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Document 62015CC0649

Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 30 de maio de 2017.
TV2/Danmark A/S contra Comissão Europeia.
de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107. o, n. o 1, TFUE — Serviço público de radiodifusão — Medidas adotadas pelas autoridades dinamarquesas relativamente ao radiodifusor dinamarquês TV2/Danmark — Conceito de “auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais” — Acórdão Altmark».
Processo C-649/15 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:403

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 30 de maio de 2017 ( 1 )

Processo C‑649/15 P

TV2/Danmark A/S

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Serviço público de radiodifusão — Medidas adotadas pelas autoridades dinamarquesas a favor do radiodifusor dinamarquês TV2/Danmark — Conceito de “auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais” — Acórdão Altmark»

1. 

Com o seu recurso, a TV2/Danmark A/S (a seguir «TV2 A/S») pede a anulação parcial do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia TV2/Danmark/Comissão ( 2 ), através do qual este, por um lado, anulou a Decisão 2011/839/UE da Comissão ( 3 ), na parte em que a Comissão Europeia tinha considerado que as receitas publicitárias de 1995 e 1996 pagas à TV2/Danmark por intermédio do Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado, e, por outro, negou provimento ao recurso quanto ao restante (a TV2 A/S é uma sociedade anónima de radiodifusão dinamarquesa, que foi criada para substituir, com efeitos contabilísticos e fiscais a 1 de janeiro de 2003, a empresa estatal autónoma TV2/Danmark (a seguir «TV2»). Este processo está ligado aos processos C‑656/15 P e C‑657/15 P, que também dizem respeito a recursos interpostos do acórdão recorrido e no âmbito dos quais também apresento hoje as minhas conclusões. Este processo também está relacionado com o processo que deu recentemente origem ao acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão (C‑660/15 P, EU:C:2017:178).

I. Factos na origem do litígio

2.

Uma vez que os factos na origem do presente processo são idênticos aos factos na origem do processo C‑656/15 P, remeto para os n.os 2 a 15 das minhas conclusões no referido processo, também apresentadas nesta data.

II. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3.

Pelas mesmas razões, remeto para os n.os 16 a 19 das minhas conclusões no processo C‑656/15 P.

III. Quanto ao presente recurso

4.

Em apoio do seu recurso, a TV2 A/S invoca dois fundamentos relativos, por um lado, à interpretação e à aplicação da quarta condição exigida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, a seguir «acórdão Altmark», EU:C:2003:415, e, no que respeita a estas condições, «condições Altmark»), e, por outro, à qualificação das receitas provenientes da taxa que a TV2 transferia para as suas estações regionais.

5.

Nos termos do artigo 76.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça considerou que dispunha de informações suficientes no final da fase escrita e que, como tal, não era necessário realizar uma audiência de alegações.

A. Quanto ao primeiro fundamento (quarta condição Altmark)

1.   Resumo dos argumentos das partes

6.

A TV2 A/S alega que, ao julgar improcedente o pedido principal do seu recurso, com fundamento numa interpretação e numa aplicação erradas da quarta condição Altmark, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

7.

A TV2 A/S considera, designadamente, que, tendo em conta a natureza particular da missão de serviço público da TV2 e a aplicação retroativa das condições Altmark, o Tribunal Geral não devia ter procedido a uma interpretação e a uma aplicação estritamente literais da quarta condição Altmark, antes devendo ter‑se limitado a verificar se, no caso em apreço, o seu objetivo tinha sido atingido.

8.

Com efeito, segundo a TV2 A/S, a aplicação feita pelo Tribunal Geral é impossível na medida em que o setor de atividade da TV2 é desprovido de dimensão concorrencial e mercantil e não existe, assim, uma «empresa de referência» com a qual pudesse ser efetuada a comparação exigida por aquela condição.

9.

Como tal, a TV2 A/S considera que o Tribunal Geral devia ter aplicado a quarta condição Altmark tendo em conta o seu objetivo ( 4 ), e ter constatado que, tendo em conta a fiscalização das contas da TV2 efetuada pelo Rigsrevisionen (Tribunal de Contas, Dinamarca), este objetivo tinha sido atingido e que, por conseguinte, esta condição estava preenchida.

10.

A TV2 A/S acrescenta que a sua tese é corroborada pela circunstância de, no caso em apreço, as condições Altmark terem sido aplicadas retroativamente, bem como pela violação da segurança jurídica daí resultante.

11.

O Reino da Dinamarca subscreve os argumentos invocados pela TV2 A/S em apoio do seu recurso.

12.

A Comissão e a Viasat Broadcasting UK Ltd (a seguir «Viasat») contestam a admissibilidade deste fundamento da TV2 A/S e consideram que o mesmo é, em qualquer caso, improcedente.

13.

Na sua réplica, a TV2 A/S contesta a argumentação da Comissão e da Viasat que põem em causa a admissibilidade deste fundamento, invocando, no essencial, que os seus argumentos suscitam questões de direito.

14.

Na sua tréplica, o Reino da Dinamarca alega que a questão relativa à forma como a quarta condição Altmark deve ser entendida e aplicada é uma questão de direito e as apreciações do Tribunal Geral relativas a esta questão constituem apreciações jurídicas suscetíveis de ser objeto de uma fiscalização por parte do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso.

2.   Apreciação

a)   Quanto à admissibilidade

15.

Concordo com a Comissão e com a Viasat quanto ao facto de os argumentos invocados pela TV2 A/S terem como objetivo levar o Tribunal de Justiça a proceder a uma nova apreciação dos factos dados como provados pelo Tribunal Geral. Com efeito, a TV2 A/S não apresenta um único argumento autónomo relativo a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral. Embora existam alguns argumentos relativos a questões de direito, estes últimos são indissociáveis da alegação da TV2 A/S relativa a uma interpretação errada do direito dinamarquês pelo Tribunal Geral, o que também é uma questão de facto ( 5 ).

16.

Além disso, a TV2 A/S não invoca a desvirtuação manifesta dos factos pelo Tribunal Geral. Por outro lado, neste caso, incumbia ainda à TV2 A/S provar que, se o Tribunal Geral não tivesse desvirtuado os factos (quod non), o resultado do litígio teria sido diferente, o que a TV2 A/S também não provou.

17.

Por outro lado, tal como salienta a Viasat, o recurso apenas contém críticas muito genéricas ao acórdão recorrido. De igual modo, o recurso interposto pela TV2 A/S não contém novos argumentos, consistindo, no essencial, na remissão para argumentos já invocados no Tribunal Geral, que este analisou cuidadosamente antes de julgá‑los improcedentes.

18.

Passo, ainda, a abordar algumas questões de forma mais precisa.

1) Quanto à aplicação da quarta condição Altmark tendo em conta o seu objetivo

19.

O Tribunal Geral declarou no acórdão recorrido (n.o 70) que «não se pode admitir que o setor da radiodifusão não contém uma dimensão concorrencial e mercantil», o que é contestado pela TV2 A/S para assim poder afirmar que não seria possível encontrar uma empresa de referência com a qual pudessem ser comparados os custos resultantes do serviço público que assegurava, o que conduziria a não aplicar a quarta condição Altmark em conformidade com a sua redação.

20.

Observo, desde já, que a questão de saber se existe uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada, com a qual os custos da TV2 pudessem ser comparados, é uma questão que respeita aos factos do processo que, a este título, escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça, por não ter sido invocada qualquer desvirtuação de provas e por a TV2 A/S não invocar qualquer erro de direito na sua argumentação.

21.

Acrescento que, nos n.os 51 a 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou cuidadosamente a argumentação da TV2 A/S para julgar improcedente, através de uma fundamentação muito desenvolvida, a tese segundo a qual a quarta condição Altmark devia ser objeto de uma aplicação adaptada num processo como o presente, salientando expressamente, no n.o 119 do acórdão recorrido, que era possível encontrar uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada, com a qual os custos da TV2 A/S pudessem ser comparados, e julgou improcedentes os argumentos da TV2 A/S segundo os quais não seria possível encontrar uma tal empresa.

22.

Ora, a TV2 A/S não contesta estas questões no seu recurso, nem tão‑pouco reitera a impossibilidade de fazer uma comparação com as outras empresas comerciais.

2) Quanto à insuficiência da fiscalização do Tribunal de Contas

23.

A TV2 A/S alega ainda que o Tribunal Geral devia ter declarado que a fiscalização permanente exercida pelo Tribunal de Contas para verificar se a TV2 era uma empresa bem gerida no plano económico era suficiente para garantir o cumprimento da finalidade fundamental da quarta condição Altmark.

24.

O Tribunal Geral concluiu, porém, após uma análise dos elementos de prova apresentados no caso em apreço, tal como foram expostos na decisão controvertida e apresentados ao Tribunal Geral no decurso do processo, que, «[e]m todo o caso», os argumentos invocados pela recorrente a propósito da fiscalização a posteriori da TV2 «também não resistem a uma apreciação mais detalhada».

25.

Assim, tal como salienta a Comissão, mesmo admitindo que a quarta condição Altmark não era aplicável em conformidade com a sua redação no caso em apreço, mas que era necessário, pelo contrário, proceder a uma interpretação da disposição baseada na sua finalidade, trata‑se sempre de uma questão que diz respeito aos factos do processo e, a este título, escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça.

26.

Importa sublinhar que a TV2 A/S também não invocou a desvirtuação pelo Tribunal Geral das provas que constam dos autos, nem esclareceu quais provas teriam eventualmente sido desvirtuadas pelo Tribunal Geral, nem, além disso, demonstrou a existência de erros na apreciação do Tribunal Geral que o tivessem conduzido a desvirtuar as provas que constam dos autos.

3) Se existem argumentos de direito, estes são, de qualquer forma, ineficazes

27.

Perante o Tribunal Geral, para fundamentar os seus pedidos de anulação da decisão controvertida, a TV2 A/S tinha invocado não só um erro de direito da Comissão (na parte em que esta tinha, alegadamente, utilizado uma qualificação jurídica errada no âmbito da quarta condição Altmark) mas também erros da Comissão na constatação dos factos do processo.

28.

A negação de procedência, pelo Tribunal Geral, aos fundamentos formulados pela recorrente ocorreu em duas «etapas». O Tribunal Geral referiu, em primeiro lugar, que a Comissão tinha aplicado o critério jurídico correto (a saber, a aplicação plena da quarta condição Altmark). Em seguida, verificou se o resultado do litígio teria sido diferente se a recorrente tivesse razão no que respeita ao critério jurídico a aplicar (a saber, uma aplicação da quarta condição Altmark baseada na sua finalidade). Na sua apreciação soberana dos factos, o Tribunal Geral declarou que o resultado do litígio teria sido idêntico ainda que tivesse aplicado o critério jurídico alegado pela recorrente ( 6 ).

29.

Como salienta a Comissão, uma vez que o Tribunal Geral se debruçou sobre estas duas etapas no âmbito dos fundamentos suscitados pela recorrente na primeira instância, só podia ser dado provimento ao recurso da TV2 A/S se esta provasse tanto a existência de uma desvirtuação manifesta dos factos como um erro de direito no que respeita à escolha do critério jurídico aplicável.

30.

Uma vez que a TV2 A/S não concluiu pela existência de uma desvirtuação manifesta dos factos, o Tribunal de Justiça não deve proceder à análise da questão de saber se existe um erro de direito.

31.

Com efeito, as duas questões puramente factuais e os argumentos «jurídicos» invocados pela TV2 A/S — segundo os quais, no seu caso concreto, a inexistência de uma empresa de referência a operar em condições normais de mercado e de uma dimensão comercial do serviço público de radiodifusão deveria implicar uma aplicação teleológica da quarta condição Altmark — assentam todos na premissa de que o Tribunal de Justiça fará constatações de factos diferentes das do Tribunal Geral, o que é falso.

32.

Além disso, o Tribunal Geral analisou e concluiu, a título subsidiário, nos n.os 132 a 148 do acórdão recorrido, que, se a quarta condição Altmark devesse ter sido aplicada no caso vertente no essencial ou de forma menos rigorosa, o resultado do litígio teria sido idêntico.

33.

Nestas circunstâncias, considero que a argumentação da TV2 A/S só pode ser rejeitada por ser ineficaz.

34.

Apenas por questões de exaustividade, apreciarei quanto ao mérito os argumentos da TV2 A/S.

b)   Quanto ao mérito

1) Quanto à aplicação da quarta condição Altmark tendo em conta o seu objetivo

i) A quarta condição é plenamente aplicável

35.

No que respeita à aplicação e à interpretação da quarta condição Altmark, considero que não se pode censurar o Tribunal Geral por ter violado o princípio da segurança jurídica ao declarar que esta condição se aplicava plenamente e por tê‑la aplicado de forma retroativa.

36.

Por um lado, é claro que as quatro condições Altmark são cumulativas e, por outro, tendo em conta o facto de se tratar de um acórdão de princípio — no qual o Tribunal de Justiça definiu uma série de condições de alcance geral —, não é oportuno alterar o alcance das condições estabelecidas, que incluem uma situação específica, a saber, aquela em que as empresas que beneficiam de um auxílio para o cumprimento da sua obrigação de serviço público «não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira e […], portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência» ( 7 ).

37.

Como salienta a Comissão, sendo o conceito de «auxílio de Estado» de natureza objetiva, não pode ser alvo de interpretações divergentes em função do setor em causa num determinado processo. O entendimento a seguir quanto aos setores que apresentam características particulares não é aplicável quando se trata de apreciar a existência de um auxílio de Estado (o que decorre de uma apreciação objetiva), mas pode ser aplicável quando se trata de apreciar a compatibilidade do auxílio de Estado com o mercado interno ( 8 ).

38.

Com efeito, a finalidade das condições Altmark é determinar o preço que teria sido aplicado num mercado geral (preço de mercado) para a prestação representada pelo serviço público em causa para determinar se essa prestação poderia ter sido oferecida (nas mesmas condições, sem intervenção estatal).

ii) Aplicação ratione temporis das condições Altmark

39.

A TV2 A/S põe em causa a aplicação retroativa destas condições.

40.

Basta recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 9 ), referida no n.o 79 do acórdão recorrido, segundo a qual «um acórdão prejudicial não tem valor constitutivo, mas puramente declarativo, com a consequência de que os seus efeitos remontam, em princípio, à data da entrada em vigor da norma interpretada».

41.

No mesmo número do acórdão recorrido, o Tribunal Geral notou ainda, justificadamente, que o Tribunal de Justiça não tinha decidido limitar no tempo os efeitos do seu acórdão Altmark.

42.

De facto, a argumentação da TV2 A/S parece estar sobretudo ligada às consequências financeiras que resultam para a TV2 da qualificação das medidas em causa de «auxílio de Estado», em aplicação das condições Altmark, apesar de estas medidas terem sido adotadas muito antes da prolação desse acórdão.

43.

Ora, o Tribunal Geral também refutou a possibilidade de estas eventuais consequências financeiras poderem, no caso em apreço, autorizar a TV2 A/S a pedir, em nome do princípio da segurança jurídica, a não aplicação dessas condições ( 10 ).

iii) Quanto à comparação com uma empresa média ou de referência

44.

Conforme salienta a Viasat, mesmo que se devesse entender que, no caso em apreço, não era possível efetuar uma comparação concreta com outra empresa e que todas as tentativas pertinentes para esse efeito tinham sido realizadas — o que é contestado pelo acórdão recorrido (n.o 119) —, importa ter em mente que o Reino da Dinamarca poderia ter recorrido a um processo de concurso público, uma vez que o acórdão Altmark oferece duas alternativas para cumprir a quarta condição que estabelece, a saber, a escolha de um operador do serviço público na sequência de um processo de concurso público ou uma limitação da compensação paga pelo serviço público aos custos suportados por uma empresa média bem gerida para a prestação do serviço público.

45.

Resulta dos n.os 116 e 117 do acórdão recorrido que não basta, para se considerar que a quarta condição Altmark está preenchida, provar que o próprio beneficiário é uma empresa bem gerida e adequadamente equipada (o argumento da TV2 A/S). Não fica dispensado de encontrar uma empresa de referência.

46.

Em todo o caso, o argumento da TV2 A/S segundo o qual seria possível cumprir a quarta condição Altmark no caso específico em que não se pode identificar uma empresa de referência é irrelevante no caso em apreço, uma vez que o Tribunal Geral já concluiu no n.o 119 do acórdão recorrido que é possível encontrar uma empresa de referência com a qual os custos da TV2 poderiam ser comparados.

47.

Nos n.os 52 e 53 do seu recurso, a TV2 A/S invoca os acórdãos BUPA e o./Comissão ( 11 ) e CBI/Comissão ( 12 ) para afirmar que, em função das circunstâncias, pode ser necessário adaptar a quarta condição Altmark — com base nos objetivos prosseguidos.

48.

Ora, basta referir que esta tese já foi cuidadosamente examinada pelo Tribunal Geral antes de ser rejeitada (n.os 57 a 63 e 68 a 70 do acórdão recorrido), sem que a TV2 A/S lhe tenha feito referência no seu recurso.

49.

Como se referiu no acórdão recorrido (n.os 57 e 58), as circunstâncias eram muito diferentes no processo que deu origem ao acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão (T‑289/03, EU:T:2008:29), e em nada comparáveis às do processo em apreço. Ora, a TV2 A/S não se pronuncia sobre a refutação pelo Tribunal Geral dos seus argumentos a este propósito.

50.

No que respeita ao acórdão CBI, basta observar que, nesse processo, não estava em questão autorizar uma aplicação adaptada da quarta condição Altmark. As observações do Tribunal Geral no sentido de que se tratava de um setor de atividade muito particular, o setor hospitalar, que não é necessariamente dotado de uma dimensão concorrencial e mercantil, eram, assim, irrelevantes para a apreciação da questão de saber se a quarta condição Altmark estava cumprida ( 13 ).

51.

De qualquer forma, considero (como a Comissão) que é inegável que o setor da radiodifusão de serviço público apresenta uma dimensão concorrencial e mercantil, o que o Tribunal Geral, aliás, referiu na sua apreciação soberana dos factos em apreço.

2) Quanto ao argumento baseado na fiscalização efetuada pelo Tribunal de Contas

52.

Como salienta a Viasat, os fundamentos e pedidos da TV2 A/S devem, a priori, ser entendidos no sentido de admitirem que, no caso em apreço, não está satisfeita a quarta condição Altmark interpretada à letra e, por conseguinte, que não houve nenhuma análise dos custos que uma empresa média e bem gerida teria suportado para executar estas obrigações de serviço público.

53.

Por conseguinte, a apreciação da fiscalização efetuada pelo Tribunal de Contas, em princípio, só tem pertinência se o Tribunal de Justiça considerar (o que seria, de acordo com as minhas conclusões, incorreto) que, no caso da TV2, a quarta condição Altmark devia ser objeto de uma aplicação adaptada no sentido preconizado pela TV2 A/S.

54.

Considero que o Tribunal Geral procedeu, no caso em apreço, a uma aplicação correta da quarta condição Altmark ao exigir uma comparação dos custos da TV2 com aqueles que uma empresa bem gerida e adequadamente equipada teria suportado.

55.

Ora, no caso pouco provável de o Tribunal de Justiça considerar que não havia lugar à aplicação da quarta condição Altmark em conformidade com a sua redação no caso em apreço, mas que, pelo contrário, era necessário proceder a uma aplicação da disposição baseada na sua finalidade, está assente que o Tribunal Geral concluiu, após uma análise dos elementos de prova apresentados no caso em apreço, tal como foram expostos na decisão controvertida e apresentados ao Tribunal Geral no decurso do processo, que, «[e]m todo o caso», os argumentos invocados pela recorrente a propósito da fiscalização a posteriori da TV2 «também não resist[iam] a uma apreciação mais detalhada» ( 14 ).

56.

Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser declarado inadmissível e, em todo o caso, julgado improcedente.

B. Quanto ao segundo fundamento (as receitas das estações regionais)

1.   Resumo dos argumentos das partes

57.

Através do seu segundo fundamento, a TV2 A/S alega que, uma vez que o Tribunal Geral apreciou o mérito e negou provimento ao seu segundo pedido deduzido a título subsidiário, não obstante a TV2 A/S e a Comissão não estarem em desacordo quanto à qualificação das receitas provenientes da taxa que a TV2 tinha transferido para as suas estações regionais, este decidiu ultra petita, excedeu os limites da sua fiscalização da legalidade e violou o princípio do contraditório.

58.

Por outro lado, a TV2 A/S alega que a apreciação quanto ao mérito feita pelo Tribunal Geral se baseia numa interpretação manifestamente incorreta do direito dinamarquês.

59.

Em especial, a TV2 A/S sustenta que não resulta, de modo algum, desse direito que a TV2 devia pagar uma remuneração às suas estações regionais pelo fornecimento de programas regionais difundidos pela TV2 ou que a transferência para estas estações das receitas provenientes da taxa constituía uma obrigação de remuneração que a própria TV2 assumia relativamente às referidas estações como contrapartida pelo fornecimento destes programas.

60.

O Reino da Dinamarca subscreve os argumentos invocados pela TV2 A/S em apoio do seu recurso.

61.

A Comissão e a Viasat contestam a admissibilidade deste fundamento da TV2 A/S e consideram que o mesmo é, de qualquer forma, improcedente.

62.

Designadamente, a Comissão esclarece que, se o Tribunal de Justiça não declarar este fundamento inadmissível, deveria decidir que, na medida em que a TV2 A/S expressou, no decurso da instância no Tribunal Geral, o seu acordo com a Comissão quanto ao facto de o pedido de anulação da decisão controvertida na parte em que esta qualificava de «auxílio de Estado» a transferência, da TV2 para as suas estações regionais, de receitas provenientes da taxa dever ser considerado improcedente por carecer de objeto, o Tribunal Geral deveria ter entendido que este pedido já não visava obter uma anulação da decisão controvertida quanto a esta questão e deveria tê‑lo declarado inadmissível.

63.

Neste contexto, a Comissão acrescenta que, embora seja manifesto que as referidas receitas constituem auxílios de Estado, não resulta propriamente da decisão controvertida que a Comissão teve a intenção de se pronunciar quanto a esta questão (de saber se as receitas provenientes da taxa e que a TV2 transferiu para as suas estações regionais constituíam, ou não, auxílios de Estado).

2.   Apreciação

a)   Quanto à admissibilidade

64.

A TV2 A/S invoca uma interpretação manifestamente errada do direito dinamarquês por parte do Tribunal Geral («[a]s constatações nas quais se apoia o pedido não podem ser deduzidas dos autos e estão em manifesta contradição com o direito dinamarquês» no n.o 84 do recurso).

65.

Ora, a interpretação do direito nacional é uma questão de facto que escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça.

66.

Além disso, não existe desvirtuação manifesta dos factos do processo por parte do Tribunal Geral que, além do mais, a TV2 A/S não invoca.

67.

Conforme salienta a Comissão, os factos do caso em apreço têm, incontestavelmente, uma natureza muito complexa. É, designadamente, o caso da legislação dinamarquesa na matéria, o que não facilitou a tarefa do Tribunal Geral.

68.

No entanto, esta questão em nada altera o facto de a TV2 A/S não ter esclarecido que provas terão sido, eventualmente, desvirtuadas pelo Tribunal Geral, nem ter demonstrado, além disso, a existência de erros na apreciação do Tribunal Geral que o possam ter levado a desvirtuar as provas que constam dos autos. Em vez disso, a TV2 A/S utiliza esta argumentação como pretexto para proceder, em sede de recurso, a uma nova análise mais detalhada do direito dinamarquês (v. n.os 85 a 111 do recurso) e para impugnar a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral quanto aos elementos de prova que constituem as disposições pertinentes deste direito, quando estes elementos já foram analisados de forma aprofundada no acórdão recorrido.

69.

A TV2 A/S refere os acórdãos de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés SA (C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.os 57 a 60), e de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 78 a 81), para defender que a interpretação manifestamente incorreta do direito nacional que alega está integralmente sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça.

70.

Ora, através dos seus argumentos e da nova análise do direito dinamarquês no seu recurso, a TV2 A/S impugna, na realidade, simplesmente — como aconteceu no processo que deu origem ao acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217) —, a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral quanto aos elementos de prova que constituem as disposições pertinentes do direito dinamarquês, o que já foi analisado de forma aprofundada no acórdão recorrido (n.os 166 a 173).

71.

O segundo fundamento parece‑me, assim, inadmissível.

72.

Como tal, analisarei apenas a título exaustivo o mérito dos argumentos da TV2 A/S.

b)   Quanto ao mérito

73.

A TV2 A/S alega que o Tribunal Geral se afastou dos princípios fundamentais de direito processual ao proceder, nos n.os 152 a 157 do acórdão recorrido (parte que aprecia o mérito e nega provimento ao segundo pedido formulado a título subsidiário pela TV2 A/S perante o Tribunal Geral), a uma interpretação preliminar da decisão controvertida (segundo a TV2 A/S, o Tribunal Geral não devia ter declarado que a TV2 estava sujeita a uma obrigação autónoma de pagamento a favor das suas estações regionais).

74.

Como salienta a Viasat, a circunstância de, perante o Tribunal Geral, a Comissão e a TV2 A/S terem estado de acordo quanto à interpretação da decisão controvertida não altera a liberdade deste de interpretar esta decisão, num processo em que a mesma é contestada.

75.

Com efeito, o juiz da União deve proceder à apreciação de um ato à luz da sua fundamentação, sem que a Comissão o possa modificar no decurso da instância.

76.

Por exemplo, segundo jurisprudência constante, «o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao Tribunal de Justiça [ou ao Tribunal Geral] o exercício da fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão está efetivamente fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade […]. A fundamentação deve pois, em princípio, ser comunicada ao interessado, ao mesmo tempo que a decisão de acusação. A falta de fundamentação não pode ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo no Tribunal de Justiça [ou no Tribunal Geral]» ( 15 ).

77.

Por conseguinte, considero que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao interpretar o considerando 194 da decisão controvertida, ainda que, no decurso do processo, a TV2 A/S e a Comissão tenham chegado a acordo quanto à forma de interpretar esse ato, e isto tendo em conta o facto de a TV2 A/S não ter querido desistir do seu pedido a este respeito (v. acórdão recorrido, n.os 154 e 157).

78.

No n.o 168 do acórdão recorrido ( 16 ), o Tribunal Geral decidiu, com base nos factos conforme decorriam da decisão controvertida e do processo, que não se podia considerar que a TV2 agia como simples «organismo pagador» a favor das suas estações regionais (n.o 166), mas antes que estava sujeita a uma obrigação autónoma de pagamento a favor das referidas estações (n.o 167).

79.

A apreciação efetuada pelo Tribunal Geral quanto aos factos do processo resulta, por outro lado, dos n.os 169 a 173 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral analisa a legislação dinamarquesa na base da sua conclusão.

80.

Além disso, até a Comissão (apesar dos seus argumentos apresentados nos n.os 62 e 63 das presentes conclusões) admite que as apreciações que o Tribunal Geral retirou da sua interpretação da decisão controvertida estão juridicamente corretas ( 17 ).

81.

Em todo o caso, a questão de saber se a TV2 estava sujeita a uma obrigação autónoma de pagamento a favor das suas estações regionais é uma questão que diz respeito aos factos do processo e, a este título, escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça.

82.

Decorre do que precede que o segundo fundamento deve ser declarado inadmissível e, em todo o caso, julgado improcedente. Como tal, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

C. Quanto à substituição de fundamentos

83.

A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a segunda condição Altmark estava preenchida no caso em apreço e convida o Tribunal de Justiça a proceder a uma substituição de fundamentos a este propósito.

84.

Considero que, na medida em que esta substituição não consta do seu próprio recurso do acórdão recorrido (v. minhas conclusões no processo C‑656/15 P hoje apresentadas) ( 18 ) nem de um recurso subordinado, mas sim da sua resposta ao presente recurso da TV2 A/S e que este pedido não tem por objeto que seja dado ou negado provimento, total ou parcial, ao recurso (artigo 174.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça), a Comissão não poderia alargar o objeto do presente recurso, que não incide sobre estas apreciações. O seu pedido só pode ser declarado inadmissível.

85.

Além disso, como também reconhece a Comissão, na medida em que as condições Altmark são cumulativas, esse pedido de substituição de fundamentos apenas teria interesse se fosse acolhido o primeiro fundamento do recurso da TV2 A/S, relativo à aplicação da quarta condição Altmark, o que não sucede. Por conseguinte, o referido pedido deve ser considerado, em todo o caso, improcedente.

IV. Quanto às despesas

86.

Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão e a Viasat pedido a condenação da TV2 A/S nas despesas, e tendo esta última sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la no pagamento das suas despesas.

87.

Por força do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. O Reino da Dinamarca, na qualidade de interveniente no Tribunal Geral, deve suportar as suas próprias despesas.

V. Conclusão

88.

Tendo em conta todas as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene a TV2/Danmark A/S no pagamento das despesas da Comissão Europeia e da Viasat Broadcasting UK Ltd. O Reino da Dinamarca suportará as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 24 de setembro de 2015 (T‑674/11, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2015:684).

( 3 ) Decisão de 20 de abril de 2011, relativa às medidas adotadas pela Dinamarca (C 2/03) a favor da TV2/Danmark (JO 2011, L 340, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

( 4 ) Para a TV2 A/S, seria suficiente, no essencial, para que a quarta condição Altmark estivesse preenchida, que a compensação pelas prestações de serviço público fosse utilizada de modo eficiente, a fim de a missão de serviço público ser cumprida o melhor possível com o custo menos elevado possível.

( 5 ) O facto de os argumentos da TV2 A/S assentarem principalmente nas suas declarações e explicações relativas aos factos do processo resulta de forma particularmente clara dos n.os 27 a 48, 54 a 62 e 85 a 111 do recurso. No que respeita aos argumentos da TV2 A/S baseados no direito dinamarquês, v., também, n.o 68 das presentes conclusões.

( 6 ) N.o 70 do acórdão recorrido a respeito da questão de saber se o setor da radiodifusão apresenta uma dimensão concorrencial e mercantil, n.o 119 a respeito da questão de saber se é possível encontrar uma empresa média com a qual os custos da TV2 pudessem ser comparados e n.os 132 a 148 a respeito da questão do caráter suficiente da fiscalização a posteriori da TV2 pelo Tribunal de Contas.

( 7 ) N.o 87 do acórdão Altmark.

( 8 ) É também isto que resulta da redação do Protocolo de Amesterdão, que reproduz os termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

( 9 ) Acórdão de 8 de setembro de 2011, Q‑Beef e Bosschaert (C‑89/10 e C‑96/10, EU:C:2011:555, n.o 48 e jurisprudência referida).

( 10 ) N.os 81 e 82 do acórdão recorrido.

( 11 ) Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão (T‑289/03, EU:T:2008:29).

( 12 ) Acórdão de 7 de novembro de 2012, CBI/Comissão (T‑137/10, a seguir «acórdão CBI», EU:T:2012:584).

( 13 ) Acórdão CBI, n.os 35 e 36 (v., também, n.os 289 e segs.).

( 14 ) N.o 132 do acórdão recorrido. O apreciação, pelo Tribunal Geral, dos argumentos da TV2 A/S no sentido de que a quarta condição Altmark estava preenchida «no essencial» consta dos n.os 133 a 148 do acórdão recorrido.

( 15 ) Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 462 e 463).

( 16 )

( 17 ) Com efeito, na medida em que as receitas recebidas pela TV2 foram calculadas de modo a atribuir‑lhe uma compensação pela gestão de um serviço público pelo qual era responsável, a TV2 era o beneficiário do auxílio cuja existência estava confirmada (uma vez que as quatro condições Altmark não estavam preenchidas).

( 18 ) A Comissão não contestou as apreciações do Tribunal Geral relativas à segunda condição Altmark.

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