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Document 62015CJ0081

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 2 de junho de 2016.
    Kapnoviomichania Karelia AE contra Ypourgos Oikonomikon .
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias.
    Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 92/12/CEE — Tabacos manufaturados que circulam em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo — Responsabilidade do depositário autorizado — Possibilidade de os Estados‑Membros declararem o depositário autorizado solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes a sanções pecuniárias aplicadas aos autores de um ato de contrabando — Princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.
    Processo C-81/15.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:398

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    2 de junho de 2016 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 92/12/CEE — Tabacos manufaturados que circulam em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo — Responsabilidade do depositário autorizado — Possibilidade de os Estados‑Membros declararem o depositário autorizado solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes a sanções pecuniárias aplicadas aos autores de um ato de contrabando — Princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica»

    No processo C‑81/15,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado, Grécia), por decisão de 21 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 fevereiro 2015, no processo

    Kapnoviomichania Karelia AE

    contra

    Ypourgos Oikonomikon,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, C. G. Fernlund (relator) e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Kapnoviomichania Karelia AE, por V. Antonopoulos, dikigoros,

    em representação do Governo grego, por K. Paraskevopoulou, K. Nasopoulou e S. Lekkou, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Tomat e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de janeiro de 2016,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 92/108/CEE do Conselho, de 14 de dezembro de 1992 (JO 1992, L 390, p. 124) (a seguir «Diretiva 92/12»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Kapnoviomichania Karelia AE (a seguir «Karelia») ao Ypourgos Oikonomikon (Ministério das Finanças, Grécia), a respeito de um aviso de liquidação que declara a Karelia solidariamente responsável pelos montantes de taxas e impostos especiais de consumo em razão de uma operação de contrabando.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os artigos 1.° e 3.° da Diretiva 92/12 enunciavam que esta diretiva «estabelece o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e outros impostos indiretos que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo desses produtos, com exclusão do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos impostos estabelecidos pela Comunidade» e «é aplicável, a nível comunitário, aos [...] tabacos manufaturados».

    4

    O artigo 4.o desta diretiva definia o conceito de «depositário autorizado» como «a pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a, no exercício da sua profissão, produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto».

    5

    Segundo o artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva, quando os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo provenientes ou com destino a países terceiros se encontrarem a coberto de um regime aduaneiro comunitário que não seja a colocação em livre prática, considera‑se que estão em regime de suspensão do imposto especial de consumo.

    6

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da mesma diretiva, «o imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo», o que inclui «toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão».

    7

    O artigo 13.o da Diretiva 92/12 previa que o depositário autorizado está designadamente obrigado a «[p]restar uma garantia eventual em matéria de produção, transformação e detenção, assim como uma garantia obrigatória em matéria de circulação, cujas condições serão fixadas pelas autoridades fiscais do Estado‑Membro em que o entreposto fiscal estiver autorizado».

    8

    O artigo 15.o, n.os 3 e 4, desta diretiva enunciava:

    «3.   Os riscos inerentes à circulação intracomunitária serão cobertos pela garantia prestada pelo depositário autorizado expedidor, tal como previsto no artigo 13.o ou, se for caso disso, por uma garantia solidariamente prestada pelo expedidor e pelo transportador. Se necessário, os Estados‑Membros podem exigir uma garantia ao destinatário.

    As modalidades da garantia serão fixadas pelos Estados‑Membros. A garantia deve ser válida em toda a Comunidade.

    4.   Sem prejuízo do artigo 20.o, a responsabilidade do depositário autorizado expedidor e, eventualmente, do transportador só poderá ser libertada quando se provar que o destinatário assumiu a responsabilidade dos produtos, nomeadamente através do documento de acompanhamento [...]»

    9

    O artigo 20.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva dispunha:

    «1.   Sempre que, no decurso da circulação, seja cometida uma irregularidade ou uma infração que torne exigível o imposto especial de consumo, este deverá ser cobrado no Estado‑Membro em que tiver sido cometida a irregularidade ou a infração, junto da pessoa singular ou coletiva que se constituiu garante do pagamento do imposto especial de consumo, em conformidade com o n.o 3 do artigo 15.o, sem prejuízo do recurso a ações penais.

    […]

    3.   […] Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para fazer face a eventuais infrações ou irregularidades e para impor sanções eficazes.»

    Direito grego

    10

    A Lei 2127/1993, relativa à harmonização com o direito comunitário do regime fiscal dos produtos petrolíferos, do álcool etílico e das bebidas alcoólicas, bem como dos tabacos manufaturados, e outras disposições (FEK A’ 48), transpôs a Diretiva 92/12 para o ordenamento jurídico grego. Esta lei regulava, à data dos factos em causa no processo principal, além do regime do imposto especial de consumo e o momento em que este se torna exigível, as questões relativas ao regime de suspensão do entreposto fiscal e ao depositário autorizado.

    11

    Segundo o artigo 11.o, n.o 13, da referida lei, o depositário autorizado é «responsável, perante o Estado, pelos impostos especiais de consumo que incidem sobre os produtos» e este depositário «é também responsável pelos atos que a autoridade competente eventualmente impute aos fiéis de armazém dos [seus] entrepostos».

    12

    O artigo 67.o, n.o 5, da mesma lei dispõe que «a evasão, consumada ou tentada, ao pagamento dos impostos devidos e de outros encargos, bem como a inobservância das formalidades previstas pela lei com o objetivo de evitar o pagamento dos impostos referidos e de outros encargos, é qualificada de contrabando na aceção dos artigos 89.° e seguintes da Lei 1165/1918, que aprova o Código Aduaneiro» (a seguir «Código Aduaneiro»), e que é «punida com um imposto agravado previsto na mesma lei, mesmo que as autoridades competentes considerem que não estão preenchidos os elementos do crime de contrabando».

    13

    O artigo 97.o, n.o 3, do Código Aduaneiro enuncia que «todas as pessoas em relação às quais seja certo que participaram na infração aduaneira prevista no 89.°, n.o 2, deste código serão sujeitas, proporcionalmente ao grau de participação de cada uma e independentemente das ações penais de que sejam alvo, de forma conjunta e solidária, a um imposto agravado, que pode variar entre o dobro e o décuplo dos impostos especiais de consumo e outros direitos devidos pelo objeto da infração». Segundo o artigo 97.o, n.o 5, do Código Aduaneiro, o «diretor da estância aduaneira competente elabora e emite [...] um aviso fundamentado mediante o qual exonera ou identifica, conforme o caso, os responsáveis na aceção do presente código, determina o grau de responsabilidade de cada um, os direitos aduaneiros e outros impostos devidos ou perdidos a título do objeto do ato de contrabando e procede à cobrança do imposto agravado na aceção do presente artigo, bem como, se for caso disso, dos direitos aduaneiros e outros impostos perdidos».

    14

    Segundo o artigo 99.o, n.o 2, do Código Aduaneiro, o facto de as pessoas civilmente corresponsáveis não terem conhecimento da intenção das pessoas qualificadas de autores principais de cometerem a infração não exime as primeiras da sua responsabilidade.

    15

    O artigo 108.o do Código Aduaneiro prevê:

    «O tribunal penal que se pronuncia sobre a acusação de contrabando pode, na sua sentença de condenação, declarar o proprietário ou o destinatário das mercadorias objeto do contrabando corresponsável civil e solidariamente com a pessoa condenada pelo pagamento da sanção pecuniária e nas despesas, bem como, a pedido do Estado no caso de este se ter constituído parte civil, no montante que lhe tenha sido imputado. O mesmo se aplica, ainda que o corresponsável não tenha sido acusado no processo penal, quando, no que respeita ao objeto do contrabando, o condenado tenha agido como mandatário, administrador ou representante do proprietário ou destinatário, independentemente da natureza jurídica sob a qual o mandato seja apresentado ou dissimulado. É, portanto, irrelevante saber se o mandatário agiu em nome próprio [...], se se apresenta como proprietário dos bens ou como tendo qualquer outra relação jurídica com os bens, ou se a representação efetiva do proprietário é uma representação especial ou geral, a não ser que possa provar que as pessoas acima referidas não podiam, de forma alguma, ter conhecimento da probabilidade da prática de um ato de contrabando.»

    16

    O artigo 109.o do Código Aduaneiro dispõe:

    «Além do proprietário ou destinatário do objeto do ato de contrabando, referidos no artigo anterior, o tribunal penal pode igualmente declarar que são corresponsáveis civil e solidariamente com a pessoa condenada pelo pagamento da sanção pecuniária aplicada e das despesas, bem como, a pedido do Estado caso este se tenha constituído parte civil, do montante que lhe tenha sido atribuído, os proprietários dos navios, embarcações, automóveis, veículos de tração animal, as sociedades de transporte terrestre, marítimo ou aéreo e os agentes ou representantes, qualquer que seja a sua qualidade ou designação, destes últimos ou dos proprietários dos navios, embarcações, automóveis, veículos de tração animal ou aviões, bem como os gerentes de hotéis, pousadas, cafés ou outros estabelecimentos abertos ao público, mesmo que não sejam penalmente responsáveis pelo ato de contrabando, quando este tenha sido cometido nos referidos meios de transporte, através de ou nos estabelecimentos acima referidos ou quando os mesmos tenham sido utilizados para a prática de atos de contrabando ou para dissimular os produtos objeto de um ato de contrabando, exceto se se provar que as pessoas acima referidas não podiam, de forma alguma, ter conhecimento da probabilidade da prática de um ato de contrabando.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17

    A Karelia é uma sociedade de direito grego, ativa no setor do fabrico de produtos do tabaco, que tem o estatuto de depositário autorizado. À data dos factos do processo principal, esta sociedade planeava exportar esse tipo de produtos, sujeitos a um regime suspensivo, para a Bulgária, que ainda não era membro da União Europeia.

    18

    Resulta das observações submetidas ao Tribunal de Justiça que, em 9 de junho de 1994, tendo a Karelia recebido da Bulgakommerz Ltd uma encomenda de 760 caixas de cigarros, apresentou na estância aduaneira competente uma declaração de exportação.

    19

    No entanto, esse carregamento nunca chegou ao destino, tendo o inquérito realizado pelos serviços aduaneiros revelado que o camião em que este devia ser transportado partiu vazio para a Bulgária e que o carregamento foi transbordado para outro camião. No decurso desse inquérito, o diretor de exportações da Karelia explicou que, na sequência da adjudicação da encomenda, tinha recebido uma quantia correspondente ao valor da mercadoria em causa, que tinha depositado numa conta bancária da Karelia aberta na Grécia. O diretor‑geral da Karelia alegou não saber se a Bulgakommerz existia realmente, na medida em que todas as tentativas para identificar a referida sociedade na Bulgária tinham sido em vão.

    20

    Não tendo sido apresentada a prova da saída do carregamento em causa no processo principal, a garantia bancária que a Karelia tinha constituído para cobrir o montante dos impostos especiais de consumo, a saber, 114726750 dracmas gregos (GRD) (336688,92 euros), foi executada.

    21

    Consequentemente, as autoridades aduaneiras emitiram um aviso de liquidação relativo a factos de contrabando referentes às 760 caixas de cigarros em causa. Neste aviso, declararam coautores deste ato, designadamente, as pessoas que fizeram a encomenda dos referidos cigarros, em nome da Bulgakommerz, junto do diretor de exportações da Karelia. Os montantes do imposto agravado, no valor de 573633750 GRD (1683444,60 euros), bem como impostos especiais de consumo agravados sobre o tabaco, no valor de 9880000 GRD (28994,86 euros), foram repartidos entre os autores dos factos de contrabando. No mesmo aviso, a Karelia foi declarada civil e solidariamente responsável pelo pagamento destes montantes.

    22

    O Dioikitiko Protodikeio Peiraia (Tribunal Administrativo de Primeira Instância do Pireu, Grécia) deu provimento ao recurso interposto por esta sociedade do referido aviso de liquidação, com o fundamento de que não tinha sido demonstrada a existência de qualquer relação de mandato ou de representação nem nenhuma outra relação jurídica suscetível de dissimular um mandato entre a Karelia e as pessoas qualificadas de autoras do ato de contrabando em causa.

    23

    Tendo o Ministério das Finanças interposto recurso dessa sentença, o Dioikitiko Efeteio Peiraia (Tribunal Administrativo de Recurso do Pireu, Grécia) deu provimento a esse recurso, reduzindo o montante do imposto agravado para 344180250 GRD (336688,91 euros). Esse órgão jurisdicional entendeu que, na medida em que os cigarros em causa se encontravam em regime de suspensão do imposto especial de consumo, os autores do ato de contrabando tinham atuado como mandatários da Karelia, que, na sua qualidade de depositário autorizado, era detentora das mercadorias e única responsável pela sua circulação até à sua exportação, independentemente da qualidade em que os autores do referido ato de contrabando alegaram ter atuado, a saber, motoristas, intermediários, destinatários, compradores, etc.

    24

    A Karelia interpôs recurso do acórdão do Dioikitiko Efeteio Peiraia (Tribunal Administrativo de Recurso do Pireu) para o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado, Grécia).

    25

    Na decisão de reenvio, este último órgão jurisdicional declarou que, segundo os artigos 99.°, n.o 2, 108.° e 109.° do Código Aduaneiro, os proprietários de mercadorias, os seus destinatários e os transportadores, bem como os seus agentes e representantes, são nomeadamente declarados conjunta e solidariamente responsáveis pelas consequências financeiras dos atos de contrabando, as quais incluem o pagamento dos direitos aduaneiros e dos impostos perdidos, bem como as coimas correspondentes, quando as referidas infrações são cometidas no momento em que as mercadorias em causa se encontram na sua esfera de responsabilidade profissional, por pessoas com as quais estes escolheram colaborar. Segundo o referido órgão jurisdicional, os corresponsáveis apenas ficam isentos da sua responsabilidade se provarem não ter cometido nenhuma negligência, mesmo leve, sendo esta isenção apreciada tendo em conta a diligência exigida no âmbito da sua atividade e profissão. A responsabilidade civil assim instituída, que não constitui, no direito grego, uma sanção administrativa, visa não só a cobrança dos direitos aduaneiros e impostos perdidos, mas também garantir, na medida do possível, o pagamento e, portanto, a eficácia das coimas aplicadas. O legislador considerou que os operadores acima referidos, que tiram proveito da atividade económica no âmbito da qual são praticados atos de contrabando, devem tomar todas as medidas adequadas para garantir que não serão levados, pelas pessoas com as quais têm relações comerciais, a participar em atos de contrabando.

    26

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta regulamentação nacional, interpretada à luz do disposto na Diretiva 92/12, permite declarar o depositário autorizado corresponsável civil e solidariamente com os autores dos atos de contrabando dos produtos que transitaram pelo entreposto em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo e que saíram de forma irregular desse regime.

    27

    Segundo a opinião maioritária no referido órgão jurisdicional, a responsabilidade solidária do depositário autorizado incide não só sobre o pagamento dos impostos especiais de consumo, em conformidade com a Diretiva 92/12, mas também sobre as restantes consequências financeiras, nomeadamente sobre as sanções pecuniárias aplicadas aos autores dos atos de contrabando. Isto aplica‑se independentemente de qualquer acordo especial entre o depositário e o adquirente em virtude do qual a propriedade dos bens em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo seja transferida com a entrega dos bens ao adquirente, que se encarrega do seu transporte. Esta responsabilidade agravada do depositário autorizado serve o objetivo de prevenção da fraude fiscal, porquanto incentiva este profissional a zelar pela regularidade do procedimento de exportação, tomando, no quadro das suas relações contratuais, as medidas adequadas para se proteger contra o risco de ser condenado solidariamente a suportar todas as consequências financeiras de atos de contrabando. Esta responsabilidade não é contrária ao princípio da proporcionalidade, tendo em conta a possibilidade de o depositário autorizado a afastar, se provar que agiu de boa‑fé e que tomou todas as medidas adequadas possíveis, fazendo prova da diligência exigida a um profissional advertido.

    28

    Em contrapartida, segundo a opinião minoritária no órgão jurisdicional de reenvio, o depositário autorizado apenas pode ser declarado solidariamente responsável pelo pagamento dos impostos especiais de consumo e não das quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas aos autores dos atos de contrabando. Não resulta da regulamentação grega nem da Diretiva 92/12 a presunção legal de que o depositário autorizado é proprietário dos bens que detém, que saem do seu entreposto fiscal e que são expedidos para um país terceiro em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo, até que estes cheguem ao seu destino regular ou saiam do território da União. Também não resulta da regulamentação nem da diretiva mencionadas uma presunção legal de que, até à saída dos bens do referido regime de suspensão, as pessoas singulares envolvidas, independentemente da sua qualidade, na circulação dessas mercadorias agem na qualidade de mandatários ou de representantes do depositário autorizado. Assim, a responsabilidade agravada preconizada pela opinião maioritária no órgão jurisdicional de reenvio não é necessária para assegurar a aplicação efetiva da Diretiva 92/12 e é contrária a diversos princípios do direito da União. Por um lado, é contrária ao princípio da segurança jurídica, nomeadamente ao princípio da clareza e da previsibilidade das restrições à liberdade de empresa e ao direito de propriedade do depositário autorizado. Por outro, é contrária ao princípio da proporcionalidade, na medida em que é manifestamente excessivo impor ao depositário autorizado a obrigação de pagar as coimas administrativas, cujo montante a lei prevê ser pelo menos o dobro dos impostos devidos, independentemente do seu montante, pelas infrações resultantes de comportamentos dolosos de terceiros, que não têm nenhuma das qualidades referidas no artigo 108.o do Código Aduaneiro e relativamente aos quais o referido depositário, que fez prova da diligência adequada, não pode ter qualquer controlo.

    29

    Foi nestas condições que o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve a Diretiva [92/12], à luz dos princípios gerais do direito da União, em especial dos princípios da eficácia, da segurança jurídica e da proporcionalidade, ser interpretada no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, se opõe à aplicação de uma disposição legislativa de um Estado‑Membro, como o artigo 108.o do Código Aduaneiro, nos termos da qual pode ser declarado solidariamente responsável pelo pagamento de sanções administrativas aplicáveis em caso de contrabando o depositário autorizado de produtos transportados do seu entreposto fiscal em regime de suspensão do imposto e retirados de forma irregular do referido regime em resultado de contrabando, independentemente de, no momento da prática da infração, este ser o proprietário das mercadorias segundo o direito privado, e, além disso, de existir uma relação contratual entre os autores do contrabando que participaram no referido tráfico e o depositário autorizado, da qual se pode deduzir que estes agiram como seus mandatários?»

    Quanto à questão prejudicial

    30

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 92/12, lida à luz dos princípios gerais do direito da União, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional — como a que está em causa no processo principal, que permite declarar solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas em caso de infração cometida no decurso da circulação de produtos em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, nomeadamente, os proprietários desses produtos, quando os referidos proprietários tenham com os autores da infração uma relação contratual que faz destes seus mandatários — por força da qual o depositário autorizado é declarado solidariamente responsável pelo pagamento das referidas quantias, mesmo se, segundo o direito nacional, esse depositário não era proprietário dos referidos produtos no momento em que a infração foi cometida nem tinha com os seus autores nenhuma relação contratual que fizesse destes seus mandatários.

    31

    Para responder a esta questão, importa salientar, antes de mais, que resulta da economia da Diretiva 92/12 e, designadamente, do seu artigo 13.o, do seu artigo 15.o, n.os 3 e 4, e do seu artigo 20.o, n.o 1, que o legislador conferiu um papel central ao depositário autorizado no âmbito do procedimento de circulação dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo em regime de suspensão.

    32

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 34 a 36 das suas conclusões, a Diretiva 92/12 institui, a cargo do depositário autorizado, um regime de responsabilidade por todos os riscos inerentes à circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão, e este depositário é, por conseguinte, declarado devedor do pagamento dos impostos especiais de consumo quando a sua exigibilidade é desencadeada por uma irregularidade ou infração cometida no decurso da circulação dos referidos produtos. Assim, esta responsabilidade é objetiva e baseia‑se não na culpa provada ou presumida do depositário, mas na sua participação numa atividade económica.

    33

    No caso em apreço, a responsabilidade objetiva de um depositário autorizado como a Karelia, pelo pagamento dos impostos especiais de consumo, não é contestada.

    34

    No entanto, há que analisar a questão de saber se a Diretiva 92/12 permite aos Estados‑Membros fazer também recair sobre o depositário autorizado uma responsabilidade solidária pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas aos autores de um ato de contrabando.

    35

    Segundo o artigo 20.o, n.o 3, da Diretiva 92/12, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para fazer face a eventuais infrações ou irregularidades e para impor sanções eficazes.

    36

    A este respeito, o Governo grego sustenta que resulta desta disposição uma obrigação de os Estados‑Membros preverem uma responsabilidade penal suplementar do depositário autorizado por qualquer irregularidade cometida durante a circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

    37

    É certo, como o Tribunal de Justiça já constatou por diversas vezes, que o mercado dos cigarros é particularmente propício ao desenvolvimento de um comércio ilegal (acórdão de 13 de dezembro de 2007, BATIG, C‑374/06, EU:C:2007:788, n.o 34 e jurisprudência referida). A obrigação, que decorre do artigo 20.o, n.o 3, da Diretiva 92/12, de tomar as medidas necessárias para fazer face a eventuais infrações ou irregularidades e para impor sanções eficazes deve ser interpretada à luz desta constatação.

    38

    No entanto, daqui não decorre que os Estados‑Membros estejam obrigados, por força desta disposição, a prever uma responsabilidade penal suplementar do depositário autorizado por qualquer irregularidade cometida no decurso da circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

    39

    Com efeito, em primeiro lugar, esta disposição não precisa as sanções adequadas nem as categorias de pessoas que devem ser consideradas responsáveis à luz das mesmas.

    40

    Em segundo lugar, como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, o regime de responsabilidade pelo risco previsto na Diretiva 92/12 termina com a tomada a cargo do pagamento dos impostos especiais de consumo. Assim, esta diretiva não impõe um regime de solidariedade que torne o depositário autorizado responsável pelo pagamento das quantias correspondentes às sanções pecuniárias impostas aos autores de um ato de contrabando.

    41

    Ora, embora a Diretiva 92/12 não obrigue os Estados‑Membros a prever que o depositário autorizado será solidariamente responsável pelo pagamento das quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas, coloca‑se a questão de saber se a referida diretiva se opõe a tal.

    42

    Segundo jurisprudência constante, não é contrário ao direito da União exigir que o operador tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal (acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C‑271/06, EU:C:2008:105, n.o 24 e jurisprudência referida).

    43

    Por conseguinte, há que considerar, como salientou o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, que a Diretiva 92/12 não se opõe, em princípio, a que os Estados‑Membros agravem a responsabilidade do depositário autorizado, tornando‑o solidariamente responsável pelas consequências pecuniárias das infrações constatadas no decurso da circulação dos produtos em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo.

    44

    Importa, todavia, verificar se uma responsabilidade agravada, como a que está em causa no processo principal, é conforme aos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

    45

    A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, quando os Estados‑Membros exercem as suas competências para escolher sanções adequadas no âmbito da transposição de uma diretiva, devem respeitar o princípio da segurança jurídica. Com efeito, a legislação da União deve ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares, e este imperativo de segurança jurídica impõe‑se com especial rigor quando se trata de uma regulamentação suscetível de comportar encargos financeiros, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obrigações lhes são impostas (acórdão de 16 setembro de 2008, Isle of Wight Council e o., C‑288/07, EU:C:2008:505, n.o 47 e jurisprudência referida).

    46

    Ora, numa situação como a que está em causa no processo principal, há que salientar que a responsabilidade agravada do depositário autorizado, que não conservou a propriedade dos produtos objeto da infração e não tem com os autores desta última uma relação contratual que faça dos mesmos seus mandatários, não está expressamente prevista na Diretiva 92/12 nem nas disposições do direito nacional.

    47

    Nestas condições, é forçoso constatar que as sanções suscetíveis de serem aplicadas a este depositário autorizado por força de tal legislação não parecem, tendo em conta, designadamente, as interpretações divergentes expressas no órgão jurisdicional de reenvio, suficientemente certas e previsíveis para os interessados para que se possa considerar que respondem às exigências de segurança jurídica, o que cabe, no entanto, ao referido órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    48

    Em segundo lugar, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, resulta de jurisprudência constante que, na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de inobservância dos requisitos previstos num regime instituído por esta legislação, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer a sua competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais, e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (v., nomeadamente, acórdão de 29 de julho de 2010, Profaktor Kulesza, Frankowski, Jóźwiak, Orłowski, C‑188/09, EU:C:2010:454, n.o 29).

    49

    No que diz respeito às medidas que visam prevenir a fraude fiscal, o Tribunal de Justiça considerou, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, que a repartição do risco, na sequência de uma fraude cometida por um terceiro, não é compatível com o princípio da proporcionalidade, mesmo quando um regime de tributação faz recair toda a responsabilidade do pagamento do IVA sobre o fornecedor, independentemente do facto de este estar ou não implicado na fraude cometida pelo comprador (acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt, C‑271/06, EU:C:2008:105, n.os 22 e 23).

    50

    Além disso, o Tribunal de Justiça já considerou que medidas nacionais que dão de facto origem a um sistema de responsabilidade solidária sem culpa ultrapassam o que é necessário para preservar os direitos do Fisco. Declarou, assim, que imputar a responsabilidade pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado a uma pessoa diferente do devedor, quando essa pessoa é um gerente de um entreposto fiscal autorizado vinculado às obrigações específicas da Diretiva 92/12, sem lhe permitir afastar a responsabilidade provando que é totalmente alheia à atuação do devedor do imposto, deve ser considerado incompatível com o princípio da proporcionalidade e acrescentou que seria manifestamente desproporcionado imputar a essa pessoa, de maneira incondicional, a perda de receitas fiscais causada pela atuação de um terceiro sujeito passivo, sobre a qual não tem nenhuma influência (acórdão de 21 de dezembro de 2011, Vlaamse Oliemaatschappij, C‑499/10, EU:C:2011:871, n.o 24 e jurisprudência referida).

    51

    Há que considerar que o respeito destas mesmas exigências se impõe no que se refere a uma medida como a atribuição, ao depositário autorizado, da responsabilidade pelas consequências pecuniárias de atos de contrabando.

    52

    Ora, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, segundo a opinião maioritária nesse órgão jurisdicional, o artigo 108.o do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que um depositário autorizado que tomou todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para se assegurar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude fiscal apenas se isenta dessa responsabilidade se provar que não podia de forma alguma ter conhecimento da probabilidade da prática de um ato de contrabando. Se tal for o caso, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, há que considerar que esta responsabilidade agravada do depositário autorizado implica que este poderá ser declarado solidariamente responsável pelo pagamento das quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas, mesmo se o ato de contrabando for cometido por pessoas com as quais não escolheu colaborar, e que tal dá de facto origem a um sistema de responsabilidade solidária sem culpa, que deve ser considerado desproporcionado.

    53

    Resulta do exposto que um regime de responsabilidade agravada como o que está em causa no processo principal só é suscetível de responder às exigências resultantes dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade se estiver clara e expressamente previsto na legislação nacional e for reservada ao depositário autorizado a possibilidade efetiva de afastar a sua responsabilidade.

    54

    Por conseguinte, há que responder à questão submetida que a Diretiva 92/12, lida à luz dos princípios gerais do direito da União, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional — como a que está em causa no processo principal, que permite declarar solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas em caso de infração cometida no decurso da circulação de produtos em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, nomeadamente, os proprietários desses produtos, quando os referidos proprietários tenham com os autores da infração uma relação contratual que faz destes seus mandatários — por força da qual o depositário autorizado é declarado solidariamente responsável pelo pagamento das referidas quantias, sem que possa afastar essa responsabilidade provando que é totalmente alheio à atuação dos autores da infração, mesmo se, segundo o direito nacional, esse depositário não era proprietário dos referidos produtos no momento em que a infração foi cometida nem tinha com os seus autores nenhuma relação contratual que fizesse destes seus mandatários.

    Quanto às despesas

    55

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

     

    1)

    A Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, conforme alterada pela Diretiva 92/108/CEE do Conselho, de 14 de dezembro de 1992, lida à luz dos princípios gerais do direito da União, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional — como a que está em causa no processo principal, que permite declarar solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas em caso de infração cometida no decurso da circulação de produtos em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, nomeadamente, os proprietários desses produtos, quando os referidos proprietários tenham com os autores da infração uma relação contratual que faz destes seus mandatários — por força da qual o depositário autorizado é declarado solidariamente responsável pelo pagamento das referidas quantias, sem que possa afastar essa responsabilidade provando que é totalmente alheio à atuação dos autores da infração, mesmo se, segundo o direito nacional, esse depositário não era proprietário dos referidos produtos no momento em que a infração foi cometida nem tinha com os seus autores nenhuma relação contratual que fizesse destes seus mandatários.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: grego.

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