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Document 62015CJ0424

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de outubro de 2016.
Xabier Ormaetxea Garai e Bernardo Lorenzo Almendros contra Administración del Estado.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo.
Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 3.° — Imparcialidade e independência das autoridades reguladoras nacionais — Reforma institucional — Fusão da autoridade reguladora nacional com outras autoridades reguladoras — Exoneração do presidente e de um administrador da autoridade reguladora nacional fundida antes do termo dos respetivos mandatos — Motivo de exoneração não previsto pelo direito nacional.
Processo C-424/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:780

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de outubro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 3.o — Imparcialidade e independência das autoridades reguladoras nacionais — Reforma institucional — Fusão da autoridade reguladora nacional com outras autoridades reguladoras — Exoneração do presidente e de um administrador da autoridade reguladora nacional fundida antes do termo dos respetivos mandatos — Motivo de exoneração não previsto pelo direito nacional»

No processo C‑424/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Espanha), por decisão de 3 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de julho de 2015, no processo

Xabier Ormaetxea Garai,

Bernardo Lorenzo Almendros

contra

Administración del Estado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Prechal, A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação do Governo belga, por J. Van Holm e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, M. Bulterman e M. de Ree, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Rius, G. Braun e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37; retificação no JO 2013, L 241, p. 8) (a seguir «diretiva‑quadro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Xabier Ormaetxea Garai e Bernardo Lorenzo Almendros à Administración del Estado (Administração do Estado, Espanha) a respeito dos reais decretos que puseram termo aos seus mandatos, respetivamente, de administrador e de presidente da Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Comissão do Mercado das Telecomunicações, Espanha, a seguir «CMT»), uma autoridade reguladora nacional (a seguir «ARN») na aceção da diretiva‑quadro.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva‑Quadro

3

O considerando 11 da diretiva‑quadro estabelece:

«De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacional, os Estados‑Membros devem garantir a independência da autoridade ou [das ARN], com vista a garantir a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo [345.° TFUE], da neutralidade no que respeita ao regime da propriedade nos Estados‑Membros. As autoridades reguladoras nacionais devem dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, competências e meios financeiros para o desempenho das suas funções.»

4

O artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro define «[ARN]» como «o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na presente diretiva e nas diretivas específicas». Este artigo 2.o, alínea l), enumera as diretivas que, além da diretiva‑quadro, formam o quadro regulamentar aplicável em matéria de comunicações eletrónicas e que estão abrangidas pelo conceito de «diretivas específicas».

5

A Diretiva 2009/140 introduziu, no artigo 3.o da versão inicial da diretiva‑quadro, os novos n.os 3 a 3‑C, relativos à independência das ARN. O considerando 13 da Diretiva 2009/140 especifica, a este respeito:

«A independência das [ARN] deverá ser reforçada para garantir uma aplicação mais eficaz do quadro regulamentar e aumentar a sua autoridade e a previsibilidade das suas decisões. Para esse efeito, a legislação nacional deverá conter disposições que garantam expressamente que, no exercício das suas funções, a [ARN] competente para a regulação ex ante do mercado ou para a resolução de litígios entre empresas esteja protegida contra intervenções externas ou pressões políticas suscetíveis de pôr em causa a sua independência na avaliação das questões sobre as quais deva pronunciar‑se. […] Para esse efeito, deverão ser estabelecidas antecipadamente regras sobre os fundamentos para a demissão do presidente da [ARN], por forma a eliminar todas as dúvidas razoáveis quanto à neutralidade desse organismo e à sua impermeabilidade a fatores externos. É importante que as [ARN] competentes para a regulação ex ante do mercado disponham do seu próprio orçamento, para, entre outras coisas, poderem contratar pessoal qualificado em número suficiente. Para assegurar a transparência, esse orçamento deverá ser publicado anualmente.»

6

O artigo 3.o da diretiva‑quadro, sob a epígrafe «[ARN]», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às [ARN] pela presente diretiva e pelas diretivas específicas seja desempenhada por um organismo competente.

2.   Os Estados‑Membros garantirão a independência das [ARN], providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas. Os Estados‑Membros que mantenham a propriedade ou o controlo de empresas que assegurem o fornecimento de redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas garantirão uma separação total e efetiva entre a função de regulação, por um lado, e as atividades ligadas à propriedade ou à direção dessas empresas, por outro.

3.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] exerçam as suas competências com imparcialidade, transparência e tempestividade. Os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] disponham de recursos financeiros e humanos adequados para desempenhar as funções que lhes foram atribuídas.

3‑A.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5, as [ARN] responsáveis pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas [...] devem agir com independência e não procurar obter nem aceitar instruções de qualquer outro organismo relativamente ao desempenho quotidiano das funções que lhes estão atribuídas por força do direito nacional que transpõe o direito comunitário. Tal não impede que sejam sujeitas a supervisão nos termos das disposições constitucionais nacionais. Apenas os organismos de recurso estabelecidos nos termos do artigo 4.o são competentes para suspender ou anular as decisões das [ARN].

Os Estados‑Membros devem assegurar que o presidente — ou, se aplicável, os membros do órgão colegial que exercem essas funções — da [ARN] a que se refere o primeiro parágrafo ou os seus substitutos apenas possam ser exonerados se já não satisfizerem as condições requeridas para o exercício das suas funções, previamente definidas no direito nacional. A decisão de exoneração do presidente — ou, se aplicável, dos membros do órgão colegial que exercem essas funções — da [ARN] em questão deve ser tornada pública no momento da exoneração. O presidente da autoridade reguladora nacional — ou, se aplicável, os membros do órgão colegial que exercem essas funções — que tenham sido exonerados devem receber uma declaração justificativa, cuja publicação, se não se encontrar já prevista, têm o direito de exigir e que, nesse caso, deve ser publicada.

Os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] a que se refere o primeiro parágrafo tenham orçamentos anuais separados, os quais são tornados públicos. Os Estados‑Membros devem também garantir que as [ARN] disponham de recursos financeiros e humanos adequados para poderem participar ativamente no Organismo dos Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) [criado pelo Regulamento (CE) n.o 1211/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, que cria o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE) e o Gabinete (JO 2009, L 337, p. 1)] e prestar‑lhe o seu contributo.

[…]

4.   Os Estados‑Membros tornarão públicas, de modo facilmente acessível, as funções que incumbem às [ARN], nomeadamente quando tais funções forem confiadas a dois ou mais organismos. Os Estados‑Membros assegurarão, sempre que adequado, a consulta e a cooperação entre as referidas autoridades, bem como entre essas autoridades e as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação do direito da concorrência e as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação em matéria de proteção dos consumidores, em questões de interesse comum. […]

5.   As [ARN] e as autoridades nacionais reguladoras da concorrência procederão à prestação recíproca das informações necessárias à aplicação das disposições da presente diretiva e das diretivas específicas. […]

6.   Os Estados‑Membros notificarão à Comissão todas as [ARN] às quais foram atribuídas funções nos termos da presente diretiva e das diretivas específicas, bem como as respetivas responsabilidades.»

7

O artigo 4.o da diretiva‑quadro, sob a epígrafe «Direito de recurso», prevê, em substância, que os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, que permitam a qualquer utilizador ou empresa afetado por uma decisão de uma ARN interpor recurso junto de um órgão de recurso independente das partes envolvidas.

Diretiva 95/46/CE

8

O artigo 28.o da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31), sob a epígrafe «Autoridade de controlo», dispõe, no seu n.o 1:

«Cada Estado‑Membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adotadas pelos Estados‑Membros nos termos da presente diretiva.

Essas autoridades exercerão com total independência as funções que lhes forem atribuídas.»

Direito espanhol

9

O Real Decreto‑Ley 6/1996 de Liberalización de las Telecomunicaciones (Real Decreto‑Lei 6/1996, de Liberalização das Telecomunicações), de 7 de junho de 1996 (BOE n.o 139, de 8 de junho de 1996, p. 18973), criou a CMT enquanto organismo independente encarregado de zelar pela aplicação dos princípios da livre concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento no setor das telecomunicações, bem como de arbitrar os conflitos entre os operadores desse setor.

10

A Ley 2/2011 de Economía Sostenible (Lei 2/2011, relativa à economia sustentável), de 4 de março de 2011 (BOE n.o 55, de 5 de março de 2011, p. 25033), tinha por objeto a reforma do estatuto de determinados organismos de regulação e supervisão existentes, tendo designadamente em vista reforçar a sua independência. O seu artigo 13.o estabeleceu, assim, novas regras para a designação do presidente e dos administradores destes organismos, a duração e as modalidades de renovação dos respetivos mandatos. Este artigo, que se aplicava designadamente à CMT, dispunha:

«1.   O presidente e os administradores são designados pelo governo, por real decreto aprovado sob proposta do titular do Ministério competente; são escolhidos de entre pessoas de reconhecido prestígio e competência profissional, após audição do Ministro e das pessoas propostas para presidente e administradores pela comissão correspondente do Congreso de los Diputados (Congresso dos Deputados, Espanha) [...]

2.   O mandato do presidente e dos administradores tem a duração de seis anos, não renovável como membro do conselho. Os administradores são substituídos parcialmente, para assegurar a estabilidade e a continuidade do conselho.»

11

O artigo 16.o da Lei 2/2011 previa:

«O presidente e os administradores cessam as suas funções:

a)

por renúncia;

b)

no termo do mandato;

c)

devido a uma incompatibilidade superveniente;

d)

após condenação por crime doloso;

e)

devido a incapacidade permanente;

f)

por destituição decidida pelo governo em caso de violação grave dos deveres do cargo ou incumprimento das obrigações em matéria de incompatibilidades, conflitos de interesse e dever de reserva. […]»

12

A nona disposição adicional da Lei 2/2011 estabelecia medidas transitórias destinadas a adaptar a composição dos conselhos dos organismos reguladores e de supervisão em causa e da Comisión Nacional de la Competencia (Comissão Nacional da Concorrência, Espanha) à reforma implementada por esta lei. Esta disposição previa designadamente que, num prazo de dois meses a contar da entrada em vigor da referida lei, o governo devia exonerar, por real decreto, os membros dos conselhos dos organismos cujo mandato já tinha terminado na data de entrada em vigor desse real decreto, que a designação dos novos presidentes ocorreria no termo do mandato dos presidentes em exercício e que os novos administradores seriam designados a partir do momento em que o número de administradores cujo mandato não estivesse a terminar fosse inferior a seis. Quanto aos vice‑presidentes, esta disposição previa que, na data de entrada em vigor da Lei 2/2011, continuariam a exercer o seu cargo até ao termo do respetivo mandato, sendo depois suprimido o cargo de vice‑presidente de cada organismo.

13

Em 10 de maio de 2011, foram publicados o Real Decreto 667/2011 por el que se nombra Presidente de la Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones a don Bernardo Lorenzo Almendros (Real Decreto 667/2011, que nomeia Bernardo Lorenzo Almendros presidente da Comissão do Mercado das Telecomunicações), de 9 de maio de 2011 (BOE n.o 111, de 10 de maio de 2011, p 47215), e o Real Decreto 669/2011 por el que se nombra Consejero de la Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones a don Xabier Ormaetxea Garai (Real Decreto 669/2011, que nomeia Xabier Ormaetxea Garai administrador da Comissão do Mercado das Telecomunicações), de 9 de maio de 2011 (BOE n.o 111, de 10 de maio de 2011, p. 47217). Estas nomeações foram efetuadas nos termos do artigo 13.o e da nona disposição adicional da Lei 2/2011.

14

A Ley 3/2013 de creación de la Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Lei 3/2013, relativa à criação da Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência), de 4 de junho de 2013 (BOE n.o 134, de 5 de junho de 2013, p. 42191), revogou o artigo 13.o da Lei 2/2011.

15

O preâmbulo da Lei 3/2013 especifica, designadamente, que a reforma instituída por esta lei, que consiste na criação da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência, Espanha, a seguir «CNMC»), que agrupará as funções relativas ao bom funcionamento dos mercados e dos setores, até então supervisionados por diferentes autoridades reguladoras, visa otimizar as economias de escala e garantir a coerência e a eficácia da regulação de todas as indústrias de rede, em benefício dos consumidores e utilizadores. Este preâmbulo refere igualmente que a CNMC tem personalidade jurídica e plena capacidade pública e privada e atuará em total conformidade com a lei, com autonomia orgânica e funcional e com total independência do governo, das administrações públicas e dos interesses empresariais e comerciais.

16

Em conformidade com o artigo 6.o da Lei 3/2013, a CNMC é responsável pela supervisão e fiscalização do bom funcionamento dos mercados de comunicações eletrónicas. Outras disposições desta lei atribuem‑lhe funções distintas, como a de preservar e promover a concorrência em todos os mercados e setores produtivos assim como a de supervisionar e fiscalizar os setores da eletricidade e do gás, do mercado postal, do mercado da comunicação audiovisual e do setor ferroviário.

17

A segunda disposição adicional da Lei 3/2013 dispõe, no n.o 1, que a constituição da CNMC implica a extinção da Comissão Nacional da Concorrência, da Comisión Nacional de Energía (Comissão Nacional de Energia, Espanha), da CMT, da Comisión Nacional del Sector Postal (Comissão Nacional do Setor Postal, Espanha), do Comité de Regulación Ferroviaria (Comité Regulador Ferroviário, Espanha), da Comisión Nacional del Juego (Comissão Nacional dos Jogos, Espanha), da Comisión de Regulación Económica Aeroportuaria (Comissão Reguladora Económica Aeroportuária, Espanha) e do Consejo Estatal de Medios Audiovisuales (Conselho Nacional do Audiovisual, Espanha).

18

O artigo 23.o, n.o 1, da Lei 3/2013 prevê, em substância, as mesmas causas de cessação de funções dos membros do conselho de administração da CNMC que as que constavam do artigo 16.o da Lei 2/2011.

19

O Real Decreto 657/2013 por el que se aprueba el Estatuto Orgánico de la Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Real Decreto 657/2013, que aprova o Estatuto Orgânico da Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência), foi aprovado em 30 de agosto de 2013 (BOE n.o 209, de 31 de agosto de 2013, p. 63623).

20

Em 10 de setembro de 2013, foram publicados os Reais Decretos de 9 de setembro de 2013, que nomearam o presidente, o vice‑presidente e os administradores da CNMC (BOE n.o 217, pp. 66444 e segs.).

21

Em 11 de outubro de 2013, foram aprovados o Real Decreto 795/2013 por el que se dispone el cese de don Bernardo Lorenzo Almendros como Presidente de la Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Real Decreto 795/2013, que exonera Bernardo Lorenzo Almendros das funções de presidente da Comissão do Mercado das Telecomunicações) (BOE n.o 247, de 15 de outubro de 2013, p. 83736) e o Real Decreto 800/2013 por el que se dispone el cese de don Xabier Ormaetxea Garai como Consejero de la Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Real Decreto 800/2013, que exonera Xabier Ormaetxea Garai das funções de administrador da Comissão do Mercado das Telecomunicações) (BOE n.o 247, de 15 de outubro de 2013, p. 83741). Estes reais decretos preveem que estas exonerações produzem efeitos retroativos a 7 de outubro de 2013.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

X. Ormaetxea Garai e B. Lorenzo Almendros contestam perante o Tribunal Supremo (Espanha) os Reais Decretos 795/2013 e 800/2013, que os privaram dos seus mandatos, respetivamente, de administrador e de presidente da CMT. Em apoio do seu recurso, alegam, designadamente, que a sua exoneração viola o artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva‑quadro, devido ao facto de, com esses reais decretos, terem cessado as suas funções antes do termo dos respetivos mandatos sem que houvesse motivo legal de exoneração, uma vez que esses motivos estão taxativamente previstos no direito nacional. Salientam igualmente que a aprovação dos referidos reais decretos não foi precedida de nenhum processo disciplinar, que os mesmos não estão fundamentados e que não lhes foram comunicados os motivos da exoneração.

23

O órgão jurisdicional de reenvio, reportando‑se ao artigo 3.o, n.o 3‑A, segundo parágrafo, da diretiva‑quadro e aos acórdãos de 6 de março de 2008, Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (C‑82/07, EU:C:2008:143), de 6 de outubro de 2010, Base e o. (C‑389/08, EU:C:2010:584), e de 8 de abril de 2014, Comissão/Hungria (C‑288/12, EU:C:2014:237), pergunta‑se se a criação de um único organismo de supervisão e regulação dos mercados e da concorrência, que funde diversas autoridades reguladoras nacionais que eram responsáveis por diferentes setores, entre as quais a ARN na aceção da diretiva‑quadro, é compatível com o disposto nesta diretiva. Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, esta diretiva pode ser entendida no sentido de que exige que as ARN devem dispor de uma estrutura própria, não integrada noutra entidade, para que a sua independência e a sua competência técnica na aceção da referida diretiva sejam suficientemente garantidas.

24

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se igualmente sobre se, quando de uma reforma institucional deste tipo, admitindo que seja válida à luz da diretiva‑quadro, é possível não respeitar a totalidade da duração dos mandatos inicialmente conferidos aos administradores e ao presidente da ARN anteriormente em funções. Salienta, a este respeito, que tal reforma e as exonerações dela resultantes podem estar abrangidas pela liberdade dos Estados‑Membros de determinarem o modelo das suas ARN. Contudo, o facto de esta reforma ter implicado a cessação antecipada dos mandatos dos administradores anteriormente nomeados, apesar de não se verificar nenhum dos motivos de exoneração expressamente previstos no artigo 16.o da Lei 2/2011, e na falta de disposições transitórias que permitissem pôr termo e esses mandatos, pode, segundo o referido órgão jurisdicional, ser considerado contrário à exigência de independência das ARN prevista no artigo 3.o, n.os 2 e 3‑A, da diretiva‑quadro.

25

Neste contexto, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, em especial, sobre se o conceito de «independência» das ARN a que se refere a diretiva‑quadro deve ser interpretado à luz das considerações tecidas no acórdão de 8 de abril de 2014, Comissão/Hungria (C‑288/12, EU:C:2014:237), a propósito do requisito de independência das autoridades de fiscalização da proteção de dados pessoais previsto no artigo 28.o da Diretiva 95/46.

26

Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É a interpretação da [diretiva‑quadro] compatível, sob o ponto de vista da proteção efetiva dos interesses gerais que competem ao órgão regulador nacional [em matéria de redes e de serviços de comunicações eletrónicas], com a criação, pelo legislador nacional, de um órgão regulador e supervisor que responde a um modelo institucional de caráter não especializado, que reúne num só organismo os órgãos de fiscalização até então existentes no domínio da energia, das telecomunicações e da concorrência, entre outros?

2)

Devem as condições de ‘independência’ das [ARN] em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas, a que se refere o artigo 3.o, n.os 2 e 3‑A da [diretiva‑quadro], ser análogas às exigidas para as autoridades nacionais de controlo em matéria de proteção de dados pessoais nos termos do artigo 28.o da Diretiva [95/46]?

3)

É a doutrina que consta do acórdão do [Tribunal de Justiça] de 8 de abril de 2014, [Comissão/Hungria (C‑288/12, EU:C:2014:237)], aplicável a situações em que os responsáveis de uma [ARN] em matéria de telecomunicações são exonerados do respetivo cargo antes do termo do seu mandato por força de um novo quadro legal que cria um órgão supervisor que reúne várias [ARN] para setores regulados? Pode a referida exoneração antecipada de funções, em razão da mera entrada em vigor de uma nova lei nacional, e não em razão da perda superveniente dos requisitos pessoais dos seus titulares exigidos anteriormente na legislação nacional, ser considerada compatível com o disposto no artigo 3.o, n.o 3‑A, da [diretiva‑quadro]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a diretiva‑quadro deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que consiste na fusão de uma ARN na aceção desta diretiva com outras autoridades reguladoras nacionais, como as responsáveis pela concorrência, pelo setor postal e pelo setor da energia, a fim de criar um organismo regulador multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às ARN na aceção da referida diretiva.

28

Nos termos do artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro, o conceito de «ARN» designa o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na diretiva‑quadro e nas diretivas específicas. No entanto, como o Tribunal de Justiça já salientou, nem a diretiva‑quadro nem as diretivas específicas designam os organismos dos Estados‑Membros a quem estes devem confiar a missão de regulamentação atribuída às respetivas ARN (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2010, Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 23).

29

A este propósito, recorde‑se que decorre do artigo 288.o TFUE que os Estados‑Membros, aquando da transposição de uma diretiva, têm a obrigação de assegurar a sua plena eficácia, ao mesmo tempo que dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto à escolha dos meios destinados a assegurar a sua execução. Esta liberdade deixa intacta a obrigação de cada um dos Estados‑Membros destinatários adotar todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia da diretiva em causa, em conformidade com o objetivo por ela prosseguido (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2010, Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

30

Por conseguinte, embora, nestas condições, os Estados‑Membros gozem de uma autonomia institucional na organização e na estruturação das suas ARN na aceção do artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro, só a podem exercer respeitando integralmente os objetivos e as obrigações definidos nessa diretiva (acórdãos de 6 de março de 2008, Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, C‑82/07, EU:C:2008:143, n.o 24; de 6 de outubro de 2010, Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 26; e de 17 de setembro de 2015, KPN, C‑85/14, EU:C:2015:610, n.o 53).

31

Assim, no quadro de uma reforma institucional como a que está em causa no processo principal, um Estado‑Membro só pode atribuir a um organismo regulador multissetorial as tarefas que incumbem às ARN por força da diretiva‑quadro e das diretivas específicas se este organismo, no desempenho dessas funções, satisfizer os requisitos de organização e de funcionamento a que essas diretivas submetem as ARN (v., por analogia, acórdão de 6 de outubro de 2010, Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 27).

32

A este propósito, resulta do artigo 3.o, n.os 1 a 3, da diretiva‑quadro que os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às ARN seja desempenhada por um organismo competente, garantir a independência dessas ARN, providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas, e assegurar que as referidas ARN exerçam as suas competências com imparcialidade, transparência e tempestividade e disponham dos recursos financeiros e humanos adequados para desempenhar as funções que lhes foram atribuídas.

33

Acresce que, nos termos do artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva‑quadro, sem prejuízo dos casos de consulta e de cooperação com outras autoridades nacionais, previstos nos n.os 4 e 5 deste artigo, as ARN responsáveis pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas devem agir com independência e não procurar obter nem aceitar instruções de qualquer outro organismo relativamente ao desempenho quotidiano das funções que lhes estão atribuídas. De acordo com este mesmo artigo 3.o, n.o 3‑A, os Estados‑Membros devem assegurar que essas ARN tenham orçamentos anuais separados, os quais são tornados públicos, e que as mesmas ARN disponham de recursos financeiros e humanos adequados para poderem participar ativamente no ORECE e prestar‑lhe o seu contributo.

34

O artigo 3.o, n.os 4 e 6, da diretiva‑quadro prevê, além disso, que os Estados‑Membros tornem públicas, de modo facilmente acessível, as funções que incumbem às ARN e que notifiquem a Comissão de todas as ARN às quais foram atribuídas funções nos termos da diretiva‑quadro e das diretivas específicas, bem como das respetivas responsabilidades.

35

Além disso, nos termos do artigo 4.o da mesma diretiva, as decisões das ARN devem poder ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes interessadas.

36

Cumpre, pois, observar que a diretiva‑quadro não se opõe, em princípio, à fusão de uma ARN na aceção desta diretiva com outras autoridades reguladoras nacionais nem a que o conjunto forme um único organismo de regulação multissetorial, desde que, no exercício das funções atribuídas às ARN pela diretiva‑quadro e pelas diretivas específicas, esse organismo cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência previstos pela diretiva‑quadro e que as decisões que tome possam ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes interessadas (v., por analogia, acórdãos de 6 de outubro de 2010, Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 30, e de 17 de setembro de 2015, KPN, C‑85/14, EU:C:2015:610, n.o 57).

37

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a CNMC cumpre esses requisitos quando intervém no domínio das comunicações eletrónicas enquanto ARN. A este propósito, pode, todavia, observar‑se que parece resultar da Lei 3/2013 que esta contém as disposições necessárias para garantir que a CNMC exerce as funções atribuídas às ARN pela diretiva‑quadro e pelas diretivas específicas, que a CNMC está estruturada de modo a ter em conta as diferentes funções que lhe são atribuídas, que os seus órgãos dirigentes são compostos por membros cuja autoridade e competência profissional são reconhecidas nos domínios pelos quais a CNMC é responsável e que a mesma dispõe de um património próprio e independente do da Administração Geral espanhola, bem como da autonomia suficiente e da capacidade jurídica necessária à gestão dos seus recursos. Resulta igualmente do teor da Lei 3/2013 que estão previstos meios de recurso contra as decisões da CNMC.

38

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à primeira questão prejudicial que a diretiva‑quadro deve ser interpretada no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que consiste na fusão de uma ARN na aceção desta diretiva com outras autoridades reguladoras nacionais, como as responsáveis pela concorrência, pelo setor postal e pelo setor da energia, a fim de criar um organismo de regulação multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às ARN na aceção da referida diretiva, desde que, no exercício dessas funções, esse organismo cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência previstos por esta diretiva e que as decisões que tome possam ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes interessadas, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda e à terceira questão

39

Com a segunda e a terceira questão prejudicial, que devem ser analisadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que apenas devido a uma reforma institucional que consiste na fusão de uma ARN, responsável pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas, com outras autoridades reguladoras nacionais, a fim de criar um organismo de regulação multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às ARN na aceção desta diretiva, o presidente e um administrador da ARN fundida sejam exonerados antes do termo dos respetivos mandatos.

40

O artigo 3.o, n.o 3‑A, segundo parágrafo, da diretiva‑quadro prevê, em substância, que os Estados‑Membros devem assegurar que o presidente de uma ARN responsável pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas ou, se aplicável, os membros do órgão colegial que exercem essas funções na ARN apenas possam ser exonerados se já não satisfizerem as condições requeridas para o exercício das suas funções, previamente definidas no direito nacional. Além disso, de acordo com esta disposição, a decisão de exoneração deve ser tornada pública e os motivos dessa exoneração devem ser comunicados ao presidente ou aos membros do órgão colegial que exercem essas funções, que tenham sido exonerados, os quais têm o direito de exigir a sua publicação se a mesma não se encontrar já prevista.

41

No caso em análise, saliente‑se que é facto assente, por um lado, que a CMT, que era designadamente responsável pela resolução dos litígios entre empresas do setor das telecomunicações, era dirigida por um órgão colegial e, por outro, que a exoneração do presidente e do administrador da CMT, recorrentes no processo principal, a qual teve lugar antes do termo dos respetivos mandatos, resulta não da aplicação de um dos motivos de cessação de funções previstos no artigo 16.o da Lei 2/2011 mas da reforma institucional em causa no processo principal, que implicou a supressão da CMT e a atribuição das suas funções de ARN na aceção da diretiva‑quadro à CNMC.

42

É igualmente facto assente que, apesar de, na reforma resultante da Lei 2/2011, terem sido previstas medidas transitórias, isso não aconteceu na reforma resultante da Lei 3/2013, a qual teve por efeito pôr antecipadamente termo aos mandatos de presidente e de administrador da CMT dos recorrentes no processo principal.

43

Impõe‑se, pois, observar, atenta a redação do artigo 3.o, n.o 3‑A, segundo parágrafo, da diretiva‑quadro, que a exoneração em causa no processo principal não cumpre os requisitos previstos por esta disposição, uma vez que teve lugar por um motivo distinto do facto de os referidos recorrentes já não satisfazerem as condições requeridas para o exercício das suas funções, previamente definidas no direito nacional.

44

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, em razão da autonomia institucional reconhecida aos Estados‑Membros na organização e na estruturação das suas ARN, uma reforma institucional como a que está em causa no processo principal pode, não obstante, constituir um motivo legítimo de exoneração antecipada, sem colidir com a independência das ARN tal como assegurada pela diretiva‑quadro.

45

A este respeito, recorde‑se que, embora o artigo 3.o da diretiva‑quadro, na sua versão inicial, visasse, no essencial, em conformidade com o considerando 11 da mesma diretiva, garantir a independência e a imparcialidade das ARN, assegurando a separação das funções de regulamentação e de exploração, o legislador da União, com a Diretiva 2009/140 e como referido no considerando 13 desta última, pretendeu reforçar a independência das ARN, a fim de assegurar uma aplicação mais eficaz do quadro regulamentar e aumentar a sua autoridade e a previsibilidade das suas decisões (v., neste sentido, acórdão de 28 de julho de 2016, Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni, C‑240/15, EU:C:2016:608, n.os 32 e 34).

46

Assim, o considerando 13 da Diretiva 2009/140 enuncia que, para esse efeito, a legislação nacional deverá conter disposições que garantam expressamente que, no exercício das suas funções, a ARN competente para a regulação ex ante do mercado ou para a resolução de litígios entre empresas esteja protegida contra intervenções externas ou pressões políticas suscetíveis de pôr em causa a sua independência na avaliação das questões sobre as quais se deva pronunciar e que, para tal, deverão ser estabelecidas antecipadamente regras sobre os motivos da demissão do presidente da ARN, por forma a eliminar todas as dúvidas razoáveis quanto à neutralidade desse organismo e à sua impermeabilidade a fatores externos.

47

Ora, esse objetivo de reforço da independência e da imparcialidade das ARN atualmente prosseguido pela diretiva‑quadro, que encontra expressão no artigo 3.o, n.o 3‑A, desta, ficaria comprometido se apenas devido a uma reforma institucional como a que está em causa no processo principal fosse permitido pôr antecipada e imediatamente termo ao mandato de um ou vários membros do órgão colegial que dirige a ARN em causa. Com efeito, se isso fosse permitido, o risco de revogação imediata, por um motivo distinto dos previamente previstos pela lei, com o qual mesmo um único membro de tal órgão colegial poderia assim ver‑se confrontado, seria suscetível de gerar uma dúvida razoável quanto à neutralidade da ARN em causa e à sua impermeabilidade aos fatores externos e comprometer a sua independência, a sua imparcialidade e a sua autoridade.

48

Refira‑se igualmente que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, as ARN, no âmbito das funções que lhes são atribuídas pela diretiva‑quadro e pelas diretivas específicas, têm, nomeadamente, de atribuir direitos individuais e dirimir litígios entre empresas, dispõem de um certo poder regulamentar, especialmente em matéria de controlo dos preços, e podem impor obrigações às empresas com poder de mercado significativo. Aliás, o Tribunal de Justiça já afirmou que, no exercício das funções de regulamentação dos mercados de comunicações eletrónicas que lhes são atribuídas pela diretiva‑quadro, as ARN dispõem de um poder alargado, a fim de poderem apreciar as necessidades de regulamentação de um mercado, caso a caso, em função de cada situação (v., neste sentido, acórdão de 3 de dezembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑424/07, EU:C:2009:749, n.os 55 a 61).

49

Neste contexto, importa recordar que, embora a Diretiva 2009/140 tenha reforçado a independência das ARN, como salientado no n.o 45 do presente acórdão, a fim de assegurar uma aplicação mais eficaz do quadro regulamentar e aumentar a sua autoridade e a previsibilidade das suas decisões, isso não altera o facto de que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada no n.o 30 do presente acórdão, os Estados‑Membros gozam, nos limites da integral observância dos objetivos e obrigações fixados pela diretiva‑quadro, de uma autonomia institucional na organização e na estruturação das suas ARN.

50

A necessidade de respeitar a imparcialidade e a independência do presidente de uma ARN competente para a regulação ex ante do mercado ou para a resolução de litígios entre empresas, ou, se for o caso, dos membros do órgão colegial que exerce essa função, não pode, pois, constituir obstáculo à implementação de uma reforma institucional como a que está em causa no processo principal, quando os respetivos mandatos ainda estejam em vigor.

51

No entanto, incumbe ao Estado‑Membro em causa, a fim de cumprir as obrigações estabelecidas no artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva‑quadro, prever normas que garantam que a exoneração antes do termo dos seus mandatos não compromete a independência e a imparcialidade das pessoas em causa.

52

Resulta das considerações anteriores que há que responder à segunda e à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que apenas devido a uma reforma institucional que consiste na fusão de uma ARN, responsável pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas, com outras autoridades reguladoras nacionais, a fim de criar um organismo de regulação multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às ARN na aceção desta diretiva, o presidente e um administrador, membros do órgão colegial que dirige a ARN fundida, sejam exonerados antes do termo dos respetivos mandatos, quando não estejam previstas normas que garantam que essa exoneração não compromete a sua independência e imparcialidade.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que consiste na fusão de uma autoridade reguladora nacional na aceção da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, com outras autoridades reguladoras nacionais, como as responsáveis pela concorrência, pelo setor postal e pelo setor da energia, a fim de criar um organismo de regulação multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às autoridades reguladoras nacionais na aceção da referida diretiva, conforme alterada, desde que, no exercício dessas funções, esse organismo cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência previstos por esta diretiva e que as decisões que tome possam ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes interessadas, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 3.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que apenas devido a uma reforma institucional que consiste na fusão de uma autoridade reguladora nacional, responsável pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas, com outras autoridades reguladoras nacionais, a fim de criar um organismo de regulação multissetorial responsável, designadamente, pelas funções atribuídas às autoridades reguladoras nacionais na aceção desta diretiva, conforme alterada, o presidente e um administrador, membros do órgão colegial que dirige a autoridade reguladora nacional fundida, sejam exonerados antes do termo dos respetivos mandatos, quando não estejam previstas normas que garantam que essa exoneração não compromete a sua independência e imparcialidade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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