade, esta podia servir de base a uma nova decisão final, ou seja, a decisão impugnada.

    G. Quanto à decisão inicial da Comissão

    30

    Na decisão inicial, a Comissão declarou que a medida de auxílio de que a EDF beneficiara era incompatível com o mercado interno e exigiu que esse auxílio fosse recuperado, acrescido dos respetivos juros.

    31

    Entre os fundamentos invocados pela Comissão em apoio da decisão inicial, importa realçar, em especial, o seguinte:

    «95.

    As autoridades francesas argumentam […] que a reforma contabilística de 1997 equivale a uma dotação complementar de capital num montante igual à isenção parcial do imposto. Por conseguinte, tratar‑se‑ia da sua parte de um investimento e não de um auxílio. Afirmam igualmente que no período de 1987‑1996 a EDF globalmente pagou ao Estado uma soma superior ao imposto sobre as sociedades que teria pago uma sociedade de direito comercial que não tivesse constituído provisões destinadas à renovação da RAG e que tivesse pago ao seu acionista um dividendo igual a 37,5% do resultado líquido depois de impostos.

    96.

    A Comissão rejeita estes argumentos recordando que o princípio do investidor privado só pode ser aplicado no quadro do exercício de atividades económicas e não no quadro do exercício de poderes de regulação. Uma autoridade pública não pode utilizar o argumento dos eventuais lucros económicos que pudesse auferir enquanto proprietário de uma empresa para justificar um auxílio concedido de forma discricionária através das prerrogativas de que dispõe enquanto autoridade fiscal face a esta mesma empresa.

    97.

    De facto, se um Estado‑Membro pode, para além do exercício da sua função de poder público, atuar como um acionista, o mesmo não pode misturar as suas funções de Estado exercendo o poder público e de Estado acionista. Autorizar os Estados‑Membros a utilizar as suas prerrogativas de poder público ao serviço dos seus investimentos em empresas ativas em mercados abertos à concorrência privaria de qualquer efeito útil as regras comunitárias em matéria de auxílios estatais. Além disso, se o Tratado, por força do seu artigo 295.o, é neutro relativamente à propriedade do capital, também as empresas públicas devem ser sujeitas às mesmas regras que as empresas privadas. Ora, deixaria de haver igualdade de tratamento entre as empresas públicas e as empresas privadas se o Estado utilizasse em proveito das empresas de que é acionista as suas prerrogativas de poder público.»

    H. Quanto ao acórdão proferido no processo T‑156/04

    32

    A EDF, apoiada pela República Francesa, interpôs recurso de anulação da decisão da Comissão de 16 de dezembro de 2003.

    33

    Por acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral anulou os artigos 3.o e 4.o da decisão inicial.

    34

    Nos n.os 233 a 237 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral considerou que, para determinar se incumbia ou não à Comissão analisar a intervenção do Estado francês no capital da EDF à luz do critério do investidor privado, havia que apurar se a referida intervenção, atendendo à sua natureza e ao seu objeto e tendo em conta o objetivo prosseguido, constituía um investimento realizável por um investidor privado, e era portanto efetuada por esse Estado enquanto operador económico agindo em condição igual à de um investidor privado, ou se constituía uma intervenção do Estado enquanto poder público, excluindo assim a aplicação do referido critério. Em especial, considerou que não havia que analisar a medida em causa apenas em função da sua forma, dado que o recurso a uma lei não basta, por si só, para excluir que através da sua intervenção no capital de uma empresa o Estado prossiga um objetivo económico que poderia igualmente prosseguir um investidor privado.

    35

    Nos n.os 240 a 242 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral recordou que os «direitos do concedente» tinham sido afetados diretamente à rubrica das dotações de capital, no montante de 14,119 mil milhões FRF, sem transitar pela conta de resultados. Salientou que a Comissão considerara que apenas a não tributação dos referidos direitos antes da dotação de capital constituía um auxílio de Estado, sendo que todas as partes concordavam que era devido um imposto sobre esse montante antes de este ser inscrito na rubrica intitulada «Dotação de capital».

    36

    Nos n.os 243 a 245 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral considerou que o artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026, que tem por objeto reestruturar o balanço da EDF e aumentar os seus fundos próprios, não constituía, em si, uma disposição de natureza fiscal, mas uma disposição de natureza contabilística com incidências fiscais. Contudo, o Tribunal Geral observou que a Comissão apenas analisara as incidências fiscais da referida medida e esclarecera que, devido ao caráter fiscal da vantagem que identificara, não lhe competia tomar em consideração nem o aumento de capital realizado nem o critério do investidor privado, na medida em que a renúncia a um crédito fiscal, como o que estava em causa, resultava do exercício de prerrogativas de poder público.

    37

    Nos n.os 247 a 250 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral considerou que, tendo em conta o objetivo de recapitalização da EDF prosseguido pela medida em causa, a simples natureza fiscal do crédito controvertido não permitia que a Comissão afastasse a aplicação do critério do investidor privado. No seu entender, incumbia à Comissão verificar a racionalidade económica do investimento em questão, apreciando se, em circunstâncias semelhantes, um investidor privado teria efetuado um investimento de montante comparável em benefício da EDF. Com efeito, a Comissão tinha essa obrigação, independentemente da forma como os capitais tinham sido fornecidos pelo Estado.

    38

    Nos n.os 251 e 252 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral declarou que não era possível excluir que a forma assumida pelo investimento em causa conduzisse a diferenças em termos de custo de mobilização do capital e de rendimento deste último, que pudessem levar a considerar que um investidor privado não teria realizado tal investimento. Ora, tal pressupunha a realização de uma análise económica no âmbito da aplicação do critério do investidor privado. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, essa análise justificava‑se, uma vez que, por um lado, um aumento de capital podia resultar da incorporação de um crédito detido por um acionista privado sobre a empresa, e, por outro lado, o recurso para esse efeito a uma lei podia ser considerado uma consequência necessária do facto de as próprias regras relativas ao capital da EDF estarem fixadas por lei.

    39

    Consequentemente, no n.o 253 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral concluiu que, tendo em conta a necessidade de apreciar a medida controvertida no seu contexto, a Comissão não podia limitar‑se a analisar as suas incidências fiscais, sem analisar simultaneamente o mérito da argumentação segundo a qual a renúncia ao crédito de imposto no quadro da operação de reestruturação do balanço e de aumento do capital da EDF podia satisfazer o critério do investidor privado.

    40

    Em seguida, nos n.os 254 a 259 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral julgou improcedente o argumento da Comissão de que o critério do investidor privado não podia ser aplicado, uma vez que, no caso em apreço, o Estado francês exercera as suas prerrogativas de poder público, tendo recorrido a uma lei para renunciar a um crédito fiscal. A este respeito, o Tribunal Geral considerou que, no caso em apreço, não existia uma obrigação que incumbisse ao Estado enquanto poder público e não se tratava de apreciar determinados custos que decorressem para o Estado das suas obrigações de poder público.

    41

    Nos n.os 260 a 263 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral rejeitou o argumento da Comissão de que o critério do investidor privado não podia ser aplicado à conversão em capital de um crédito fiscal, dado que um investidor privado não poderia deter esse tipo de crédito sobre uma empresa, mas unicamente um crédito de natureza cível ou comercial. Ora, segundo o Tribunal Geral, o critério do investidor privado tem como objetivo verificar se, apesar de dispor de meios de que um investidor privado não dispõe, o Estado teria, nas mesmas condições, tomado uma decisão de investimento comparável. Por conseguinte, são irrelevantes a natureza do crédito e o facto de um investidor privado não poder deter um crédito fiscal.

    42

    Nos n.os 264 a 277 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral julgou improcedente o argumento da Comissão de que um investidor privado teria, por seu turno, numa situação comparável, de pagar o imposto, o que implicaria um custo superior, dado que, para entregar 100 euros, esse investidor teria, na realidade, de mobilizar 141,66 euros.

    43

    A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral sublinhou que a EDF e a República Francesa sustentaram que a própria Comissão considerara, no n.o 51 da decisão de início do procedimento, que, nos termos do direito fiscal francês, a variação do ativo líquido resultante de um aumento de capital por incorporação de um crédito detido sobre uma empresa por um acionista desta não devia ser tida em conta no cálculo do imposto sobre as sociedades e que, consequentemente, essa conversão do crédito em capital não conduzia a uma tributação que tivesse por matéria coletável o montante desse crédito.

    44

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que o argumento da Comissão de que um investidor privado teria, por seu turno, numa situação comparável, de pagar o imposto entrava em contradição com a vantagem que a Comissão identificara na decisão inicial, uma vez que esse argumento levava a analisar o custo total que um investidor privado suportava para investir 14,119 mil milhões de FRF, quando a reclassificação dos direitos do concedente, nesse montante, não fora considerada um auxílio pela Comissão.

    45

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que o argumento da Comissão de que um investidor privado teria, por seu turno, numa situação comparável, de pagar o imposto era incoerente, uma vez que a Comissão admitia que teria analisado a dotação complementar de capital de vários milhares de milhões de FRF se a EDF tivesse pago esse montante a título de imposto e seguidamente o Estado francês lhe tivesse restituído esse mesmo montante, porque os custos suportados por este Estado poderiam, nesse caso, e apenas nesse caso, ser comparados com os de um investidor privado. Ora, o Tribunal Geral considerou que, nesse caso, o custo teria sido o mesmo para o referido Estado e o montante recebido pela EDF teria sido o mesmo que esta recebera através da medida controvertida.

    46

    Em quarto lugar, o Tribunal Geral considerou que, admitindo que um investidor privado estivesse efetivamente obrigado a pagar o imposto, o custo de uma dotação de capital por incorporação de um crédito seria, para este, de 5,88 mil milhões de FRF e, portanto, idêntico ao suportado, no caso em apreço, pelo Estado francês. Além disso, só a aplicação do critério do investidor privado permitiria verificar a existência de uma eventual diferença de custo.

    47

    Em quinto lugar, o Tribunal Geral considerou que, mesmo que o custo de uma recapitalização de 14,119 mil milhões de FRF fosse nulo para o Estado francês e que esse custo fosse de 5,88 mil milhões de FRF para um investidor privado, esta diferença de custo não impedia a aplicação do critério do investidor privado.

    48

    No n.o 283 do acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral considerou improcedente o argumento da Comissão de que admitir a aplicação do critério do investidor privado poderia levar à validação de qualquer forma de isenção fiscal concedida pelos Estados‑Membros. A este respeito, o Tribunal Geral, por um lado, recordou que, no caso em apreço, não se tratava, no seu entender, de uma simples isenção fiscal concedida a uma empresa, mas da renúncia a um crédito fiscal no quadro de um aumento de capital de uma empresa da qual o Estado era o único acionista, e, por outro, considerou que não era possível antecipar o resultado da aplicação desse critério, pois, caso contrário, este seria inútil.

    I. Quanto ao acórdão proferido no processo C‑124/10 P

    49

    Em 26 de fevereiro de 2010, a Comissão interpôs recurso do acórdão proferido no processo T‑156/04.

    50

    Por acórdão proferido no processo C‑124/10 P, o Tribunal de Justiça julgou esse recurso improcedente pelas seguintes razões:

    «16.

    Por ofício de 16 de outubro de 2002, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 16 de novembro de 2002 (JO 2002, C 280, p. 8), a Comissão notificou as autoridades francesas de três decisões conjuntas relativas à EDF. Em especial, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão adotou uma decisão de início do procedimento formal de investigação sobre a vantagem resultante do não pagamento pela EDF do imposto sobre as sociedades relativamente à parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG.

    […]

    19.

    O artigo 3.o desta decisão dispõe:

    “O não pagamento pela EDF, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativamente à parte das provisões criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG, correspondente a 14,119 mil milhões de [FRF] de direitos da entidade autora da concessão reclassificados nas dotações de capital, constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado comum.

    O elemento de auxílio implicado no não pagamento do imposto sobre as sociedades ascende a 888,89 milhões de euros.”

    […]

    21.

    No que respeita à vantagem fiscal de que a EDF beneficiou em 1997, a Comissão, na fundamentação da mesma decisão, considerou, designadamente, o seguinte:

    “(88)

    A carta do [M]inistro da Economia, que estabelece as consequências fiscais da reestruturação do balanço da EDF, mostra que as provisões destinadas à renovação da RAG não utilizadas foram sujeitas pelas autoridades francesas ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66%, taxa aplicável em 1997.

    (89)

    Pelo contrário, em conformidade com o artigo 4.o da Lei [n.o 97‑1026], uma parte destas provisões, os direitos da entidade autora da concessão, correspondente às operações de renovação já realizadas foi reclassificada em dotações em capital no montante de 14,119 mil milhões de FRF sem ser sujeita ao imposto sobre as sociedades. […] Numa nota da Direção‑Geral de Impostos, de 9 de abril de 2002, dirigida à Comissão, as autoridades francesas indicam que […] ‘a vantagem em impostos assim obtida [em 1997 pela EDF] pode ser avaliada em 5,88 mil milhões de [FRF] (14,119 × 41,66%)’, isto é, 888,89 milhões de euros […].

    […]

    (91)

    A Comissão considera que os direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido tributados ao mesmo tempo e à mesma taxa que as outras provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal. Tal significa que os 14,119 mil milhões de FRF de direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido adicionados aos 38,5 mil milhões de FRF de provisões não utilizadas para serem tributados à taxa de 41,66% aplicada à reestruturação do balanço da EDF pelas autoridades francesas. Ao não pagar a totalidade do imposto sobre as sociedades devido na altura da reestruturação do seu balanço, a EDF economizou 888,89 milhões de euros.

    […]

    (95)

    As autoridades francesas argumentam, além disso, que a reforma contabilística de 1997 equivale a uma dotação complementar de capital num montante igual à isenção parcial do imposto. Por conseguinte, tratar‑se‑ia da sua parte de um investimento e não de um auxílio […]

    (96)

    A Comissão rejeita estes argumentos recordando que o princípio do investidor privado só pode ser aplicado no quadro do exercício de atividades económicas e não no quadro do exercício de poderes de regulação. Uma autoridade pública não pode utilizar o argumento dos eventuais lucros económicos que pudesse auferir enquanto proprietário de uma empresa para justificar um auxílio concedido de forma discricionária através das prerrogativas de que dispõe enquanto autoridade fiscal face a esta mesma empresa.

    (97)

    De facto, se um Estado‑Membro pode, para além do exercício da sua função de poder público, atuar como um acionista, o mesmo não pode misturar as suas funções de Estado exercendo o poder público e de Estado acionista. Autorizar os Estados‑Membros a utilizar as suas prerrogativas de poder público ao serviço dos seus investimentos em empresas ativas em mercados abertos à concorrência privaria de qualquer efeito útil as regras comunitárias em matéria de auxílios estatais. Além disso, se o Tratado, por força do seu artigo 295.o, é neutro relativamente à propriedade do capital, também as empresas públicas devem ser sujeitas às mesmas regras que as empresas privadas. Ora, deixaria de haver igualdade de tratamento entre as empresas públicas e as empresas privadas se o Estado utilizasse em proveito das empresas de que é acionista as suas prerrogativas de poder público.”

    […]

    35.

    […] no n.o 253 desse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que, tendo em conta a necessidade de apreciar a medida controvertida no seu contexto, a Comissão não se podia limitar a examinar as suas incidências fiscais, sem examinar simultaneamente o mérito da argumentação segundo a qual a renúncia ao crédito de imposto no quadro da operação de reestruturação do balanço e de aumento do capital da EDF podia satisfazer o critério do investidor privado.

    […]

    51.

    A Comissão invoca dois fundamentos de recurso relativos, o primeiro, à desvirtuação dos factos e, o segundo, a um erro de direito na interpretação do artigo 87.o CE e, em especial, na determinação do âmbito de aplicação e do conteúdo do critério do investidor privado avisado numa economia de mercado.

    52.

    Importa apreciar em primeiro lugar o segundo fundamento.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito na interpretação do artigo 87.o CE

    53.

    O segundo fundamento divide‑se em quatro partes, que devem ser analisadas em conjunto.

    Argumentos das partes

    […]

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    75.

    A Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Iberdrola criticam, no essencial, o Tribunal Geral por ter examinado a aplicabilidade, no caso em apreço, do critério do investidor privado, em primeiro lugar, tendo em conta para esse efeito o objetivo prosseguido pelo Estado francês quando adotou a medida controvertida, em segundo lugar, tendo confundido os papéis do Estado acionista e do Estado no exercício dos seus poderes em matéria fiscal, em terceiro lugar, tendo violado o princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas e, em quarto lugar, tendo violado as regras relativas à inversão do ónus da prova.

    76.

    Resulta da jurisprudência que uma medida concedida através de recursos do Estado que coloca a empresa beneficiária numa situação financeira mais favorável que a dos seus concorrentes e que, por essa razão, simultaneamente falseia ou ameaça falsear e afeta as trocas entre Estados‑Membros não pode, sem mais, ser subtraída à qualificação de “auxílio” na aceção do artigo 87.o CE por causa dos objetivos prosseguidos pelo referido Estado (v., neste sentido, acórdãos de 19 de maio de 1999, Itália/Comissão, C‑6/97, Colet., p. I‑2981, n.o 15; de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colet., p. I‑6857, n.o 25 e jurisprudência referida; e de 9 de junho de 2011, Comitato “Venezia vuole vivere” e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, Colet., p. I‑4727, n.o 94 e jurisprudência referida).

    77.

    Com efeito, o n.o 1 dessa disposição não faz distinção consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, definindo‑as, sim, em função dos seus efeitos (acórdão Comitato “Venezia vuole vivere” e o./Comissão, já referido, n.o 94 e jurisprudência referida).

    78.

    Contudo, resulta também de jurisprudência assente que os requisitos que uma medida deve preencher para se enquadrar no conceito de “auxílio” na aceção do artigo 87.o CE não estão preenchidos se a empresa pública beneficiária pudesse obter a mesma vantagem que foi colocada à sua disposição através de recursos do Estado em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado, sendo esta apreciação feita, em relação às empresas públicas, pela aplicação, em princípio, do critério do investidor privado (v., neste sentido, acórdãos de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, Colet., p. I‑1433, n.o 20; de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colet., p. I‑4397, n.os 68 a 70, e Comitato “Venezia vuole vivere” e o./Comissão, já referido, n.o 91 e jurisprudência referida).

    79.

    Em especial, resulta da jurisprudência que, para efeitos da apreciação da questão de saber se a mesma medida teria sido adotada em condições normais do mercado por um investidor privado colocado numa situação o mais semelhante possível à do Estado, só podem ser tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação deste Estado na qualidade de acionista, com exclusão dos relacionados com a sua qualidade de poder público (v., neste sentido, acórdãos de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colet., p. 2263, n.o 14, e Bélgica/Comissão, 40/85, Colet., p. 2321, n.o 13, e de 14 de setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colet., p. I‑4103, n.o 22, e de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, Colet., p. I‑1139, n.o 134).

    80.

    Daqui decorre que se deve fazer uma distinção entre os papéis do Estado enquanto acionista de uma empresa, por um lado, e do Estado atuando como poder público, por outro, como alegam com razão a Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Iberdrola, e o Tribunal Geral entendeu nos n.os 223 a 228 do acórdão recorrido.

    81.

    Por conseguinte, a aplicabilidade do critério do investidor privado depende, em última análise, da circunstância de o Estado‑Membro em causa conceder, na sua qualidade de acionista e não na de poder público, uma vantagem económica a uma empresa que lhe pertence.

    82.

    Consequentemente, se, durante o procedimento administrativo, um Estado‑Membro invocar o referido critério, incumbe‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista.

    83.

    Esses elementos devem evidenciar claramente que o Estado‑Membro em causa adotou prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica (v., neste sentido, acórdão França/Comissão, já referido, n.os 71 e 72) a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na empresa pública controlada.

    84.

    A este propósito, podem, nomeadamente, ser exigidos elementos que demonstrem que essa decisão se baseia em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado‑Membro teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento.

    85.

    Em contrapartida, avaliações económicas levadas a cabo depois da concessão da referida vantagem, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva do investimento efetuado pelo Estado‑Membro em causa ou justificações posteriores à escolha do procedimento efetivamente seguido não bastam para demonstrar que esse Estado‑Membro adotou, prévia ou simultaneamente a essa concessão, uma decisão desse tipo enquanto acionista (v., neste sentido, acórdão França/Comissão, já referido, n.os 71 e 72).

    86.

    Se o Estado‑Membro em causa apresentar à Comissão elementos da natureza exigida, cabe a esta última efetuar uma apreciação global, tendo em conta, para além dos elementos fornecidos por esse Estado‑Membro, qualquer outro elemento pertinente que, no caso em concreto, lhe permita determinar se a medida em causa decorre da qualidade de acionista ou da de poder público do referido Estado‑Membro. Em especial, a este respeito podem ser relevantes, como considerou o Tribunal Geral no n.o 229 do acórdão recorrido, a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se insere, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida está sujeita.

    87.

    Consequentemente, nas circunstâncias do caso em apreço, foi com razão que o Tribunal Geral decidiu que o objetivo prosseguido pelo Estado francês podia ser tido em conta, no quadro da apreciação global necessária, para determinar se o referido Estado tinha efetivamente agido na qualidade de acionista e se, por conseguinte, o critério do investidor privado era aplicável ao caso vertente.

    88.

    Quanto à questão de saber se a aplicabilidade do critério do investidor privado podia ser afastada, neste caso, apenas com base na natureza fiscal dos meios utilizados pelo Estado francês, deve recordar‑se que o artigo 87.o, n.o 1, CE prevê que são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou que ameacem falsear a concorrência (v. acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, já referido, n.o 25 e jurisprudência referida).

    89.

    Além disso, foi referido no n.o 78 do presente acórdão que a aplicação do critério do investidor privado visa determinar se a vantagem económica concedida, independentemente da sua forma, mediante recursos do Estado a uma empresa pública pode, devido aos seus efeitos, falsear ou ameaçar falsear a concorrência e afetar as trocas entre Estados‑Membros.

    90.

    Assim, esta disposição e este critério visam evitar que, através de recursos do Estado, a empresa pública beneficiária disponha de uma situação financeira mais favorável do que a dos seus concorrentes (v., neste sentido, acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colet., p. I‑877, n.o 14, e de 19 de maio de 1999, Itália/Comissão, já referido, n.o 16).

    91.

    Ora, a situação financeira da empresa pública beneficiária não depende da forma como a vantagem é colocada à sua disposição, qualquer que seja a sua natureza, mas do montante de que ela beneficia em definitivo. Foi, portanto, acertadamente que o Tribunal Geral concentrou a sua análise da aplicabilidade do critério do investidor privado na melhoria da situação financeira da EDF com vista à abertura do mercado da eletricidade à concorrência e nos efeitos da medida em causa na concorrência e não na natureza fiscal dos meios utilizados pelo Estado francês.

    92.

    Por consequência, resulta do exposto que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo artigo 87.o, n.o 1, CE e pelo critério do investidor privado, uma vantagem económica, ainda que concedida através de meios de natureza fiscal, deve ser apreciada, nomeadamente, à luz do critério do investidor privado, se se revelar, no termo da apreciação global eventualmente necessária, que o Estado‑Membro em causa, apesar da utilização de meios que decorrem das prerrogativas de poder público, concedeu contudo a referida vantagem na sua qualidade de acionista da empresa que lhe pertence.

    93.

    Daqui decorre que não enferma de nenhum erro de direito a constatação do Tribunal Geral, no n.o 250 do acórdão recorrido, de que a obrigação da Comissão de verificar se os capitais foram fornecidos pelo Estado em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado existe independentemente da forma como esses capitais foram fornecidos pelo Estado.

    94.

    Relativamente ao argumento da Comissão, do Órgão de Fiscalização da EFTA e da Iberdrola de que um investidor privado não teria podido realizar um investimento como aquele a que procedeu o Estado francês, em condições comparáveis, uma vez que teria de pagar o imposto e que só o referido Estado enquanto autoridade fiscal podia ainda dispor dos montantes correspondentes a esse imposto, há que observar, por um lado, que, a título da operação tributável em causa, é a empresa privada que se encontra na situação da EDF e não o seu acionista quem teria de liquidar o referido imposto.

    95.

    No caso em apreço, a aplicação do critério do investidor privado teria, portanto, permitido determinar se um investidor privado teria fornecido, em condições semelhantes, um montante igual ao imposto devido a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável à da EDF.

    96.

    Por outro lado, como referiu o Tribunal Geral nos n.os 275 e 276 do acórdão recorrido, uma eventual diferença entre o custo suportado por um investidor privado e o que incumbe ao Estado investidor não impede a aplicação do critério do investidor privado. Com efeito, este critério permite precisamente apurar, nomeadamente, a existência dessa diferença e tomá‑la em conta quando da apreciação da questão de saber se os requisitos fixados pelo referido critério estão preenchidos.

    97.

    Daqui resulta que, contrariamente ao que a Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Iberdrola alegam, a análise realizada pelo Tribunal Geral não viola a igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas, não provoca distorções de concorrência e não contraria o objetivo prosseguido pela aplicação do critério do investidor privado.

    98.

    Consequentemente, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que o critério do investidor privado pode ser aplicado mesmo no caso de terem sido utilizados meios de natureza fiscal.

    99.

    Importa acrescentar que, com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral não antecipou a aplicabilidade desse critério no caso em apreço nem, como referiu no n.o 283 desse acórdão, o resultado da eventual aplicação do dito critério.

    100.

    Em especial, ao limitar‑se a verificar se a aplicabilidade do critério do investidor privado podia ser afastada apenas com base na natureza fiscal dos meios utilizados pelo Estado francês, o Tribunal Geral não adotou de forma alguma uma análise no sentido de autorizar os Estados‑Membros a tomar em conta, na aplicação deste critério, os benefícios e as obrigações relacionados com a sua qualidade de poder público ou elementos subjetivos e sujeitos a manipulação.

    101.

    Quanto à questão de saber se, no caso vertente, era necessário definir um investidor de referência, importa observar que a jurisprudência em que se apoiam a este propósito a Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Iberdrola visa a inexistência de qualquer possibilidade de comparar a situação de uma empresa pública com a de uma empresa privada que não opere num setor reservado (v., neste sentido, acórdão de 3 de julho de 2003, Chronopost e o./Ufex e o., C‑83/01 P, C‑93/01 P e C‑94/01 P, Colet., p. I‑6993, n.o 38).

    102.

    Ora a Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Iberdrola não sustentam que é impossível comparar a situação da EDF com a de uma empresa privada que opere em setores de atividade idênticos aos da EDF. Acresce que resulta desta mesma jurisprudência que, para efeitos dessa comparação, há que efetuar uma apreciação com referência aos elementos objetivos e verificáveis disponíveis.

    103.

    Além disso, contrariamente ao que a Comissão e o Órgão de Fiscalização da EFTA sustentam, o critério do investidor privado não constitui uma exceção que só é aplicável a pedido de um Estado‑Membro, quando estão reunidos os elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, constante do artigo 87.o, n.o 1, CE. Com efeito, decorre do n.o 78 do presente acórdão que, quando este critério é aplicável, o mesmo faz parte dos elementos que a Comissão tem de tomar em conta para determinar a existência de um auxílio desse tipo.

    104.

    Consequentemente, quando se afigure que o critério do investidor privado pode ser aplicável, incumbe à Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa todas as informações pertinentes que lhe permitam verificar se os requisitos de aplicabilidade e de aplicação deste critério estão preenchidos e só pode recusar‑se a examinar essas informações se os elementos de prova apresentados tiverem sido elaborados depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão.

    105.

    Com efeito, já foi referido nos n.os 83 a 85 do presente acórdão que só os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que a decisão de proceder ao investimento foi tomada é que são pertinentes para efeitos da aplicação do critério do investidor privado. É esse o caso, em especial, quando, como no caso em apreço, a Comissão examina a existência de um auxílio de Estado em relação a um investimento que não lhe foi notificado e que já foi executado pelo Estado‑Membro em causa no momento em que esta procede ao seu exame.

    106.

    Em face do exposto, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à desvirtuação dos factos

    107.

    A Comissão considera, no essencial, que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao considerar que a República Francesa procedeu, através da medida controvertida, à conversão de um crédito fiscal em capital. Com efeito, segundo a Comissão, com essa medida, a República Francesa concedeu à EDF uma isenção do imposto sobre as sociedades. Ora, a Comissão alega que, em caso de isenção fiscal, o critério do investidor privado não é pertinente.

    108.

    Contudo, constatou‑se quando da apreciação do segundo fundamento que, quando um Estado‑Membro confere uma vantagem económica a uma empresa que lhe pertence, o caráter fiscal do procedimento utilizado para efeitos da concessão da referida vantagem não é suscetível de afastar sem mais a aplicabilidade do critério do investidor privado. Daqui resulta, a fortiori, que o procedimento específico escolhido pelo Estado‑Membro em causa é irrelevante para efeitos da apreciação da aplicabilidade do referido critério.

    109.

    Nestas condições, a alegada desvirtuação dos factos cometida pelo Tribunal Geral, mesmo que fosse demonstrada, não é, em qualquer caso, suscetível de afetar a justeza do acórdão recorrido. Assim, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente, por inoperante.

    110.

    Resulta do exposto que há que negar provimento ao recurso.»

    J. Quanto à decisão de alargamento

    51

    Na sequência do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, a Comissão adotou a decisão de alargamento.

    52

    Importa ter especialmente em conta os n.os 58 a 73 da decisão de alargamento, nos quais a Comissão analisa, por um lado, a aplicabilidade do critério do investidor privado e, por outro, e a título subsidiário, a aplicação deste critério à medida em causa.

    53

    No que diz respeito à aplicabilidade do critério, a Comissão conclui:

    «66.

    Resulta do que precede que, nesta fase, e sob reserva dos esclarecimentos que as autoridades francesas deverão fazer quanto às regras aplicáveis em matéria de pré‑afetação de um recurso fiscal a favor de um investimento em dotação no capital de uma empresa como a EDF em 1997, bem como de outros elementos objetivos e verificáveis que demonstrem a sua vontade de proceder a um investimento através da medida fiscal em causa, a apreciação global dos factos parece indicar que esta medida decorre da qualidade de poder público do Estado francês, afastando assim a aplicabilidade do princípio do investidor privado, segundo os critérios indicados pelo [Tribunal de Justiça].»

    54

    Quanto à aplicação do critério, a Comissão conclui que:

    «71.

    [Na falta de elementos como os exigidos no acórdão proferido no processo C‑124/10 P], não ficou […] demonstrado, nesta fase, que um investidor privado teria fornecido, em condições semelhantes, um montante igual ao imposto devido a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável à da EDF. Por conseguinte, em 1997, o não pagamento pela EDF [de 888,89 milhões de EUR] de imposto sobre as sociedades não se afigura como um investimento produtivo por parte do Estado acionista, mas sim como uma medida derrogatória de natureza fiscal, suscetível de ter proporcionado uma vantagem económica à EDF.

    72.

    Essa vantagem reforça necessariamente a posição da EDF em relação à dos seus concorrentes, visto que o montante de fundos próprios determina, entre outros fatores, a capacidade de financiamento externo de uma empresa. Por conseguinte, cria uma distorção da concorrência na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A vantagem é necessariamente seletiva, dado que o não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte dessas provisões contabilísticas constitui uma exceção ao tratamento fiscal normalmente aplicável a uma operação desse tipo e, neste caso, essa exceção aplicava‑se a uma única empresa: a EDF.»

    K. Quanto à decisão impugnada

    55

    Através da decisão impugnada, a Comissão declarou que a medida de auxílio de que a EDF beneficiara era incompatível com o mercado interno e exigiu que esse auxílio fosse recuperado, acrescido dos respetivos juros.

    56

    Os fundamentos que a Comissão invoca a este respeito na decisão impugnada são os seguintes.

    57

    Em primeiro lugar, a Comissão expõe, nos considerandos 62 a 108 da decisão impugnada, os argumentos apresentados pela República Francesa e pela EDF durante o procedimento formal de investigação alargado na sequência da decisão de alargamento.

    58

    Em segundo lugar, após recordar o teor da medida controvertida nos considerandos 113 a 123 da decisão impugnada, a Comissão considera que a renúncia à cobrança do imposto no momento da reclassificação dos direitos do concedente como capital constitui, prima facie, uma vantagem seletiva a favor da EDF.

    59

    Em terceiro lugar, a Comissão recorda, no considerando 124 da decisão impugnada, a argumentação apresentada pela República Francesa nas suas observações de 11 de dezembro de 2002, segundo a qual a renúncia à cobrança do imposto se assemelha a uma dotação complementar de capital num montante igual ao que era devido a título de imposto.

    60

    Em quarto lugar, a Comissão recorda que, no n.o 99 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, o Tribunal de Justiça considerou que o Tribunal Geral não antecipara a aplicabilidade, no caso em apreço, do critério do investidor privado avisado numa economia de mercado, nem o resultado da eventual aplicação desse critério à medida controvertida.

    61

    Em quinto lugar, a Comissão analisa, em seguida, nos considerandos 126 a 153 da decisão impugnada, a aplicabilidade do critério do investidor privado à luz das especificações fornecidas pelo Tribunal de Justiça a este respeito no acórdão proferido no processo C‑124/10 P. Para esse efeito, analisa os elementos relacionados com a alegada decisão de investimento, as avaliações económicas realizadas com o objetivo de avaliar a rentabilidade do referido investimento, a natureza e o objeto da medida controvertida, bem como o contexto em que esta decisão se insere e as regras a que a mesma está sujeita.

    62

    A Comissão termina esta análise concluindo o seguinte:

    «154.

    A esmagadora maioria dos elementos atrás referidos indicam claramente que a [República Francesa] não tomou, previamente ou simultaneamente à concessão da vantagem económica resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades, a decisão de proceder, através da isenção fiscal, a um investimento na EDF. Em consequência, o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado não parece ser aplicável a esta medida. As considerações seguintes, a respeito da aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, revestem‑se, portanto, de um caráter subsidiário.»

    63

    A Comissão analisa, em seguida, a título subsidiário, nos considerandos 155 a 193 da decisão impugnada, se o critério do investidor privado, admitindo que fosse aplicável, está preenchido no caso em apreço.

    64

    A Comissão termina esta análise concluindo o seguinte:

    «191.

    Mesmo que o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado fosse aplicável, face aos documentos enviados pelas autoridades francesas e que, no entender destas, esclareciam as perspetivas de rentabilidade e os riscos associados ao alegado investimento sob a forma de isenção fiscal, a aplicação desse princípio permite concluir que, em 1997, um investidor privado não teria investido no aumento de capital da EDF um montante equivalente ao do imposto devido.

    192.

    O não pagamento pela EDF dos 5,88 mil milhões de FRF de imposto sobre as sociedades não se afigura um investimento produtivo por parte do Estado acionista à luz do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, mas sim uma medida derrogatória de isenção fiscal ad hoc que proporcionou à EDF uma vantagem económica equivalente ao montante de imposto não pago. Essa vantagem reforça necessariamente a posição da EDF em relação à dos seus concorrentes, visto que o montante de fundos próprios é um dos fatores que determinam a capacidade e as condições de financiamento externo de uma empresa, ao mesmo tempo que os recursos assim economizados puderam ser utilizados para outros fins, nomeadamente para investir em França ou noutros Estados‑Membros onde os concorrentes exerciam a sua atividade em 1997.

    193.

    Por conseguinte, cria uma distorção da concorrência na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. A vantagem é seletiva, uma vez que o não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte destas provisões contabilísticas constitui uma exceção ao tratamento fiscal normalmente aplicável a uma operação desse tipo e, neste caso, essa exceção foi aplicável a uma única empresa: a EDF.»

    65

    Após concluir pela utilização de recursos estatais (considerandos 194 e 195 da decisão impugnada), pela existência de uma distorção da concorrência e pela afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros (considerandos 196 a 206 da referida decisão) e pela incompatibilidade do auxílio com o mercado interno (considerandos 207 a 215 dessa decisão), a Comissão declara que a medida em questão constitui um auxílio incompatível com o mercado interno e ordena que esse auxílio seja recuperado.

    II. Tramitação do processo e pedidos das partes

    66

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 22 de dezembro de 2015, a EDF interpôs o presente recurso.

    67

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de abril de 2016, a República Francesa pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da EDF. Por decisão de 24 de maio de 2016, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral admitiu esta intervenção. A interveniente apresentou o seu articulado e as partes principais apresentaram as suas observações sobre este nos prazos estabelecidos.

    68

    Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afeto à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

    69

    Em 26 de setembro de 2016, as partes foram notificadas do encerramento da fase escrita do processo. As partes não apresentaram nenhum pedido de marcação de uma audiência no prazo de três semanas a contar dessa notificação, como previsto no artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

    70

    Por decisão da qual as partes foram notificadas em 19 de maio de 2017, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelos documentos dos autos, decidiu, na falta de pedido das partes nesse sentido, pronunciar‑se sem abrir a fase oral do processo, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

    71

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de maio de 2017, a recorrente requereu a realização de audiência, em particular, devido à importância que, para ela, o processo revestia e às suas consequências financeiras.

    72

    Por ato notificado em 12 de junho de 2017, verificou‑se que o prazo para a apresentação do pedido de audiência de alegações expirou em 31 de outubro de 2016 e que este pedido foi apresentado fora do prazo previsto no artigo 106.o do Regulamento de Processo, não tendo a recorrente invocado quaisquer circunstâncias para que fosse declarada a existência de um caso fortuito ou de força maior, em conformidade com o artigo 45.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável aos prazos legais como o que está em causa.

    73

    Em 20 de setembro de 2017, o Tribunal de Justiça proferiu o acórdão Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P (EU:C:2017:706) (a seguir «acórdão Frucona Košice»), que julgou improcedente o recurso interposto do acórdão de 16 de março de 2016, Frucona Košice/Comissão (T‑103/14, EU:T:2016:152).

    74

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de outubro de 2017, a recorrente pediu que fosse realizado um debate oral ou escrito entre as partes sobre as consequências do acórdão Frucona Košice para o presente processo.

    75

    Por decisão de 12 de outubro de 2017, o Tribunal Geral decidiu reabrir a fase escrita do processo, juntar o pedido da recorrente aos autos e convidou as partes a apresentar as suas observações escritas sobre as consequências que consideravam que deviam ser retiradas do acórdão Frucona Košice para o presente processo.

    76

    As partes deram cumprimento a esse pedido nos prazos fixados.

    77

    Em 9 de novembro de 2017, o presidente da Terceira Secção decidiu encerrar a fase escrita do processo. As partes foram notificadas desta decisão, esclarecendo‑se que esta notificação não fazia correr o prazo para a apresentação de um pedido de audiência de alegações, previsto no artigo 106.o do Regulamento de Processo.

    78

    A EDF, apoiada pela República Francesa, pede que o Tribunal Geral se digne:

    a título principal, anular os artigos 1.o a 5.o da decisão impugnada;

    a título subsidiário, anular os artigos 1.o e 3.o da decisão impugnada;

    condenar a Comissão nas despesas.

    79

    A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a EDF nas despesas e condenar a República Francesa nas despesas da sua intervenção.

    III. Questão de direito

    80

    Em apoio do seu recurso, a EDF invoca quatro fundamentos a título principal e dois fundamentos a título subsidiário.

    81

    O primeiro fundamento invocado a título principal é relativo à violação do artigo 266.o TFUE, na medida em que a Comissão violou quer o dispositivo do acórdão proferido no processo T‑156/04 quer os fundamentos que lhe estão subjacentes.

    82

    O segundo fundamento invocado a título principal é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão cometeu um erro tanto de direito como de facto na análise da aplicabilidade do critério do investidor privado.

    83

    O terceiro fundamento invocado a título principal é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão cometeu um erro tanto de direito como de facto na análise da aplicação do critério do investidor privado.

    84

    O quarto fundamento apresentado a título principal é relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada.

    85

    O primeiro fundamento invocado a título subsidiário é relativo, por um lado, ao facto de as medidas em causa, admitindo que possam ser qualificadas como auxílios, deverem, na sua maioria, ser consideradas auxílios existentes, nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.o CE] (JO 1999, L 83, p. 1), na medida em que foram implementadas antes da liberalização efetiva do setor da eletricidade, e, por outro, ao facto de a maior parte delas dever ser considerada prescrita, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento.

    86

    Através do segundo fundamento invocado a título subsidiário, a EDF sustenta que, em todo o caso, a decisão impugnada contém vários erros de cálculo que ferem a sua validade.

    87

    A República Francesa considera que os fundamentos da EDF são procedentes, mas apresentou observações apenas quanto aos três primeiros fundamentos invocados a título principal.

    A. Quanto ao primeiro fundamento invocado a título principal

    1.   Argumentos das partes

    88

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega que a Comissão violou o artigo 266.o TFUE ao não dar cumprimento ao disposto no acórdão proferido no processo T‑156/04 na medida em que, por um lado, esta considera, na decisão impugnada, que a decisão de início do procedimento não está ferida de irregularidade e pode, portanto, constituir a base de uma nova decisão, quando, no seu entender, a decisão de início do procedimento se baseia numa apresentação inexata dos factos que levou precisamente o Tribunal Geral a anular a decisão final, que se baseava nessa mesma apresentação errada dos factos. A decisão impugnada está assim viciada pelos mesmos erros e inexatidões materiais que justificaram a anulação da decisão final.

    89

    Por outro lado, de acordo com a EDF, na decisão impugnada, a Comissão continua a basear a sua análise numa medida, designadamente um prémio fiscal resultante de uma redução fiscal indevida de que a EDF terá beneficiado, quando esta apresentação dos factos foi expressamente afastada pelo Tribunal Geral no acórdão proferido no processo T‑156/04.

    90

    De acordo com a EDF, a Comissão continua, de facto, incluindo na contestação, a dissociar a medida efetivamente aplicada, ou seja, o aumento do seu capital resultante da inclusão das provisões para a renovação na rubrica «Dotações de capital», de uma das suas incidências fiscais, designadamente a não tributação dos «direitos do concedente», quando o Tribunal Geral rejeitou esta abordagem, qualificando a carta de 22 de dezembro de 1997 como documento explicativo da medida aplicada, que era, de acordo com este órgão jurisdicional, a recapitalização da empresa efetuada pela Lei n.o 97‑1026. A EDF entende, com efeito, que o Tribunal Geral nunca estabeleceu nenhuma distinção, no âmbito da medida de recapitalização, entre a natureza e o tratamento das diferentes componentes das provisões para a renovação.

    91

    A EDF considera que o raciocínio da Comissão assenta, assim, numa confusão entre a qualificação da medida controvertida, ou seja, a existência ou não de um auxílio de Estado, e a sua identificação. Na sua opinião, o Tribunal Geral não se pronunciou de facto sobre a qualificação da medida controvertida à luz da aplicabilidade ou da aplicação do critério do investidor privado, mas, em contrapartida, identificou com precisão a referida medida. Ora, tal apreciação factual constitui não apenas um requisito prévio indispensável para qualquer análise jurídica subsequente, mas, antes de mais, uma prerrogativa do Tribunal Geral, juiz soberano dos factos. Consequentemente, carece de base factual a argumentação da Comissão segundo a qual o Tribunal Geral não qualificou os factos de forma definitiva.

    92

    A EDF esclarece que, a este respeito, há que analisar em que medida a descrição dos factos constante da decisão impugnada é diferente da adotada pelo Tribunal Geral e, em seguida, se as apreciações factuais efetuadas por este são um fundamento que constitui a base necessária de anulação da decisão inicial por este pronunciada em 2009.

    93

    De acordo com a EDF, o Tribunal Geral identificou a medida em causa como a recapitalização da EDF efetuada pela Lei n.o 97‑1026, sem estabelecer uma distinção entre as provisões que foram reclassificadas como dotação de capital, enquanto a Comissão continua a considerar apenas a não tributação de uma parte das referidas provisões. Daqui deduz que, embora seja verdade que a Comissão «teve em conta» a recapitalização efetuada pela referida lei, foi como simples elemento contextual e não como constitutiva, por si só, da medida em causa.

    94

    Ora, a crítica da identificação parcial da medida em causa pela Comissão constitui o ponto de partida e a própria condição do raciocínio seguido pelo Tribunal Geral e que conduziu à anulação da decisão inicial. Por conseguinte, a identificação da medida constitui realmente uma questão de direito efetiva e necessariamente decidida pelo Tribunal Geral, bem como, portanto, um fundamento que constitui a base necessária do dispositivo do acórdão proferido no processo T‑156/04.

    95

    A Comissão contesta esta argumentação.

    2.   Apreciação do Tribunal Geral

    96

    No que respeita ao caso julgado, importa recordar que o Tribunal de Justiça decidiu que, para garantir a estabilidade do direito e das relações jurídicas, assim como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de decorridos os prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa (acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.o 86).

    97

    Além disso, por um lado, o caso julgado apenas diz respeito aos elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente objeto da decisão jurisdicional em causa. Por outro lado, o caso julgado não abrange apenas a parte decisória dessa decisão, pois abrange os seus fundamentos que constituem o alicerce necessário da sua parte decisória, sendo, por isso, indissociáveis dela (acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.o 87).

    98

    O alcance do caso julgado do acórdão proferido no processo T‑156/04 deve assim ser determinado à luz do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, na sequência do recurso interposto pela Comissão do acórdão proferido no processo T‑156/04 (v., neste sentido, acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.o 88).

    99

    No caso em apreço, há que recordar, em primeiro lugar, que, nos n.os 50 e 51 da decisão de início do procedimento, a Comissão considerou o seguinte:

    «50.

    […] há que estabelecer uma distinção entre as provisões já utilizadas e as provisões não utilizadas, que ascendiam, respetivamente, a 18345 milhões de FRF e a 38521 milhões [de FRF] no final de 1997.

    51.

    Quanto ao montante total das provisões utilizadas, 14119 milhões de FRF foram reclassificados na rubrica do balanço “Dotações de capital”, tendo o saldo de 4226 milhões de FRF sido inscrito em várias contas de reavaliação. Uma vez que a reclassificação não passou pela conta de ganhos e perdas e que os aumentos de capital não são considerados um aumento do património líquido da sociedade para efeitos de cálculo do imposto sobre as sociedades, essa reclassificação consolidou o desagravamento fiscal de que a EDF beneficiava sobre essas provisões.

    De acordo com as autoridades francesas, a vantagem de que a EDF beneficiou em termos de desagravamento fiscal pode ser estimada em 5883 milhões de FRF (14119 × 41,67%].»

    100

    Em segundo lugar, nos considerandos 91 e 99 da decisão inicial, a Comissão considerou que «[…] os direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido tributados ao mesmo tempo e à mesma taxa que as outras provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal», que «[t]al significa que os 14,119 mil milhões de FRF de direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido adicionados aos 38,5 mil milhões de FRF de provisões não utilizadas para serem tributados à taxa de 41,66% aplicada à reestruturação do balanço da EDF pelas autoridades francesas», que, «[a]o não pagar a totalidade do imposto sobre as sociedades devido na altura da reestruturação do seu balanço, a EDF economizou 888,89 milhões de euros» e que «[o] não pagamento pela EDF, em 1997, de 888,89 milhões de euros de imposto constitu[ía], por conseguinte, uma vantagem para o grupo».

    101

    No termo da sua apreciação, a Comissão concluiu que «o não pagamento pela EDF, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativamente à parte das provisões criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG, correspondente a 14,119 mil milhões de [FRF] de direitos da entidade autora da concessão reclassificados nas dotações de capital, constitu[ía] um auxílio estatal incompatível com o mercado comum» (artigo 3.o da decisão inicial).

    102

    Em terceiro lugar, no acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral esclareceu que:

    «111.

    […] tanto na decisão de início como na decisão impugnada, a Comissão examinou o tratamento fiscal dos direitos do concedente no momento da reestruturação do balanço da EDF operada pela Lei n.o 97‑1026 (a seguir “medida controvertida”) e que, portanto, a este respeito, o âmbito do exame [era] o mesmo nestas duas decisões.»

    103

    No acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral declarou, em seguida, que:

    «253.

    Tendo em conta a necessidade de apreciar a medida controvertida no seu contexto, a Comissão não podia, por conseguinte, limitar‑se a examinar as incidências fiscais das disposições adotadas pela República Francesa sem examinar, simultaneamente — e, eventualmente, rejeitar no termo deste exame — o mérito da argumentação da República Francesa segundo a qual a renúncia ao crédito de imposto no quadro da operação de reestruturação do balanço e de aumento do capital da EDF, que constituía o objeto do artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026, podia ser considerada uma operação que satisfazia o critério do investidor privado.»

    104

    Há que observar que a medida controvertida tal como determinada pelo Tribunal Geral diz respeito ao «tratamento fiscal dos direitos do concedente no momento da reestruturação do balanço da EDF» e que o Tribunal Geral puniu a Comissão por ter afastado qualquer análise do critério do investidor privado apenas devido à natureza fiscal da medida que, no entender da Comissão, fora adotada pela República Francesa na sua qualidade de poder público e por não ter examinado essa medida no contexto em que ela se inseria, ou seja, a recapitalização da EDF, a fim de apreciar se o critério do investidor privado era aplicável no caso em apreço, sem que o caráter fiscal da medida se oponha, por princípio, a que esse critério possa ser invocado pelo Estado.

    105

    Em quarto lugar, importa, por um lado, atender aos n.os 16, 19, 21 e 35 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P (v. n.o 50, supra), que recordam o teor da vantagem tal como identificada pela Comissão e pelo Tribunal Geral, e, por outro, recordar que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 99 do referido acórdão, que, pelo acórdão proferido no processo T‑156/04, o Tribunal Geral não antecipara, no caso em apreço, nem a aplicabilidade do critério do investidor privado nem o resultado da eventual aplicação do referido critério.

    106

    Contrariamente ao que afirma a EDF, não se pode inferir do acórdão proferido no processo T‑156/04, lido à luz, nomeadamente, dos n.os 87, 92, 93, 98 a 100 e 108 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P (recordados no n.o 50, supra), que a medida que havia que examinar não era, na realidade, a renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente, mas «a recapitalização da EDF efetuada pela Lei n.o 97‑1026 sem estabelecer uma distinção entre as provisões que foram reclassificadas como dotação de capital» (n.o 9 da petição e n.os 7 e 17 da réplica) ou «[…] uma medida de recapitalização de uma empresa da qual o Estado é acionista», que, «pela sua natureza, [o Tribunal Geral considerou que tendia a] demonstrar que “o Estado prosseguia um objetivo de investimento suscetível de ser comparado ao de um investidor privado”» (n.o 86 da petição inicial).

    107

    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro nem violou o caso julgado do acórdão proferido no processo T‑156/04 quando, após retomar o procedimento administrativo, analisou, na decisão impugnada, a aplicabilidade do critério do investidor privado à medida através da qual a República Francesa renunciou à cobrança do imposto na reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital (considerandos 117 e 188 e artigo 1.o da decisão impugnada), medida essa que, como recorda a Comissão, foi, além do mais, clara e inequivocamente identificada como a medida controvertida pela República Francesa na nota de 9 de abril de 2002, que esta enviou à Comissão (v. n.o 27, supra).

    108

    Por conseguinte, há que considerar improcedente o presente fundamento.

    B. Quanto ao segundo fundamento invocado a título principal

    109

    O segundo fundamento invocado pela EDF a título principal, através do qual esta alega, no essencial, que a Comissão considerou erradamente que o critério do investidor privado não era aplicável no caso em apreço, divide‑se em cinco partes.

    110

    Em apoio da primeira parte, a EDF alega que, quando a Comissão apreciou a aplicabilidade do critério do investidor privado, não tomou em consideração, injustificadamente, vários documentos e peças que lhe tinham sido transmitidos.

    111

    A segunda parte é relativa ao facto de a Comissão, em desrespeito pelo acórdão proferido no processo C‑124/10 P, ter confundido sistematicamente os elementos relativos à aplicabilidade do critério do investidor privado com os relativos à aplicação deste critério.

    112

    Na terceira parte, a EDF sustenta que a Comissão excluiu erradamente a aplicabilidade do critério do investidor privado pelo facto de a República Francesa ter nomeadamente tido em conta considerações relativas à sua qualidade de autoridade pública a par de considerações relativas à sua qualidade de acionista.

    113

    Em apoio da quarta parte, a EDF alega que a Comissão considerou erradamente que existia uma obrigação de dispor de um plano de negócios formal para justificar a aplicabilidade do critério do investidor privado.

    114

    Por último, em apoio da quinta parte, a EDF alega que, se a Comissão não tivesse cometido esses diversos erros de direito e de facto, só teria podido concluir pela aplicabilidade do critério do investidor privado, tendo em conta a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se inseria, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida estava sujeita.

    1.   Recapitulação da decisão impugnada

    115

    Após recordar o teor da medida controvertida nos considerandos 113 a 123 da decisão impugnada, a Comissão analisou, nos considerandos 126 a 154 desta, a aplicabilidade do critério do investidor privado a essa medida nos seguintes termos:

    «126.

    Para determinar a eventual aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, há que determinar, no âmbito de uma apreciação global, se a isenção fiscal foi concedida pela República Francesa na qualidade de acionista ou na qualidade de poder público. O Tribunal de Justiça discrimina, no seu acórdão de 5 de junho de 2012, vários elementos a ter em conta nessa apreciação global. Os elementos, que a seguir se examinam de forma mais ampla relativamente às circunstâncias em causa:

    em caso de dúvida, incumbe ao Estado‑Membro demonstrar, inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis, que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista; esses elementos devem evidenciar claramente que o Estado‑Membro em causa adotou prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica, a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na empresa pública controlada;

    podem, nomeadamente, ser exigidos elementos que demonstrem que essa decisão se baseia em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado‑Membro teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento; a Comissão pode recusar‑se a examinar elementos de prova elaborados depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão;

    a este respeito podem ser relevantes a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se insere, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida está sujeita;

    a aplicação do critério do investidor privado avisado deve permitir determinar se um investidor privado teria fornecido, em condições semelhantes, um montante igual ao imposto devido a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável à da EDF.

    127.

    Nas suas observações de 11 de dezembro de 2002, mencionadas no considerando 42, as autoridades francesas afirmaram que se teria considerado mais eficaz e neutro para a EDF afetar diretamente os direitos do concedente como fundos próprios no seu montante total, sem pagar o imposto sobre as sociedades. Contudo, nenhum dos documentos anteriores ou contemporâneos da alegada decisão de não cobrar imposto, apresentados pela [República Francesa] ou pela EDF em apoio das suas observações sobre a decisão de alargamento do procedimento, menciona direta ou indiretamente a alegada decisão de investimento, as suas consequências, vantagens e inconvenientes, nem a decisão análoga de aumentar o montante das dotações de capital através da não cobrança do imposto. Os documentos apresentados pelas autoridades francesas e mencionados nos considerandos 87 a 108 não mencionam nem, muito menos, analisam as vantagens e os inconvenientes para o Estado da decisão de não cobrar o imposto sobre as sociedades relativo à parte das provisões dos direitos do concedente reclassificada como dotação de capital da EDF ao abrigo da Lei n.o 97‑1026, de 10 de novembro de 1997.

    128.

    Incumbe à [República Francesa], em caso de dúvidas sobre a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, como as formuladas pela Comissão, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista. Ora, face aos elementos fornecidos, afigura‑se que se deve considerar que a decisão de proceder a um investimento renunciando à cobrança do imposto em princípio devido pela EDF foi tomada tacitamente, sem um ato jurídico fundamentado que permita conhecer ou verificar o conteúdo exato dessa decisão, as razões e a base jurídica em que se baseia e por que autoridade competente, e a data em que foi tomada. Face aos elementos aduzidos pelo Tribunal de Justiça para verificar a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, a saber, nomeadamente, a necessidade de dispor de elementos objetivos e verificáveis, uma medida efetivamente aplicada ou avaliações económicas prévias, a ausência de referências ou provas materiais deve ser encarada como um primeiro indício da não aplicabilidade desse princípio.

    129.

    Não havendo documentos comprovativos da alegada decisão, importa descrever a eventual medida de investimento que o Estado francês teria aplicado. Neste caso, o Tribunal de Justiça considerou que o critério do investidor privado avisado numa economia de mercado deve permitir determinar se um acionista privado teria injetado, em condições semelhantes, 5,88 mil milhões de FRF numa empresa que se encontrasse numa situação comparável à EDF. Um investimento por parte da [República Francesa] implicaria que esta renunciasse a esse montante tendo em vista a obtenção de um lucro superior aos recursos inicialmente utilizados. Por conseguinte, a análise deve ser feita em relação ao montante do imposto sobre as sociedades devido.

    130.

    Nesse aspeto, a ausência de estudos, referências ou análises específicas da rentabilidade do investimento no montante da isenção fiscal faz com que seja difícil isolar os efeitos do alegado investimento nas informações transmitidas pela [República Francesa] ou pela EDF. Não se trata, porém, de uma dificuldade inultrapassável, desde que se considere, ao analisar a maioria dos fatores pertinentes para verificar a aplicabilidade e a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, que a injeção de capital na EDF, equivalente ao imposto não cobrado, beneficiava dos direitos associados a todas as dotações. Deste modo, se as dotações fossem remuneradas a uma certa taxa, esta deveria ser e, de facto, foi aplicada ao montante de imposto não cobrado. Em contrapartida, nos casos em que se optou por considerar o efeito marginal ou incremental, as informações transmitidas pela [República Francesa] ou pela EDF não permitem concluir de imediato que o montante das dotações aumentou num valor equivalente ao imposto não cobrado.

    131.

    A não cobrança do imposto levou ao aumento da dotação de capital da EDF e, consequentemente, dos seus fundos próprios, no valor de 5,88 mil milhões de FRF suplementares, no cômputo total de 14,119 mil milhões de FRF de provisões reclassificadas. Estas provisões, que não correspondiam a uma injeção prévia de numerário do Estado acionista, foram reclassificadas como dotações de capital, transitando para a rubrica correspondente dos capitais permanentes da EDF, entre os outros capitais próprios (capital, dotações, etc. — Quadro 2). Sem a isenção fiscal, os fundos próprios da EDF, que deveriam atingir 79,8 mil milhões de FRF em 1997, não teriam ultrapassado os 72,1 mil milhões de FRF, segundo os documentos analisados na época (considerando 100, Quadro 2). Em vez de 50,7 mil milhões de FRF, as dotações do Estado injetadas no capital da EDF não excederiam 44,8 mil milhões de FRF.

    Alegada decisão de investimento: elementos de análise

    132.

    Em primeiro lugar, como salientam as autoridades francesas, uma vez que a integração do montante do imposto não pago aumentava a matéria coletável das dotações e que esta era remunerada a taxa fixa (3%), o valor absoluto da remuneração a pagar ao Estado foi aumentado pela isenção ou não cobrança do imposto (considerando 83). Todavia, o aumento da dotação de capital correspondente à isenção fiscal não se traduziu num aumento proporcional da remuneração do Estado. A este respeito, é ponto assente que a remuneração das dotações do Estado injetadas no capital da EDF está prevista desde o Decreto n.o 56‑1360, de 30 de dezembro de 1956 (considerandos 18 e 103). Foram, assim, previstas remunerações, aliás diferentes, nos contratos de empresa que precederam e se sucederam ao que estava em vigor no período de 1997‑2000, como indicado nos considerandos 93 e 102. O princípio de remuneração era preexistente à alegada decisão e manteve‑se depois desta.

    133.

    Além disso, o exame dos factos mostra que a isenção fiscal em causa pode ter reduzido a remuneração do investimento do Estado. O relatório elaborado pela Assembleia Nacional em setembro de 1997 mostra, sem ambiguidade, que o aumento do montante total da dotação levou à redução da remuneração da mesma para não “agravar os encargos da EDF” (considerando 103). O relatório do Senado corrobora esta redução pretendida pelos poderes públicos (considerando 108).

    134.

    Entre 1991 e 1996, a remuneração que a EDF pagou ao Estado em relação a um menor montante de dotações de capital foi melhor do que a prevista entre 1997 e 2000 em relação a um montante mais elevado. A remuneração média anual em valor absoluto, de 3,41 mil milhões de FRF, para o período de 1991‑1996 em que o montante das dotações era de 36,6 mil milhões de FRF, foi muito superior à remuneração de 2,35 mil milhões de FRF prevista para uma base de incidência alargada de 50,7 mil milhões de FRF, no período de 1997‑2000 (considerandos 92 e 102‑103, quadro 3). Daqui resulta que o rendimento marginal corrente do aumento do montante da dotação de capital, no valor de 5,88 mil milhões de FRF, esperado para o período de 1997‑2000 pelo Estado acionista, podia ser considerado negativo em comparação com o período de 1991‑1996.

    135.

    Na verdade, as autoridades francesas fizeram com que a remuneração absoluta e relativa paga ao Estado francês a título da dotação de capital diminuísse em valor absoluto e em valor relativo à medida que a base de incidência da dotação se fosse alargando, como os relatórios elaborados pela Assembleia Nacional e pelo Senado mostram inequivocamente. Por conseguinte, ao aumentar o montante da dotação total menos bem remunerada do que a dotação existente antes da Lei n.o 97‑1026, a decisão de conceder uma isenção fiscal não parece constituir necessariamente um investimento.

    136.

    Em segundo lugar, a forma de encarar e de fixar a remuneração do aumento das dotações de capital não é aquela que poderia captar um investidor privado avisado numa economia de mercado.

    137.

    Com efeito, como mostram as referências feitas, tanto nas cartas dos ministros de tutela como nos relatórios parlamentares mencionados nos considerandos 97, 103 e 106, as autoridades francesas, no exame realizado em 1997 da remuneração do Estado francês após a reestruturação do balanço da EDF, tomaram em consideração quer a remuneração das dotações de capital do Estado acionista stricto sensu, quer o montante de imposto que o Estado esperava cobrar a partir de 1997, após vários anos de reportes fiscais negativos que chegavam ao Estado na sua qualidade de poder público cobrador de impostos. Como se indica no considerando 93, a remuneração das dotações era, por sua vez, dedutível do imposto sobre as sociedades, em derrogação ao direito comum.

    138.

    O conceito examinado e validado pelas autoridades francesas em 1997 era, portanto, o da aplicação de uma imposição global à EDF, que cumulasse o imposto e a remuneração do acionista. O montante do imposto global cobrado à EDF, independentemente da isenção controvertida, que se refere às prerrogativas fiscais, e a remuneração paga ao Estado enquanto acionista estão muito misturados nos documentos transmitidos pelas autoridades francesas. No entanto, afirmam que esses documentos demonstram a existência de uma decisão de investimento. Pelo contrário, esta tomada em consideração sistemática do pagamento dos impostos devidos pela EDF ao Estado cobrador, incluindo através da regularização e do apuramento do imposto não recebido antes da Lei n.o 97‑1026, para examinar e estabelecer a remuneração do Estado acionista, parece indicar que foi pela ação do Estado enquanto poder público, e não como investidor, que a isenção fiscal controvertida foi concedida.

    139.

    Essa indicação é, aliás, reforçada pela natureza dos objetivos que o Estado fixou para a EDF em 1997, devido a preocupações e objetivos de poder público, e não de acionista. Tais preocupações estão patentes na fixação das tarifas da EDF, tal como foi acordada no contrato de empresa para o período de 1997‑2000, e da qual dependia a remuneração do Estado acionista. Com efeito, o Estado exigia que a EDF contribuísse para o reforço da competitividade da indústria francesa e do poder de compra das famílias francesas. Estas considerações são não só alheias às que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria adotado, mas também contrárias aos interesses financeiros desse investidor hipotético. O mesmo acontece com o objetivo fixado para a EDF no contrato de empresa 1997‑2000 de aplicar uma política ambiciosa de apoio à atividade económica e ao emprego, pondo‑se ao serviço das coletividades locais (considerandos 89 e 95).

    Avaliações económicas para determinar a rentabilidade do alegado investimento

    140.

    O contrato de empresa entre o Estado e a EDF assinado em 8 de abril de 1997 incluía avaliações prévias do cenário financeiro, entre as quais previsões da rentabilidade do investimento em dotações de capital da EDF para o Estado acionista (considerando 92). Estes documentos e as análises avançadas pelas autoridades francesas referem‑se aos efeitos esperados da reclassificação de todas as provisões constituídas pela EDF, independentemente de serem tributadas ou não e de terem ou não resultado da aplicação da Lei n.o 97‑1026. A única avaliação sistemática apresentada pelas autoridades francesas, contida na nota da EDF de 18 de fevereiro de 1997 (considerando 92), tem um caráter geral e limita‑se à remuneração regulamentar aplicada às dotações de capital, incluindo as anteriores à reestruturação do balanço da EDF, sem incluir, por exemplo, a remuneração do capital para além das dotações ou a remuneração dos fundos próprios.

    141.

    Nenhum documento transmitido pela [República Francesa] ou pela EDF demonstra que a decisão de investimento alegadamente tomada, ou seja, fornecer uma maior dotação de capital à EDF sem cobrar imposto sobre a reclassificação, tinha sido objeto de exame, estudos ou análises específicas. No entanto, tendo em conta os montantes em causa, um investidor privado avisado numa economia de mercado teria provavelmente efetuado uma análise financeira e económica do investimento antes de decidir se, tendo em conta a rentabilidade regulamentar das dotações de capital, o montante de 5,88 mil milhões de FRF da isenção fiscal era necessário para a empresa assegurar a rentabilidade a longo prazo do seu investimento total e para remunerar suficientemente o acionista. Este género de estudo económico prévio, que o Tribunal de Justiça menciona no ponto 84 do seu acórdão, entre os elementos que permitem concluir favoravelmente quanto à aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, não existe neste caso.

    142.

    É particularmente significativo constatar que, para além da remuneração que seria atribuída ao Estado no período de 1997‑2000, não foi efetuado qualquer estudo de remuneração nem de rendimento a mais longo prazo, quando a [República Francesa] alega precisamente ter feito um investimento a longo prazo. Ora, um investidor privado avisado numa economia de mercado não deixaria de proceder a uma análise da rentabilidade de um investimento para além do ano 2000.

    143.

    Embora seja razoável pensar que um tal investidor privado teria tido em conta os efeitos da redução da taxa de endividamento da EDF, importa observar que a vantagem para a EDF de contrair empréstimos a menor custo graças a um melhor rácio de endividamento sobre os fundos próprios é genericamente referida em alguns documentos apresentados pela [República Francesa] (considerandos 101 e 105) e pela EDF. Não há, porém, nenhum elemento que refira as vantagens e a rentabilidade para o Estado acionista de uma diminuição do custo de empréstimo da EDF ou de um menor rácio de endividamento. De acordo com as estimativas quantificadas efetuadas nessa época e apresentadas no considerando 101, o rácio entre a dívida líquida e os fundos próprios da EDF deveria chegar a 148% com a nova dotação de capital global, no valor de 50,7 mil milhões de FRF, incluindo os 5,88 mil milhões de FRF da isenção controvertida. Sem essa isenção fiscal, o rácio rondaria 163%, ou seja, cerca de três vezes menos do que o rácio de 480% anterior à Lei de n.o 97‑1026. Analisada isoladamente dos outros efeitos da reclassificação das diversas provisões, o contributo da isenção fiscal para a melhoria deste rácio é pouco significativo e a sua tradução concreta em termos de diminuição do custo de empréstimo para a EDF muito duvidosa (considerandos 170 a 172). Em todo o caso, os documentos apresentados pelas autoridades francesas não mencionam nem analisam como investimento nem a remuneração do acionista resultante de um rácio de 148% nem, muito menos, a resultante de um rácio de 163%. A este respeito, não há nenhuma avaliação económica prévia comparável às que um investidor privado avisado numa economia de mercado teria efetuado, como refere o Tribunal de Justiça no ponto 84 do seu acórdão.

    144.

    Nesse aspeto, o estudo económico apresentado pela EDF em apoio das suas observações (considerandos 69‑70) não prova que a [República Francesa] agiu como investidor e não como poder público. O estudo foi efetuado depois da alegada decisão de investimento tomada em 1997 e não foi examinado pelas autoridades competentes para tomar tal decisão. Essa é a única razão para que o estudo não possa ser admitido como prova, em conformidade com as indicações do Tribunal de Justiça (considerando 126, ponto 104 do acórdão de 5 de junho). O facto de o estudo ter sido baseado em dados autênticos disponíveis na época não basta para invalidar esta conclusão. O estudo foi propositadamente encomendado na sequência do alargamento do procedimento, em maio de 2013, e as conclusões a que ele iria chegar já eram aparentemente conhecidas pela EDF em julho de 2013, apesar de ser datado de outubro de 2013. Há ainda outras razões que invalidam os resultados quantificados a que o estudo chegou, privando assim de fundamento as conclusões que a EDF dele retira em apoio das suas observações, isto é:

    O estudo baseia‑se em dados que são, quase todos, dessa época e aplica abordagens metodológicas universalmente reconhecidas na avaliação do valor das empresas, com as importantes reservas a seguir formuladas. Contudo, não deixa de constituir uma avaliação económica particularmente complexa, após uma pesquisa de dados relativamente aprofundada, que demorou cerca de três meses a realizar e validar. Essa elaboração inclui escolhas metodológicas sucessivas e múltiplas, e que são, por vezes, contestáveis. Sem essa elaboração, é completamente impossível, a partir dos dados de base, dispersos e de proveniências diversas, formar uma ideia sumária ou uma previsão possível dos resultados quantificados quanto à rentabilidade que o Estado francês poderia alegadamente esperar em 1997, que o estudo apresenta. Ora, o Tribunal de Justiça exige que a aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado se baseie nas evoluções previsíveis no momento em que a decisão foi tomada (n.o 105 do acórdão de 5 de junho de 2012). Contrariamente às pretensões da EDF, o próprio facto de, a partir dos dados disponíveis em 1996‑1997, os serviços competentes do Estado francês não terem efetuado nem encomendado um estudo com essa amplitude e complexidade indica que as autoridades francesas não basearam a sua decisão na mera rentabilidade que o acionista podia esperar do alegado investimento;

    O estudo analisa o comportamento do Estado francês à luz do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado com base em informações e hipóteses muito diferentes das apresentadas nos considerandos 87 a 108 e que, segundo as autoridades francesas, motivaram e justificaram a decisão alegadamente tomada. Ora, não foi a EDF que tomou a decisão de investimento e, no entender do Tribunal de Justiça (n.os 82 e 83 do seu acórdão de 5 de junho de 2012), é à [República Francesa] que incumbe apresentar os elementos que evidenciem a natureza e o contexto da decisão tomada. Uma vez que a [República Francesa] alega que foi com base nas informações e nos dados apresentados que tomou a sua decisão, o estudo e, logo, a EDF, substituem‑se de facto ao alegado investidor e pretendem conhecer melhor do que o Estado francês as considerações e informações que teriam efetivamente motivado a decisão já tomada e as hipóteses que ele teria utilizado. Consequentemente, o estudo baseia‑se em especulações e conjeturas sobre os dados, informações e hipóteses que as autoridades francesas teriam podido tomar em consideração, entre outras que não podem ser excluídas, em 1997, e por isso não tem força probatória em 2015 (nem tinha em outubro de 2013, quando foi efetuado) para explicar e esclarecer a decisão efetivamente tomada pelas autoridades francesas em 1997 e que estas autoridades explicam com dados e hipóteses diferentes;

    Esse valor probatório está tanto mais ausente porquanto, para chegar aos resultados apresentados no considerando 70, o estudo se apoia em hipóteses quer arbitrárias ou arriscadas, quer não confirmadas pelos factos, quer ainda contrárias às informações constantes dos documentos apresentados pelas autoridades francesas e que, segundo estas, demonstram a aplicabilidade e a aplicação positiva, neste caso, do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado. Assim, em primeiro lugar, o estudo conjetura que, após 2000, a remuneração paga ao Estado acionista não seria regida por decreto e traduzida num contrato de empresa entre o Estado e a EDF, mas sim fixada por referência aos dividendos que outras empresas do setor pagavam em 1996‑1997. Ora, a remuneração das dotações de capital da EDF era regida por decreto desde 1956 (considerando 102) e foi fixada regulamentarmente e refletida nos contratos de empresa plurianuais antes de 1997 e muito depois dessa data, em função de considerações que nada tinham a ver com os dividendos pagos por empresas do setor que operavam noutros mercados que não a [República Francesa] (considerandos 94 e 95). Do mesmo modo, em segundo lugar, o estudo reintroduz, sem justificação, na conta de resultados da EDF, provisões provenientes das contas sociais da EDF num montante de 11,6 mil milhões de FRF (excluindo impostos) e 7,3 mil milhões [de FRF] (após imposto), aumentando artificialmente na mesma medida o valor da EDF, sem ter em conta as informações disponíveis e as evoluções previsíveis em 1997 no que respeita aos encargos a suportar pela EDF devido ao regime de pensões do seu pessoal (considerandos 168‑169);

    Em terceiro lugar, o aumento do valor da EDF resultante do crescimento dos rendimentos e resultados é calculado, no estudo, a partir das “expectativas de mercado” existentes em 1997. Ora, as autoridades francesas dispunham de projeções dos rendimentos e resultados específicas e quantificadas em relação à EDF, para o período de 1997 a 2000, validadas no âmbito da elaboração do contrato de empresa para o mesmo período, e afirmam ter‑se baseado nessas projeções e informações para tomarem a sua decisão (considerandos 78‑79, 90, 94, 96), além de possuírem, em 1997, um conhecimento aprofundado da empresa e das suas perspetivas financeiras (considerando 77). O recurso a “expectativas de mercado” por parte de terceiros para fazer uma estimativa do valor da EDF nestas condições nem está demonstrado nem é consentâneo com os argumentos avançados pela [República Francesa] para explicar e sustentar a decisão que as suas autoridades teriam alegadamente tomado. Acresce que as autoridades francesas afirmam que a atividade principal da EDF era exercida em França, com tarifas regulamentadas (considerando 85). Além disso, essas tarifas estavam fixadas num nível baixo, a fim de reforçar a competitividade da indústria francesa e o poder de compra das famílias francesas (considerandos 89 e 95). O estudo não consegue explicar, e muito menos justificar validamente, por que razão a remuneração, os dividendos e os resultados de empresas constituídos em sociedades anónimas cotadas em bolsa, sem uma presença significativa em França e que operavam em mercados com condições concorrenciais e regulamentares diferentes (por exemplo, a Endesa, a Gas Natural e a Union Fenosa em Espanha, a RWE, a EON e a Verbund na Alemanha, a Fluxys na Bélgica, etc.), podiam determinar os resultados, a remuneração e os dividendos da EDF, uma das hipóteses de que dependem os resultados apresentados no considerando 70;

    Finalmente, em quarto lugar, o estudo afirma, sem qualquer justificação, que um aumento da dotação de capital da EDF em 1997 equivalia à aquisição de um ativo financeiro líquido, pelo menos potencialmente. Porém, em 1997 a EDF era um estabelecimento público industrial e comercial, não dotado de capital social (considerando 19), e em relação ao qual as autoridades francesas e a EDF afirmavam, na época, que manteria o mesmo estatuto no futuro (considerandos 95 e 105). O caráter arriscado desta afirmação, todavia decisiva para os resultados do estudo, é mais circunstanciadamente demonstrado nos considerandos 179 a 181.

    Natureza e objeto da medida, contexto em que ela se insere e regras a que está sujeita

    145.

    O Tribunal sublinha que a natureza da medida tomada é um dos elementos pertinentes a ter em conta para constatar a aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia do mercado (ponto 86 do acórdão). A decisão de injetar um montante suplementar de dotação de capital na EDF, sem cobrar imposto sobre a reclassificação das provisões irregulares referentes à RAG, é, simultaneamente, uma decisão contabilística de reafetação entre rubricas do balanço da EDF (considerandos 100 e 105) e uma decisão de caráter fiscal, visto que as autoridades competentes consideram que o imposto sobre as sociedades devia ser cobrado antes da reclassificação (considerando 35), mesmo tendo sido pago imposto sobre outras provisões contabilísticas reclassificadas. Não está, por conseguinte, provado, ao contrário do que alegam as autoridades francesas, que estas duas vertentes, contabilística e fiscal, se encontrem indissociavelmente ligadas numa única medida adotada pela Lei n.o 97‑1026, de 10 de novembro de 1997.

    146.

    O artigo 4.o, n.o 2, da lei dispunha que o contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da RAG constantes do passivo do balanço da EDF devia ser inscrito, excluídas as diferenças de reavaliação correspondentes, na rubrica “Dotações de capital” (considerando 28). Poderia deduzir‑se desta disposição que a lei previa que, salvo eventuais diferenças da avaliação, nenhuma reorganização contabilística ou fiscal devia reduzir o montante do contravalor a inscrever como dotação no capital da EDF. Todavia, nos termos do artigo 34.o da Constituição [da República Francesa] a decisão de cobrar ou não o imposto à EDF não é do domínio da lei, pelo que a Lei n.o 97‑1026 não podia decidir validamente sobre essa questão. Esse artigo limita as competências legislativas do Parlamento em matéria fiscal à fixação da matéria coletável, da taxa e das modalidades de cobrança das imposições de todos os tipos. A EDF pagou, assim, o imposto das sociedades relativo a certas provisões contabilísticas, mas não a outras, na sequência da mesma operação de reclassificação efetuada pela lei.

    147.

    Os documentos preparatórios apresentados pelas autoridades francesas e mencionados no considerando 104 mostram, aliás, que o Conselho de Estado entendia, em 1997, que as disposições de natureza não legislativa deviam ser retiradas do texto do projeto de lei; além disso, um projeto de alteração do projeto de lei do Governo que visava limitar os pagamentos que o Estado podia exigir à EDF nos termos da lei, foi igualmente retirado. Por último, os ministros responsáveis consideraram, em abril de 1997, que as normas de execução da reestruturação da EDF a nível contabilístico e fiscal deviam ser objeto de conversações suplementares entre as autoridades de tutela e a empresa (considerando 98).

    148.

    Estes elementos, especificados e quantificados [na carta de 22 de dezembro de 1997], após a adoção da lei (considerando 31), indicam que os aspetos relativos à execução fiscal são dissociáveis das disposições da Lei n.o 97‑1026, de 10 de novembro de 1997. Estes ministros, na carta enviada à EDF, explicam a reestruturação dos capitais permanentes da EDF, em aplicação do artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026 de 10 de novembro de 1997, e parecem decidir tacitamente as consequências fiscais dessa reestruturação, sem qualquer menção a um investimento rentável[,] ou a disposições imperativas da lei.

    149.

    Quanto ao contexto da medida, que o Tribunal de Justiça refere como um dos elementos pertinentes para apreciar a eventual aplicabilidade do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, as reuniões preparatórias e os documentos de apoio relativos a esse período, que conduziram ao contrato de empresa entre o Estado e a EDF, assinado em 8 de abril de 1997, mostram que a reclassificação das provisões se inseria no contexto da próxima liberalização parcial dos mercados de eletricidade na União, decidida desde 1996. Além disso, o desejo de internacionalizar adicionalmente as atividades da EDF está presente no contrato de empresa 1997‑2000 e nos documentos preparatórios, tal como nos documentos parlamentares. O próprio contrato de empresa pressupõe que, para ser executado, é necessária uma medida legislativa de regularização, como a prevista na Lei n.o 97‑1026, estabelecendo desse modo uma continuidade de facto entre os objetivos do contrato e os do legislador. Todavia, nem o contrato celebrado em abril de 1997, nem os documentos preparatórios e a correspondência com as autoridades de tutela da EDF tomam posição sobre o montante exato do imposto.

    150.

    Este contexto, descrito pelos elementos expostos pela [República Francesa] nas suas observações, não permite porém determinar com certeza que a medida corresponde ao comportamento de um acionista que efetua um investimento. Com efeito, a necessidade de corrigir as irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas [francês] em outubro de 1994 também faz parte deste contexto. Enquanto, por um lado, se procurava corrigir uma irregularidade contabilística que tinha permitido que a EDF não pagasse o imposto sobre as sociedades durante anos, as autoridades francesas sublinhavam que o dispositivo não poria em causa o monopólio da EDF (considerando 105) e que se deveria manter o quadro estável permitido pela liberalização do mercado (considerando 95). É verdade que a liberalização abria perspetivas de expansão nos mercados nacionais de outros Estados‑Membros e que, no contrato de empresa para 1997‑2000, estavam previstas ações destinadas a promover uma maior internacionalização da EDF. Nem por isso é menos certo que a preocupação dos poderes públicos em beneficiar as empresas nacionais através de medidas de apoio financeiro, no limiar de uma liberalização, não se limita às empresas públicas, nem caracteriza o comportamento de um acionista avisado de uma empresa pública.

    151.

    Por último, o Tribunal de Justiça afirma que o exame das regras a que a medida controvertida está sujeita é pertinente para determinar o seu caráter, quer de investimento do Estado acionista quer de prerrogativa de poder público. A classificação da medida numa ou noutra destas categorias pode ter, portanto, em conta o respeito pelas regras que lhe são aplicáveis. Importa examinar, assim, as regras aplicáveis ao investimento de recursos fiscais em empresas como a EDF. Na medida em causa, o produto do imposto sobre as sociedades não cobrado seria inscrito nas receitas gerais do orçamento do Estado francês em 1997. Como previa o artigo 18.o do Decreto‑Lei n.o 59‑2, de 2 de janeiro de 1959, que estabelece uma lei orgânica relativa às leis de finanças, aplicável à data dos factos, o conjunto das receitas que permitem executar o conjunto das despesas, todas as receitas e todas as despesas do Estado são imputadas a uma única conta, denominada orçamento geral. Em consequência, as receitas do imposto são inscritas no orçamento e em proveito do Estado, e não em proveito das empresas públicas.

    152.

    Este orçamento está sujeito ao princípio constitucional da universalidade, por força do qual todas as receitas e todos os créditos são inscritos em dois blocos distintos, sem que seja estabelecida qualquer ligação particular, por exemplo, entre uma receita do imposto sobre as sociedades e uma despesa tal como uma dotação de capital em benefício de uma empresa pública como a EDF. É certo que a pré‑afetação de um recurso fiscal a uma pessoa coletiva que não o Estado, a título de subvenção ou de investimento, é possível no direito francês, desde que essa afetação seja objeto de disposições expressas. O artigo 18.o do Decreto‑Lei n.o 59‑2 dispunha assim que, à parte os empréstimos e adiantamentos, nomeadamente, a afetação de receitas do Estado é excecional e só pode resultar de uma disposição de lei de finanças, de iniciativa governamental.

    153.

    Ora, a [Lei n.o 97‑1026] não era uma lei de finanças e, por isso, não podia afetar um recurso fiscal ao capital da EDF. Por outro lado, não se afigura que tenham sido adotadas disposições específicas de iniciativa governamental, em matéria de legislação financeira aplicável ao orçamento de 1997, para pré‑afetar o produto do imposto devido pela EDF às despesas do Estado francês a título de um investimento no capital da EDF, no âmbito do mesmo orçamento. Esta regra, que possibilita o investimento de um recurso fiscal cujo beneficiário é o Estado numa pessoa coletiva distinta do Estado, como a EDF, não parece, assim, ter sido aplicada.

    154.

    A esmagadora maioria dos elementos atrás referidos indic[a] claramente que a [República Francesa] não tomou, previamente ou simultaneamente à concessão da vantagem económica resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades, a decisão de proceder, através da isenção fiscal, a um investimento na EDF. Em consequência, o princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado não parece ser aplicável a esta medida. As considerações seguintes, a respeito da aplicação do princípio do investidor privado avisado numa economia de mercado, revestem‑se, portanto, de um caráter subsidiário.»

    2.   Considerações preliminares

    116

    Há que recordar que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar, no essencial, nos considerandos 113 e seguintes da decisão impugnada, que lhe competia analisar se o critério do investidor privado era aplicável à medida controvertida claramente identificada como a renúncia ao imposto sobre os direitos do concedente por parte da República Francesa, tal como descrito na nota de 9 de abril de 2002 (v. n.o 107, supra).

    117

    Por conseguinte, há que considerar, desde logo, improcedentes as várias alegações reiteradas pela EDF em apoio do seu segundo fundamento, de acordo com as quais a Comissão não devia ter analisado essa renúncia à cobrança do imposto, mas sim a medida de recapitalização da EDF sem estabelecer uma distinção entre as provisões que foram reclassificadas como capital.

    3.   Quanto à primeira parte

    a)   Argumentos das partes

    118

    Em apoio da primeira parte do segundo fundamento apresentado a título principal, a EDF alega, no essencial, que a Comissão, em violação do seu dever de tomar em consideração todos os elementos de facto e de direito relevantes na sua análise, tanto na fase da apreciação da aplicabilidade do critério como na da apreciação da sua aplicação, limitou‑se a basear‑se nas informações e nos elementos transmitidos pela República Francesa e ignorou os que ela própria lhe transmitira, o que a Comissão justifica com alegadas contradições entre os documentos fornecidos pelo Estado francês e os transmitidos pela EDF.

    119

    A EDF reconhece, no entanto, que «a Comissão referiu, de forma incidental, os elementos que lhe [tinham] sido transmitidos pela EDF» e remete, a este respeito, para o considerando 66 da decisão impugnada, que refere «cerca de quarenta documentos dessa altura, que a EDF junt[ou] aos seus articulados».

    120

    A EDF alega, no entanto, que cerca de quarenta documentos contemporâneos dos 53 que forneceu à Comissão não são referidos na decisão impugnada e, por conseguinte, não foram analisados, sem que a Comissão explique por que razão são contraditórios com os documentos transmitidos pela República Francesa ou não são pertinentes.

    121

    Nestas condições, é incontestável que os únicos elementos que foram analisados no caso em apreço pela Comissão são os transmitidos pela República Francesa, o que demonstra que a Comissão recusou voluntariamente analisar os documentos transmitidos pela EDF, em violação do seu dever de diligência.

    122

    A EDF sustenta igualmente que determinados elementos revelados por alguns dos documentos que transmitiu à Comissão demonstram que, se estes tivessem sido tomados em consideração, a Comissão teria chegado a conclusões diferentes daquelas a que chegou na decisão impugnada. Refere, a este respeito, elementos constantes do documento n.o 18 (carta da EDF ao Ministro da Economia, relativa ao regime contabilístico e fiscal da EDF), do documento n.o 20 (vade‑mécum da reunião de 27 de outubro de 1995, realizada no Ministério das Finanças), do documento n.o 22 (carta dirigida pela EDF ao Ministério da Economia, das Finanças e do Plano, que contém um anexo intitulado «Reorganização do balanço da EDF em 31‑12‑1994»), do documento n.o 23 (carta da EDF, dirigida ao Ministério do Orçamento, que contém um anexo intitulado «Proposta de reestruturação do balanço da EDF»), do documento n.o 32 (carta do Ministro da Economia e das Finanças e do Ministro da Indústria, dos Correios e das Telecomunicações), indicando, todavia, que este documento foi tomado em consideração na referida decisão, dos documentos n.os 50 a 56 (pareceres de agências de notação contemporâneos, tomados em consideração no estudo da Oxera de 2013) e do documento n.o 57 (estudo intitulado «Pan‑European utilities»), estando estes documentos enumerados no quadro que consta do n.o 77 da petição.

    123

    A EDF acrescenta que as afirmações da Comissão no sentido de que tomou em consideração esses documentos são falsas e que os únicos dois documentos citados na decisão impugnada apresentados como documentos que a EDF lhe forneceu são, na realidade, documentos também transmitidos pela República Francesa.

    124

    A EDF considera que a Comissão não pode afirmar que a mera decisão de não considerar os documentos por ela transmitidos constitui, por si só, a prova de uma análise aprofundada.

    125

    A EDF entende que os acórdãos de 16 de março de 2016, Frucona Košice/Comissão (T‑103/14, EU:T:2016:152), e de 26 de maio de 2016, França e IFP Énergies nouvelles/Comissão (T‑479/11 e T‑157/12, objeto de recurso, EU:T:2016:320), corroboram as suas alegações, de acordo com as quais, no essencial, compete à Comissão tomar em consideração qualquer elemento relevante, mesmo que este não tenha sido transmitido ao autor da medida, ou seja, ao Estado‑Membro em causa.

    126

    Além disso, a EDF alega que uma leitura objetiva e imparcial dos documentos referidos no n.o 80 da petição demonstra claramente que a medida em causa é efetivamente a decisão da sua recapitalização, identificada, por exemplo, no seu entender, no documento n.o 20, que transmitiu à Comissão.

    127

    Por último, no âmbito das observações que apresentou na sequência do acórdão Frucona Košice, a recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que, de acordo com este acórdão, visto a Comissão ser obrigada a tomar em consideração todos os elementos relevantes, correndo o risco de ir além dos elementos fornecidos pelo Estado e de ignorar a opinião subjetiva do Estado, não podia, por conseguinte, ignorar os elementos que lhe tinham sido transmitidos pelo Estado e pela EDF.

    128

    A República Francesa alega, em apoio da argumentação da EDF, que os considerandos 87 a 108 da decisão impugnada se limitam a descrever os nove documentos que foram anexados às observações das autoridades francesas enviadas à Comissão em 1 de julho de 2013, mas não explicam as razões pelas quais esses documentos levam a Comissão a concluir que o critério do investidor privado não era aplicável no caso em apreço.

    129

    A República Francesa apresenta um quadro (anexo 10 do articulado de intervenção) no qual faz um levantamento comentado dos documentos apresentados por ela e pela EDF e que a Comissão não teve em conta, quando, no seu entender, esses documentos continham elementos essenciais para a apreciação da aplicabilidade do critério no caso em apreço.

    130

    A este respeito, a República Francesa refere três exemplos.

    131

    Em primeiro lugar, a República Francesa cita uma carta de 19 de fevereiro de 1997, enviada pelo diretor financeiro da EDF ao chefe do serviço de financiamentos e participações, serviço dependente do Ministério das Finanças francês, que a Comissão se limita a referir nos considerandos 88 e 91 da decisão impugnada, sem a ter em conta no seu raciocínio, quando essa carta demonstra que, no âmbito da elaboração do contrato de empresa 1997‑2000, celebrado entre o Estado francês e a EDF em 8 de abril de 1997 (a seguir «contrato de empresa»), o referido Estado analisara a remuneração que receberia como acionista no período de 1997‑2000, baseando‑se, nomeadamente, em considerações económico‑financeiras. De facto, essa carta expõe as projeções que se baseiam nos pressupostos do referido contrato de empresa (evolução das tarifas, modalidade de remuneração do Estado acionista, objetivos de investimento e de desendividamento).

    132

    Em segundo lugar, a República Francesa refere uma nota de análise da EDF, de 27 de julho de 1996, transmitida ao Senado francês a pedido deste em 15 de setembro de 1997 e que a Comissão se limita a referir no considerando 88 da decisão impugnada, quando essa nota demonstra que, na adoção da medida em causa, as preocupações do Estado francês eram as de um acionista público. Essa nota analisa, em especial, as perspetivas de remuneração do acionista público à luz do balanço das empresas europeias do setor.

    133

    Em terceiro lugar, a República Francesa cita a carta enviada em 26 de dezembro de 1995 pela EDF ao Ministério da Economia, das Finanças e do Plano francês, que contém um anexo intitulado «Reorganização do balanço da EDF em 31‑12‑1994», que não foi tida em conta pela Comissão na decisão impugnada e que inclui análises contabilísticas que demonstram que a reestruturação do capital da EDF e as suas consequências foram analisadas em pormenor pelo Estado francês desde 1995.

    134

    A Comissão contesta esta argumentação.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    135

    A EDF alega, no essencial, que, na sua apreciação da aplicabilidade do critério do investidor privado à medida controvertida, a Comissão, violando o seu dever de diligência, não tomou em consideração vários documentos que a EDF lhe transmitira e limitou‑se, sem outra explicação, a analisar os que a República Francesa lhe transmitira, quando os elementos revelados por esses documentos deviam tê‑la levado a concluir que o referido critério era aplicável.

    136

    Em primeiro lugar, deve recordar‑se que, se um Estado‑Membro invocar o critério do investidor privado durante o procedimento administrativo, incumbe‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista e assenta em avaliações económicas prévias que se revelem necessárias (v., neste sentido, acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.os 82, 85 e 104).

    137

    Em segundo lugar, importa recordar que o dever de diligência que é inerente ao princípio da boa administração e se aplica, de modo geral, à atuação da administração da União nas suas relações com o público exige que a mesma atue com rigor e prudência (acórdão de 4 de abril de 2017, Médiateur/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 34).

    138

    Nos casos em que as instituições da União dispõem de poder de apreciação, o respeito pelas garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. De entre essas garantias constam, nomeadamente, a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso, o direito de o interessado dar a conhecer o seu ponto de vista, bem como o direito a uma fundamentação suficiente da decisão. Só assim o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral podem verificar se os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do poder de apreciação estão reunidos (acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14).

    139

    Além disso, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa aos princípios em matéria de administração da prova no setor dos auxílios de Estado, a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de forma diligente e imparcial, de modo a dispor, na adoção de uma decisão final que conclua pela existência e, se for caso disso, pela incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis para tal (v. acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 63 e jurisprudência aí referida).

    140

    Em terceiro lugar, importa igualmente recordar que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada pelo juiz da União em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (acórdãos de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 54, e de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 91).

    141

    Em quarto e último lugar, embora, no âmbito do controlo dos auxílios de Estado o Estado‑Membro deva, por força do dever de cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, fornecer à Comissão os elementos que lhe permitam pronunciar‑se sobre a natureza de auxílio de Estado da medida em causa, a Comissão é obrigada, por força do seu dever de exame diligente e imparcial, a examinar cuidadosamente os elementos que lhe sejam fornecidos pelo Estado‑Membro. Em conformidade com o espírito do procedimento formal de exame, que atribui aos interessados o papel de fontes de informação da Comissão, essa obrigação impõe‑se igualmente à Comissão no que diz respeito às informações que lhe tenham sido apresentadas pelos interessados (v. acórdão de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 112 e jurisprudência aí referida).

    142

    No caso em apreço, é pacífico que a República Francesa invocou o critério do investidor privado desde o procedimento administrativo (v. considerando 95 da decisão inicial, n.o 31, supra). Por conseguinte, incumbia‑lhe demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos que a medida aplicada decorria da sua qualidade de acionista e assentava em avaliações económicas prévias necessárias (v., neste sentido, acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.os 82, 85 e 104).

    143

    A recorrente, apoiada pela República Francesa, acusa a Comissão, no âmbito desta primeira parte, de não ter tomado em consideração todos os elementos de prova por ela apresentados pela EDF a este respeito e de se ter limitado a analisar a totalidade ou parte dos apresentados pela República Francesa.

    144

    Há que observar, desde logo, que as alegações da EDF têm um caráter extremamente genérico e são particularmente pouco pormenorizadas no que respeita à identificação dos elementos alegadamente importantes, constantes dos documentos que apresentou à Comissão e que esta não terá tomado em consideração.

    145

    Com efeito, a EDF limita‑se a apresentar, no n.o 77 da petição, um quadro no qual elabora uma lista de 50 documentos (e não de 53 como afirma no n.o 78 da petição inicial) que transmitiu à Comissão. Indica, a propósito de dez desses documentos, que lhes é feita referência na decisão impugnada e limita‑se a alegar, quanto aos restantes, que não são referidos nem foram, a fortiori, analisados pela Comissão. Por conseguinte, foram excluídos sem justificação, quando incumbia à Comissão tomar em consideração todos os elementos de facto e de direito relevantes.

    146

    Em seguida, no n.o 80 da petição, a EDF refere «determinados elementos rejeitados sem fundamentação», que, constando de documentos juntos ao anexo A‑7 da petição, deviam, na sua opinião, ter levado a Comissão a considerar que o critério do investidor privado era aplicável à medida controvertida:

    «Documento [n.o]18: “Melhor arbitragem entre as funções de acionista proprietário, de regulador e de concedente”;

    Documento [n.o]20: “capitalizar a EDF transformando os direitos do concedente e as provisões para a renovação associadas em capital e consolidando as dotações de capital, de modo a definir uma base permanente de remuneração do acionista”;

    Documento [n.o]22: “Proposta de evolução do balanço da EDF em 31‑12‑1994, RAG em capitais próprios, reorganização dos direitos do concedente [de distribuição pública]”;

    Documento [n.o] 23: “Reestruturação dos capitais próprios no passivo do balanço” (v. n.os 1.1, 1.2 e 1.3);

    Documento [n.o]32: “Objetivo ambicioso de remuneração do Estado”;

    Documentos [n.os]50‑56: relatórios de agência de notação sobre o desempenho e as perspetivas das empresas utilizadas como elementos de comparação na análise efetuada pela Oxera (elaborada em 2013). Estes documentos fornecem elementos sobre o contexto económico na Europa, bem como uma descrição das medidas tomadas pelas empresas para fazer face a essas novas perspetivas. Trata‑se de elementos importantes que a Comissão ignorou sem justificação.

    Documento [n.o]57: “Morgan Stanley, pan‑European utilities”: este documento contemporâneo essencial, que expõe claramente a metodologia e as considerações que teriam sido adotadas por um investidor privado, foi inexplicavelmente ignorado pela Comissão.»

    147

    Daqui a EDF conclui que a Comissão excluiu intencionalmente documentos que contrariavam a sua tese, sem qualquer justificação.

    148

    Em primeiro lugar, a Comissão não pode ser obrigada, por força do seu dever de diligência, acima recordado no n.o 138, a referir ou a tomar posição, na decisão impugnada, sobre cada um dos documentos que lhe foram transmitidos pela EDF e cuja relevância esta continua sem demonstrar no que respeita à análise que competia à Comissão efetuar.

    149

    Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o seu dever de diligência a esse respeito.

    150

    Além disso, e na medida em que a EDF sustenta igualmente que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que é adotado. A fundamentação deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, de modo a permitir, por um lado, ao juiz da União, exercer a sua fiscalização de legalidade e, por outro, aos interessados, conhecerem as justificações da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não correta. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve ser apreciada tendo em conta não apenas o seu teor, mas também o seu contexto e o conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na sistemática da decisão (v. acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57 n.os 278 a 280).

    151

    Daqui decorre que também não incumbia à Comissão, por força do seu dever de fundamentação, tomar posição, na decisão impugnada, sobre cada um dos documentos que lhe foram transmitidos pela EDF.

    152

    Por conseguinte, a argumentação da EDF, na medida em que incide sobre uma eventual falta de fundamentação, também não pode ser acolhida.

    153

    Em segundo lugar, quanto aos documentos referidos pela EDF no n.o 80 da petição, a propósito dos quais invoca «elementos» que terão sido ignorados ou negligenciados pela Comissão, há que observar, por um lado, que as citações, no mínimo lacónicas, invocadas pela EDF não se referem à medida controvertida analisada pela Comissão, mas, quando muito, à medida tal como interpretada erradamente pela EDF, ou seja, a recapitalização da EDF. Por outro lado, mesmo lidos na íntegra, nenhum dos documentos referidos alude, ainda que indiretamente, à medida controvertida. Assim, a argumentação da EDF carece de base factual.

    154

    Além disso, importa observar que a EDF não apresenta qualquer elemento de explicação que permita compreender em que medida os «elementos» que invoca no n.o 80 da petição são suscetíveis de inverter de forma radical, como sustenta, ou mesmo alterar, a análise da aplicabilidade do critério do investidor privado efetuada pela Comissão.

    155

    Em terceiro lugar, há que salientar, como alega a Comissão, que, embora esta não se refira expressamente a todos os documentos citados pela EDF, a verdade é que os elementos invocados por esta e que terão alegadamente sido ignorados foram efetivamente tomados em consideração na decisão impugnada.

    156

    Com efeito, a clarificação dos diferentes papéis do Estado francês, acionista, proprietário e regulador (anexo A‑7‑18 da petição), e o objetivo «ambicioso» de remuneração do Estado (anexo A‑7‑32 da petição) são evocados no considerando 89 e no considerando 95, terceiro travessão, da decisão impugnada.

    157

    A operação de recapitalização da EDF, que associa uma base de remuneração do Estado acionista (anexo A‑7‑20 da petição), as propostas de evolução do balanço (anexo A‑7‑22 da petição), bem como a reestruturação dos capitais próprios da EDF (anexo A‑7‑23 da petição) são descritas, nas modalidades da operação adotadas pela República Francesa, nos considerandos 25 a 30 e 100 a 103 da decisão impugnada.

    158

    Os trabalhos efetuados e as reuniões realizadas desde 1995 entre a EDF e as respetivas autoridades de tutela, dos quais provêm os documentos referidos pela EDF no n.o 80 da petição, são referidos nos considerandos 28, 89 e 90 da decisão impugnada, tendo a Comissão dado mais importância às conclusões do que à forma como se desenrolaram, o que não pode ser criticado.

    159

    Por outro lado, quanto aos relatórios de agência de notação tomados em consideração na realização do estudo da Oxera (anexo A‑7‑50 a A‑7‑56 da petição), relatórios sem dúvida contemporâneos, ao contrário do estudo da Oxera, que data, por seu turno, de 2013, deve salientar‑se que não dizem respeito especificamente à EDF, e muito menos à medida controvertida.

    160

    O primeiro relatório proveniente de uma agência de notação intitula‑se «Rating methodology — European electric utilities» e diz respeito a uma análise de caráter geral do setor, em mutação em 1999. Não contém nenhuma análise específica da situação contabilística e fiscal da EDF resultante da estrutura do seu balanço e das provisões para a renovação. Não refere sequer uma recapitalização da empresa, nem uma reestruturação do seu balanço. Apenas uma página, com o número 875, dos anexos à petição apresenta de forma esquemática algumas informações de caráter geral sobre a notação da empresa.

    161

    Os anexos A‑7‑51 a A‑7‑55 da petição são constituídos por cinco análises efetuadas por uma agência de notação respeitantes a outras empresas que não a EDF.

    162

    Estes diferentes relatórios não têm, portanto, qualquer utilidade para explicar a fundamentação ou mesmo para compreender a medida controvertida propriamente dita e constituem, quando muito, elementos contextuais nos quais o estudo da Oxera se baseia.

    163

    Quanto ao estudo da Oxera propriamente dito, elaborado em 2013, é apresentado com a respetiva avaliação no considerando 144, terceiro travessão, da decisão impugnada, pelo que foi efetivamente tido em conta pela Comissão.

    164

    Por último, quanto ao relatório de um banco que diz respeito a todo o setor europeu da energia e não, em especial, à EDF (anexo A‑7‑57 da petição), há que salientar que, no considerando 144, terceiro travessão, da decisão impugnada, a Comissão explica as razões pelas quais considerou que os dividendos pagos por outras empresas que não a EDF não serviram de referência para a remuneração paga ao Estado francês a título das dotações de capital da EDF, tendo sido efetivamente analisadas, de acordo com a própria República Francesa, outras considerações que justificaram a sua decisão (e remete, a este respeito, para os considerandos 87, 102, terceiro travessão, 107, oitavo travessão, e 161 da referida decisão).

    165

    Há que observar ainda que os três documentos referidos pela República Francesa no articulado de intervenção foram igualmente tomados em consideração pela Comissão.

    166

    Com efeito, importa observar, em primeiro lugar, que o conteúdo da carta do diretor financeiro da EDF, de 19 de fevereiro de 1997, sobre «as principais hipóteses do cenário financeiro associado ao contrato de empresa» é exposto nos considerandos 90 e 91 da decisão impugnada. Em nenhum momento essa carta evoca a medida controvertida e os elementos que contém não permitem concluir pela aplicabilidade do critério do investidor privado, o que, aliás, a Comissão explica nos considerandos 132 e seguintes da referida decisão.

    167

    Em segundo lugar, a nota de análise da EDF, de 27 de julho de 1996, apenas contém desenvolvimentos muito gerais sobre o comportamento dos reguladores e a remuneração dos acionistas do setor elétrico no estrangeiro, sem qualquer conclusão prática no que respeita à EDF.

    168

    Por último, em terceiro lugar, quanto à carta da EDF de 26 de dezembro de 1995 e, mais concretamente, ao seu anexo intitulado «Reorganização do balanço da EDF em 31‑12‑1994», importa referir o seguinte.

    169

    São anexados vários documentos à carta da EDF de 26 de dezembro de 1995. Em primeiro lugar, vários diagramas representam as posições no balanço, antes e depois da reclassificação, das «concessões de distribuição pública» (também denominadas concessões das autarquias locais), que são distintas da concessão da RAG, como comprovam os anexos A‑7‑23 e A‑7‑24 da petição, que mostram claramente o tratamento distinto desses dois tipos de concessão, também sucintamente evocado no relatório Migaud, relator‑geral, em nome da comissão das finanças, n.o 204 corrigido (a seguir «relatório Migaud») (anexo I‑8 do articulado de intervenção). Em segundo lugar, quanto às mesmas concessões, é apresentada uma «comparação entre o sistema contabilístico atual e o novo sistema proposto». Em terceiro lugar, são abordados os «financiamentos do concedente e do concessionário que serviram de base aos cálculos de caducidade e à determinação da respetiva parte de depreciação suportada por ambos», ainda a propósito das referidas concessões. Em quarto lugar, é apresentado um anexo intitulado «Reorganização do balanço em 31‑12‑1994». Este anexo divide‑se em três partes: da primeira consta «um balanço pormenorizado revisto de acordo com as últimas propostas da EDF em matéria de concessão e de reestruturação do balanço», no qual são distinguidas as concessões «F. H.» e as concessões de distribuição pública (no que diz respeito ao quadro que ilustra esta primeira parte, é certo que contém as alterações previstas no passivo do balanço na sequência da alteração do estatuto da RAG, semelhantes às ocorridas em 1997, mas, em contrapartida, as incidências fiscais da reclassificação das provisões utilizadas não são referidas); da segunda consta «o mesmo balanço, mas apresentado de forma a colocar em evidência as revisões relativas às concessões [de distribuição pública]»; da terceira consta «um terceiro quadro no qual são isoladas as rubricas do balanço relativas às concessões [de distribuição pública] (elementos sombreados do quadro anterior), de modo a colocar em evidência a lógica das revisões respeitantes às concessões [de distribuição pública]». Em quinto lugar, são apresentadas as «evoluções a longo prazo das contas de concessão [de distribuição pública] do balanço da EDF», com algumas projeções sucintas até 2015.

    170

    Por um lado, há que observar que a medida controvertida não é, de forma nenhuma, referida na carta da EDF de 26 de dezembro de 1995 e respetivos anexos.

    171

    Por outro lado, importa observar que a Comissão tomou em consideração os poucos elementos relevantes constantes da carta da EDF de 26 de dezembro de 1995 nos considerandos 25 a 30 e 100 a 103 da decisão impugnada, que refere, além disso, nos seus considerandos 26, 89 e 90, a existência de trabalhos e de reuniões desde 1995 entre o Estado francês e a EDF. Esses considerandos expõem de forma pormenorizada os aspetos contabilísticos e fiscais da medida controvertida, que, de resto, não se alega sequer estarem incorretos.

    172

    Por último, a Comissão não pode ser censurada por ter dado mais importância, na decisão impugnada, às conclusões dos diferentes trabalhos preparatórios da Lei n.o 97‑1026 entre a EDF e o Estado francês do que à forma como se desenrolaram, na medida em que os mesmos não revelam qualquer tomada em consideração da medida controvertida e dos seus alegados efeitos em termos de investimento.

    173

    Quanto ao restante, no que diz respeito ao quadro que consta do anexo 10 do articulado de intervenção e que apresenta extratos comentados de documentos que não terão sido tidos em conta, há que observar, sem que seja necessário conhecer da admissibilidade de tal remissão para um quadro que consta de um anexo ao articulado de intervenção, que nenhuma das passagens citadas ou dos comentários se refere à medida controvertida.

    174

    Os extratos acima referidos no n.o 173 dizem respeito, quando muito, ao contexto em que essa medida foi adotada, contexto esse que não se alega não ter sido tomado em consideração pela Comissão.

    175

    Em conclusão, a EDF não logrou provar que a Comissão não cumpriu o seu dever de diligência ao não analisar ou tomar em consideração os documentos que a EDF lhe transmitira, assim como não demonstra que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação.

    176

    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento invocado a título principal por carecer parcialmente de base factual e por ser, além disso, desprovido de qualquer fundamento.

    4.   Quanto à segunda parte

    a)   Argumentos das partes

    177

    Em apoio da segunda parte do seu segundo fundamento, relativa à confusão entre os elementos respeitantes à aplicabilidade do critério do investidor privado e os relevantes para a sua aplicação, a EDF recorda que a Comissão considerou que o critério do investidor privado não era aplicável no caso em apreço na medida em que a República Francesa «não tomou, previamente ou simultaneamente à concessão da vantagem económica resultante do não pagamento do imposto sobre as sociedades, a decisão de proceder, através da isenção fiscal, a um investimento na EDF».

    178

    Ora, segundo a EDF, a argumentação da Comissão baseia‑se em várias imprecisões na análise dos elementos de facto e de direito relevantes e ignora os ensinamentos dos acórdãos proferidos nos processos T‑156/04 e C‑124/10 P.

    179

    De acordo com a EDF, o Tribunal de Justiça considerou que a questão da aplicabilidade do critério do investidor privado dependia da qualidade em que o Estado agia, ou seja, na qualidade de acionista ou de poder público.

    180

    Além disso, sendo a medida em causa uma medida de recapitalização de uma empresa da qual o Estado é acionista, o Tribunal Geral considerou que, pela sua natureza, essa medida tendia a demonstrar que o Estado prosseguia um objetivo de investimento suscetível de ser comparado com o de um investidor privado.

    181

    Assim, a decisão impugnada ignora os ensinamentos do acórdão proferido no processo T‑156/04 no que respeita à tese da «oferta fiscal» e confunde, além disso, de forma quase sistemática, as condições relativas à aplicabilidade do critério com as relativas à sua aplicação.

    182

    A este respeito, a EDF alega que os considerandos 132 a 135 da decisão impugnada, relativos ao aumento da remuneração do Estado, dizem respeito à aplicação do critério e não à sua aplicabilidade, assim como os considerandos 140 a 144 da referida decisão, nos quais é abordada a questão da rentabilidade do investimento em causa.

    183

    Por último, a EDF acrescenta, por um lado, que os n.os 82 e 84 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P não têm o alcance que a Comissão lhes atribui e impõem que se relacione a aplicabilidade do critério com a qualidade em que o Estado‑Membro atuou e, por outro, que a rentabilidade da decisão de investimento é distinta da da qualidade em que o Estado‑Membro atuou e é abrangida pelo âmbito de aplicação do teste. Por conseguinte, a Comissão, ao afirmar o contrário, ignora o acórdão proferido no processo C‑124/10 P.

    184

    A República Francesa considera, por seu turno, que a Comissão devia ter começado por determinar, de forma autónoma, se a decisão de recapitalizar a EDF era uma decisão tomada pelo Estado enquanto acionista público ou enquanto poder público e, em seguida, devia ter analisado a questão da rentabilidade, que diz respeito, por seu turno, apenas à aplicação do critério.

    185

    A Comissão considera que esta argumentação é improcedente.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    186

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega, no essencial, que a Comissão confundiu sistematicamente a análise exigida no que respeita à aplicabilidade do critério do investidor privado com a relativa à aplicação desse critério.

    187

    A este propósito, a EDF alega o seguinte.

    188

    Por um lado, a EDF afirma que o Tribunal de Justiça considerou que a questão da aplicabilidade do critério do investidor privado dependia da qualidade de acionista ou de poder público em que o Estado agia. No seu entender, sendo a medida controvertida uma medida de recapitalização de uma empresa da qual o Estado é acionista, o Tribunal Geral declarou, no n.o 259 do acórdão proferido no processo T‑156/04, que, pela sua natureza, essa medida tendia a demonstrar que o Estado prosseguia um objetivo de investimento suscetível de ser comparado com o de um investidor privado.

    189

    Esta argumentação não pode proceder.

    190

    Com efeito, a medida controvertida não é, contrariamente ao que alega a EDF, uma medida de recapitalização dessa empresa, mas a renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente (v. n.os 106 e 107, supra). A argumentação em causa resulta, assim, de uma leitura errada dos acórdãos proferidos nos processos T‑156/04 e C‑124/10 P.

    191

    Além disso, há que observar que a argumentação em causa equivale, na realidade, a pretender que se reconheça que resulta dos acórdãos proferidos nos processos T‑156/04 e C‑124/10 P que, sendo a medida uma medida de recapitalização, foi, consequentemente, na qualidade de acionista que o Estado agiu, prosseguindo dessa forma um objetivo de investimento pela sua natureza comparável ao de um investidor privado, o que devia ter levado a Comissão a declarar o critério aplicável.

    192

    Ora, deve recordar‑se que os acórdãos proferidos nos processos T‑156/04 e C‑124/10 P não anteciparam a aplicabilidade do critério do investidor privado.

    193

    Pelo contrário, o Tribunal de Justiça esclareceu, no acórdão que proferiu no processo C‑124/10 P, que:

    «82.

    […] se, durante o procedimento administrativo, um Estado‑Membro invocar o referido critério, incumbe‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista.

    83.

    Esses elementos devem evidenciar claramente que o Estado‑Membro em causa adotou prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica […] a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na empresa pública controlada.»

    194

    Por outras palavras, não basta ao Estado alegar que tomou a decisão de proceder a um investimento e que a medida decorre da sua qualidade de acionista, pois incumbe‑lhe demonstrá‑lo inequivocamente e com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos.

    195

    Por conseguinte, a argumentação em causa resulta de uma leitura errada dos acórdãos proferidos nos processos T‑156/04 e C‑124/10 P.

    196

    Por outro lado, a EDF, apoiada pela República Francesa, afirma, no essencial, que a Comissão procedeu erradamente, no âmbito da análise da aplicabilidade do critério, a uma apreciação do aumento da remuneração do Estado francês, bem como da rentabilidade da medida (incorretamente qualificada pela EDF como «investimento»), quando estes critérios dizem efetivamente respeito, no seu entender, à aplicação do critério.

    197

    Ora, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão que proferiu no processo C‑124/10 P, que:

    «84.

    A este propósito, podem, nomeadamente, ser exigidos elementos que demonstrem que essa decisão se baseia em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado‑Membro teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento.

    85.

    Em contrapartida, avaliações económicas levadas a cabo depois da concessão da referida vantagem, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva do investimento efetuado pelo Estado‑Membro em causa ou justificações posteriores à escolha do procedimento efetivamente seguido não bastam para demonstrar que esse Estado‑Membro adotou, prévia ou simultaneamente a essa concessão, uma decisão desse tipo enquanto acionista (v., neste sentido, acórdão França/Comissão, já referido, n.os 71 e 72)».

    198

    Por conseguinte, a Comissão não pode ser censurada por ter dado importância, desde a fase da apreciação da aplicabilidade do critério, à rentabilidade do alegado investimento.

    199

    Assim, a segunda parte do segundo fundamento apresentado a título principal deve ser considerada improcedente na sua totalidade.

    5.   Quanto à terceira parte

    a)   Argumentos das partes

    200

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega, em apoio da terceira parte do segundo fundamento invocado a título principal, que a Comissão considerou erradamente que o critério do investidor privado não era aplicável ao caso em apreço pelo facto de a República Francesa ter confundido a sua qualidade de poder público com a de investidor, ou seja, ter adotado a medida com fundamento, simultaneamente, em considerações relativas à sua qualidade de acionista e em considerações relativas à sua qualidade de poder público, como demonstra, de acordo com a Comissão, o emaranhado de considerações relativas à remuneração do Estado e de outras relativas ao montante do imposto devido na sequência da reestruturação do balanço da EDF nos documentos transmitidos pelas autoridades francesas.

    201

    A EDF considera que este argumento assenta simultaneamente em erros factuais decorrentes de uma leitura seletiva e tendenciosa dos documentos, e num erro de direito relativo à própria natureza do critério do investidor privado.

    202

    Relativamente aos erros factuais, a EDF considera que muitos documentos, e refere mais concretamente os documentos n.os 23 a 25 que juntou às suas observações transmitidas à Comissão em julho de 2013 (anexos A‑7‑23 a A‑7‑25 da petição), demonstram que os efeitos da reestruturação prevista no seu balanço sobre o imposto por ela devido foram analisados em paralelo, mas de forma distinta, com as consequências na remuneração do Estado acionista, e não revelam qualquer emaranhado das considerações fiscais e de investimento que orientaram o Estado.

    203

    Quanto ao erro de direito, a EDF alega que, nos considerandos 137 a 139 da decisão impugnada, a República Francesa é acusada, na verdade, de ter analisado os efeitos da reestruturação do seu balanço sobre a situação da empresa em matéria fiscal e, portanto, sobre as deduções de impostos futuros, tal como podiam ser previstos na altura, apesar de ter efetuado, é certo, essa análise, mas de forma paralela e distinta da análise das consequências em termos de remuneração do Estado acionista. A República Francesa acrescenta que tal abordagem está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Geral (acórdão de 24 de setembro de 2008, Kahla/Thüringen Porzellan/Comissão, T‑20/03, EU:T:2008:395).

    204

    Assim, de acordo com a EDF, a argumentação da Comissão revela um desrespeito pela natureza do critério do investidor privado e conduz a uma rutura da igualdade de tratamento entre o Estado e esse investidor. A razão de ser do critério é, com efeito, permitir estabelecer uma distinção entre as decisões que o Estado pode adotar enquanto investidor e as que pode tomar enquanto poder público, mas a aplicabilidade do critério não pode ser negada pelo facto de as primeiras poderem coexistir com as segundas. Tal raciocínio da Comissão revela, uma vez mais, o formalismo excessivo que conduziu à sua condenação pelo Tribunal Geral.

    205

    O critério do investidor privado apenas pode ser excluído se o Estado tiver agido apenas na qualidade de poder público, mas, se tiver tido em conta vários fatores na sua decisão de investimento, o critério é não só aplicável, mas também indispensável para distinguir entre os fatores de natureza económica, que são relevantes à luz das regras em matéria de auxílios estatais, e os outros, como ilustra a Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] (JO 2016, C 262, p. 1).

    206

    De acordo com a EDF, a única questão que a Comissão devia ter analisado é a de saber se um investidor privado, numa situação tão semelhante quanto possível à do Estado, teria efetuado o investimento em causa com base na rentabilidade esperada, sem ter em conta as considerações fiscais que o Estado pôde analisar de forma distinta, ou, por outras palavras, a de saber se, isolando os elementos relacionados com a definição da medida e com a qualidade do seu autor (uma recapitalização decidida pelo Estado na sua qualidade de acionista), bem como com a sua rentabilidade, o critério era aplicável e foi corretamente aplicado.

    207

    A EDF acrescenta que a coexistência de tais considerações de poder público e de investidor não impediu a Comissão de aplicar o critério do investidor privado na sua Decisão C(2015) 4569 final, de 7 de julho de 2015, relativa a um alegado auxílio a favor da Altrad, na qual não recusou, por princípio, a aplicabilidade do critério, mas verificou a correta aplicação deste. De acordo com a EDF, a jurisprudência faz, de facto, depender a aplicabilidade do referido critério da qualidade em que o Estado adotou a medida, mas não proíbe o Estado de proceder, paralelamente e através de uma análise distinta, à apreciação de todas as consequências daí decorrentes.

    208

    De acordo com a EDF, à luz do n.o 52 do acórdão de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão (C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682), não devem ser tidas em conta, na aplicação do critério do investidor privado, considerações relacionadas com a qualidade de poder público do Estado, mas é contrário ao princípio da igualdade de tratamento daí deduzir que o referido critério não é aplicável pelo simples facto de existirem tais considerações paralelamente a considerações de ordem económica. Assim, não ter em conta essas considerações na fase da aplicação desse critério não implica a negação da sua existência na fase da aplicabilidade do mesmo critério.

    209

    A EDF considera, além disso, que a afirmação da Comissão de que as considerações que não sejam de ordem económica dificilmente são destacáveis da medida adotada pela Lei n.o 97‑1026 não é mais do que uma petição de princípio e é contrária aos factos, uma vez que a recapitalização foi aplicada pela referida lei, enquanto as outras considerações (reduções das tarifas, apoio ao emprego) constam do contrato de empresa.

    210

    Por último, no âmbito das observações que apresentou na sequência do acórdão Frucona Košice, a EDF, apoiada pela República Francesa, alega que o Tribunal de Justiça reafirmou o caráter objetivo do conceito de auxílio de Estado e considerou que a perceção subjetiva que o Estado possa ter da medida que aplica não era relevante. Daqui resulta, segundo a recorrente, que, mesmo admitindo que a República Francesa não efetuou uma distinção clara entre considerações fiscais e considerações de investimento, o que não é o caso, essa circunstância é, de qualquer modo, irrelevante para a análise que havia que efetuar no caso em apreço.

    211

    Por outro lado, a República Francesa considera, por seu turno, que vários documentos que transmitiu à Comissão provam que, quando adotou a medida em causa, baseou‑se, antes de mais, em considerações de acionista.

    212

    A República Francesa refere‑se, em primeiro lugar, ao contrato de empresa, que distingue, numa parte intitulada «Financiar equitativamente as missões de serviço público», as modalidades de financiamento dessas missões, o que demonstra, no seu entender, a vontade do Estado francês de separar as suas considerações de poder público das relativas à sua qualidade de acionista.

    213

    Em segundo lugar, a República Francesa refere o «relatório Migaud», apresentado pelo deputado Migaud em 12 de setembro de 1997, relativo ao projeto de Lei n.o 201, no qual este aborda de forma distinta as considerações de poder público e as de acionista. De acordo com a República Francesa, esse relatório apresenta o efeito da reestruturação do balanço da EDF sobre os rácios dívida bruta/capitais próprios e dívida líquida/capitais próprios, depois compara estes rácios, com e sem reestruturação, com os dos principais concorrentes europeus da EDF, salientando o nível de endividamento desproporcionado da EDF em relação ao nível dos seus capitais próprios, em comparação com o dos seus concorrentes europeus. Assim, esse relatório demonstra que o Estado francês se baseou, antes de mais, em considerações de acionista.

    214

    Em seguida, a República Francesa cita a carta enviada em 4 de abril de 1995 à EDF pelos chefes de gabinete dos Ministros da Economia, da Indústria, dos Correios e Telecomunicações e do Comércio Externo e do Orçamento, relativa a um programa de trabalho sobre as concessões (anexo A‑7‑17 da petição, a seguir «carta de 4 de abril de 1995»), que não foi tida em conta pela Comissão e que demonstra que uma das preocupações do Estado francês, na adoção da medida em causa, era saber se esta estava em conformidade com os interesses do Estado acionista. Na sua opinião, tratava‑se, com efeito, nomeadamente, de identificar, «se fo[sse] o caso, as alterações a introduzir no dispositivo existente para proteger o melhor possível os interesses do Estado acionista na perspetiva eventual de uma abertura dos monopólios». A República Francesa refere que, nessa perspetiva, pediu à EDF que lhe fornecesse análises económicas.

    215

    Por último, a República Francesa remete para a carta da EDF de 31 de outubro de 1995 (anexo A‑7‑23 da petição, a seguir «carta de 31 de outubro de 1995»), enviada ao Ministro do Orçamento, da qual constava, nomeadamente, um anexo intitulado «Proposta de reestruturação do balanço da EDF», que demonstra que o Estado francês procurava, antes de mais, uma verdadeira rentabilidade da EDF e a melhoria da imagem financeira da empresa.

    216

    A Comissão contesta estas alegações.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    217

    No essencial, a EDF sustenta que a Comissão, ao excluir a aplicabilidade do critério do investidor privado pelo facto de a República Francesa ter adotado a medida com base, simultaneamente, em considerações relativas à sua qualidade de acionista e em considerações relativas ao poder público, cometeu um erro de direito e ignorou os factos e vários documentos que lhe tinham sido apresentados.

    1) Quanto ao alegado erro de direito

    218

    A EDF alega, por um lado, sendo certo que a República Francesa analisou, é certo, o impacto da reestruturação do balanço da empresa na cobrança de impostos futura, efetuou essa análise de forma paralela e distinta da análise das consequências dessa operação em termos de remuneração do Estado francês. Por outro lado, considera que a Comissão devia ter‑se limitado a verificar se um investidor privado teria efetuado um investimento comparável, tendo em conta a sua rentabilidade, sem ter em conta as considerações fiscais que puderam ser analisadas pelo referido Estado de forma distinta, isolando os elementos relacionados com a definição da medida e com a qualidade do seu autor, ou seja, no caso concreto, uma recapitalização decidida por esse Estado na sua qualidade de acionista. Com efeito, o critério existe para permitir estabelecer a distinção entre as decisões que o Estado pode adotar enquanto investidor e as que pode adotar enquanto poder público, sem que a eventual coexistência dos dois tipos de considerações possa levar a que se negue a sua aplicabilidade. Além disso, segundo a EDF, decorre da jurisprudência que a perceção subjetiva que o Estado possa ter da medida que aplica não é relevante, daí resultando que, mesmo admitindo que a República Francesa não efetuou uma distinção clara entre considerações fiscais e considerações de investimento, o que não é o caso, essa circunstância é, de qualquer modo, irrelevante para a análise que havia que realizar no caso em apreço.

    219

    A título preliminar, importa recordar que a medida controvertida consiste na renúncia, por parte da República Francesa, à tributação dos direitos do concedente, ou seja, das provisões para a renovação utilizadas pela EDF, na sua reclassificação como capital.

    220

    No procedimento administrativo, a República Francesa alegou que o imposto ao qual renunciara constituía uma dotação complementar de capital e que, dessa forma, agira na qualidade de acionista da EDF, pelo que se devia aplicar o critério do investidor privado.

    221

    Em primeiro lugar, tendo em conta os n.os 80 e 81 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, acima recordados no n.o 50, há que distinguir o Estado acionista do Estado poder público, sendo que a aplicabilidade do critério do investidor privado depende do facto de o Estado ter concedido a vantagem à empresa na sua qualidade de acionista, e não na sua qualidade de poder público.

    222

    Nessa medida, de acordo com os n.os 82 e 83 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, tendo a República Francesa invocado, durante o procedimento administrativo, o critério do investidor privado, incumbia‑lhe assim demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorria da sua qualidade de acionista, devendo esses elementos evidenciar claramente que adotara, prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem, ou seja, no caso em apreço, a renúncia à cobrança do imposto na reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital, a decisão de proceder, através dessa medida, a um investimento na EDF.

    223

    Além disso, para o efeito, de acordo com o n.o 84 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, a República Francesa, a fim de provar a natureza económica da sua ação, podia apresentar à Comissão elementos que demonstrassem que essa decisão se baseava em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à da República Francesa teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento.

    224

    Esses elementos deviam ser contemporâneos da medida controvertida. De facto, de acordo com o n.o 85 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, avaliações económicas levadas a cabo depois da concessão da referida vantagem, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva do investimento efetuado pelo Estado‑Membro em causa ou justificações posteriores à escolha do procedimento efetivamente seguido não bastam para demonstrar que esse Estado‑Membro adotou, prévia ou simultaneamente a essa concessão, uma decisão desse tipo enquanto acionista.

    225

    Além disso, de acordo com o n.o 86 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, se o Estado‑Membro em causa apresentar à Comissão elementos da natureza exigida, cabe a esta última efetuar uma apreciação global, tendo em conta, para além dos elementos fornecidos por esse Estado‑Membro, qualquer outro elemento pertinente que, no caso em apreço, lhe permita determinar se a medida em causa decorre da qualidade de acionista ou da de poder público do referido Estado‑Membro. Em especial, a este respeito podem ser relevantes a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se insere, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida está sujeita.

    226

    No caso em apreço, a República Francesa e a EDF transmitiram vários elementos à Comissão a fim de demonstrar que a medida aplicada decorria da qualidade de acionista do Estado francês.

    227

    A Comissão considerou, no essencial, que os elementos que lhe tinham sido transmitidos pela República Francesa e pela EDF não demonstravam inequivocamente que o Estado francês tomara uma decisão de proceder a um investimento renunciando à cobrança do imposto na reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital (v., nomeadamente, considerandos 128 a 131, 138 e 139 da decisão impugnada).

    228

    Com efeito, a Comissão procedeu a uma apreciação de todos os elementos colocados à sua disposição, tendo em conta, para além dos elementos fornecidos pela República Francesa, os elementos relevantes transmitidos pela EDF, a fim de determinar se a medida controvertida decorria da qualidade de acionista ou de poder público do Estado francês e analisou, nomeadamente, a natureza e o objeto dessa medida, o contexto em que se inseria, bem como o objetivo prosseguido e as regras às quais a referida medida estava sujeita (v. considerandos 145 e seguintes da decisão impugnada), depois de ter analisado previamente os outros elementos que lhe tinham sido transmitidos.

    229

    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito na forma como aplicou as condições que regem a aplicabilidade do critério do investidor privado.

    230

    Com efeito, a tese defendida pela EDF e pela República Francesa, de que a Comissão devia ter‑se limitado a verificar se um investidor privado teria efetuado um investimento comparável, tendo em conta a sua rentabilidade, sem ter em conta as considerações fiscais que, alegadamente, puderam ser analisadas pelo Estado «de forma distinta», e isolando os elementos relacionados com a definição da medida e com a qualidade do seu autor, ou seja, no caso concreto, uma recapitalização decidida pelo Estado na sua qualidade de acionista, resulta de uma leitura errada dos n.os 80 a 86 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P.

    231

    De facto, a Comissão não pode ignorar os elementos que revelem a existência de considerações de poder público e analisar apenas os elementos que corroborem a tese de um eventual investimento. Tal abordagem equivaleria a ignorar a necessidade de apreciar todos os elementos relevantes para determinar se a medida em causa decorre da qualidade de acionista ou de poder público do Estado‑Membro, de entre os quais constam, nomeadamente, o contexto e a natureza da medida controvertida.

    232

    É certo que não se exclui a possibilidade de eventuais considerações de poder público, se for caso disso, coexistirem com considerações de acionista, mas não podem, no entanto, ter influência na apreciação da questão de saber se a mesma medida teria sido adotada em condições normais do mercado, por um investidor privado colocado numa situação o mais semelhante possível à do Estado. Com efeito, só podem ser tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação deste Estado na qualidade de acionista, com exclusão dos que estão relacionados com a sua qualidade de poder público (acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.o 79).

    233

    No caso em apreço, nem a República Francesa nem a EDF demonstraram que, prévia ou simultaneamente à concessão do montante equivalente ao do imposto ao qual se renunciou na altura da reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital, o Estado francês tomara a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento, nem que tal decisão fora tomada com base em avaliações económicas prévias, comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado‑Membro teria mandado elaborar, antes de efetuar o referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento (v., neste sentido, acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.os 83, 84 e 104).

    234

    Se se verificar que tais considerações de acionista estão em falta, a aplicabilidade do critério do investidor privado deve ser afastada pela Comissão.

    235

    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação apresentada pela EDF no que respeita ao acórdão de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão (C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682), que se revela, com efeito, desprovida de pertinência, uma vez que os desenvolvimentos consagrados pelo Tribunal de Justiça no n.o 52 desse acórdão se referem especificamente à aplicação, e não à aplicabilidade, do critério do investidor privado, pelo que não podem justificar que apenas as considerações de acionista sejam tidas em conta para efeitos da análise da aplicabilidade do critério.

    236

    Essa conclusão também não é posta em causa pelos argumentos apresentados pela EDF com base na Decisão C(2015) 4569 final da Comissão, de 7 de julho de 2015, relativa a um alegado auxílio a favor da Altrad.

    237

    Com efeito, por um lado, a medida em causa no processo que deu origem à referida decisão consistia numa subscrição direta do capital social da Altrad pelo Fundo Estratégico de Investimento, acompanhada de uma opção para um montante suplementar, e o facto de a operação constituir um investimento não era posto em causa pela Comissão.

    238

    Por outro lado, mesmo admitindo que as operações fossem comparáveis, a verdade é que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva, que pressupõe que a medida, para poder ser qualificada como auxílio, seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear ou ameaçar falsear a concorrência, que é apreciada na data em que a Comissão adota a sua decisão e que depende da simples questão de saber se uma medida estatal confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas. A prática decisória da Comissão na matéria, sobre a qual, de resto, as partes não estão de acordo, não pode, portanto, ser decisiva (v. acórdão de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão, T‑445/05, EU:T:2009:50, n.o 145 e jurisprudência aí referida; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, EU:C:2010:291, n.o 21).

    239

    Essa conclusão também não é posta em causa pelos argumentos apresentados pela EDF na sequência do acórdão Frucona Košice, segundo os quais a «perceção subjetiva» da medida pela República Francesa é irrelevante, o que leva a privar de qualquer consequência a eventual falta de distinção clara entre considerações de acionista e considerações de poder público na adoção da medida controvertida.

    240

    Com efeito, quanto à incidência do acórdão Frucona Košice, importa recordar que, de acordo com esse acórdão, o critério do credor ou do investidor privado não constitui uma exceção que só é aplicável a pedido de um Estado‑Membro, quando estejam reunidos os elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, constante do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, este critério, quando seja aplicável, faz parte dos elementos que a Comissão tem de tomar em consideração para determinar a existência de um auxílio desse tipo. (acórdão Frucona Košice, n.o 23, e acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.o 103).

    241

    Consequentemente, quando se verifique que o critério do credor privado pode ser aplicável, cabe à Comissão analisar essa hipótese independentemente de qualquer pedido nesse sentido por parte do Estado‑Membro em causa e, por conseguinte, nada se opõe a que o beneficiário do auxílio possa invocar a aplicabilidade deste critério (v., neste sentido, acórdão Frucona Košice, n.os 25 e 26).

    242

    Por último, o Tribunal de Justiça esclareceu que, nestas duas últimas hipóteses em que o critério do investidor privado não seja invocado pelo Estado‑Membro, importa, para determinar se esse critério era aplicável, tomar como ponto de partida a natureza económica da ação do Estado‑Membro e não a forma como, subjetivamente, esse Estado‑Membro pensava agir ou as linhas de conduta alternativas previstas por esse Estado‑Membro antes de adotar a medida em causa (v., neste sentido, acórdão Frucona Košice, n.os 12 e 27).

    243

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que, se um Estado‑Membro invocar o critério do investidor privado no procedimento administrativo, incumbe‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada decorre da sua qualidade de acionista, devendo esses elementos evidenciar claramente que o Estado‑Membro em causa adotara, prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica, a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na empresa pública controlada (v., neste sentido, acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.os 82 e 83).

    244

    Em contrapartida, as avaliações económicas levadas a cabo depois da concessão da referida vantagem, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva do investimento efetuado pelo Estado‑Membro em causa ou as justificações posteriores à escolha do procedimento efetivamente seguido não bastam para demonstrar que esse Estado‑Membro adotou, prévia ou simultaneamente a essa concessão, uma decisão desse tipo enquanto acionista (v., neste sentido, acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.os 85 e 104).

    245

    Além disso, como foi acima recordado no n.o 232, para efeitos da apreciação da questão de saber se a mesma medida teria sido adotada em condições normais de mercado por um investidor privado colocado numa situação o mais semelhante possível à do Estado, só podem ser tidos em conta os benefícios e as obrigações relacionados com a situação deste Estado na qualidade de acionista, com exclusão dos relacionados com a sua qualidade de poder público (acórdão proferido no processo C‑124/10 P, n.o 79).

    246

    Assim, competia à Comissão analisar, para determinar se o critério do investidor privado era efetivamente aplicável no presente caso, se a República Francesa demonstrara inequivocamente e com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos que a medida aplicada decorria da sua qualidade de acionista e se apresentara para o efeito elementos que demonstrassem claramente que adotara, prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem e com base numa avaliação económica prévia exigida da rentabilidade, a decisão de proceder, através da medida efetivamente aplicada, a um investimento na EDF.

    247

    Há que observar que foi essa a análise efetuada pela Comissão nos n.os 126 a 154 da decisão impugnada.

    248

    Por conseguinte, a argumentação da EDF, apoiada pela República Francesa, não pode proceder.

    249

    Por último, deve ser igualmente rejeitado, por carecer de base factual, a alegação da EDF de que a Comissão se baseou apenas no «emaranhado» das considerações de acionista e de poder público para declarar inaplicável o critério do investidor privado.

    250

    Com efeito, foi no termo de uma apreciação global e depois de analisar cada um dos elementos suscetíveis de ser relevantes que a Comissão concluiu que a medida não constituía um investimento por parte da República Francesa, na falta de considerações de acionista demonstradas com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos, como exigido pelo Tribunal de Justiça nos n.os 82 a 85 do acórdão proferido no processo C‑124/10 P.

    251

    Consequentemente, a argumentação da EDF e da República Francesa, relativa a um erro de direito cometido pela Comissão deve ser considerada improcedente.

    2) Quanto aos alegados erros de facto

    252

    A EDF alega que vários documentos, mais concretamente os documentos n.os 23 a 25 (anexo A‑7‑23 a A‑7‑25) que juntou às observações, transmitidas à Comissão em julho de 2013, demonstram que o impacto da reestruturação prevista do seu balanço no imposto por ela devido foi analisado de forma paralela mas distinta das consequências sobre a remuneração do Estado acionista e que esses documentos não revelam qualquer emaranhado das considerações fiscais e de investimento que orientaram o Estado francês. A República Francesa argumenta ainda que vários documentos que transmitiu à Comissão provam que, quando adotou a medida em causa, baseou‑se, antes de mais, em considerações de acionista.

    253

    Há que sublinhar, a título preliminar, que, de entre os documentos invocados pela EDF e pela República Francesa, nenhum documento anterior à resposta da República Francesa à Comissão em 2002 refere que era devido o imposto sobre os direitos do concedente, ou seja, sobre as provisões que foram utilizadas pela EDF, na sua reclassificação como dotação de capital, nem, a fortiori, que a renúncia à cobrança do imposto devia ser analisada como um investimento complementar no capital da EDF, como salienta a Comissão nos considerandos 128 e 129 da decisão impugnada.

    254

    Quanto aos documentos referidos pela EDF que comprovam a inexistência de um emaranhado das considerações relacionadas com o imposto e das relacionadas com a remuneração do Estado, importa salientar o seguinte.

    255

    O anexo A‑7‑23 da petição é a carta de 31 de outubro de 1995, que foi enviada pouco mais de dois anos antes da adoção da Lei n.o 97‑1026 ao Ministério do Orçamento e que contém dois anexos, designadamente um documento de três páginas intitulado «Propostas de reestruturação do balanço da EDF» e um quadro intitulado «Proposta de evolução do balanço da EDF».

    256

    O documento de três páginas apenso à carta de 31 de outubro de 1995 contém três pontos, que tratam, respetivamente, em termos gerais, da «[r]eestruturação dos capitais próprios no passivo do balanço», e mais especificamente, da reclassificação dos direitos do concedente como capital, do «[a]justamento dos direitos dos concedentes “autarquias locais” das concessões [de distribuição pública]» e, por último, do «[a]puramento dos resultados transitados deficitários».

    257

    O ponto 1.1 do documento em causa diz respeito à «reclassificação dos direitos do concedente “Estado” e das provisões associadas destinadas à renovação como capital». É evocada a proposta de «capitalizar a EDF […] transformando os direitos do concedente RAG e a correspondente provisão destinada à renovação em capital», uma «operação [que leva a] retomar a análise contabilística anterior a 1987».

    258

    O ponto 1.2 do documento em causa, intitulado «Consolidação das dotações de capital no capital da EDF» refere que «[a consolidação das dotações de capital] reforçaria o seu caráter de “entrada de capital”, na medida em que estas tinham um «caráter de aumento de capital ainda que o Decreto de 1956 as equipara[sse] mais a um empréstimo gerador de juros».

    259

    O ponto 1.3 do documento em causa diz respeito às «consequências dessas duas medidas» e refere que estas apresentam «as duas vantagens seguintes»:

    «O Estado poderá procurar obter uma verdadeira rentabilidade da EDF sob a forma de dividendo sobre o capital da empresa, ou seja, sobre os montantes considerados introduzidos pelo acionista. Quanto à consolidação de capital, porão fim à controvérsia que se seguiu ao controlo fiscal de 1982 sobre o caráter de “dividendo” ou de “juro” da sua remuneração»;

    «a EDF melhorará a sua imagem financeira apresentando um capital de cerca de 85 [mil milhões de FRF] (contra os 2,6 [mil milhões de FRF] atuais) e uma situação líquida de 80 [mil milhões de FRF] (contra os 19,9 [mil milhões de FRF] atuais) antes da tomada em consideração de medidas destinadas a reduzir os resultados transitados deficitários. Essas reclassificações são, além disso, uma resposta às críticas do Tribunal de Contas, que nega o caráter de verdadeira concessão das concessões de Estado».

    260

    Por um lado, importa salientar que a questão da «entrada de capital», invocada logo na carta de 31 de outubro de 1995, não diz respeito, em todo o caso, à renúncia ao imposto devido sobre os direitos do concedente, que não é de todo abordada.

    261

    Por outro lado, há que observar que as considerações contabilísticas, fiscais e de acionista coexistem estreitamente no documento de três páginas apenso à carta de 31 de outubro de 1995, que, além disso, não contém nenhuma avaliação, nem mesmo apreciação, da rentabilidade da reclassificação dos direitos do concedente como capital.

    262

    O anexo A‑7‑24 da petição é uma nota interna de duas páginas da EDF, de 7 de dezembro de 1995, intitulada «Origem, conteúdo e impacto das propostas de reestruturação do balanço da EDF» (a seguir «nota interna de 7 de dezembro de 1995»).

    263

    Após recordar, na primeira parte da nota interna de 7 de dezembro de 1995, os controlos do Tribunal de Contas francês e o respetivo impacto nas provisões para a renovação e a verificação efetuada pela administração fiscal em 1994 e, em seguida, na segunda parte, e em três travessões, os objetivos das propostas de reestruturação do passivo do seu balanço apresentadas ao ministério, a nota evoca a «dupla abordagem» proposta pela EDF: por um lado, reestruturar os seus capitais permanentes, o que se traduziria, nomeadamente, numa consolidação das «relações financeiras entre a EDF e o Estado [francês]. Este poderia doravante procurar obter uma verdadeira rentabilidade da EDF sob a forma de um dividendo com justificação no capital da empresa». Tratar‑se‑ia, por outro lado, de «clarificar a apresentação contabilística das concessões de distribuição pública».

    264

    Mais uma vez, há que observar que a rentabilidade da reclassificação dos direitos do concedente como capital é, quando muito, referida na nota interna de 7 de dezembro de 1995 sem qualquer tipo de avaliação e que, em todo o caso, não é feita qualquer referência à renúncia à cobrança do imposto sobre os referidos direitos do concedente.

    265

    Mesmo admitindo que a nota interna de 7 de dezembro de 1995 possa ser entendida como uma análise distinta e «paralela» do impacto da recapitalização da EDF, é irrelevante no que respeita à análise da medida controvertida e constitui, quando muito, um indício do contexto em que esta foi adotada.

    266

    Quanto ao restante, há que observar que a nota interna de 7 de dezembro de 1995, cujo conteúdo é afinal semelhante ao da carta de 31 de outubro de 1995, não revela, mais do que esta, qualquer análise detalhada das considerações de acionista e de remuneração ou de rentabilidade que tenha sido realizada pelo Estado ou para o Estado na perspetiva da recapitalização da EDF.

    267

    Por último, o anexo A‑7‑25 da petição é uma carta de 10 de abril de 1997 enviada pela EDF a um chefe de gabinete no Ministério das Finanças (a seguir «carta de 10 de abril de 1997»), que contém um anexo, de uma página apresentada sob forma esquemática, intitulado «Hipóteses provisórias de pagamento ao Estado em 1997 e 1998».

    268

    Embora a carta de 10 de abril de 1997 possa constituir um indício de uma apresentação minimalista da remuneração suscetível de ser cobrada pelo Estado francês, há que observar, todavia, que essa apresentação assenta simultânea e integralmente nas consequências fiscais que decorreriam dos pagamentos que seriam efetuados a favor do referido Estado.

    269

    Salvo no que respeita a uma ou outra linha é, assim, impossível considerar que a carta de 10 de abril de 1997 constitui uma análise distinta e «paralela» da remuneração do Estado acionista, como afirma a EDF.

    270

    Por conseguinte, os documentos referidos pela EDF não refletem uma análise distinta e autónoma das considerações do Estado francês na sua qualidade de acionista da medida controvertida, nem comprovam, contrariamente ao que afirma a EDF, a inexistência de um emaranhado das considerações relacionadas com o imposto e das relacionadas com a remuneração do referido Estado.

    271

    Em seguida, quanto aos elementos apresentados pela República Francesa, há que observar que esta se refere, por um lado, a um quadro que consta do anexo 11 do articulado de intervenção, que é uma reprodução quase exata das citações e das observações que podem ser lidas no quadro que consta do anexo 10 do referido articulado, que é apresentado para sustentar os argumentos invocados em apoio da primeira parte do segundo fundamento invocado a título principal, quadro no qual são citados excertos de vários documentos, e, por outro, nesse articulado, a muitos desses documentos referidos «a título de exemplo».

    272

    Entre esses documentos referidos a título de exemplo figura, em primeiro lugar, o contrato de empresa.

    273

    Há que observar que, no contrato de empresa, as considerações de poder público não só coexistem estreitamente com as considerações de acionista, mas também, sobretudo e claramente, predominam.

    274

    As considerações de poder público constantes do contrato de empresa, que dizem respeito, nomeadamente, à implementação da política energética do Estado, à necessidade de garantir a segurança do abastecimento no respeito pelo ambiente e a menor custo, bem como uma alimentação de qualidade ao consumidor onde quer que esteja estabelecido, ao apoio ao emprego e à atividade económica, aos serviços de solidariedade para os mais desfavorecidos e ao ordenamento do território são expostas no título I do referido contrato, intitulado «Reafirmar as missões fundamentais da empresa pública», cujas três secções são intituladas, respetivamente, «Cinco missões de serviço público renovadas e reforçadas», «Participar no ordenamento do território e na solidariedade» e «Para uma nova legislação do setor elétrico».

    275

    O título II do contrato de empresa visa «[p]reparar hoje o futuro da empresa» assegurando o seu desenvolvimento em França (através da melhoria do desempenho e da utilização prioritária dos ganhos de produtividade na diminuição dos preços, da redução das tarifas que implique um ajustamento da sua estrutura, da relação da EDF com os produtores independentes e do desenvolvimento dos serviços, incluindo nomeadamente ações de fidelização dos clientes, um melhor posicionamento nos mercados da eletricidade e nos mercados conexos, com meios comerciais adequados, ou seja, «auxílios comerciais» no montante de 2,8 mil milhões de FRF), a conquista de novos mercados no estrangeiro (relativamente aos quais apenas é mencionada a necessidade de tomar em consideração «a rentabilidade dos capitais próprios investidos», sem qualquer outro esclarecimento a este respeito), a contribuição para as inovações e os progressos tecnológicos (investigação e desenvolvimento, parceria com empresas francesas), bem como a «associação de toda a empresa ao desenvolvimento» (secção na qual são tratadas questões relativas aos recursos humanos: gestão dos recursos humanos, formação, melhoria da organização do trabalho, da sua segurança, política de remuneração do pessoal, coesão social, etc.)

    276

    Assim, as considerações de poder público que constam do título II do contrato de empresa coexistem nesse contrato estreitamente com as considerações muito gerais respeitantes à evolução futura da empresa, mas que não podem ser qualificadas como considerações de acionista destinadas a avaliar a rentabilidade de um investimento, e ainda menos de um investimento efetuado através da execução da medida controvertida.

    277

    Por último, no título III do contrato de empresa, intitulado «Inscrever a empresa num quadro financeiro e institucional renovado», são abordados sucessivamente, em três páginas, os seguintes objetivos: «[e]stabilizar a relação com o Estado acionista», «[f]inanciar equitativamente as missões de interesse geral», «[p]reparar as ferramentas necessárias à evolução da regulamentação», «[c]riar recursos para preparar o futuro» e as «[m]odalidades de acompanhamento dos objetivos e compromissos».

    278

    Nas três páginas em causa, apenas dois pontos dizem respeito à reestruturação do balanço da EDF, num dos quais é evocada, de forma no mínimo sibilina, a remuneração do Estado francês.

    279

    O primeiro ponto, do qual não se pode retirar qualquer ensinamento, consta da parte introdutória do título III do contrato de empresa e tem a seguinte redação:

    «O balanço da EDF será reestruturado com a dupla finalidade de reforçar a situação líquida da empresa e estabilizar a relação financeira entre o Estado e a empresa em bases próximas do direito comum.»

    280

    O segundo ponto, que consta do subtítulo «Estabilizar a relação com o Estado acionista» do título III do contrato de empresa, tem a seguinte redação:

    «A remuneração do Estado será constituída por dois elementos:

    uma remuneração das dotações de capital com uma taxa de juro de 3%;

    uma remuneração complementar equivalente a 40% do resultado contabilístico líquido da empresa.»

    281

    Importa salientar que, nos pontos em questão, não é feita qualquer referência a um investimento complementar no montante do crédito fiscal do Estado francês, nem à sua rentabilidade, no âmbito dessa informação limitada sobre a remuneração do referido Estado.

    282

    Por conseguinte, o contrato de empresa afigura‑se totalmente irrelevante para demonstrar que a remuneração do Estado francês e as considerações de acionista, sem falar de considerações relativas à medida controvertida, foram analisadas de forma autónoma e distinta das considerações de poder público.

    283

    O segundo documento ao qual a República Francesa se refere é um extrato do «relatório Migaud», apresentado à Assembleia Nacional com vista à adoção da Lei n.o 97‑1026.

    284

    A primeira parte do «relatório Migaud» descreve as circunstâncias históricas que rodearam o estatuto patrimonial dos bens em regime de concessão (concessão dos ativos, consequências contabilísticas e posição do Tribunal de Contas) que levaram à apresentação do projeto de lei.

    285

    A segunda parte do «relatório Migaud» apresenta a «reorganização contabilística» que o parecer do Tribunal de Contas francês impõe, reorganização essa que implica «alterações nas relações financeiras entre o Estado e a EDF».

    286

    A primeira subparte do «relatório Migaud» expõe as consequências contabilísticas que há que retirar do reconhecimento da propriedade da RAG, bem como a modificação da estrutura dos fundos próprios da EDF que este acarreta: «o contravalor dos ativos corpóreos atribuídos ao abrigo da concessão da RAG inscrito nos fundos próprios na categoria “Outros fundos próprios” sobe para a categoria “Capitais próprios” a fim de ter em conta o estatuto patrimonial das instalações».

    287

    Em seguida, são descritos no «relatório Migaud» os movimentos contabilísticos propriamente ditos que a medida controvertida impõe (que são referidos nos considerandos 28 e seguintes da decisão impugnada).

    288

    Todavia, não é feita qualquer referência, nessa ocasião, à renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente.

    289

    A segunda subparte do «relatório Migaud» trata das modificações nas relações financeiras entre o Estado francês e a EDF e refere as modalidades da remuneração do referido Estado na sequência das alterações contabilísticas a introduzir:

    «Esta remuneração contém duas partes.

    Por um lado, uma remuneração das dotações de capital à taxa de juro fixada anualmente por portaria interministerial. O decreto limita essa taxa a 8%. Desde 1989, é fixada em 5%.

    Por outro lado, é cobrada uma remuneração complementar (o “dividendo”) sobre o rendimento após imposto e juros fixos do estabelecimento.

    A sua taxa é fixada por decreto, com base no resultado das contas previsionais.

    […]

    Uma vez que as dotações de capital constituem a base do juro fixo, o aumento destas induzido pelo presente artigo poderia agravar os encargos da EDF. Está, por isso, prevista, no contrato de empresa para 1997‑2000, assinado em 8 de abril de 1997, uma alteração das respetivas condições de remuneração.

    A taxa de juro fixa é reduzida para 3%, a fim de compensar o efeito de base. O montante anual do juro fixo será assim reduzido de 1816 milhões de [FRF] para 1522 milhões de [FRF].

    A remuneração complementar do Estado é fixada em 40% do resultado contabilístico líquido da empresa.

    Por último, especifica‑se que o montante total destas duas componentes não pode ser superior a 6% das dotações de capital (ou seja, um limite máximo de 3044 milhões de [FRF] relativamente às dotações tal como resultarão do presente artigo).»

    290

    Em seguida, são descritas no «relatório Migaud» as consequências fiscais das alterações efetuadas.

    291

    Esclarece‑se, nomeadamente, no «relatório Migaud», o seguinte:

    «O aumento das provisões relacionadas com a concessão da RAG em resultados transitados conduzirá ao apuramento, de uma só vez, dos resultados transitados contabilísticos e fiscais deficitários.

    Por um lado, o aumento direto de 38,5 mil milhões de [FRF] conduz a um saldo credor em resultados transitados de 18,3 mil milhões de [FRF], que acarreta um aumento do ativo líquido, aumento esse tributável a título do [imposto sobre as sociedades]. O artigo 38.o‑2 do [Código Geral dos Impostos] dispõe, com efeito, que o lucro líquido é constituído pela diferença entre os valores do ativo líquido no encerramento e na abertura do exercício. Na medida em que “entende‑se por ativo líquido o excedente de valores do ativo sobre o total formado no passivo pelos créditos de terceiros, as amortizações e as provisões justificadas”, o aumento das provisões acarreta automaticamente um aumento do lucro líquido.

    Por outro lado, para ter em conta as observações do Tribunal de Contas sobre as concessões “Forças hidráulicas” e “Distribuição Pública”, a EDF vai proceder a ajustamentos contabilísticos que têm como efeito diminuir em 14 mil milhões de [FRF] os seus resultados transitados fiscais.

    No total, estes deverão, portanto, ser positivos em 3,4 mil milhões de [FRF].

    De acordo com as informações fornecidas pelo Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria ao vosso relator geral, o imposto sobre as sociedades que o estabelecimento público deverá pagar [na sequência destas] reformas eleva‑se a 3 mil milhões de [FRF] em 1997 e a 2,5 mil milhões de [FRF] em 1998.»

    292

    Há que observar que nem a propósito dos ajustamentos contabilísticos é feita referência, no «relatório Migaud», a propósito das consequências fiscais, à renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente na sua reclassificação como dotação de capital, crédito que, no entanto, resulta também, segundo a resposta enviada pela República Francesa à Comissão na nota de 9 de abril de 2002, de uma variação de ativo líquido.

    293

    Por outro lado, o «relatório Migaud» contém, é certo, alguns dados sobre a remuneração esperada pelo Estado da recapitalização da EDF, remuneração de resto nominalmente reduzida na sequência da operação de recapitalização. Contudo, resulta claramente da leitura desse documento que esses escassos dados constituem apenas uma pequena parte das considerações, essencialmente de poder público, que levaram à adoção da Lei n.o 97‑1026.

    294

    Por último, deve observar‑se que o teor do «relatório Migaud» constitui a matriz dos considerandos 23 e seguintes da decisão impugnada e que esses elementos de apreciação foram, portanto, devidamente tomados em consideração pela Comissão.

    295

    O terceiro documento referido pela República Francesa é a carta de 4 de abril de 1995. Trata‑se de um documento de quatro páginas, incluindo o documento anexado, enviado à EDF pelos chefes de gabinete dos Ministros da Economia, da Indústria, dos Correios e Telecomunicações e do Comércio Externo e do Orçamento, cujo objetivo é a implementação de um «programa de trabalho» com vista à apresentação e à adoção das medidas impostas pelo Tribunal de Contas francês no que respeita às concessões da EDF.

    296

    O Estado acionista é referido na carta de 4 de abril de 1995 apenas duas vezes e de forma extremamente sucinta:

    na página 1 do anexo à referida carta, onde, entre os objetivos do programa de trabalho, pode ler‑se «[o sistema atual] é […] compatível com os interesses do Estado acionista?»;

    na página 3 do referido anexo, onde são abordadas as áreas de reflexão, entre as quais figura a «problemática patrimonial», a propósito da qual pode ler‑se: «identificar, se for caso disso, as alterações a introduzir no dispositivo existente para proteger o melhor possível os interesses do Estado acionista na perspetiva de uma eventual abertura dos monopólios».

    297

    As restantes preocupações abordadas na carta de 4 de abril de 1995 (que, de resto, apenas se refere a um programa de trabalho e não às suas conclusões) dizem respeito, na verdade, essencialmente a considerações de poder público e importa observar que essa carta não reflete uma análise distinta e autónoma de considerações de acionista.

    298

    Finalmente, o último documento invocado pela República Francesa é a carta de 31 de outubro de 1995 e, para uma análise desse documento, remete‑se para os n.os 168 e seguintes, supra.

    299

    Por outro lado, e sem que seja necessário este Tribunal pronunciar‑se sobre a admissibilidade de uma remissão pura e simples para um quadro que consta de um anexo ao articulado de intervenção, no qual figuram extratos de documentos, por vezes comentados, não mencionados no referido articulado, há que observar que nenhuma das passagens citadas ou desses comentários se refere à medida controvertida.

    300

    Os extratos de documentos acima referidos no n.o 299 dizem respeito, quando muito, ao contexto em que a medida controvertida foi tomada, contexto esse que nem sequer se alega não ter sido tomado em consideração pela Comissão, que, para o descrever, se baseou nomeadamente nos referidos documentos.

    301

    Além disso, importa referir, à semelhança da Comissão, que resulta da leitura dos extratos de documentos acima referidos no n.o 299 que figuram no quadro em questão que as considerações de acionista são muito secundárias em relação às considerações de poder público.

    302

    Por último, esses extratos não contêm o mínimo desenvolvimento pormenorizado quanto a considerações de acionista destinadas a avaliar a rentabilidade de um investimento, e ainda menos de um investimento efetuado através da execução da medida controvertida.

    303

    Por conseguinte, nem os documentos referidos pela República Francesa nem os documentos invocados pela EDF refletem uma análise «distinta e autónoma» das considerações do Estado na sua qualidade de acionista, e também não comprovam a inexistência de um emaranhado das considerações relacionadas com o imposto e das relacionadas com a remuneração do Estado.

    304

    Em conclusão, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento apresentado a título principal.

    6.   Quanto à quarta parte

    a)   Argumentos das partes

    305

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega que a Comissão considerou erradamente que a decisão de investimento não foi objeto de estudos, referências, análises específicas ou de um plano de negócios sobre a rentabilidade do investimento no montante da isenção fiscal, o que faz com que seja difícil isolar os efeitos do investimento nas informações transmitidas pela República Francesa ou pela EDF (considerando 130 da decisão impugnada).

    306

    De acordo com a EDF, a análise da Comissão assenta na premissa de que a medida em causa é apenas a isenção fiscal, que não é, como a EDF alegou no âmbito do primeiro fundamento, a medida que havia que analisar.

    307

    Além disso, a consideração da Comissão relativa, no essencial, à falta de um plano de negócios formal não tem fundamento jurídico, na medida em que, por um lado, tal plano não é exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral e, por outro, tal plano não era, de qualquer modo, necessário, uma vez que o Estado francês era acionista a 100%, conhecia perfeitamente a empresa e, em tal situação, um investidor privado também não o teria efetuado.

    308

    Acresce que a consideração da Comissão relativa, no essencial, à falta de um plano de negócios formal é contrária aos factos, uma vez que vários documentos, elaborados in tempore non suspecto e fornecidos no âmbito das observações transmitidas à Comissão em 2013, constituem a essência de tal raciocínio planeado. Com efeito, estes referem, sem ambiguidade, que o Estado francês tinha como objetivo realizar um investimento na empresa e procedeu a várias análises e avaliações prospetivas.

    309

    A República Francesa, por seu turno, refere‑se, a este respeito, ao quadro 3, que consta do anexo 12 do articulado de intervenção, que contém várias citações de documentos acompanhadas, por vezes, de observações, e debruça‑se, «a título de exemplo», sobre três desses documentos no referido articulado.

    310

    Em primeiro lugar, a República Francesa refere‑se à carta de 10 de abril de 1997, bem como à nota que lhe está anexa, intitulada «Hipóteses previsionais de pagamento ao Estado em 1997 e 1998». Este documento demonstra que uma análise da evolução da remuneração do Estado foi solicitada por este à EDF e que as avaliações económicas da reestruturação prevista foram aperfeiçoadas e especificadas na perspetiva da adoção da medida em causa.

    311

    Em segundo lugar, a República Francesa refere a carta do diretor dos serviços financeiros e jurídicos da EDF, de 9 de fevereiro de 1996, enviada ao conselho de administração da EDF e que inclui um anexo intitulado «A reestruturação do balanço da EDF» (anexo A‑7‑30 da petição, a seguir «carta de 9 de fevereiro de 1996»), que contém uma avaliação económica da reestruturação do balanço da EDF.

    312

    Por último, em terceiro lugar, a República Francesa cita o plano estratégico 1996‑1998 (anexo A‑7‑34 da petição, a seguir «plano estratégico»), que foi tido em conta pelo Estado na adoção da medida em causa, o tipo de plano que era geralmente tido em conta na aplicação do critério do investidor privado.

    313

    A Comissão contesta estas alegações.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    314

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega, no essencial, em primeiro lugar, que a análise da Comissão constante do considerando 130 da decisão impugnada se baseia numa premissa errada, uma vez que a medida controvertida não é apenas a renúncia à cobrança do imposto sobre as provisões para a renovação utilizadas pela EDF, em segundo lugar, que a Comissão impôs erradamente, no caso em apreço, a existência de um plano de negócios formal e, em terceiro lugar, que a consideração da Comissão relativa à falta de um plano de negócios formal é contrária aos factos, dado que vários documentos contemporâneos constituem a essência do referido plano de negócios formal. A República Francesa refere, a este respeito, quatro documentos que, no seu entender, demonstram a existência de análises e avaliações prospetivas do investimento.

    315

    Importa, desde logo, considerar improcedente o primeiro argumento apresentado pela EDF, uma vez que a medida controvertida é a renúncia à cobrança do imposto na reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital.

    316

    Importa igualmente rejeitar a argumentação da EDF relativa ao facto de a Comissão ter imposto erradamente, no caso em apreço, um plano de negócios formal, uma vez que a mesma resulta de uma leitura errada da decisão impugnada.

    317

    Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão observa, no essencial, que não há nenhum documento contemporâneo que apresente qualquer avaliação da rentabilidade do alegado investimento que constitui a renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente.

    318

    É certo que existem alguns documentos que avaliam, de forma bastante sucinta, a remuneração do Estado francês tal como resultará da recapitalização da EDF e, portanto, a rentabilidade da operação, mas nada mais.

    319

    Ora, embora a recapitalização da EDF constitua seguramente o contexto em que se deve inscrever a apreciação da medida controvertida, a verdade é que, segundo os termos do acórdão proferido no processo C‑124/10 P, cabia à República Francesa apresentar, nomeadamente, «elementos que demonstrem que essa decisão se baseia em avaliações económicas comparáveis às que, nas circunstâncias do caso em apreço, um investidor privado razoável colocado numa situação o mais semelhante possível à do referido Estado‑Membro teria efetuado, antes de proceder ao referido investimento, para determinar a rentabilidade futura desse investimento», mas «avaliações económicas levadas a cabo depois da concessão da referida vantagem, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva do investimento efetuado pelo Estado‑Membro em causa ou justificações posteriores à escolha do procedimento efetivamente seguido não bastam para demonstrar que esse Estado‑Membro adotou, prévia ou simultaneamente a essa concessão, uma decisão desse tipo enquanto acionista» (n.os 84 e 85 desse acórdão).

    320

    Foi, portanto, sem cometer qualquer erro de direito que a Comissão concluiu, no considerando 130 da decisão impugnada, que «a ausência de estudos, referências ou análises específicas da rentabilidade do investimento no montante da isenção fiscal faz com que seja difícil isolar os efeitos do alegado investimento nas informações transmitidas pela [República Francesa] ou pela EDF».

    321

    Quanto ao restante, há que rejeitar a argumentação apresentada pela EDF relativa ao paralelo que tenta estabelecer com o acórdão de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão (T‑305/13, EU:T:2015:435), na medida em que, nesse processo, a falta de um plano de atividades pormenorizado se inscrevia num contexto de crise económica. É certo que o Tribunal Geral considerou que, nessa situação, havia que ter em conta a impossibilidade de prever de forma fiável e circunstanciada a evolução da situação económica e os resultados dos diferentes operadores, mas declarou, no entanto, que «a impossibilidade de efetuar previsões detalhadas e completas não pode dispensar um investidor público de proceder a uma avaliação prévia adequada da rentabilidade do seu investimento, comparável à que teria efetuado um investidor privado numa situação semelhante, em função dos elementos disponíveis e previsíveis».

    322

    Importa analisar, em seguida, os documentos que a República Francesa alega que constituem ou contêm avaliações económicas comparáveis às que um investidor privado teria efetuado antes de proceder à execução da medida controvertida para determinar a sua rentabilidade futura.

    323

    Em primeiro lugar, a República Francesa refere a carta de 10 de abril de 1997, bem como a nota que lhe está anexa intitulada «Hipóteses previsionais de pagamento ao Estado em 1997 e 1998» (anexo A‑7‑25 da petição).

    324

    A carta de 10 de abril de 1997, constituída por três linhas, limita‑se a enviar o anexo ao chefe de gabinete do Ministério das Finanças. Quanto a este anexo, apresenta, numa página e de modo esquemático, as hipóteses de pagamento ao Estado francês em cinco linhas, seguidas de um número para cada ano considerado: resultado contabilístico antes de impostos e remuneração complementar, resultado fiscal, remuneração das dotações de capital, imposto sobre as sociedades e remunerações complementares.

    325

    Na carta de 10 de abril de 1997, nada é especificado quanto à remuneração dos direitos do concedente nem quanto ao imposto, teoricamente transformado em investimento, ao qual o Estado francês renunciou.

    326

    Por conseguinte, não se pode deixar de observar que a carta de 10 de abril de 1997 é totalmente irrelevante, não constitui e não contém avaliações económicas comparáveis às que um investidor privado teria efetuado antes de proceder à execução da medida controvertida para determinar a sua rentabilidade futura.

    327

    Em seguida, a República Francesa refere a carta de 9 de fevereiro de 1996, que inclui um anexo intitulado «A reestruturação do balanço da EDF» (anexo A‑7‑30 da petição), que contém uma avaliação económica da reestruturação do balanço da EDF.

    328

    A carta de 9 de fevereiro de 1996, enviada pelo diretor dos serviços financeiros e jurídicos da EDF, limita‑se a transmitir ao presidente do conselho de administração da EDF uma «ficha sintética» de uma página que faz «o ponto de situação da negociação com o Estado».

    329

    A «ficha sintética» transmitida pela carta de 9 de fevereiro de 1996 refere o seguinte, sob o título «Reforçar os capitais permanentes da EDF»:

    «A reestruturação em curso tem três vertentes:

    a incorporação das dotações de capital efetuadas pelo Estado no capital stricto sensu;

    a integração das entradas no capital efetuada pelo Estado (ou por conta deste) no âmbito da concessão da RAG, bem como as provisões constituídas ao abrigo dessa concessão. Esta operação põe termo à distinção bastante subtil entre as entradas de capital e as entradas em regime de concessão do Estado;

    o apuramento dos resultados transitados contabilísticos negativos que afetam atualmente a situação líquida da EDF.

    Estas medidas deverão permitir melhorar a situação financeira da empresa aumentando o capital de 2,6 para 85 mil milhões de [FRF] e a situação líquida de 20 para 90 mil milhões de [FRF], o que está mais de acordo com os seus ativos, e apresentar assim uma imagem comparável à dos outros produtores europeus de eletricidade.

    […]

    Ao apresentar, a partir de agora, capitais próprios de cem mil milhões de [FRF] e ao clarificar a descrição das suas concessões, a EDF disporá então de um balanço que reflete melhor a situação financeira da empresa.»

    330

    Nem os direitos do concedente nem a renúncia à cobrança do imposto na sua incorporação no capital são referidos na carta de 9 de fevereiro de 1996.

    331

    Por conseguinte, há que concluir que a carta de 9 de fevereiro de 1996 é totalmente irrelevante, não constitui e não contém avaliações económicas comparáveis às que um investidor privado teria efetuado antes de proceder à execução da medida controvertida para determinar a sua rentabilidade futura.

    332

    Por último, a República Francesa refere o plano estratégico que teve em conta na adoção da medida em causa. No seu entender, este tipo de plano é geralmente tido em conta na aplicação do critério do investidor privado.

    333

    O plano estratégico é um documento de 36 páginas, aparentemente destinado ao pessoal da empresa, que apresenta as orientações da empresa e as ações a realizar até 1998.

    334

    O Plano Estratégico não contém nenhuma referência respeitante quer à renúncia do Estado francês à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente quer aos direitos do concedente, às disposições relativas à concessão da RAG, ao estatuto patrimonial, contabilístico e fiscal da RAG ou mesmo à recapitalização da EDF que foi objeto da Lei n.o 97‑1026.

    335

    Por conseguinte, o plano estratégico afigura‑se totalmente irrelevante, não constitui e não contém avaliações económicas comparáveis às que um investidor privado teria efetuado antes de proceder à execução da medida controvertida para determinar a sua rentabilidade futura.

    336

    Por outro lado, e sem que seja necessário este Tribunal pronunciar‑se sobre a admissibilidade de uma remissão pura e simples para um quadro que consta de um anexo ao articulado de intervenção, no qual figuram extratos de documentos, por vezes comentados, não mencionados no referido articulado, há que observar que nenhuma das passagens citadas ou dos comentários que figuram no quadro apresentado no anexo 12 desse articulado se refere à medida controvertida.

    337

    Consequentemente, há que julgar improcedente a quarta parte do segundo fundamento apresentado a título principal na sua totalidade.

    7.   Quanto à quinta parte

    a)   Argumentos das partes

    338

    A EDF, apoiada pela República Francesa, afirma, no essencial e de forma conclusiva, que, como o demonstram os argumentos que apresentou em apoio dos seus dois primeiros fundamentos invocados a título principal, a Comissão afastou erradamente a aplicabilidade do critério do investidor privado no caso em apreço. Com efeito, uma análise objetiva e imparcial da natureza e do objeto dessa medida, do contexto em que se insere, bem como do objetivo prosseguido e das regras que lhe são aplicáveis devia tê‑la levado a concluir pela aplicabilidade do critério à medida em causa.

    339

    No que respeita à natureza e ao objeto da medida em causa, trata‑se de uma medida de recapitalização da EDF pela República Francesa, que era o único acionista.

    340

    No que respeita ao contexto em que a medida foi adotada, foi descrito claramente nos n.os 9 a 36 do acórdão proferido no processo T‑156/04 e caracterizava‑se, em 1997, pela perspetiva da abertura iminente do mercado europeu da eletricidade à concorrência. Ora, nesse contexto, a capacidade da EDF para reagir a esta liberalização e para aproveitar as oportunidades de investimento internacionais estava comprometida pela situação do seu balanço.

    341

    Quanto ao objetivo prosseguido, a Lei n.o 97‑1026 tinha por «objeto reestruturar o balanço da EDF e aumentar os seus fundos próprios» e prosseguia um «objetivo de recapitalização da EDF», na sequência do acórdão proferido no processo T‑156/04 (n.os 243 e 247).

    342

    Por último, no que respeita às regras aplicáveis à medida, na medida em que se tratava de uma recapitalização da EDF cujo capital era definido por uma lei, apenas podia ser executada por uma lei, como reconheceu o Tribunal Geral no n.o 252 do acórdão proferido no processo T‑156/04.

    343

    A EDF conclui que, ao adotar a Lei n.o 97‑1026, que visava a sua recapitalização, a República Francesa comportou‑se como um acionista, como demonstram os documentos contemporâneos que foram transmitidos à Comissão, e esta devia ter reconhecido a aplicabilidade do critério do investidor privado.

    344

    A Comissão contesta esta argumentação.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    345

    A EDF, apoiada pela República Francesa, alega, no essencial e de forma conclusiva, que, como demonstraram os argumentos que apresentou em apoio do seu primeiro fundamento invocado a título principal e as quatro primeiras partes do segundo fundamento invocado a título principal, a Comissão afastou erradamente a aplicabilidade do critério do investidor privado no caso em apreço. Com efeito, uma análise objetiva e imparcial da natureza e do objeto da medida, do contexto em que se insere, bem como do objetivo prosseguido e das regras que lhe são aplicáveis devia tê‑la levado a concluir pela aplicabilidade do critério à medida em causa.

    346

    A argumentação apresentada pela EDF e pela República Francesa visa, na realidade, que se conclua pela aplicabilidade do critério do investidor privado apenas com base nos elementos relativos à natureza e ao objeto da medida, ao contexto em que se insere, bem como ao objetivo prosseguido e às regras às quais a referida medida está sujeita.

    347

    Todavia, pelos motivos expostos no âmbito das quatro primeiras partes do segundo fundamento invocado a título principal, esses elementos não bastam para demonstrar a aplicabilidade do critério do investidor privado. Com efeito, a EDF e a República Francesa não apresentaram elementos que permitam demonstrar inequivocamente que a República Francesa adotara, prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem, ou seja, no presente caso, a renúncia à cobrança do imposto na reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital, a decisão de proceder, através dessa medida, a um investimento na EDF e que, no momento da adoção dessa decisão, a República Francesa avaliara, como teria feito um investidor privado, a rentabilidade do investimento que a concessão de tal vantagem à EDF constituiria.

    348

    Consequentemente, a quinta parte do segundo fundamento invocado a título principal deve ser igualmente considerada improcedente.

    8.   Conclusão quanto ao segundo fundamento invocado a título principal

    349

    Por conseguinte, há que julgar o segundo fundamento integralmente improcedente.

    C. Quanto ao terceiro fundamento invocado a título principal

    350

    O terceiro fundamento invocado a título principal é relativo à violação do artigo 107.o TFUE devido a vários erros que terão sido cometidos pela Comissão na análise das condições de aplicação do critério do investidor privado.

    351

    Todavia, importa recordar que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que o critério do investidor privado não era aplicável no caso em apreço e analisou as condições da aplicação do referido critério apenas a título subsidiário.

    352

    Uma vez que a EDF não demonstrou que a Comissão afastou erradamente a aplicabilidade do critério do investidor privado e que, nessa medida, improcede o segundo fundamento, há que julgar inoperante o terceiro fundamento.

    D. Quanto ao quarto fundamento invocado a título principal

    1.   Argumentos das partes

    353

    A EDF alega que a Comissão, ao não cumprir o seu dever de tomar em consideração todos os elementos relevantes para efeitos da análise da vantagem, o que a EDF demonstrou nos três primeiros fundamentos invocados a título principal, também não cumpriu o seu dever de fundamentação. A este respeito, acusa a Comissão de ter excluído, sem explicação, por um lado, documentos que demonstram que a medida em causa não era uma alegada decisão de não tributar os direitos do concedente e, por outro lado, documentos que explicavam a metodologia que devia ser utilizada na aplicação do critério do investidor privado.

    354

    A Comissão contesta esta argumentação.

    2.   Apreciação do Tribunal Geral

    355

    Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que é adotado. A fundamentação deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, de maneira a permitir, por um lado, ao juiz da União exercer a sua fiscalização de legalidade e, por outro, aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não correta. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na sistemática da decisão (v. acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.os 278 a 280).

    356

    A EDF acusa a Comissão de ter excluído, em violação do seu dever de fundamentação, documentos que demonstram que a medida controvertida não era uma decisão de não tributar os direitos do concedente.

    357

    Contudo, há que observar que, nos considerandos 23 a 35, 74 e 112 a 123 da decisão impugnada, a Comissão explicou as razões pelas quais considerava, com base nos elementos transmitidos pela República Francesa e, em especial, na nota de 9 de abril de 2002 (v. considerando 35 da referida decisão), que a renúncia à cobrança do imposto sobre os direitos do concedente na reclassificação destes como dotação de capital constituía uma vantagem a favor da EDF. Essa decisão não está, portanto, viciada por qualquer violação do dever de fundamentação a este respeito.

    358

    Por outro lado, a EDF acusa a Comissão de ter excluído, em violação do seu dever de fundamentação, documentos que explicavam a metodologia que devia ser adotada na aplicação do critério do investidor privado.

    359

    Uma vez que a análise das condições de aplicação do critério do investidor foi efetuada apenas a título subsidiário e que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar que o referido critério não era aplicável no caso em apreço, há que julgar inoperante a argumentação da EDF a este respeito.

    360

    Por conseguinte, há que julgar o quarto fundamento apresentado a título principal parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

    E. Quanto ao primeiro fundamento invocado a título subsidiário

    361

    O primeiro fundamento invocado a título subsidiário é relativo, por um lado, ao facto de que determinados auxílios deviam ter sido qualificados como auxílios existentes e, por outro lado, à violação do artigo 1.o, alínea b), v), e do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999.

    1.   Recordatória da decisão impugnada

    Nos termos do considerando 215 da decisão impugnada:

    «A Comissão considera também que, contrariamente à afirmação das autoridades francesas, neste caso não se aplica a regra da prescrição. É certo que a EDF criou as provisões contabilísticas com isenção fiscal de 1987 a 1996. Contudo, importa salientar, por um lado, que, segundo o Conselho Nacional da Contabilidade, as correções de erros que, pela sua própria natureza, digam respeito à contabilização das operações passadas devem ser contabilizadas no resultado do exercício durante o qual os erros são detetados e, por outro, que data de 10 de novembro de 1997 a lei que dispõe que os direitos do concedente sejam reclassificados em dotações de capital sem serem sujeitos ao imposto sobre as sociedades. Por conseguinte, a vantagem fiscal remonta a 1997 e a prescrição não se aplica a um novo auxílio concedido naquela data, pois o primeiro ato da Comissão relativo a esta medida é de 10 de julho de 2001. Além disso, nos termos do artigo 15.o do Regulamento […] n.o 659/1999, o processo contencioso suspende o prazo de prescrição».

    2.   Quanto à primeira parte, relativa à violação do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999

    a)   Argumentos das partes

    362

    A EDF considera que a medida controvertida, admitindo que seja demonstrada a qualificação como auxílio, devia, de qualquer modo, ser qualificada como auxílio existente.

    363

    A EDF sustenta que, nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, auxílios aplicados num setor inicialmente fechado à concorrência constituem auxílios existentes, qualificação que apenas perdem na data fixada para a liberalização do setor.

    364

    A EDF considera que a solução adotada pelo Tribunal Geral, no n.o 143 do seu acórdão de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, EU:T:2000:151), é transponível para o caso em apreço. Com efeito, o setor da energia elétrica foi liberalizado pela Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 1997, L 27, p. 20), que entrou em vigor em 19 de fevereiro de 1997 e previa um prazo de transposição que expirava em 19 de fevereiro de 1999. Contudo, esta diretiva foi transposta pela República Francesa apenas em 10 de fevereiro de 2000.

    365

    A EDF sustenta que, por conseguinte, qualquer medida adotada ou executada antes dessa data, admitindo que seja demonstrada a sua qualificação como auxílio de Estado, deve necessariamente ser considerada existente e não pode, portanto, ser objeto de uma injunção de recuperação. É o caso, no seu entender, da Lei n.o 97‑1026, adotada quinze meses antes do termo do prazo de transposição fixado na diretiva, na falta de qualquer medida nacional de transposição anterior à referida lei.

    366

    A Comissão contesta esta argumentação.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    367

    Importa recordar que, nos termos do considerando 4 do Regulamento n.o 659/1999, «para garantir a segurança jurídica, é conveniente definir as circunstâncias em que se deve considerar a existência de auxílio; […] a realização e o reforço do mercado interno é um processo gradual, que se reflete na evolução permanente da política de auxílios estatais; […] na sequência desta evolução, determinadas medidas, que no momento da sua execução não constituíam auxílio, podem ter entretanto passado a constituí‑lo».

    368

    Nos termos do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, entende‑se por «auxílios existentes» os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. As medidas que se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária, não são consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização.

    369

    De acordo com o artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, a data de liberalização de uma atividade provocada pela legislação comunitária deve, por conseguinte, ser tomada em consideração apenas para efeitos de excluir que, após essa data, uma medida que não constituía um auxílio antes da liberalização provocada pela legislação comunitária seja qualificada posteriormente como auxílio existente. Em contrapartida, a existência de uma data de liberalização, resultante de uma diretiva como a que está em causa no caso em apreço, não basta para excluir que uma medida possa ser qualificada como novo auxílio se, com base no critério da evolução do mercado, puder ser demonstrado que a medida fora adotada num mercado que já era, total ou parcialmente, aberto à concorrência antes da data de liberalização da atividade abrangida pelo direito comunitário (v., neste sentido, acórdão de 4 de abril de 2001, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão, T‑288/97, EU:T:2001:115, n.o 95).

    370

    Nos considerandos 196 a 204 da decisão impugnada, a Comissão expôs, sem impugnação da EDF, que apresentara um fundamento a este respeito no âmbito do recurso que deu origem ao acórdão proferido no processo T‑156/04, julgado improcedente pelo Tribunal Geral nos n.os 134 a 155 do referido acórdão, que o auxílio fora concedido no âmbito de um setor que foi gradualmente aberto à concorrência, no qual, já antes de 1997, a EDF exportava eletricidade para outros Estados‑Membros, operava por intermédio de filiais em mercados de serviços abertos à concorrência, encontrava‑se em concorrência efetiva ou potencial com outros operadores no mercado da eletricidade da União Europeia noutros Estados‑Membros e, em França, estava em concorrência com fornecedores de outras fontes de energia, como o gás.

    371

    Nestas condições, a medida controvertida não pode ser considerada uma medida preexistente que não constituía um auxílio no momento da sua execução e que se tornou um auxílio devido à evolução do mercado no termo do prazo de transposição da Diretiva 92/96.

    372

    Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento invocado a título subsidiário deve ser julgada improcedente.

    3.   Quanto à segunda parte, relativa à violação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999

    a)   Argumentos das partes

    373

    A EDF recorda, antes de mais, que a complexidade e as incertezas existentes relativamente ao estatuto patrimonial da RAG foram resolvidas pelo artigo 4.o, n.o 1, da Lei n.o 97‑1026, que refere que a RAG é considerada propriedade da EDF desde que a concessão dessa rede lhe foi atribuída.

    374

    A EDF sustenta que há, por conseguinte, que concluir, como fez a Comissão na decisão de início do procedimento (n.os 45, 49 e 52), que, através da constituição de provisões para a renovação de 1987 a 1996, a EDF beneficiara efetivamente de uma vantagem fiscal indevida, todos os anos de 1987 a 1996, vantagem essa que fora apenas parcialmente anulada pelos ajustamentos e reclassificações contabilísticas efetuadas em 1997.

    375

    Uma vez que o primeiro ato de instrução foi praticado pela Comissão em 10 de julho de 2001, nenhuma provisão constituída antes de 10 de julho de 1991 pode, portanto, entrar em linha de conta no cálculo da medida de que a EDF beneficiou, tendo em conta o prazo de prescrição previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999.

    376

    O montante dos direitos do concedente constituídos após 10 de julho de 1991 suscetível de ser qualificado como novo auxílio representa, neste caso, apenas 7,976 mil milhões de FRF num total de 14,119 mil milhões de FRF.

    377

    Além disso, a EDF alega que a Comissão modificou a sua análise da medida controvertida entre a decisão de início do procedimento e a decisão impugnada a fim de contornar a prescrição. Na sua opinião, resulta da decisão de início do procedimento que o auxílio fora constituído todos os anos desde 1987. Na decisão impugnada, a Comissão refere‑se ao conceito de consolidação do auxílio, considerando que a não tributação das provisões constituídas anteriormente constituía um auxílio à data dessa não tributação, ou seja, em 1997.

    378

    A EDF alega que a decisão de início do procedimento, que constitui a base da decisão impugnada (considerando 52 desta), retoma, de facto, a tese da vantagem seletiva que lhe foi atribuída durante o período 1987‑1996 e refere que o montante desta vantagem corresponde «à diferença entre o valor capitalizado do imposto sobre as sociedades não pago sobre as provisões durante o mesmo período e o montante do imposto sobre as sociedades por [ela] pago em 1997 na sequência da entrada em vigor do artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026.»

    379

    Ora, o método de cálculo que acabou por ser adotado na decisão impugnada não assenta na diferença entre o valor capitalizado do imposto sobre as sociedades não pago sobre as provisões durante o mesmo período e o montante do imposto sobre as sociedades pago pela EDF em 1997. No considerando 220 da referida decisão, a Comissão fixou efetivamente o valor «concedido sob a forma de isenção do imposto sobre as sociedades, no montante de 5882849762 FRF, relativo à reclassificação em capital de parte das provisões no valor de 14119065335 FRF».

    380

    Além disso, a Comissão ignora assim o conceito de auxílio existente ao qualificar como novo auxílio uma medida que anulou apenas parcialmente vantagens concedidas anteriormente (n.o 49 da decisão de início do procedimento).

    381

    Por último, a EDF alega, no essencial, que a Comissão não pode contestar uma norma de contabilidade nacional para se opor à sua argumentação relativa à existência de um novo auxílio.

    382

    A Comissão contesta estas alegações.

    b)   Apreciação do Tribunal Geral

    383

    A EDF sustenta, no essencial, que uma grande parte do auxílio prescreveu, na medida em que, na decisão de início do procedimento (n.os 45, 49 e 52), a Comissão considerou que, através da constituição de provisões para a renovação de 1987 a 1996, a EDF beneficiara efetivamente de uma vantagem fiscal indevida, todos os anos, de 1987 a 1996, vantagem essa que só fora parcialmente anulada pelos ajustamentos e as reclassificações contabilísticas efetuadas em 1997, ao passo que, na decisão impugnada, a referida instituição modificou intencionalmente a sua análise para considerar que a vantagem fora consolidada pela Lei n.o 97‑1026.

    384

    Em primeiro lugar, importa recordar que, no âmbito da reorganização do balanço da EDF, as autoridades francesas seguiram o parecer do Conselho Nacional da Contabilidade, que estabelece que as correções de erros contabilísticos que, pela sua natureza, dizem respeito à contabilização das operações passadas, «são imputadas ao resultado do exercício durante o qual foram detetados os erros». Este elemento não é impugnado pela República Francesa.

    385

    Importa observar igualmente que resulta da carta de 22 de dezembro de 1997 (v. n.o 23, supra) que, no que respeita às «provisões para a renovação que se tornaram injustificadas (38520943408 FRF) [, ou seja, as provisões não utilizadas, são reclassificadas] nos resultados transitados, nos termos do [Parecer do Conselho Nacional da Contabilidade]».

    386

    Por último, há que recordar que, na nota de 9 de abril de 2002 (anexo D.2 da réplica), a República Francesa referiu que «os direitos do concedente [correspondentes às provisões para a renovação utilizadas] aferentes à RAG [representavam] uma dívida indevida [da EDF em relação ao Estado, como figurava no balanço,] que a incorporação no capital isent[ara] de imposto de forma injustificada». A República Francesa esclareceu, nessa mesma nota, que, «sendo a RAG constituída por bens próprios, a EDF não estava obrigada perante o Estado a restituir esses bens, pelo que os montantes correspondentes que figuram na rubrica “direitos do concedente” não [constituíam] um passivo real, mas uma reserva não isenta de imposto» e que «[n]essas condições, essa reserva devia ter sido transferida, previamente à sua incorporação no capital, do passivo do estabelecimento em que figurava erradamente para uma conta de situação clara, implicando assim uma variação positiva de ativo líquido tributável, […] [podendo] a vantagem fiscal assim obtida [ser] avaliada em 5,88 mil milhões de FRF (14,119 x 41,67%)». Uma nota de rodapé fornece, a propósito destes números, o seguinte esclarecimento: «Taxa normal do imposto sobre as sociedades (31,1/3%), acrescido das contribuições suplementares em vigor para os exercícios encerrados entre 1 de janeiro de 1997 e 1 de janeiro de 1999».

    387

    Por conseguinte, não há dúvida de que a reclassificação dos direitos do concedente como dotação de capital, que se verificou em 1 de janeiro de 1997, constituía o facto gerador do imposto.

    388

    Nestas circunstâncias, não houve prescrição, uma vez que o primeiro ato de instrução fora efetuado pela Comissão em 10 de julho de 2001.

    389

    Em segundo lugar, e a título adicional, há que recordar que, nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, a Comissão deve dar início a um procedimento formal de investigação, determinando que os interessados sejam informados, sempre que, após uma investigação preliminar, tenha dúvidas quanto à compatibilidade da medida financeira em causa com o mercado comum. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a apresentar uma análise cabal do auxílio em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento, mas basta que defina suficientemente o âmbito da sua investigação, para não esvaziar de sentido o direito dos interessados de apresentar as suas observações (v. acórdão proferido no processo T‑156/04, n.o 108 e jurisprudência aí referida).

    390

    Importa, por outro lado, recordar que, de acordo com o artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, sempre que a Comissão decide dar início a um procedimento formal de investigação, a decisão de início do procedimento pode limitar‑se a resumir os elementos relevantes de facto e de direito, a incluir uma avaliação preliminar da medida estatal em causa para decidir se tem natureza de auxílio e a expor as razões que levam a duvidar da sua compatibilidade com o mercado comum (v. acórdão proferido no processo T‑156/04, n.o 109 e jurisprudência aí referida).

    391

    A decisão de início do procedimento deve, assim, dar oportunidade às partes interessadas de participarem eficazmente no procedimento formal de investigação, no qual terão a possibilidade de invocar os seus argumentos. Para o efeito, basta que as partes interessadas conheçam o raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a medida em causa podia constituir um auxílio novo incompatível com o mercado comum (v. acórdão proferido no processo T‑156/04, n.o 110 e jurisprudência aí referida).

    392

    Daqui resulta que a análise da medida constante da decisão de início do procedimento é uma análise provisória que pode, portanto, ser ajustada ou retificada pela Comissão no âmbito da decisão final.

    393

    A análise da medida controvertida que consta, no caso em apreço, da decisão de início do procedimento não era, portanto, definitiva e a Comissão agiu corretamente ao esclarecer ou retificar essa análise na decisão impugnada.

    394

    Além disso, importa salientar que, no n.o 71 da decisão de início do procedimento, a Comissão já considerara, em todo o caso, que «as reclassificações e os ajustamentos contabilísticos que [tinham] consolidado uma parte da vantagem que a EDF obtivera através da criação irregular de provisões para a renovação da RAG de alta tensão [tinham] sido registados em 1997, na sequência da aprovação pelo Parlamento francês do artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026, de 10 de novembro de 1997», que «[o] elemento de auxílio, que consiste no valor capitalizado da vantagem não anulada por essas reclassificações e esses ajustamentos, [fora] assim consolidado com o acordo das autoridades francesas no decurso do prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 e em violação do artigo 88.o, n.o 3, do Tratado» e que «[e]ste elemento de auxílio [constituía] assim um novo auxílio».

    395

    Por último, em terceiro lugar, a argumentação relativa ao caráter de auxílio novo apresentada em apoio da presente parte confunde‑se, quanto ao resto, com a que a EDF alega em apoio da primeira parte do presente fundamento, pelo que deve ser igualmente considerada improcedente, tendo em conta os fundamentos acima expostos nos n.os 367 a 372.

    396

    Consequentemente, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento invocado a título subsidiário.

    F. Quanto ao segundo fundamento invocado a título subsidiário

    1.   Argumentos das partes

    397

    A EDF sustenta, por um lado, em apoio da primeira parte, que a Comissão considerou o montante de 56886 milhões de FRF, somando o montante total das provisões para a renovação não utilizadas no balanço em 31 de dezembro de 1996 (38520 milhões de FRF) e das quantias reclassificadas como capitais próprios (18345 milhões de FRF). Ora, no seu entender, o montante total das provisões para a renovação constituídas durante o período 1987‑1996 ascende a 47943 milhões de FRF, cuja afetação foi a seguinte: 9423 milhões de FRF aos direitos do concedente por ocasião das operações de renovação das instalações da RAG que realizou entre 1987 e 1996; o restante, ou seja, 38520 milhões de FRF, a uma conta de reservas sem transitar pela conta de resultados na reestruturação do balanço.

    398

    A EDF esclarece que a diferença entre o montante total das quantias reclassificadas como capitais próprios (18345 milhões de FRF) e a utilização da provisão para a renovação afetada aos direitos do concedente (9423 milhões de FRF) é constituída por diferenças de reavaliação (4226 milhões de FRF) e financiamentos pelo concedente de determinadas instalações da RAG (4696 milhões de FRF) durante o período compreendido entre 1987 e 1996.

    399

    Por outro lado, em apoio da segunda parte, a EDF alega que a taxa do imposto sobre as sociedades que devia ter sido aplicada no cálculo do reembolso é a de 1996 e não a de 1997. No seu entender, o artigo 1.o da Lei n.o 97‑1026 instituiu uma nova contribuição adicional para o imposto sobre as sociedades igual a 15% deste imposto para os exercícios encerrados entre 1 de janeiro de 1997 e 31 de dezembro de 1998, que, por conseguinte, não existia anteriormente. Apenas estava em vigor a contribuição adicional de 10% sobre o imposto sobre as sociedades.

    400

    A EDF alega que as regularizações efetuadas por ocasião da reestruturação do seu balanço foram tributadas à taxa do imposto sobre as sociedades de 1997, ou seja, 33,33%, acrescida das duas contribuições suplementares de, respetivamente, 10% e 15% (artigos 235.o‑B ZA e ZB do Código Geral dos Impostos), ou seja, uma taxa global de 41,67%.

    401

    Ora, a regularização devia ter sido efetuada a título do exercício de 1996, a uma taxa global de 36,67%. Com efeito, o artigo 4.o da Lei n.o 97‑1026 dispõe expressamente que as instalações da RAG de energia são consideradas propriedade da EDF desde que lhe foi atribuída a concessão dessa rede.

    402

    De acordo com a EDF, era, pois, necessário raciocinar como se a EDF tivesse detido sempre a propriedade da RAG, isto é, como se nunca tivesse constituído provisões para a renovação sobre esses bens. Nessas condições, se não tivesse constituído essas provisões, ter‑se‑ia tornado devedora do imposto a título do exercício de 1996, sendo que o seu resultado fiscal após imputação dos resultados transitados de exercícios anteriores teria sido superavitário em 31 de dezembro de 1996, tendo ainda em conta outras correções relacionadas com a sua reforma contabilística. Por conseguinte, na sua opinião é efetivamente a taxa em vigor para o exercício de 1996 que deve ser aplicada ao exercício de regularização e, a fortiori, para avaliar globalmente uma eventual falta de tributação.

    403

    Por último, há que observar que o balanço que serviu de base à reestruturação é o balanço em 31 de dezembro de 1996, que o imposto pago em 1997 a título dessa reestruturação foi calculado sem ter em conta o resultado do exercício de 1997 e que os créditos fiscais disponíveis em 31 de dezembro de 1996 foram deduzidos desse imposto.

    404

    Em conclusão, a EDF considera que, seguindo este raciocínio, o montante dos direitos do concedente suscetível de ser qualificado como novo auxílio eleva‑se a 7655 milhões de FRF, aos quais há que aplicar a taxa do imposto sobre as sociedades de 1996, ou seja, 36,67%. Deste montante, deve deduzir‑se o montante da sobretributação da quantia de 38520 milhões de FRF, que foi tributada a 41,67% em vez de 36,67%, ou seja, 1926 milhões de FRF. Nestas condições, o montante do auxílio ascende a: [7976 x 36,67%] ‑ [38520 x (41,67 ‑ 36,67)] = 998,80 milhões de FRF, ou seja, 151 milhões de euros.

    405

    A Comissão contesta esta argumentação.

    2.   Apreciação do Tribunal Geral

    406

    Em apoio da primeira parte do segundo fundamento apresentado a título subsidiário, a EDF alega que foram cometidos erros de cálculo na determinação do montante das provisões para a renovação.

    407

    Por outro lado, a EDF alega, no essencial, em apoio da segunda parte, que foi um erro ter sido aplicada a taxa de tributação de 1997 para calcular a vantagem fiscal de que beneficiara e que devia ter‑se optado pela taxa aplicável em 1996, que lhe teria sido mais favorável.

    408

    Em primeiro lugar, há que recordar que a carta de 22 de dezembro de 1997 (v. n.o 23, supra) especifica, quanto aos direitos do concedente: «consolidação em dotações de capital do contravalor dos ativos corpóreos atribuídos à RAG ao abrigo de uma concessão no montante de 14119065335 FRF».

    409

    Em segundo lugar, na nota de 9 de abril de 2002 (anexo D.2 da réplica), a República Francesa referiu o seguinte:

    «[…] Importa […] distinguir a reorganização das provisões para a renovação utilizadas que constavam, segundo as informações fornecidas pela EDF, da rubrica “Direitos do concedente”, no montante de 14,119 [mil milhões de FRF] e não de 18,345 [mil milhões de FRF], da reorganização das provisões ainda não utilizadas, no montante de 38,5 [mil milhões de FRF].

    Os direitos do concedente [correspondentes às provisões para a renovação utilizadas] aferentes à RAG representam uma dívida indevida [da EDF em relação ao Estado francês, como figurava no balanço] que a incorporação no capital isentou de imposto de forma injustificada.

    […] Sendo a RAG constituída por bens próprios, a EDF não estava obrigada perante o Estado a restituir estes bens, pelo que os montantes correspondentes que figuram na rubrica “Direitos do concedente” não constituem um passivo real, mas uma reserva não isenta de imposto. Nessas condições, essa reserva devia ter sido transferida, previamente à sua incorporação no capital, do passivo do estabelecimento em que figurava erradamente para uma conta de situação clara, implicando assim uma variação positiva de ativo líquido tributável, […] [podendo] a vantagem fiscal assim obtida [ser] avaliada em 5,88 mil milhões de FRF (14,119 x 41,67%).»

    410

    Uma nota de rodapé da nota de 9 de abril de 2002 esclarece, a propósito destes valores: «Taxa normal do imposto sobre as sociedades (31,1/3%), acrescido das contribuições suplementares em vigor para os exercícios encerrados entre 1 de janeiro de 1997 e 1 de janeiro de 1999».

    411

    Em terceiro lugar, importa recordar que, no âmbito da reorganização do balanço da EDF, as autoridades francesas seguiram o parecer do Conselho Nacional da Contabilidade, que estabelece que as correções de erros contabilísticos que, pela sua natureza, dizem respeito à contabilização das operações passadas, «são imputadas ao resultado do exercício durante o qual foram detetados os erros» (v. anexo I‑8 do articulado de intervenção).

    412

    A carta de 22 de dezembro de 1997 (v. n.o 23, supra) especifica, a este respeito, que «as provisões para a renovação que se tornaram injustificadas (38520943408 FRF) [são reclassificadas] nos resultados transitados, nos termos do [Parecer do Conselho Nacional da Contabilidade]». Resulta, além disso, do anexo 3 a essa carta que essa reclassificação das provisões não utilizadas implicou uma variação de ativo líquido que foi sujeita ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66%, que, como reconhecem as partes, era a taxa de imposto aplicável em 1997.

    413

    Consequentemente, a Comissão não pode ser censurada por se ter baseado em informações relativas nomeadamente ao montante das provisões para a renovação ou à taxa de tributação aplicável, que lhe foram fornecidas pela República Francesa durante o procedimento administrativo para avaliar o montante do auxílio em causa (v., neste sentido, acórdão de 30 novembro 2009, França e França Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.os 302 e 303, confirmado em recurso pelo acórdão de 8 de dezembro de 2011, França Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.os 102 a 104).

    414

    Assim, há que julgar improcedentes as duas partes do segundo fundamento invocado a título subsidiário e, por conseguinte, este fundamento na íntegra.

    Quanto às despesas

    415

    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Além disso, nos termos do artigo 134.o, n.o 2, do referido regulamento, se forem várias as partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas. Acresce que, o artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo devem suportar as respetivas despesas.

    416

    No caso em apreço, tendo a EDF e a República Francesa sido vencidas, há que condená‑las a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Électricité de France (EDF) é condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, com exceção das efetuadas por esta em consequência da intervenção da República Francesa.

     

    3)

    A República Francesa é condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão em consequência da sua intervenção.

     

    Frimodt Nielsen

    Kreuschitz

    Półtorak

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de janeiro de 2018.

    Assinaturas

    Índice

     

    I. Antecedentes do litígio

     

    A. Introdução

     

    B. Quanto ao beneficiário do auxílio

     

    C. Quanto à constituição de provisões contabilísticas para a renovação da RAG

     

    D. Quanto à reclassificação das provisões contabilísticas

     

    E. Quanto à incidência fiscal da reclassificação das provisões contabilísticas

     

    F. Quanto à decisão de início do procedimento

     

    G. Quanto à decisão inicial da Comissão

     

    H. Quanto ao acórdão proferido no processo T‑156/04

     

    I. Quanto ao acórdão proferido no processo C‑124/10 P

     

    J. Quanto à decisão de alargamento

     

    K. Quanto à decisão impugnada

     

    II. Tramitação do processo e pedidos das partes

     

    III. Questão de direito

     

    A. Quanto ao primeiro fundamento invocado a título principal

     

    1. Argumentos das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal Geral

     

    B. Quanto ao segundo fundamento invocado a título principal

     

    1. Recapitulação da decisão impugnada

     

    2. Considerações preliminares

     

    3. Quanto à primeira parte

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    4. Quanto à segunda parte

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    5. Quanto à terceira parte

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    1) Quanto ao alegado erro de direito

     

    2) Quanto aos alegados erros de facto

     

    6. Quanto à quarta parte

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    7. Quanto à quinta parte

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    8. Conclusão quanto ao segundo fundamento invocado a título principal

     

    C. Quanto ao terceiro fundamento invocado a título principal

     

    D. Quanto ao quarto fundamento invocado a título principal

     

    1. Argumentos das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal Geral

     

    E. Quanto ao primeiro fundamento invocado a título subsidiário

     

    1. Recordatória da decisão impugnada

     

    2. Quanto à primeira parte, relativa à violação do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    3. Quanto à segunda parte, relativa à violação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999

     

    a) Argumentos das partes

     

    b) Apreciação do Tribunal Geral

     

    F. Quanto ao segundo fundamento invocado a título subsidiário

     

    1. Argumentos das partes

     

    2. Apreciação do Tribunal Geral

     

    Quanto às despesas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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