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Document 62015CJ0301

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 16 de novembro de 2016.
    Marc Soulier e Sara Doke contra Premier ministre e Ministre de la Culture et de la Communication.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État.
    Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Diretiva 2001/29/CE — Direito de autor e direitos conexos — Artigos 2.o e 3.o — Direitos de reprodução e de comunicação ao público — Alcance — Livros “indisponíveis” que não são ou já não são objeto de publicação — Regulamentação nacional que confia a uma sociedade de gestão coletiva o exercício dos direitos de exploração numérica, para fins comerciais, de livros indisponíveis — Presunção legal de acordo dos autores — Inexistência de mecanismo que garanta a informação efetiva e individualizada dos autores.
    Processo C-301/15.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:878

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    16 de novembro de 2016 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Diretiva 2001/29/CE — Direito de autor e direitos conexos — Artigos 2.° e 3.° — Direitos de reprodução e de comunicação ao público — Alcance — Livros ‘indisponíveis’ que não são ou já não são objeto de publicação — Regulamentação nacional que confia a uma sociedade de gestão coletiva o exercício dos direitos de exploração numérica, para fins comerciais, de livros indisponíveis — Presunção legal de acordo dos autores — Inexistência de mecanismo que garanta a informação efetiva e individualizada dos autores»

    No processo C‑301/15,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por decisão de 6 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2015, no processo

    Marc Soulier,

    Sara Doke

    contra

    Premier ministre

    Ministre de la Culture et de la Communication,

    sendo intervenientes:

    Société française des intérêts des auteurs de l’écrit (SOFIA):

    Joëlle Wintrebert e o.,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský (relator), M. Safjan e D. Šváby, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: V. Tourrès, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 11 de maio de 2016,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de M. Soulier e S. Doke, por F. Macrez, avocat,

    em representação da Société française des intérêts des auteurs de l’écrit (SOFIA), por C. Caron e C. Fouquet, avocats,

    em representação do Governo francês, por D. Colas e D. Segoin, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, D. Hadroušek e S. Šindelková, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze, M. Hellmann e D. Kuon, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Drwięcki e M. Nowak, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux, J. Samnadda e T. Scharf, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de julho de 2016,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.° e 5.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Marc Soulier e Sara Doke ao Premier ministre [Primeiro‑Ministro] e ao ministre de la Culture et de la Communication [Ministro da Cultura e da Comunicação], a propósito da legalidade do Decreto n.o 2013‑182, de 27 de fevereiro de 2013, relativo à aplicação dos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual e à exploração digital dos livros indisponíveis do século XX (JORF de 1 de março de 2013, p. 3835).

    Quadro jurídico

    Direito internacional

    Convenção de Berna

    3

    O artigo 2.o da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»), estabelece designadamente, nos seus n.o s 1 e 6:

    «1.   Os termos ‘obras literárias e artísticas’ compreendem todas as produções do domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão, tais como: os livros, folhetos e outros escritos; […]

    […]

    6.   As obras acima mencionadas gozam de proteção em todos os países da União. Esta proteção exerce‑se em benefício do autor e dos seus sucessores.»

    4

    Nos termos do artigo 3.o, n.o s 1 e 3, da Convenção de Berna:

    «1.   São protegidos, em virtude da presente [c]onvenção:

    a)

    Os autores nacionais de um dos países da União, pelas suas obras, publicadas ou não;

    […]

    3.   Por ‘obras publicadas’ deve entender‑se as obras editadas com o consentimento dos seus autores, qualquer que seja o modo de fabrico dos exemplares, desde que a oferta destes últimos tenha sido tal que satisfaça as necessidades razoáveis do público, tendo em conta a natureza da obra. […]»

    5

    O artigo 5.o dessa convenção prevê, designadamente, nos seus n.o s 1 e 2:

    «1.   Os autores gozam, no que respeita às obras pelas quais são protegidos em virtude da presente Convenção, nos países da União que não sejam os países de origem da obra, dos direitos que as leis respetivas concedam atualmente ou venham a conceder posteriormente aos nacionais, bem como dos direitos especialmente concedidos pela presente Convenção.

    2.   O gozo e o exercício destes direitos não estão subordinados a qualquer formalidade; este gozo e este exercício são independentes da existência de proteção no país de origem da obra. Em consequência, para além das estipulações da presente Convenção, a extensão da proteção, bem como os meios de recurso garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos, regulam‑se exclusivamente pela legislação do país onde a proteção é reclamada.»

    6

    O artigo 9.o da referida convenção dispõe, designadamente, no seu n.o 1:

    «Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente [c]onvenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução das suas obras, de qualquer maneira e sob qualquer forma.»

    7

    O artigo 11.obis da mesma convenção estabelece designadamente, no seu n.o 1:

    «Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar:

    […]

    2.°

    Qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida, quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem;

    […]»

    Tratado da OMPI sobre o direito de autor

    8

    A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor (a seguir «TDA»), que foi aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO L 89, p. 6).

    9

    Nos termos do artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre o direito de autor, com a epígrafe «Relação com a Convenção de Berna»:

    «As partes contratantes devem observar o disposto nos artigos 1.° a 21.° da Convenção de Berna e no respetivo anexo.»

    Direito da União

    10

    Os considerandos 9, 15 e 32 da Diretiva 2001/29 indicam:

    «(9)

    Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

    […]

    (15)

    A conferência diplomática realizada sob os auspícios da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em dezembro de 1996, conduziu à aprovação de dois novos tratados, o Tratado da OMPI sobre o direito de autor e o Tratado da OMPI sobre prestações e fonogramas, que tratam, respetivamente, da proteção dos autores e da proteção dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas. Estes tratados atualizam significativamente a proteção internacional do direito de autor e dos direitos conexos, incluindo no que diz respeito à denominada ‘agenda digital’, e melhoram os meios de combate contra a pirataria a nível mundial. A [União Europeia] e a maioria dos seus Estados‑Membros assinaram já os tratados e estão em curso os procedimentos para a sua ratificação pela [União] e pelos seus Estados‑Membros. A presente diretiva destina‑se também a dar execução a algumas destas novas obrigações internacionais.

    […]

    (32)

    A presente diretiva prevê uma enumeração exaustiva das exceções e limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público. Algumas exceções só são aplicáveis ao direito de reprodução, quando adequado. Esta enumeração tem em devida consideração as diferentes tradições jurídicas dos Estados‑Membros e destina‑se simultaneamente a assegurar o funcionamento do mercado interno. Os Estados‑Membros devem aplicar essas exceções e limitações de uma forma coerente, o que será apreciado quando for examinada futuramente a legislação de transposição.»

    11

    O artigo 2.o da Diretiva 2001/29, com a epígrafe «Direito de reprodução», dispõe:

    «Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

    a)

    Aos autores, para as suas obras;

    […]»

    12

    O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva, com a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê:

    «Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

    13

    O artigo 5.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Exceções e limitações», estabelece, nomeadamente, nos seus n.os 2 e 3, que os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público previstos nos artigos 2.° e 3.° da diretiva, nos casos que enumera.

    Direito francês

    14

    A Lei n.o 2012‑287, de 1 de março de 2012, relativa à exploração digital dos livros indisponíveis do século XX (JORF n.o 53, de 2 de março de 2012, p. 3986), completou o título III do livro I da primeira parte do Código da Propriedade Intelectual, consagrado à «Exploração dos direitos» relacionados com o direito de autor, com um capítulo IV que tem por epígrafe «Disposições específicas relativas à exploração digital dos livros indisponíveis» e constituído pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 desse código. Alguns destes artigos foram posteriormente alterados ou revogados pela Lei n.o 2015‑195, de 20 de fevereiro de 2015, relativa a diversas disposições de adaptação ao direito da União Europeia nos domínios da propriedade literária e artística e do património cultural (JORF de 22 de fevereiro de 2015, p. 3294).

    15

    Os artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual, conforme resultam destas duas leis, têm a seguinte redação:

    «Artigo L. 134‑1

    Consideram‑se livros indisponíveis na aceção do presente capítulo os livros publicados em França antes de 1 de janeiro de 2001 que já não são objeto de difusão comercial por um editor e que, atualmente, não são objeto de publicação sob forma impressa ou digital.

    Artigo L. 134‑2

    É criada uma base de dados pública, disponibilizada de forma livre e gratuita por um serviço de comunicação ao público em linha, que cataloga os livros indisponíveis. A Bibliothèque nationale de France assegura a sua implementação, a sua atualização e a inscrição das menções previstas nos artigos L. 134‑4, L. 134‑5 e L. 134‑6.

    […]

    Artigo L. 134‑3

    I. Quando um livro está inscrito na base de dados referida no artigo L. 134‑2 há mais de seis meses, o direito de autorizar a sua reprodução e a sua representação sob forma digital é exercido por uma sociedade de cobrança e de repartição dos direitos regulada pelo título II do livro III da presente parte, autorizada para esse efeito pelo ministro com competências em matéria de cultura.

    Salvo no caso previsto no terceiro parágrafo do artigo L. 134‑5, a reprodução e a representação do livro sob forma digital são autorizadas, mediante uma remuneração, a título não exclusivo e com uma duração limitada a cinco anos, renovável.

    II. As sociedades autorizadas têm legitimidade para defenderem os direitos de que são titulares.

    III. A autorização prevista em I é emitida tendo em consideração:

    […]

    2.

    a representação paritária dos autores e dos editores entre os associados e nos órgãos dirigentes;

    […]

    5.

    o caráter equitativo das regras de repartição das quantias recebidas pelos sucessores, quer sejam ou não partes no contrato de edição. O montante das quantias recebidas pelo autor ou pelos autores do livro não pode ser inferior ao montante das quantias recebidas pelo editor;

    6.

    os meios de prova que a sociedade propõe apresentar para identificar e encontrar os titulares de direitos para efeitos da repartição das quantias recebidas;

    […]

    Artigo L. 134‑4

    I. O autor de um livro indisponível ou o editor que dispõe do direito de reprodução sob forma impressa deste livro pode opor‑se ao exercício do direito de autorização referido no primeiro parágrafo do n..° I do artigo L. 134‑3 por uma sociedade de cobrança e de repartição dos direitos autorizada. Esta oposição é notificada por escrito ao organismo mencionado no primeiro parágrafo do artigo L. 134‑2 o mais tardar seis meses após a inscrição do livro em causa na base de dados referida no mesmo parágrafo.

    […]

    Artigo L. 134‑5

    Na falta de oposição notificada pelo autor ou pelo editor no termo do prazo previsto no n.o I do artigo L. 134‑4, a sociedade de cobrança e de repartição dos direitos propõe uma autorização de reprodução e de representação sob forma digital de um livro indisponível ao editor que dispõe do direito de reprodução deste livro sob forma impressa.

    […]

    A autorização de exploração referida no primeiro parágrafo é emitida pela sociedade de cobrança e de repartição dos direitos a título exclusivo com uma duração de dez anos tacitamente renovável.

    […]

    Na falta de aceitação da proposta referida no primeiro parágrafo […], a reprodução e a representação do livro sob forma digital são autorizadas pela sociedade de cobrança e de repartição dos direitos nas condições previstas no segundo parágrafo do n.o I do artigo L. 134‑3.

    […]

    Artigo L. 134‑6

    O autor e o editor que dispõem do direito de reprodução sob forma impressa de um livro indisponível devem notificar conjuntamente, em qualquer momento, à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos referida no artigo L. 134‑3 a sua decisão de lhe retirar o direito de autorizar a reprodução e a representação do referido livro sob forma digital.

    O autor de um livro indisponível pode decidir em qualquer momento retirar à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos mencionada no mesmo artigo L. 134‑3 o direito de autorizar a reprodução e a representação do livro sob forma digital se apresentar a prova de que é o único titular dos direitos definidos no referido artigo L. 134‑3. Esta decisão tem de lhe ser notificada.

    […]

    Artigo L. 134‑7

    As modalidades de aplicação do presente capítulo, nomeadamente as modalidades de acesso à base de dados prevista no artigo L. 134‑2, a natureza, o formato dos dados recolhidos e as medidas de publicidade mais adequadas para garantir a melhor informação possível dos sucessores, as condições de emissão e de revogação da autorização das sociedades de cobrança e de repartição dos direitos previstas no artigo L. 134‑3, são precisadas por decreto do Conseil d’État.

    Artigo L. 134‑9

    Por derrogação às disposições dos três primeiros parágrafos do artigo L. 321‑9, as sociedades autorizadas referidas no artigo L. 134‑3 utilizam para ações de apoio à criação, ações de formação de escritores e ações de promoção da leitura pública realizadas pelas bibliotecas as quantias recebidas a título de exploração dos livros indisponíveis e que não puderam ser repartidas porque os seus destinatários não foram identificados ou encontrados antes da expiração do prazo previsto no último parágrafo do artigo L. 321‑1.

    […]»

    16

    As modalidades de aplicação dos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual foram posteriormente especificadas, em conformidade com o artigo L. 134‑7 desse código, pelo Decreto n.o 2013‑182, que inseriu designadamente no referido código um artigo R. 134‑11, nos termos do qual:

    «As medidas de publicidade mencionadas no artigo L. 134‑7 comportam uma campanha de informação conduzida por iniciativa do ministério responsável pela cultura, em articulação com as sociedades de cobrança e repartição dos direitos e as organizações profissionais do setor do livro.

    Essa campanha inclui a apresentação do dispositivo relativo a um serviço de comunicação ao público em linha, uma operação de publicação em linha, a publicação de anúncios publicitários na imprensa nacional e a difusão de barras publicitárias em sítios internet de informação.

    Tem início na data prevista no primeiro parágrafo do artigo R. 134‑1 e desenrola‑se ao longo de um período de seis meses.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17

    Na aceção do Código da Propriedade Intelectual, entende‑se por «livro indisponível» um livro publicado em França antes de 1 de janeiro de 2001 e que já não é objeto de difusão comercial nem de publicação sob forma impressa ou digital. Os artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 desse código instituíram um dispositivo que visa tornar esses livros novamente acessíveis, mediante a organização da sua exploração comercial sob forma digital. O Decreto n.o 2013‑182 especificou as modalidades de aplicação dessas disposições.

    18

    Por petição registada em 2 de maio de 2013, M. Soulier e S. Doke, ambos autores de obras literárias, pediram ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) que anulasse o Decreto n.o 2013‑182.

    19

    Em apoio dos seus pedidos, alegam designadamente que os artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual instituem uma exceção ou uma limitação ao direito exclusivo de reprodução previsto no artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29 e que essa exceção ou limitação não figura entre as exceções ou limitações exaustivamente enumeradas no seu artigo 5.o

    20

    O Syndicat des écrivains de langue française (SELF), a associação Autour des auteurs e 35 pessoas singulares intervieram posteriormente na instância em apoio dos pedidos de M. Soulier e S. Doke.

    21

    Nas respetivas contestações, o Primeiro‑Ministro e o Ministro da Cultura e da Comunicação requereram que esses pedidos fossem julgados improcedentes.

    22

    A SOFIA interveio posteriormente na instância, pedindo igualmente que os referidos pedidos fossem julgados improcedentes. A SOFIA apresenta‑se como uma sociedade constituída paritariamente por autores e editores, encarregue de gerir o direito de autorizar a reprodução e a representação sob forma digital de livros indisponíveis, o direito de empréstimo público e a remuneração por cópia privada no domínio da escrita.

    23

    Após ter julgado improcedentes os fundamentos de M. Soulier e S. Doke assentes em fundamentos jurídicos diferentes dos artigos 2.° e 5.° da Diretiva 2001/29, o órgão jurisdicional de reenvio examinou os fundamentos relativos a esses artigos, começando por considerar que o tratamento desse aspeto do litígio dependia da interpretação a dar aos referidos artigos.

    24

    Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Os [artigos 2.° e 5.°] da Diretiva 2001/29 opõem‑se a que uma regulamentação como a que foi [instituída pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual], confie a sociedades autorizadas de cobrança e de repartição de direitos o exercício do direito de autorizar a reprodução e a representação sob forma digital de ‘livros indisponíveis’, permitindo ao mesmo tempo aos autores ou aos sucessores nos direitos sobre esses livros opor‑se ou pôr fim a esse exercício, nas condições por ela definidas?»

    Quanto à questão prejudicial

    Observações preliminares

    25

    É pacífico, por um lado, que a regulamentação nacional em causa no processo principal abrange não apenas o direito de autorizar a reprodução de livros indisponíveis sob forma digital, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/29, mas igualmente o direito de autorizar a respetiva representação sob essa mesma forma, e que tal representação constitui uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva.

    26

    Por outro lado, essa regulamentação não está abrangida pelo âmbito de nenhuma das exceções e limitações que os Estados‑Membros têm a faculdade de introduzir, com base no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, aos direitos de reprodução e de comunicação ao público previstos no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, dessa diretiva. Ora, a lista das exceções e das limitações autorizadas pela referida diretiva reveste caráter exaustivo, como resulta do seu considerando 32.

    27

    Daqui resulta que o artigo 5.o da Diretiva 2001/29 se afigura desprovido de pertinência para efeitos do processo principal.

    28

    Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, confie a uma sociedade autorizada de cobrança e de repartição de direitos de autor o exercício do direito de autorizar a reprodução e a comunicação ao público, sob forma digital, de livros indisponíveis, permitindo ao mesmo tempo aos autores ou sucessores nos direitos sobre esses livros opor‑se ou pôr termo a esse exercício nas condições definidas por essa regulamentação.

    Resposta do Tribunal de Justiça

    29

    O artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 dispõem, respetivamente, que os Estados‑Membros atribuem aos autores o direito exclusivo de autorizar ou de proibir a reprodução direta ou indireta, por quaisquer meios e sob qualquer forma, das suas obras e o direito exclusivo de autorizar ou proibir a comunicação ao público dessas obras.

    30

    A este respeito, importa começar por salientar que a proteção que essas disposições conferem aos autores deve ter um alcance amplo (acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International,C‑5/08, EU:C:2009:465, n.o 43, e de 1 de dezembro de 2011, Painer,C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 96).

    31

    Assim, essa proteção deve ser entendida, nomeadamente, no sentido de que não se limita ao gozo dos direitos garantidos pelo artigo 2.o, alínea a), e pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, mas de que é igualmente extensiva ao exercício dos referidos direitos.

    32

    Esta interpretação é corroborada pela Convenção de Berna, nos artigos 1.° a 21.°, que a União está obrigada a cumprir por força do artigo 1.o, n.o 4, do Tratado da OMPI sobre o direito de autor, de que a União é parte e a que a Diretiva 2001/29 visa designadamente dar execução, como indica o seu considerando 15. Com efeito, resulta do artigo 5.o, n.o 2, dessa convenção que a proteção que garante aos autores se estende quer ao gozo quer ao exercício dos direitos de reprodução e de comunicação ao público referidos no seu artigo 9.o, n.o 1, e no seu artigo 11.obis, n.o 1, que correspondem aos protegidos pela Diretiva 2001/29.

    33

    Em seguida, importa sublinhar que os direitos garantidos aos autores pelo artigo 2.o, alínea a), e pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 são de natureza preventiva, no sentido de que cada ato de reprodução ou de comunicação de uma obra ao público por parte de um terceiro requer o consentimento prévio do seu autor (quanto ao direito de reprodução, v., neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International,C‑5/08, EU:C:2009:465, n.o s 57 e 74, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 162, e, quanto ao direito de comunicação ao público, v., neste sentido, acórdãos de 15 de março de 2012, SCT Consorzio Fonografici,C‑135/10, EU:C:2012:140, n.o 75, e de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.o 15).

    34

    Daqui decorre que, sob reserva das exceções e limitações previstas, de forma exaustiva, no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, há que considerar que qualquer utilização de uma obra efetuada por um terceiro sem tal consentimento prévio lesa os direitos do autor dessa obra (v., neste sentido, acórdão de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien,C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 24 e 25).

    35

    Assim, o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não especificam a maneira como se deve manifestar o consentimento prévio do autor, de modo que essas disposições não podem ser interpretadas no sentido de que impõem que esse consentimento seja necessariamente expresso de maneira explícita. Há que considerar, pelo contrário, que as referidas disposições permitem igualmente exprimi‑lo de maneira implícita.

    36

    Assim, num processo em que era interrogado a propósito do conceito de «público novo», o Tribunal considerou que, numa situação em que um autor tinha autorizado, de maneira prévia, explícita e desprovida de reservas, a publicação dos seus artigos no sítio Internet de um editor de imprensa, sem recorrer a medidas técnicas de limitação do acesso a essas obras a partir de outros sítios Internet, se podia concluir que, em substância, esse autor tinha autorizado a comunicação das referidas obras a todos os internautas (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.os 25 a 28 e 31).

    37

    Todavia, o objetivo de proteção elevada dos autores a que se refere o considerando 9 da Diretiva 2001/29 implica que as condições em que um consentimento implícito pode ser admitido devem ser definidas estritamente, a fim de não privar de alcance o próprio princípio do consentimento prévio do autor.

    38

    Em especial, qualquer autor deve ser efetivamente informado da futura utilização da sua obra por um terceiro e dos meios à sua disposição para proibir tal utilização se o desejar.

    39

    Com efeito, na falta de informação prévia efetiva relativa a essa futura utilização, o autor não está em condições de tomar posição sobre a mesma e, assim, de a proibir, se for caso disso, de modo que a própria existência do seu consentimento implícito a esse respeito é puramente hipotético.

    40

    Por conseguinte, na falta de garantias que assegurem a informação efetiva dos autores quanto à utilização prevista das suas obras e aos meios colocados à sua disposição para a proibir, é‑lhes de facto impossível tomar posição quanto a tal utilização.

    41

    Uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal confia a uma sociedade autorizada o exercício do direito de autorizar a exploração digital de livros indisponíveis, permitindo ao mesmo tempo aos autores desses livros opor‑se a montante a esse exercício, no prazo de seis meses a contar da inscrição dos referidos livros numa base de dados estabelecida para esse efeito.

    42

    A implementação do direito de oposição instituído por essa regulamentação em benefício de todos os titulares de direitos sobre os livros em causa, designadamente dos autores, tem assim por efeito proibir a utilização dessas obras, ao passo que a falta de oposição de um determinado autor no prazo fixado pode ser analisado, à luz do artigo 2.o, alínea a), e do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, como a expressão do seu consentimento implícito à referida utilização.

    43

    Ora, não resulta da decisão de reenvio que a referida regulamentação comporte um mecanismo que garanta a informação efetiva e individualizada dos autores. Por conseguinte, não está excluído que alguns dos autores em causa não tenham na realidade o mesmo conhecimento da utilização prevista das suas obras, e que, por isso, não estejam em condições de tomar posição num determinado sentido sobre a mesma. Nestas condições, a simples falta de oposição da sua parte não pode ser vista como a expressão do seu consentimento implícito a essa utilização.

    44

    O mesmo se passa quando uma regulamentação visa livros que, embora tendo sido no passado objeto de publicação e de difusão comercial, já não o são atualmente. Este contexto particular opõe‑se a que se possa razoavelmente presumir que, na falta de oposição da sua parte, todos os autores desses livros «esquecidos» são favoráveis à «ressurreição» das suas obras, tendo em vista a utilização comercial destas sob forma digital.

    45

    É certo que a Diretiva 2001/29 não se opõe a que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, prossiga um objetivo como a exploração digital de livros indisponíveis no interesse cultural dos consumidores e da sociedade no seu conjunto. No entanto, a prossecução desse objetivo e desse interesse não pode justificar uma derrogação não prevista pelo legislador da União à proteção assegurada aos autores por essa diretiva.

    46

    Por último, importa salientar que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal permite designadamente aos autores pôr termo à exploração comercial das suas obras sob forma digital, quer atuando de comum acordo com os editores dessas obras sob forma impressa, quer sozinhos, desde que, neste caso, provem que são os titulares exclusivos de direitos sobre as referidas obras.

    47

    A este respeito, cabe recordar, em primeiro lugar, que decorre da natureza exclusiva dos direitos de reprodução e de comunicação ao público previstos no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 que os autores são as únicas pessoas a quem essa diretiva atribui, a título originário, o direito de explorar as suas obras (v., neste sentido, acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Luksan, C‑277/10, EU:C.2012:65, n.o 53).

    48

    Daqui decorre que se a Diretiva 2001/29 não proíbe os Estados‑Membros de concederem certos direitos ou certos benefícios a terceiros, como os editores, é na condição de esses direitos e benefícios não violarem os direitos que a referida diretiva atribui a título exclusivo aos autores (v., neste sentido, acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium, C‑572/13, EU:C:2015:750, n.os 47 a 49).

    49

    Por conseguinte, há que considerar que, quando o autor de uma obra decide, no âmbito da implementação de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, pôr termo à exploração dessa obra sob forma digital, esse direito deve poder ser exercido sem depender, em certos casos, da vontade concordante de pessoas diferentes daquelas que esse autor autorizou previamente a proceder a tal exploração digital, e portanto do acordo do editor, que apenas detém os direitos de exploração da referida obra sob forma impressa.

    50

    Em segundo lugar, resulta do artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de Berna, que se impõe à União pelas razões expostas no n.o 32 do presente acórdão, que o gozo e o exercício dos direitos de reprodução e de comunicação ao público atribuídos aos autores por essa convenção e que correspondem aos previstos no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não podem estar sujeitos a nenhuma formalidade.

    51

    Daqui resulta, designadamente, que, no âmbito de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, o autor de uma obra deve poder pôr termo ao exercício, por parte de um terceiro, dos direitos de exploração sob forma digital que detém sobre essa obra, proibindo‑o de qualquer utilização futura sob tal forma, sem ter de se submeter previamente, em certos casos, a uma formalidade que consista em provar que outras pessoas não são titulares de outros direitos sobre a referida obra, como os relativos à sua exploração sob forma impressa.

    52

    Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, confie a uma sociedade autorizada de cobrança e de repartição de direitos de autor o exercício do direito de autorizar a reprodução e a comunicação ao público, sob forma digital, de livros ditos «indisponíveis», isto é, livros publicados em França antes de 1 de janeiro de 2001 e que já não são objeto de difusão comercial nem de publicação sob forma impressa ou digital, permitindo ao mesmo tempo aos autores ou sucessores nos direitos desses livros opor‑se ou pôr termo a esse exercício nas condições definidas por essa regulamentação.

    Quanto às despesas

    53

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    O artigo 2.o, alínea a), e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, confie a uma sociedade autorizada de cobrança e de repartição de direitos de autor o exercício do direito de autorizar a reprodução e a comunicação ao público, sob forma digital, de livros ditos «indisponíveis», isto é, livros publicados em França antes de 1 de janeiro de 2001 e que já não são objeto de difusão comercial nem de publicação sob forma impressa ou digital, permitindo ao mesmo tempo aos autores ou sucessores nos direitos desses livros opor‑se ou pôr termo a esse exercício nas condições definidas por essa regulamentação.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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