Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62015CC0587

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 23 de março de 2017.
    Lietuvos Respublikos transporto priemonių draudikų biuras contra Gintaras Dockevičius e Jurgita Dockevičienė.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
    Reenvio prejudicial — Seguro de responsabilidade civil automóvel — Acidente ocorrido em 2006 entre veículos estacionados habitualmente em diferentes Estados‑Membros — Regulamento Geral do Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros dos Estados‑Membros — Incompetência do Tribunal de Justiça — Diretiva 2009/103/CE — Inaplicabilidade ratione temporis — Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE e 2000/26/CE — Inaplicabilidade ratione materiae — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Inaplicabilidade — Não aplicação do direito da União.
    Processo C-587/15.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:234

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 23 de março de 2017 ( 1 )

    Processo C‑587/15

    Lietuvos Respublikos transporto priemonių draudikų biuras

    contra

    Gintaras Dockevičius

    Jurgita Dockevičienė

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia)]

    «Reenvio de decisão prejudicial — Seguro de responsabilidade civil automóvel — Acidente entre veículos estacionados habitualmente em diferentes Estados‑Membros — Reembolso da indemnização paga por um serviço nacional de seguros — Ação de regresso contra as pessoas responsáveis pelo acidente — Garantias processuais»

    I. Introdução

    1.

    Em julho de 2006, ocorreu uma colisão entre dois veículos automóveis na Alemanha: um veículo registado na Lituânia e um táxi registado na Alemanha. Foram aplicadas coimas a ambos os condutores em virtude do acidente. O veículo lituano não tinha seguro. O condutor alemão instaurou uma ação judicial contra o Serviço Nacional de Seguros alemão, a fim de obter uma indemnização. Porém, as partes acabaram por chegar a um acordo amigável, sem que os tribunais alemães tivessem proferido uma decisão final sobre a matéria. O Serviço Nacional alemão pagou o montante acordado ao condutor alemão, tendo sido depois reembolsado desse montante pelo Serviço Nacional de Seguros lituano. Posteriormente, o Serviço Nacional lituano recorreu aos tribunais lituanos para recuperar esse montante junto do condutor e do proprietário do veículo registado na Lituânia.

    2.

    As questões apresentadas ao Tribunal de Justiça no presente processo dizem respeito essencialmente aos efeitos jurídicos do acordo de transação supramencionado e aos correspondentes direitos, em especial as garantias processuais, nos casos em que se pretende opor esse acordo a terceiros nos tribunais nacionais. Como referido pelo tribunal nacional, essas pessoas não participaram em nenhuma fase do processo judicial ou das negociações do acordo na Alemanha.

    3.

    No entanto, antes de poder ser feita tal análise, cumpre tratar uma questão prévia: a competência do Tribunal de Justiça. O atual regime jurídico do seguro automóvel na União Europeia é bastante complexo, consistindo em dois conjuntos de instrumentos: as diretivas seguro automóvel e o sistema da carta verde. O sistema da carta verde afigura‑se ser o instrumento aplicável no presente caso. Foi instituído pelo Regulamento Geral, um instrumento que não foi elaborado por uma instituição da União Europeia, mas publicado sob a forma de anexo de uma decisão da Comissão. Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar esse Regulamento Geral.

    II. Lei aplicável

    A. Direito da União Europeia

    1.   Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»)

    4.

    O artigo 47.o da Carta consagra o direito à ação e a um tribunal imparcial:

    «Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União Europeia tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.

    Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]»

    2.   Diretivas seguro automóvel

    5.

    Existem seis diretivas sobre seguro automóvel, das quais a última codifica as cinco anteriores.

    6.

    O artigo 2.o da Primeira Diretiva Seguro Automóvel (a seguir «Primeira Diretiva») ( 2 ) dispõe o seguinte:

    «1.   Cada Estado‑Membro abster‑se‑á de fiscalizar o seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos que tenham o seu estacionamento habitual no território de outro Estado‑Membro.

    Cada Estado‑Membro deve igualmente abster‑se de fiscalizar o referido seguro relativamente aos veículos com estacionamento habitual no território de um país terceiro que entrem no seu território, desde que provenientes de um outro Estado‑Membro. Pode, todavia, efetuar uma fiscalização por sondagem.

    2.   No que respeita aos veículos que tenham o seu estacionamento habitual no território de um dos Estados‑Membros, as disposições da presente diretiva, com exceção do previsto nos artigos 3.° e 4.°, produzem os seus efeitos:

    a partir do momento em que tenha sido concluído um acordo entre os seus Serviços Nacionais de Seguros, nos termos do qual cada Serviço nacional se responsabiliza pela regularização, nas condições fixadas pela respetiva legislação nacional do seguro obrigatório, dos sinistros ocorridos no seu território e provocados pela circulação de veículos que tenham o seu estacionamento habitual no território de um outro Estado‑Membro, estejam ou não seguros,

    a partir da data fixada pela Comissão, após esta ter verificado, em estreita colaboração com os Estados‑Membros a existência do referido acordo,

    pelo período de duração do mesmo acordo.»

    7.

    De acordo com o 1.° da Segunda Diretiva Segurança Automóvel (a seguir «Segunda Diretiva») ( 3 ):

    «[…]

    4.   Cada Estado‑Membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro referida no n.o 1.

    […]

    5.   A vítima pode, em qualquer caso, dirigir‑se diretamente ao organismo que, com base nas informações fornecidas a seu pedido pela vítima, é obrigado a dar‑lhe uma resposta fundamentada quanto ao pagamento de indemnizações.

    […]

    7.   Cada Estado‑Membro pode aplicar ao pagamento de indemnizações pelo referido organismo as respetivas disposições legislativas, regulamentares e administrativas, sem prejuízo de qualquer outra prática mais favorável às vítimas.»

    8.

    O artigo 6.o da Quarta Diretiva Seguro Automóvel (a seguir «Quarta Dretiva») ( 4 ) exige que seja paga uma indemnização à pessoa lesada num acidente ocorrido num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro da residência. Essa disposição estabelece que a parte lesada no estrangeiro pode ser indemnizada pelo organismo de indemnização do seu Estado‑Membro de residência. Estabelece ainda que o organismo de indemnização pode então pedir um reembolso da indemnização ao organismo de indemnização do Estado‑Membro de estabelecimento da seguradora que efetuou o contrato. Por seu turno, este último fica sub‑rogado nos direitos da parte lesada face à pessoa que causou o acidente ou à respetiva empresa de seguros. Os Estados‑Membros têm a obrigação de reconhecer a sub‑rogação prevista por qualquer outro Estado‑Membro.

    9.

    A Diretiva 2009/103 (Diretiva Seguro Automóvel Consolidada, a seguir «diretiva consolidada») codifica as cinco diretivas anteriores ( 5 ).

    3.   Decisão 2003/564 da Comissão

    10.

    A Decisão 2003/564/EC ( 6 ) contém, num anexo, o Regulamento Geral. O artigo 3.o do Regulamento Geral tem por objeto a gestão dos sinistros e dispõe o seguinte:

    «1.   Quando um serviço nacional é informado da ocorrência de um acidente no território do país relativamente ao qual é competente que envolva um veículo proveniente doutro país, deve proceder, sem aguardar qualquer pedido de indemnização formal, a um inquérito sobre as circunstâncias desse acidente. Deve comunicar logo que possível esse acidente à seguradora que emitiu a carta verde ou a apólice de seguro ou, se for caso disso, ao serviço nacional envolvido. O incumprimento desta obrigação não poderá todavia ser invocado contra ele.

    […]

    4.   Os sinistros devem ser geridos pelo serviço nacional com plena autonomia e em conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis no país de ocorrência do acidente em matéria de responsabilidade, indemnização das pessoas lesadas e seguro automóvel obrigatório, no melhor interesse da seguradora que emitiu a carta verde ou a apólice de seguro ou, se for caso disso, do serviço nacional envolvido.

    O serviço nacional tem a competência exclusiva relativamente a todas as questões relacionadas com a interpretação da legislação aplicável no país do acidente (mesmo quando remete para as disposições legais de outro país) e à regularização do sinistro. Sob reserva desta última disposição, o serviço nacional notificará, se tal lhe for pedido expressamente, a seguradora ou o serviço nacional envolvido antes de tomar uma decisão definitiva.»

    11.

    O artigo 5.o diz respeito às condições de reembolso entre os respetivos serviços nacionais.

    12.

    Nos termos do artigo 6.o, cada serviço nacional garante o reembolso pelos seus membros de todos os montantes solicitados nos termos do disposto no artigo 5.o

    B. Direito lituano

    13.

    O artigo 17.o, n.o 4, da Transporto priemonių valdytojų civilinės atsakomybės privalomojo draudimo įstatymas (Lei relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos) estabelece o seguinte: «O Serviço Nacional pagará uma indemnização devida pelos danos causados noutro Estado‑Membro da União Europeia em conformidade com a legislação desse outro Estado‑Membro da União Europeia (cujo Serviço Nacional de Seguros tenha assinado o Regulamento Geral) se a pessoa responsável, cujo veículo automóvel tem o seu estacionamento habitual no território da República da Lituânia, não estiver seguro a título de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos. […] O Serviço Nacional também pagará indemnizações nos demais casos, em conformidade com os requisitos do Regulamento Geral».

    14.

    O artigo 23.o, n.o 5, dessa lei tem a seguinte redação: «Após ter pago o montante reclamado pelo organismo de indemnização de outro Estado‑Membro da União Europeia, o Serviço Nacional terá direito de recuperar os montantes pagos junto da pessoa responsável que não subscreveu um seguro ou da seguradora da pessoa responsável pelo acidente.»

    III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

    15.

    Em 20 de julho de 2006, ocorreu na Alemanha um acidente de viação com a colisão de um veículo registado na Alemanha, conduzido por K. Floros, e um veículo registado na Lituânia, conduzido por G. Dockevičius (e pertencente a J. Dockevičienė). Não tendo sido possível apurar o responsável pelo acidente, as autoridades alemãs aplicaram coimas de 35 euros e 60 euros, respetivamente, a K. Floros e a G. Dockevičius. Aparentemente, o veículo registado na Lituânia não estava coberto por seguro à data do acidente.

    16.

    Em 11 de outubro de 2010, K. Floros apresentou um pedido de indemnização pelos danos causados ao seu veículo junto do Deutsches Büro Grüne Karte e.V. (Serviço Nacional de Seguros alemão, a seguir «Serviço Nacional A»), o qual foi indeferido.

    17.

    Consequentemente, K. Floros instaurou uma ação judicial contra o Serviço Nacional A no Landgericht Frankfurt‑am‑Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha), na qual pediu uma indemnização no valor de 10831,77 euros.

    18.

    Por decisão proferida à revelia em 27 de dezembro de 2010, devido à ausência de K. Floros, esse órgão jurisdicional julgou improcedente a ação. Posteriormente, em 8 de agosto de 2011, a 25.a Secção Cível do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha) confirmou a improcedência da ação, mas com outro fundamento: a existência de deficiências na descrição factual do acidente.

    19.

    K. Floros interpôs recurso no Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Superior Regional de Frankfurt am Main, Alemanha). Num despacho de 31 de janeiro de 2012, este órgão jurisdicional concluiu que a decisão proferida em primeira instância continha erros atribuíveis a uma insuficiência da instrução do processo e que, não sendo possível obter um acordo amigável entre as partes, seria necessário devolver o processo para uma nova apreciação. Convidou ainda as partes a chegarem a um acordo amigável, nos termos do qual o Serviço Nacional A pagaria a K. Floros o montante de 4095 euros. Na falta de tal acordo, entendeu que deveria ser realizada uma audiência com testemunhas.

    20.

    No seguimento desse convite, K. Floros e o Serviço Nacional A chegaram a um acordo (a seguir «acordo de transação»). K. Floros recebeu o montante total de 8352,96 euros, que inclui o montante recomendado pelo tribunal e as despesas processuais (a seguir «montante do acordo»).

    21.

    O Lietuvos Respublikos transporto priemonių draudikų biuras (Serviço Nacional de Seguros da República da Lituânia; a seguir «Serviço Nacional B» ou «recorrente») reembolsou o Serviço Nacional A do montante do acordo.

    22.

    Subsequentemente, o Serviço Nacional B instaurou uma ação judicial num tribunal lituano, pedindo a condenação de G. Dockevičius e J. Dockevičienė (a seguir «demandados») no pagamento do montante do acordo com base na Lei lituana relativa ao seguro obrigatório, que, segundo o despacho de reenvio, transpõe a Diretiva 2009/103 (a diretiva consolidada) ( 7 ).

    23.

    Em 5 de maio de 2014, o Marijampolės rajono apylinkės teismas (Tribunal Distrital de Marijampolė) julgou procedente a ação intentada pelo Serviço Nacional B (a seguir «acórdão proferido em primeira instância»).

    24.

    Os demandados recorreram desse acórdão. Em 7 de outubro de 2014, o acórdão proferido em primeira instância foi revogado pelo Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia) (a seguir «acórdão proferido em segunda instância»).

    25.

    Ao anular o acórdão proferido em primeira instância, o tribunal de recurso sublinhou que os demandados não tinham aceitado o montante do acordo. Não eram partes na relação jurídica entre os Serviços Nacionais A e B. A informação prestada pelo recorrente de que o Serviço Nacional A tinha pago uma indemnização a K. Floros não podia, assim, ser tratada como prova da existência e do montante dos danos. O acórdão proferido em segunda instância também concluiu que o ónus da prova nesta matéria impende sobre o recorrente. Observou que o Regulamento Geral, enquanto base jurídica do reembolso entre os serviços nacionais de seguros, rege exclusivamente as relações entre esses serviços nacionais: não é diretamente aplicável às relações entre serviços nacionais e terceiros. Nem a Lei sobre o seguro obrigatório nem a diretiva consolidada preveem que o recorrente possa obter a condenação do autor dos danos no pagamento do montante (que foi reembolsado ao Serviço Nacional A) sem que se proceda a uma apreciação da respetiva justeza.

    26.

    Do acórdão proferido em segunda instância foi interposto recurso no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia), o órgão jurisdicional de reenvio.

    27.

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que os demandados não tinham estado envolvidos nem tinham sido parte no processo na Alemanha, nem nas negociações que resultaram no pagamento do montante do acordo a K. Floros. Com efeito, o Serviço Nacional A sempre defendeu que a ação interposta por K. Flores não podia ser julgada procedente. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção para o facto de G. Dockevičius ter negado qualquer responsabilidade pelo acidente em causa.

    28.

    À luz desses elementos, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao alcance das obrigações processuais que recaem sobre os respetivos serviços nacionais de seguros e dos correspondentes direitos dos demandados ao abrigo da diretiva consolidada, do Regulamento Geral e também da Carta.

    29.

    Nessas circunstâncias, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

    «1.

    Devem os artigos 2.°, 10.°, n.os 1 e 4, e 24.°, n.o 2, da [diretiva consolidada], os artigos 3.°, n.o 4, 5.°, n.os 1 e 4, 6.°, n.o 1, e 10.° do Regulamento Geral e o artigo 47.o da [Carta] (em conjunto ou separadamente, mas sem limitação do litígio às disposições acima mencionadas) ser entendidos e interpretados no sentido de que, quando:

    um serviço nacional de seguros (Serviço Nacional A) indemniza o dano sofrido pela pessoa lesada num acidente de viação ocorrido no Estado‑Membro em que esse serviço está estabelecido, porque o nacional de outro Estado‑Membro responsável por esse dano não estava coberto por um seguro de responsabilidade civil;

    em razão dessa indemnização, o Serviço Nacional A ficou sub‑rogado nos direitos da pessoa lesada e apresenta ao Serviço Nacional de Seguros do país de origem da pessoa responsável (Serviço Nacional B) um pedido de reembolso das despesas efetuadas com a regularização do sinistro;

    o Serviço Nacional B, sem realizar uma investigação independente e sem solicitar informações adicionais, acede ao pedido de reembolso efetuado pelo Serviço Nacional A;

    o Serviço Nacional B intenta uma ação judicial contra os demandados (pessoa responsável e proprietário do veículo) requerendo o ressarcimento das despesas efetuadas,

    o demandante nessa ação judicial (Serviço Nacional B) pode basear a sua ação contra os demandados (pessoa responsável e proprietário do veículo) exclusivamente no pagamento das despesas efetuado a favor do Serviço Nacional A, não tendo esse demandante a obrigação de provar que estavam preenchidos os requisitos que regem a responsabilidade civil (culpa do próprio, atos ilícitos, nexo de causalidade e montante dos danos) do demandado (pessoa responsável) e não tendo a obrigação de provar que a lei estrangeira foi corretamente aplicada aquando da indemnização da pessoa lesada?

    2.

    Devem o artigo 24.o, n.o 1, quinto parágrafo, alínea c), da [diretiva consolidada] e o artigo 3.o, n.os 1 e 4, do Regulamento Geral (em conjunto ou separadamente, mas sem limitação do litígio às disposições acima mencionadas) ser entendidos e interpretados no sentido de que o Serviço Nacional A, antes de tomar a decisão definitiva de indemnizar o lesado pelos danos sofridos, deve informar (incluindo no que diz respeito à língua na qual a informação é fornecida) a pessoa responsável e o proprietário do veículo (caso não se trate da mesma pessoa), de forma clara e compreensível, de que foi dado início ao processo de gestão do sinistro e do respetivo andamento, e dar‑lhes tempo suficiente para apresentarem as respetivas observações ou objeções sobre a futura decisão de ressarcir o dano e/ou o montante do dano?

    3.

    Em caso de resposta negativa à primeira questão [isto é, se se considerar que os demandados (pessoa responsável e proprietário do veículo) podem exigir que o demandante (Serviço Nacional B) apresente provas ou que podem levantar objeções relativas, nomeadamente, às circunstâncias do acidente de viação, à aplicação do quadro regulamentar que define a responsabilidade civil do responsável, ao dano e ao respetivo cálculo], devem os artigos 2.°, 10.°, n.o 1, e 24.°, n.o 2, da [diretiva consolidada] e o artigo 3.o, n.o 4, segundo parágrafo, do Regulamento Geral (em conjunto ou separadamente, mas sem limitação do litígio às disposições acima mencionadas) ser entendidos e interpretados no sentido de que, independentemente de o Serviço Nacional B, antes de ser tomada a decisão final, não ter solicitado ao Serviço Nacional A informações sobre a interpretação da legislação aplicável no país de ocorrência do acidente de viação e sobre a regularização do sinistro, o Serviço Nacional A deve, em qualquer caso, dar essa informação ao Serviço Nacional B no caso de este posteriormente a solicitar, bem como quaisquer outras informações necessárias para que o Serviço Nacional B prepare a sua ação [de indemnização assente em sub‑rogação] contra os demandantes (pessoa responsável e proprietário do veículo)?

    4.

    Em caso de resposta afirmativa à segunda questão (ou seja, se se considerar que o Serviço Nacional A é obrigado a informar a pessoa responsável e o proprietário do veículo sobre o processo de regularização do sinistro e dar‑lhes a oportunidade de apresentarem objeções relativamente à responsabilidade ou ao montante dos danos), que consequências decorrerão para o Serviço Nacional A do não cumprimento do seu dever de informação para:

    a)

    a obrigação do Serviço Nacional B de aceder ao pedido de reembolso apresentado pelo Serviço Nacional A;

    b)

    a obrigação de a pessoa responsável e de o proprietário do veículo indemnizarem o Serviço Nacional B pelas despesas em que este tenha incorrido?

    5.

    Devem os artigos 5.°, n.o 1, e 10.° do Regulamento Geral ser entendidos e interpretados no sentido de que, nas circunstâncias do presente processo, nomeadamente nas que a seguir se enumeram, o montante pago a título de indemnização pelo Serviço Nacional A à pessoa lesada deve ser considerado como correspondendo a um risco assumido por esse serviço nacional A que não é reembolsável (a menos que esse risco seja assumido pelo Serviço Nacional B) e não como uma obrigação pecuniária que impende sobre a outra pessoa envolvida no mesmo acidente de viação:

    Inicialmente, o organismo de indemnização (Serviço Nacional A) indeferiu o pedido de indemnização apresentado pela parte lesada;

    por este motivo, a parte lesada intentou uma ação judicial para obter essa indemnização;

    essa ação intentada contra o Serviço Nacional A foi julgada improcedente pelos órgãos jurisdicionais das instâncias inferiores por ser infundada e não se basear em elementos objetivos;

    só foi celebrado um acordo amigável entre a parte lesada e o Serviço Nacional A perante um órgão jurisdicional superior depois de este ter salientado que, caso as partes se recusassem a celebrar um acordo amigável, o processo seria reenviado para novo exame;

    o Serviço Nacional A justificou a sua decisão de celebrar o acordo amigável essencialmente no facto de isso evitar custos adicionais resultantes da prossecução do litígio;

    no decurso do presente processo, nenhum órgão jurisdicional constatou ou declarou que a responsabilidade (culpa) no acidente de viação é do recorrido?»

    30.

    Foram apresentadas observações escritas pelo Serviço Nacional B, pelos Governos checo e italiano, e pela Comissão. O Governo lituano e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 14 de dezembro de 2016.

    IV. Análise

    31.

    As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma: uma vez que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça referem tanto a diretiva consolidada como o Regulamento Geral, começarei por analisar a relação entre estes dois conjuntos de regras (A). Sob reserva de confirmação pelo órgão jurisdicional nacional, o presente caso está abrangido pelo sistema da carta verde, que foi instituído pelo Regulamento Geral. Este instrumento não foi elaborado por uma instituição da União Europeia. Consequentemente, analisarei a competência do Tribunal de Justiça para o interpretar (B). Seguidamente, apreciarei as exigências que decorrem do direito da União Europeia em relação aos direitos processuais dos demandados (C).

    A. Sistemas paralelos: carta verde e diretivas seguro automóvel

    32.

    Antigamente, um condutor que pretendesse atravessar a fronteira, tinha de provar que o seu seguro cobria as viagens ao estrangeiro. Além disso, muitas vezes era obrigatório subscrever um seguro de responsabilidade civil automóvel junto de uma seguradora local ( 8 ).

    33.

    As dificuldades relacionadas com as viagens ao estrangeiro e o seguro eram reguladas numa convenção assinada em 17 de dezembro de 1953 sob os auspícios da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa ( 9 ), conhecido por «Convenção‑tipo intergabinetes» (a seguir «Convenção de 1953») ( 10 ).

    34.

    O Convenção de 1953 deu origem a um sistema de «cartas verdes» (a seguir «sistema da carta verde») ( 11 ). A carta verde é um certificado internacional que comprova que o condutor possui seguro de responsabilidade civil contra qualquer sinistro que ocorra no «país de acolhimento». Certifica igualmente que a seguradora do «país de origem» ou o respetivo serviço nacional de seguros cumprirá as obrigações emergentes dessa responsabilidade.

    35.

    À Convenção de 1953 sucederam vários instrumentos, o mais recente dos quais é o Regulamento Geral. Atualmente, participam no sistema da carta verde os serviços nacionais de seguros de 48 países (incluindo todos os Estados‑Membros da União Europeia).

    36.

    O Regulamento Geral foi adotado e é gerido pelo Conselho dos Serviços Nacionais, uma associação internacional sem fins lucrativos estabelecida ao abrigo do direito belga.

    37.

    O Regulamento Geral impõe a cada serviço nacional de seguros (membro do Conselho dos Serviços Nacionais) uma obrigação de indemnização caso ocorra no seu território um acidente causado por um veículo com estacionamento habitual noutro Estado‑Membro. Impõe igualmente ao serviço nacional do país de registo desse veículo a obrigação de garantir o reembolso dos montantes pagos pelo serviço nacional situado no país onde ocorreu o acidente.

    38.

    Apesar de progressivo, o sistema da carta verde deixou por resolver outros problemas associados à condução no estrangeiro, nomeadamente os controlos fronteiriços dos veículos automóveis, as discrepâncias entre as várias regulamentações nacionais em matéria de indemnização e as complexidades das ações judiciais transfronteiriças conexas ( 12 ).

    39.

    Na União Europeia, estes aspetos foram regulados através de cinco diretivas seguro automóvel ( 13 ), que foram entretanto codificadas e substituídas pela diretiva consolidada ( 14 ). Desde a sua adoção, o regime europeu do seguro automóvel foi concebido, antes de mais, como um instrumento para facilitar a livre circulação de pessoas, favorecendo assim o funcionamento do mercado interno ( 15 ).

    40.

    A fim de prosseguir esse objetivo, a União Europeia recorreu ao sistema da carta verde e desenvolveu alguns dos seus aspetos. Os dois sistemas evoluíram em paralelo, apoiando‑se um no outro e complementando‑se mutuamente.

    41.

    A Primeira Diretiva exigia que os Estados‑Membros estabelecessem a obrigação de subscrever um seguro contra terceiros e se abstivessem de fiscalizar o seguro de responsabilidade civil de veículos que tivessem o seu estacionamento habitual no território de outro Estado‑Membro.

    42.

    Esta abolição da fiscalização fronteiriça do seguro automóvel dependia, porém, da celebração de um acordo entre os serviços nacionais de seguros dos Estados‑Membros ( 16 ). Consequentemente, foi celebrado o chamado «Acordo complementar entre serviços nacionais», em 16 de outubro de 1972 (a seguir «Acordo de 1972»).

    43.

    Além disso, na Recomendação 73/185, a Comissão declarou que o Acordo de 1972 cumpria as condições estabelecidas na Primeira Diretiva, tendo fixado a data a partir da qual os Estados‑Membros se deveriam abster de proceder à fiscalização fronteiriça dos seguros (1 de julho de 1973) ( 17 ). A essa recomendação seguiu‑se a Decisão 74/166, na qual, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da Primeira Diretiva, a Comissão impôs aos Estados‑Membros a obrigação de se absterem de proceder à fiscalização fronteiriça dos seguros a partir de 15 de maio de 1974 ( 18 ). Essa obrigação tinha por objeto os veículos com estacionamento habitual no território europeu de outro Estado‑Membro e que estivessem abrangidos pelo respetivo acordo entre os serviços nacionais de seguros. O instrumento relevante era uma versão do supramencionado Acordo de 1973 (a seguir «Acordo de 1973») ( 19 ).

    44.

    Do mesmo modo, com base no artigo 7.o, n.o 2, da Primeira Diretiva, a Comissão adotou uma segunda decisão, a Decisão 74/167/CEE, exigindo que os Estados‑Membros se abstivessem de efetuar uma fiscalização equivalente em relação aos veículos com estacionamento habitual nos países terceiros nela indicados, que entrassem no território da Comunidade (a partir de 15 de maio de 1974) ( 20 ). A possibilidade de tratar esses veículos como se tivessem o seu estacionamento habitual na Comunidade dependia de uma garantia, a prestar pelos serviços nacionais de todos os Estados‑Membros, nos termos da qual se responsabilizavam pela regularização dos sinistros ocorridos no seu território que fossem causados por tais veículos. Essa decisão foi posteriormente adaptada em função do alargamento progressivo do seu âmbito de aplicação territorial ( 21 ).

    45.

    Além de impor a obrigação de se absterem de proceder à fiscalização do seguro nas fronteiras, a Primeira Diretiva exigia que os Estados‑Membros assegurassem que os serviços nacionais de seguros, criados no âmbito do sistema da carta verde, trocassem entre si informações sobre o território no qual o veículo tem o seu estacionamento habitual, o respetivo número de matrícula e o seguro ( 22 ).

    46.

    A Segunda, Terceira, Quarta e Quinta diretivas harmonizaram outros aspetos do seguro automóvel na União Europeia, que não são diretamente relevantes para o presente caso ( 23 ).

    47.

    Quanto à relação entre o sistema da carta verde e o sistema de diretivas seguro automóvel, a Quinta Diretiva especificava as obrigações de os Estados‑Membros estabelecerem um procedimento para a regularização de sinistros, sendo esse procedimento também aplicável a «sinistros que podem ser regularizados pelo sistema de serviços nacionais de seguros» ( 24 ).

    48.

    Por último, os trabalhos preparatórios mostram que algumas das alterações introduzidas pela Quinta Diretiva se inspiraram no Conselho dos Serviços Nacionais ( 25 ).

    49.

    Relativamente aos documentos jurídicos respeitantes à evolução do sistema da carta verde, o Acordo de 1973 foi publicado na série L do Jornal Oficial da União Europeia (a seguir «Jornal Oficial») como anexo a uma decisão da Comissão ( 26 ).

    50.

    Esta foi também a solução adotada no contexto do Acordo Multilateral de Garantia entre os serviços nacionais de seguros, assinado em Madrid, em 15 de março de 1991, que reuniu e substituiu os anteriores acordos relacionados com o sistema da carta verde ( 27 ).

    51.

    Por seu turno, esse instrumento foi substituído pelo Regulamento Geral, que é relevante para o presente caso ( 28 ). Tal como os seus antecessores, o Regulamento Geral refere que o ato é adotado em conformidade com os princípios da Primeira Diretiva. O Regulamento Geral contém três anexos, um dos quais é a Primeira Diretiva. A subsequente alteração de 2008 ao Regulamento Geral declara que este tem em conta a Quinta Diretiva.

    52.

    Este último ponto talvez proporcione uma melhor representação visual da finalidade da descrição detalhada da evolução e coexistência dos dois sistemas que é fornecida na presente secção, a saber, mostrar o grau de paralelismo no desenvolvimento dos dois sistemas. Em termos de técnica legislativa, estamos perante algo semelhante a uma matriosca: uma decisão da Comissão contém em anexo o Regulamento Geral e, neste, em anexo a esse anexo, está outro instrumento jurídico da União Europeia: a Primeira Diretiva. Uma camada depende da outra.

    53.

    Em resumo, é indiscutível a estreita interligação que existe atualmente, no seio da União Europeia, entre o sistema da carta verde e as diretivas seguro automóvel. O sistema da carta verde foi criado primeiro, seguindo‑se as diretivas seguro automóvel. As diretivas seguro automóvel foram adotadas como um «complemento específico da União Europeia», tendo sido parcialmente enxertadas no sistema da carta verde. Desde então, ambos os sistemas têm evoluído paralelamente e alguns dos requisitos e condições que a União Europeia impõe aos seus Estados‑Membros foram retirados do sistema da carta verde.

    B. Competência do Tribunal de Justiça para interpretar o Regulamento Geral

    54.

    O Governo lituano confirmou na audiência que o sinistro em causa no processo principal (inicialmente gerido pelo Serviço Nacional A e, depois, pelo Serviço Nacional B) estava abrangido pelo sistema da carta verde. Essa circunstância, que deverá ser confirmada pelo órgão jurisdicional de reenvio, suscita, porém, a questão da competência do Tribunal de Justiça para interpretar o Regulamento Geral.

    55.

    Invocando os acórdãos Demouche ( 29 ) e Fournier ( 30 ), a Comissão alegou nas suas observações escritas e na audiência oral que o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar o Regulamento Geral. A Comissão defendeu que a competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o, alínea b), TFUE se restringe aos atos das instituições da União Europeia. O Regulamento Geral não é um ato de uma instituição da União Europeia. Consequentemente, o Tribunal de Justiça não o pode interpretar.

    56.

    Não concordo com a Comissão.

    57.

    São concebíveis duas abordagens ao estatuto do Regulamento Geral no ordenamento jurídico da União Europeia: uma formal (1) e outra mais substantiva (2). No entanto, qualquer uma destas vias interpretativas me leva à mesma conclusão: o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o Regulamento Geral num caso como o presente.

    1.   Abordagem formal

    58.

    Em primeiro lugar, o Regulamento Geral foi publicado como um anexo à Decisão 2003/564 ( 31 ). Essa decisão faz parte do ordenamento jurídico da União. De um modo geral, será de presumir que os anexos de atos jurídicos possuem a mesma força jurídica que os próprios atos jurídicos ( 32 ).

    59.

    Em segundo lugar, a Decisão 2003/564 foi publicada na série L do Jornal Oficial que contém legislação vinculativa ( 33 ).

    60.

    Em terceiro lugar, o artigo 1.o da própria decisão impõe claramente aos Estados‑Membros a obrigação de se absterem de fiscalizar nas fronteiras o seguro de veículos com estacionamento habitual noutros Estados‑Membros ou no território países terceiros sujeitos ao Regulamento Geral ( 34 ). Acresce que o artigo 6.o da diretiva consolidada (anteriormente, artigo 5.o da Primeira Diretiva) estabelece a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que os serviços nacionais de seguros (regulados, noutros aspetos, pelo Regulamento Geral) troquem certas informações. Essas obrigações, cujo cumprimento pressupõe a aceitação do Regulamento Geral, são claramente exigíveis à luz do direito da União.

    61.

    Quando combinados, estes elementos têm, no meu entender, consequências jurídicas claras: a incorporação formal de um ato externo no ordenamento jurídico da União Europeia. Este facto determina a competência do Tribunal de Justiça para interpretar o ato, que se tornou parte de uma decisão da Comissão.

    2.   Abordagem substantiva

    62.

    Ainda que se privilegie uma abordagem substantiva em detrimento de uma abordagem formal, não creio que a conclusão seja diferente. Muito pelo contrário: considero que, se efetuarmos uma análise mais detalhada do contexto global e da aplicação do Regulamento Geral no quadro do direito da União Europeia, somos forçados a concluir, mais uma vez, que o Regulamento Geral faz parte do ordenamento jurídico da União Europeia.

    63.

    A estrutura da minha exposição sobre este ponto é a seguinte: em primeiro lugar, insiro o acórdão Demouche no seu contexto jurisprudencial (a). Em segundo lugar, explico qual o meu entendimento sobre o alcance desse acórdão (b). Em terceiro lugar, considero a evolução global do seguro automóvel desde o acórdão Demouche (c). Em quarto lugar, examino a jurisprudência mais recente (ainda não consolidada) sobre a competência do Tribunal de Justiça para interpretar atos externos (d). Em quinto lugar, exploro brevemente a possibilidade de invocar um critério de competência mais amplo, que abranja as regras sobre seguro automóvel: a livre circulação de pessoas (e).

    a)   Acórdão Demouche num contexto mais vasto

    64.

    O processo Demouche não foi um caso isolado. Uma leitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça anterior e posterior ao acórdão Demouche revela claramente que as abordagens interpretativas do Tribunal de Justiça e dos seus advogados‑gerais em relação ao Acordo de 1972, o antecessor jurídico do Regulamento Geral, variam.

    65.

    Nas suas conclusões no processo Ufficio Van Ameyde, o advogado‑geral G. Reichl decidiu examinar o Acordo de 1972 para «determinar o âmbito de aplicação das disposições de direito comunitário que eram complementadas por esse acordo e cuja interpretação deveria ser consentânea com a interpretação do mesmo», uma vez que este era «de certa forma, um elemento da regulamentação comunitária» ( 35 ).

    66.

    Nas suas conclusões no processo Demouche, o advogado‑geral G. Slynn não acolheu totalmente este entendimento. Em especial, manifestou algumas reservas quanto à leitura das conclusões do advogado‑geral G. Reichl no sentido de classificarem o Acordo de 1972 como um ato das instituições da Comunidade ( 36 ).

    67.

    Subsequentemente, no acórdão Fournier, o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem mais flexível à interpretação do acordo sobre o sistema da carta verde em causa ( 37 ). A questão prejudicial apresentada nesse processo dizia respeito à interpretação do termo «veículo com estacionamento habitual no território de outro Estado‑Membro» na aceção do artigo 1.o, ponto 4), da Primeira Diretiva. Curiosamente, o Tribunal de Justiça procedeu à interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não obstante ser claro que, naquele caso, era aplicável o sistema da carta verde e não as diretivas seguro automóvel ( 38 ). Presumivelmente por esse motivo, o Tribunal de Justiça acrescentou que os termos utilizados no Acordo de 1972 e na Primeira Diretiva não tinham de ter necessariamente o mesmo significado e que incumbia ao órgão jurisdicional nacional dar aos termos desse acordo «o sentido que considera[va] adequado, sem estar limitado […] pelo significado […] atribuído a idêntica expressão […] [na Primeira Diretiva]» ( 39 ).

    68.

    A tentativa de identificar o lugar que os instrumentos do sistema da carta verde ocupam no ordenamento jurídico da União Europeia também está patente nas conclusões apresentadas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Fournier ( 40 ), nas quais afirmou que, embora o Tribunal de Justiça não possa interpretar o Acordo de 1972, isso não significa que «não tenha competência para responder à questão colocada pelo tribunal nacional». Estabelecendo um paralelismo com o acórdão Dzodzi ( 41 ) e com a jurisprudência com ele relacionada ( 42 ), o advogado‑geral F. G. Jacobs considerou que era forçoso concluir no sentido da competência interpretativa do Tribunal de Justiça porque o Acordo de 1972, «longe de ser um vulgar contrato regulado pelo direito privado, [era] um elemento essencial do sistema instituído pela [Primeira Diretiva]. Não apenas porque [esse] acordo foi previsto pela diretiva, mas porque a sua celebração era uma condição da entrada em vigor da maior parte das disposições da diretiva» ( 43 ).

    69.

    No meu entender, as posições do Tribunal de Justiça e do advogado‑geral no processo Fournier, bem como a posição do advogado‑geral no processo Ufficio Van Ameyde, são testemunho do facto de que nunca houve uma distinção rígida e inequívoca entre os casos em que o Tribunal de Justiça tem plena competência e os casos em que é absolutamente incompetente, não obstante a mera remissão para o acórdão Demouche sem o respetivo contexto poder apontar nesse sentido. Existiam zonas cinzentas. O Tribunal de Justiça já reconheceu em processos anteriores que o sistema da carta verde está intrinsecamente ligado com outros instrumentos de direito da União Europeia e que não pode ser simplesmente ignorado pelo ordenamento jurídico da União.

    70.

    Porém, a solução adotada naquele acórdão consistia em estabelecer um paralelismo interpretativo «estilo Dzodzi» entre as disposições das diretivas seguro automóvel e o sistema da carta verde. Embora ainda fosse possível adotar essa abordagem, não creio, pelos motivos expostos nos números seguintes da presente secção, que fizesse justiça ao papel genuinamente desempenhado pelo sistema da carta verde no seio da União Europeia, que evoluiu consideravelmente desde então.

    b)   Alcance do acórdão Demouche

    71.

    A questão prejudicial submetida no processo Demouche era bastante precisa e específica: tinha por objeto a cláusula compromissória prevista no Acordo de 1972, mais concretamente, as alterações introduzidas por esse acordo à cláusula inicialmente prevista no Convenção de 1953 ( 44 ).

    72.

    Por outras palavras, o processo Demouche dizia exclusivamente respeito ao funcionamento interno do sistema da carta verde na sua configuração original, e à aplicação do mecanismo de resolução de litígios a utilizar pelos serviços nacionais de seguros. Nesse processo não era suscitada nenhuma questão sobre a possível interação entre o Regulamento Geral e o sistema das diretivas seguro automóvel tal como então se apresentava, nem sobre o impacto desse regime nos direitos de terceiros.

    73.

    Em contrapartida, no presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que determine, inter alia, as garantias processuais que devem ser concedidas às pessoas que sejam consideradas responsáveis por um acidente e que estejam expostas a uma ação de regresso num Estado‑Membro diferente. Essa ação é uma consequência da aplicação do sistema da carta verde, que foi expressamente incorporado no direito da União Europeia.

    74.

    Por conseguinte, as questões submetidas no presente caso ultrapassam largamente a economia interna do Regulamento Geral. Têm uma natureza muito diferente: no fundo, dizem respeito às consequências jurídicas externas da aplicação do Regulamento Geral para os direitos e as obrigações de terceiros. Desta perspetiva, considero que o presente pedido de decisão prejudicial é muito diferente da questão submetida no processo Demouche.

    c)   Contexto global e evolução do seguro automóvel

    75.

    Além de o processo Demouche suscitar um tipo diferente de questão, que não exigia que o Tribunal de Justiça explorasse as implicações mais vastas do sistema da carta verde no quadro do direito da União, importa também salientar que a área da regulamentação do seguro automóvel através do sistema da carta verde e das diretivas evoluiu desde a prolação do acórdão Demouche em 1987.

    76.

    Em suma, os sistemas da carta verde e das diretivas foram‑se tornando cada vez mais interligados ao nível substantivo, institucional e processual.

    77.

    Do ponto de vista substantivo, esta ligação foi já explorada nos n.os 32 a 53 das presentes conclusões. A abolição da fiscalização do seguro automóvel nas fronteiras ao abrigo da Primeira Diretiva dependia do que viria a ser o Acordo de 1972. Essa abolição continua a depender da manutenção em vigor do Regulamento Geral.

    78.

    Do ponto de vista institucional a interconexão entre os dois sistemas vai ainda mais longe. Em regra, ao abrigo do sistema da carta verde, a indemnização é paga pelos «serviços nacionais de seguros». Nas diretivas seguro automóvel, as entidades que têm tal papel designam‑se «organismos de indemnização». Na realidade, porém, uma única entidade pode desempenhar as funções de serviço nacional de seguros e de organismo de indemnização.

    79.

    Em alguns Estados‑Membros, os sinistros ocorridos quer ao abrigo do sistema da carta verde quer das diretivas seguro automóvel são tratados pela mesma entidade. Assim, na prática, o requerente dificilmente conseguirá distinguir as situações em que uma autoridade atua ao abrigo das diretivas seguro automóvel e em que atua ao abrigo do sistema da carta verde, dado que, muitas vezes, o procedimento nacional também é o mesmo. Um exemplo disso é a própria Lituânia. Em contrapartida, na Alemanha, o tratamento da indemnização é desempenhado por dois organismos diferentes.

    80.

    As ligações estreitas do ponto de vista processual podem ser ilustradas, por exemplo, pelo artigo 6.o da diretiva consolidada (antigo artigo 5.o da Primeira Diretiva). Nos termos desse artigo, os Estados‑Membros são obrigados a assegurar o intercâmbio de certas informações entre serviços nacionais de seguros sujeitos ao sistema da carta verde.

    81.

    Além disso, a regularização de sinistros ocorridos ao abrigo de qualquer um dos sistemas deve processar‑se de acordo com o mesmo procedimento, conforme exigido pelo artigo 19.o da diretiva consolidada (antigo artigo 4.o‑E da Terceira Diretiva) ( 45 ).

    82.

    A título puramente secundário, poder‑se‑ia acrescentar que os documentos do próprio Conselho dos Serviços Nacionais, que estão acessíveis ao público, também refletem a interligação entre o sistema da carta verde e as diretivas seguro automóvel. Estes documentos mencionam o «Pilar da Carta Verde» e o «Pilar das Diretivas Seguro Automóvel», o que possivelmente os apresenta como subelementos de um regime geral.

    83.

    Isto mostra, no meu entender, que o sistema da carta verde, embora formalmente autónomo, está agora tão interligado com o sistema da União Europeia que, na prática, forma com este um todo ( 46 ).

    d)   Jurisprudência recente relativa à competência do Tribunal de Justiça para interpretar atos externos

    84.

    Além da evolução interna do sistema do seguro automóvel, é também relevante o contexto mais vasto da jurisprudência mais recente relativa à competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE. Desde o acórdão Sevince ( 47 ), o Tribunal de Justiça tem sustentado que a sua competência interpretativa ao abrigo do artigo 267.o TFUE não se limita aos atos adotados, stricto sensu, pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Essa competência também abrange os atos que, não obstante terem sido adotados fora do quadro institucional da União Europeia, tenham sido posteriormente incorporados no seu ordenamento jurídico. Tal competência justifica‑se pelo próprio objetivo do artigo 267.o TFUE, que consiste em assegurar a aplicação uniforme de todas as disposições que fazem parte do ordenamento jurídico da União Europeia ( 48 ).

    85.

    Mais recentemente, no acórdão Elliott, o Tribunal de Justiça confirmou a sua competência para interpretar uma norma harmonizada adotada pelo CEN (uma organização de direito privado) que tinha sido publicada na série C do Jornal Oficial. O Tribunal de Justiça observou que tal norma faz parte do direito da União, sobretudo quando a fiscalização do seu cumprimento esteja a cargo da Comissão ( 49 ).

    86.

    Se essa conclusão é válida para uma norma técnica publicada sob a forma de uma mera comunicação na série C do Jornal Oficial, sou forçado a concluir que também se aplica, a fortiori, à parte da decisão da Comissão que foi publicada como legislação vinculativa na série L do Jornal Oficial. Além disso, como já referi, dessa decisão decorrem obrigações vinculativas ( 50 ), cujo cumprimento será provavelmente fiscalizado pela Comissão.

    87.

    Esse entendimento é confirmado por um argumento constitucional de âmbito mais vasto. Recentemente, no acórdão Ledra Advertising ( 51 ), o Tribunal de Justiça concluiu que, ainda que um determinado ato não possa ser considerado um ato de uma instituição da União suscetível de ser impugnado numa ação instaurada ao abrigo do artigo 263.o TFUE, isso não protege necessariamente a União Europeia de ações fundadas em responsabilidade civil extracontratual nos termos do artigo 340.o TFUE. Por analogia, daqui resulta que, ainda que as instituições europeias atuem de forma e num contexto algo atípicos, isso não significa que se possam eximir totalmente ao controlo jurisdicional.

    88.

    Da minha perspetiva, esta lógica faz ainda mais sentido quando uma instituição da União decide incorporar um ato jurídico originalmente externo no direito da União Europeia e dele retirar consequências jurídicas, zelando internamente pelo seu cumprimento. Se tal acontecer, a referida instituição não pode mais tarde fazer vista grossa e alegar que, já que o ato foi originalmente elaborado por um terceiro, não é um ato dessa instituição. Permitir a existência de tais «buracos negros» na fiscalização jurisdicional seria incompatível com a visão de uma União de direito ( 52 ).

    e)   Regras incorporadas que afetam a livre circulação de pessoas

    89.

    Por último, importa mencionar um aspeto, talvez secundário, mas, ainda assim, pertinente: o contexto global em que o Regulamento Geral e as diretivas seguro automóvel se aplicam, bem como a finalidade com que estes dois sistemas foram introduzidos no ordenamento jurídico da União.

    90.

    Conforme já referi, estes dois sistemas foram instituídos como instrumentos de realização da livre circulação de pessoas ( 53 ). Outros elementos da livre circulação, como os serviços, por exemplo a prestação de serviços de seguros, conforme reconhecido na Quarta Diretiva e na diretiva consolidada, ( 54 ) desenvolveram também uma estreita ligação com ambos os sistemas.

    91.

    No contexto do processo principal, é particularmente importante salientar que a participação de um Estado‑Membro no sistema da carta verde estabelecido pelo Regulamento Geral ou pelo seu antecessor afeta, portanto, claramente a livre circulação das pessoas dentro da União Europeia ( 55 ).

    92.

    Por conseguinte, a questão da competência do Tribunal de Justiça poderia ser abordada, a título subsidiário (ou complementar), não através do artigo 267.o, alínea b), TFUE, mas sim do artigo 267.o, alínea a), TFUE. Não há dúvida de que a matéria em causa no presente processo está firmemente abrangida pelo âmbito das disposições do Tratado sobre livre circulação. Afinal, as disposições de direito secundário sob a forma das diretivas seguro automóvel e da diretiva consolidada, que regulam a mesma área substantiva do Regulamento Geral, foram adotadas para promover a livre circulação de pessoas na União Europeia.

    93.

    Daqui decorrem duas consequências. Primeiro, tendo em conta a interligação entre os dois sistemas, é necessário assegurar uma aplicação coerente dos respetivos elementos de direito secundário da União Europeia, a saber, a diretiva consolidada e o Regulamento Geral ( 56 ). Segundo, é igualmente importante assegurar que estes instrumentos não afetam negativamente a livre circulação de pessoas (como as pessoas consideradas responsáveis por um acidente) de forma que seja incompatível com disposições de direito primário.

    94.

    O facto de a matéria em causa estar abrangida pelo âmbito de aplicação da disposição do Tratado sobre livre circulação também afeta a aplicabilidade dos direitos processuais dos interessados, consagrados, em especial, no artigo 47.o da Carta e referidos pelo órgão jurisdicional nacional.

    95.

    Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as suas disposições só têm por destinatários os Estados‑Membros quando estes apliquem direito da União ( 57 ). Ao cumprirem a decisão da Comissão que incorpora o Regulamento Geral no ordenamento jurídico da União Europeia, os Estados‑Membros estão a aplicar direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Consequentemente, por essa razão, as garantias previstas na Carta também são aplicáveis.

    f)   Conclusão sobre a competência do Tribunal de Justiça

    96.

    À luz das considerações acima expostas, tanto formais como substantivas, a minha conclusão provisória é a de que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o Regulamento Geral em anexo à decisão da Comissão.

    C. Direitos de terceiros no contexto da aplicação do Regulamento Geral

    97.

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a diretiva consolidada e o Regulamento Geral permitem que um serviço nacional de seguros, in casu, o Serviço Nacional B, fundamente a ação instaurada contra pessoas como os demandados no mero facto de ter pago o montante dos danos a outro serviço nacional de seguros, in casu, o Serviço Nacional A. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, mais concretamente, se o Serviço Nacional B (na qualidade de demandante) está obrigado a provar todos os elementos da responsabilidade subjacente à sua ação e, nessa conformidade, o montante dos danos no Estado‑Membro do demandado (primeira questão).

    98.

    O órgão jurisdicional de reenvio pede igualmente esclarecimentos sobre o alcance das obrigações de informação do referido Serviço Nacional A perante pessoas como os demandados e o recorrente (segunda e terceira questões). Pergunta ainda quais são as consequências do não cumprimento de tal obrigação (quarta questão). Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o montante reembolsado por um serviço nacional a outro deve ser considerado, à luz do Regulamento Geral, um risco não reembolsável, ao invés de uma obrigação pecuniária (quinta questão).

    99.

    A primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio prende‑se, no fundo, com o ónus da prova do recorrente no processo principal, o que, por sua vez, está relacionado com as garantias processuais que devem ser concedidas aos demandados. Considero que essa questão é fundamental para o desfecho do litígio no processo principal.

    100.

    Em contrapartida, as restantes questões dizem respeito às obrigações entre os Serviços Nacionais A e B. Não creio que a resposta a estas questões forneça orientações úteis sobre os direitos e obrigações concretos emergentes da relação jurídica entre o Serviço Nacional B e os demandados, que é o objeto da pretensão deduzida no processo nacional perante o órgão jurisdicional nacional.

    101.

    Por estes motivos, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial e, se seguir a minha sugestão quanto à resposta a dar, as outras questões prejudiciais tornar‑se‑ão, em grande parte, redundantes.

    102.

    Importa reiterar, antes de mais, que as diretivas seguro automóvel não são aplicáveis ao caso em apreço. Como referido pela Comissão nas suas observações escritas, e confirmado pelo Governo lituano na audiência, o pedido de indemnização respeitante ao acidente em causa foi tratado ao abrigo do sistema da carta verde. O apuramento da matéria de facto cabe ao órgão jurisdicional de reenvio. Contudo, na falta de elementos em contrário, entendo que a resposta a esta questão deve ser dada unicamente à luz do Regulamento Geral.

    103.

    No entanto, o Regulamento Geral é omisso quanto às condições processuais em que um serviço nacional de seguros, sub‑rogado nos direitos de outro serviço nacional de seguros, pode instaurar uma ação como a que está em causa no processo principal. Esse instrumento regula as relações entre os respetivos serviços nacionais de seguros.

    104.

    Daqui resulta, portanto, que uma ação de indemnização como a ação de regresso instaurada pelo recorrente no processo principal será inteiramente regulada, a nível processual e substantivo, pelo direito nacional do Estado‑Membro onde a ação foi instaurada.

    105.

    Porém, conforme expliquei na parte B das presentes conclusões, o Regulamento Geral foi incorporado numa decisão da Comissão. Como tal, passou a fazer parte do ordenamento jurídico da União Europeia. Acresce que, uma vez que funciona como um instrumento de promoção da livre circulação de pessoas e, como tal, está claramente abrangido pelo seu âmbito, as normas mínimas previstas pela Carta são aplicáveis. É neste contexto que entendo a referência do tribunal nacional ao artigo 47.o da Carta (direito à ação e a um tribunal imparcial) na sua primeira questão.

    106.

    Por conseguinte, é necessário assegurar que a execução judicial das pretensões emergentes do Regulamento Geral respeitem as garantias processuais mínimas previstas na Carta. Essas garantias não visam apenas as vítimas de acidentes de viação, mas também as pessoas alegadamente responsáveis por esses acidentes, contra as quais é deduzido um pedido de indemnização. A adoção de uma abordagem equilibrada é particularmente importante nos casos em que, como acontece no processo principal, a responsabilidade pelo acidente em questão parece ser partilhada pelos condutores.

    107.

    A título de comparação horizontal, as diretivas seguro automóvel contêm regras, ainda que muito rudimentares, sobre o direito de sub‑rogação de um organismo de indemnização contra a pessoa responsável pelo acidente sofrido pela vítima fora do seu Estado de residência ( 58 ).

    108.

    Embora o presente caso não esteja relacionado com tal cenário ( 59 ), é difícil compreender por que motivo as garantias processuais mínimas a aplicar em tal caso não deveriam ser interpretadas de forma coerente com as ações de sub‑rogação instauradas noutras situações, como no processo principal.

    109.

    Tendo em conta a interligação entre as diretivas seguro automóvel e o sistema da carta verde no seio da União Europeia, entendo que as pessoas responsáveis pelos acidentes deveriam beneficiar de uma proteção mínima comum, ao abrigo do artigo 47.o da Carta. Se um sistema proporciona tal proteção, o outro não deveria evoluir isoladamente dentro do ordenamento jurídico da União.

    110.

    Neste contexto, e tendo presentes estas considerações, que proteção mínima deveria ser exigida relativamente a uma ação de regresso como a do processo principal?

    111.

    No processo principal, afigura‑se estar em causa uma ação de responsabilidade civil extracontratual. Em termos de garantias processuais, os direitos das partes a uma ação efetiva perante um tribunal e a que a sua causa seja julgada publicamente e de forma equitativa nos termos do artigo 47.o da Carta essencialmente significam ( 60 ) que deve ser dada aos demandados a oportunidade de contestarem a imputação da responsabilidade e o montante dos danos reclamado. Essa possibilidade deve ser dada numa ação judicial no Estado‑Membro do acidente (caso tenha sido instaurada tal ação) ou numa ação judicial no Estado‑Membro onde foi instaurada a ação de regresso.

    112.

    Seria incompatível com esses requisitos que a pessoa considerada responsável pelo acidente fosse confrontada com a execução automática de um acordo de transação celebrado no Estado‑Membro do acidente, no qual não participou. A conclusão seria a mesma independentemente de tais situações serem qualificadas como res inter alios acta ( 61 ) ou apreciadas à luz do princípio do efeito relativo dos contratos ( 62 ). Por outras palavras, a procedência de um pedido de indemnização deduzido numa ação de regresso ao abrigo do sistema da carta verde não se pode fundamentar no reconhecimento mútuo ( 63 ). No entanto, os factos constantes dos autos parecem indicar ter sido esta a abordagem adotada no acórdão proferido em primeira instância no processo principal.

    113.

    Cabe aos Estados‑Membros definir os contornos exatos das garantias processuais que devem ser aplicadas a pessoas como os demandados no processo principal. Porém, o mero facto de um serviço nacional ter informado outro serviço nacional noutro Estado‑Membro de que tinha sido paga uma indemnização ao abrigo do Regulamento Geral não pode ser considerado prova suficiente de responsabilidade e, consequentemente, do montante dos danos reclamado. Os factos subjacentes a um pedido de indemnização deduzido por um serviço nacional de seguros no âmbito de uma ação de regresso contra a pessoa considerada responsável por um acidente de viação no Estado‑Membro onde o veículo estava registado devem ser plenamente provados ao abrigo das regras nacionais desse Estado‑Membro em matéria de responsabilidade civil.

    114.

    Em resumo: ainda que tenha sido incorporado no ordenamento jurídico da União por uma decisão da Comissão, o Regulamento Geral não cria um regime de «reconhecimento mútuo». O procedimento exato aplicável a uma potencial ação de regresso é uma questão de direito nacional. Porém, o artigo 47.o da Carta exige que a pessoa que for considerada responsável por um acidente de viação e que conteste essa responsabilidade tenha a possibilidade de se defender em tribunal, quer no Estado‑Membro do acidente quer no Estado‑Membro onde foi instaurada a ação de regresso. Seja como for, o direito a um tribunal imparcial tem de ser assegurado por um dos sistemas jurídicos; não pode cair em «terra de ninguém».

    V. Conclusão

    115.

    À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial submetida pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas nos seguintes termos:

    O Regulamento Geral do Conselho dos Serviços Nacionais adotado pelo Acordo de 30 de maio de 2002, em anexo à Decisão 2003/564/CE da Comissão, de 28 de julho de 2003, sobre a aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho relativamente à fiscalização do seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, não pode ser interpretado no sentido de impor a execução automática de um acordo de transação celebrado sem a participação da pessoa considerada responsável no Estado‑Membro onde ocorreu o acidente contra essa pessoa no Estado‑Membro onde o veículo estava registado.

    Os elementos subjacentes ao pedido de indemnização deduzido pelo serviço nacional de seguros do Estado‑Membro onde o veículo estava registado no âmbito de uma ação de regresso contra a pessoa considerada responsável por um acidente de viação devem ser integralmente provados ao abrigo das regras nacionais desse Estado‑Membro em matéria de responsabilidade civil, respeitando simultaneamente, em especial, as garantias do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1972, L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113).

    ( 3 ) Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244).

    ( 4 ) Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (Quarta Diretiva sobre o seguro automóvel) (JO 2000, L 181, p. 65).

    ( 5 ) Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11). O órgão jurisdicional de reenvio cita as disposições da diretiva consolidada. No entanto, o acidente em causa é anterior à adoção desta diretiva. Na medida em que o caso diga respeito às diretivas seguro automóvel, deve ser apreciado, ratione temporis, à luz das diretivas seguro automóvel anteriormente em vigor. Assim, nas presentes conclusões, remeto para as disposições das diretivas anteriores. Importa acrescentar, porém, que o teor dessas disposições é, no essencial, o mesmo, dado que a diretiva consolidada é apenas um instrumento de codificação. V., por exemplo, acórdãos de 23 de janeiro de 2014, Petillo (C‑371/12, EU:C:2014:26, n.o 24; de 26 de março de 2015, Litaksa (C‑556/13, EU:C:2015:202, n.o 4); e de 15 de dezembro de 2016, Vieira de Azevedo e o. (C‑558/15, EU:C:2016:957, n.o 4).

    ( 6 ) Regulamento Geral do Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros, adotado através do Acordo de 30 de maio de 2002, anexo à Decisão 2003/564/CE da Comissão, de 28 de julho de 2003, sobre a aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho relativamente à fiscalização do seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 2003, L 192 p. 23).

    ( 7 ) Referida na nota 5.

    ( 8 ) Merkin, R., e Hemsworth, M., The Law of Motor Insurance, 2.a ed., Sweet & Maxwell, Londres, 2015, pp. 26 e 27, ponto I‑26. V. também acórdão de 9 de junho de 1977, Ufficio van Ameyde (90/76, EU:C:1977:101, n.o 8).

    ( 9 ) No seguimento da Recomendação n.o 5, adotada em 25 de janeiro de 1949 pelo Grupo de Trabalho sobre o Transporte Rodoviário do Comité do Transporte Terrestre da Comissão Económica para a Europa, E/ECE/TRANS/145, E/ECE/TRANS/SCI/39, p. 2.

    ( 10 ) Acórdão de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.o 13).

    ( 11 ) V. artigo 2.o, n.o 11, do Regulamento Geral e artigo 1.o, n.o 5, da diretiva consolidada.

    ( 12 ) Merkin, R., e Hemsworth, M., The Law of Motor Insurance, 2.a ed., Sweet & Maxwell, Londres, 2015, p. 27, ponto I‑27.

    ( 13 ) A Primeira, Segunda e Quarta Diretivas (referidas na notas 2 a 4); a Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO 1990, L 129, p. 33) (a seguir «Terceira Diretiva»); e a Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, que altera as Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO 2005, L 149, p. 14) (a seguir «Quinta Diretiva»).

    ( 14 ) Referida na nota 5.

    ( 15 ) V. primeiro considerando da Primeira Diretiva. Acórdãos de 9 de junho de 1977, Ufficio van Ameyde (90/76, EU:C:1977:101, n.os 13 e 18); de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.o 9); de 17 de março de 2011, Carvalho Ferreira Santos (C‑484/09, EU:C:2011:158, n.o 24 e jurisprudência aí referida); e de 26 de março de 2015, Litaksa (C‑556/13, EU:C:2015:202, n.os 24 a 26).

    ( 16 ) O artigo 2.o da Primeira Diretiva dispunha que a celebração desse acordo era uma condição prévia para que as disposições da diretiva produzissem efeitos, constituindo, para tal, a data de referência. V. artigo 2.o da diretiva consolidada.

    ( 17 ) Recomendação de 15 de maio de 1973 (JO 1973, L 194, p. 13).

    ( 18 ) Primeira Decisão 74/166/CEE da Comissão, de 6 de fevereiro de 1974, relativa à aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 87, p. 13; EE 13 F3, p. 210).

    ( 19 ) Publicado em anexo à Segunda Decisão 74/167/CEE da Comissão, de 6 de fevereiro de 1974, relativa à aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1974, L 87, p. 14; EE 13 F3 p. 211).

    ( 20 ) V. Segunda Decisão da Comissão, referida na nota 19.

    ( 21 ) V., por exemplo, Terceira Decisão 75/23/CEE da Comissão, de 13 de dezembro de 1974, relativa à aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização de cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1974, L 6, p. 33; EE 13 F4 p. 42); Quinta Decisão 86/219/CEE da Comissão, de 16 de maio de 1986, sobre a aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1986, L 153, p. 53).

    ( 22 ) Artigo 5.o da Primeira Diretiva e artigo 6.o da diretiva consolidada. Para a definição de «serviço nacional», v. artigo 1.o, ponto 3), da Primeira Diretiva e artigo 1.o, ponto 3), da diretiva consolidada.

    ( 23 ) Para uma descrição concisa de cada uma das diretivas seguro automóvel, v. conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl no processo Farrell (C‑356/05, EU:C:2006:653, n.os 18 a 25).

    ( 24 ) No contexto de uma alteração à Terceira Diretiva. V. artigo 4.o da Quinta Diretiva, artigo 4.o‑E da Terceira Diretiva e artigo 19.o da diretiva consolidada.

    ( 25 ) V., no caso do Conselho dos Serviços Nacionais, ficha de avaliação do impacto que acompanha a proposta da Quinta Diretiva sob a epígrafe «Consulta», ponto 6.3, [COM(2002) 244 final] (JO 2002, E 227, p. 387), que refere que o Conselho dos Serviços Nacionais «acolheu favoravelmente as disposições de base contidas na proposta e cooperou com a Comissão a fim de solucionar de forma adequada alguns problemas difíceis, tais como os respeitantes aos veículos sem chapa de matrícula ou com uma chapa não correspondente ou ainda no que se refere à cobertura de seguro para os veículos importados».

    ( 26 ) V. Segunda Decisão da Comissão, de 6 de fevereiro de 1974, referida na nota 19. V. também Sexta Decisão 86/220/CEE da Comissão, de 16 de maio de 1986, que diz respeito à aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1986, L 153 p. 54), e Nona Decisão 88/369/CEE da Comissão, de 18 de maio de 1988, que diz respeito à aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1988, L 181 p. 47).

    ( 27 ) V. Decisão 91/323/CEE da Comissão, de 30 de maio de 1991, sobre a aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1991, L 177, p. 25).

    ( 28 ) Referido na nota 6.

    ( 29 ) Acórdão de 6 de outubro de 1987, Demouche e o. (152/83, EU:C:1987:421).

    ( 30 ) Acórdão de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431).

    ( 31 ) Decisão 2003/564/CE da Comissão, referida na nota 6.

    ( 32 ) V., por analogia, acórdão de 11 de setembro de 2003, Áustria/Conselho (C‑445/00, EU:C:2003:445, n.o 62), segundo o qual «os protocolos e anexos de um ato de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o ato de adesão disponha em contrário, só podem ser suspensas, alteradas ou revogadas de acordo com os processos previstos para a revisão dos Tratados originários».

    ( 33 ) V., a contrario, que a série C tem por objetivo publicar unicamente informações, recomendações e pareceres relativos à União: v. acórdãos de 12 de maio de 2011, Polska Telefonia Cyfrowa (C‑410/09, EU:C:2011:294, n.o 35), e de 13 de dezembro de 2012, Expedia (C‑226/11, EU:C:2012:795, n.o 30). V. também as conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo DHL Express (Italy) e DHL Global Forwarding (Italy) (C‑428/14, EU:C:2015:587, nota 17).

    ( 34 ) V. artigo 1.o da Decisão 2003/564/CE da Comissão, referida na nota 6: «[a] partir de 1 de agosto de 2003, os Estados‑Membros abster‑se‑ão de fiscalizar o seguro de responsabilidade civil no que diz respeito aos veículos com estacionamento habitual em outro Estado‑Membro ou no território da […], que são objeto do ‘Acordo de 30 de maio de 2002 entre os Serviços Nacionais de Seguros dos Estados‑Membros do Espaço Económico Europeu e outros Estados associados’, incluído em anexo à presente decisão».

    ( 35 ) Conclusões do advogado‑geral G. Reischl no processo Ufficio van Ameyde (90/76, não publicadas, EU:C:1977:76). No seu acórdão, o Tribunal de Justiça não tomou qualquer posição explícita sobre o estatuto dos acordos sobre o sistema da carta verde no direito da União. Declarou que o sistema da carta verde, reconhecido e aperfeiçoado por disposições comunitárias, visava facilitar a livre circulação de pessoas e de mercadorias, salvaguardando simultaneamente os interesses das pessoas lesadas [acórdão de 9 de junho de 1977, Ufficio van Ameyde (90/76, EU:C:1977:101, n.o 18)].

    ( 36 ) Conclusões do advogado‑geral G. Slynn no processo Demouche e o. (152/83, não publicadas, EU:C:1987:319).

    ( 37 ) Acórdão de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431).

    ( 38 ) Este facto também é referido nas conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Kleinwort Benson (C‑346/93, não publicadas, EU:C:1995:17, n.o 14).

    ( 39 ) Acórdão de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.os 22 e 23).

    ( 40 ) Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Fournier (C‑73/89, não publicadas, EU:C:1992:222, n.os 18 e 19).

    ( 41 ) Acórdão de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360).

    ( 42 ) Acórdão de 8 de novembro de 1990, Gmurzynska‑Bscher (C‑231/89, EU:C:1990:386).

    ( 43 ) Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Fournier (C‑73/89, não publicadas, EU:C:1992:222, n.o 19, in fine).

    ( 44 ) A atual versão do Regulamento Geral também contém uma cláusula compromissória (artigo 19.o).

    ( 45 ) O artigo 4.o‑E foi inserido na Terceira Diretiva pela Quinta Diretiva. V. considerando 22 da Quinta Diretiva. Do mesmo modo, o sítio web do Conselho dos Serviços Nacionais apresenta um resumo histórico que combina, por ordem cronológica, a evolução ao abrigo do sistema da carta verde e dentro da União: http://www.cobx.°rg. Nas páginas web do Conselho dos Serviços Nacionais, é disponibilizado às vítimas de acidentes de viação um instrumento de pesquisa que permite escolher entre os organismos abrangidos por um sistema ou pelo outro.

    ( 46 ) Afigura‑se útil acrescentar que a Supreme Court do Reino Unido adotou recentemente uma posição análoga sobre a ligação entre a Quarta Diretiva e o acordo entre os organismos de indemnização e os fundos de garantia previsto pela Quarta Diretiva, em termos semelhantes ao que era referido na Primeira Diretiva a propósito do Acordo de 1972. Concluiu que a relação entre os dois sistemas não deve ser objeto de uma análise excessivamente técnica, devendo antes ser vista como parte integrante de um sistema coerente, que deve ser encarado e interpretado como um todo: Moreno c. The Motor Insurers’ Bureau [2016] UKSC 52, n.o 33 (per Lord Mance).

    ( 47 ) O Tribunal de Justiça decidiu que era competente para interpretar as decisões adotadas por uma autoridade que tivesse sido criada por um acordo internacional celebrado pela União e que fosse responsável pela aplicação desse acordo. Acórdãos de 20 de setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, EU:C:1990:322, n.os 8 a 12), e de 21 de janeiro de 1993, Deutsche Shell (C‑188/91, EU:C:1993:24, n.os 17 a 19).

    ( 48 ) Acórdãos de 20 de setembro de 1990, Sevince (C‑192/89, EU:C:1990:322, n.o 11), e de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821, n.o 34).

    ( 49 ) Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821, n.os 40, 43 e 46).

    ( 50 ) V. n.os 58 a 61 das presentes conclusões.

    ( 51 ) Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701).

    ( 52 ) Acórdãos de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.o 23); de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462, n.o 38); e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão (C‑335/09 P, EU:C:2012:385, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

    ( 53 ) V. n.o 39 das presentes conclusões.

    ( 54 ) V., por exemplo, considerandos 1 e 2 da Quarta Diretiva ou considerando 2 da diretiva consolidada.

    ( 55 ) V., por exemplo, a exceção relativa à Grécia, prevista na Quarta Decisão 86/218/CEE da Comissão, de 16 de maio de 1986, sobre a aplicação da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1986, L 153, p. 52).

    ( 56 ) Seja da perspetiva das disposições do Tratado, como é o caso na presente secção, seja de um ponto de vista horizontal, que nos levaria novamente a um paralelismo com o acórdão Dzodzi como o que é estabelecido pelo advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo Fournier (v. n.o 68 e nota 40 das presentes conclusões).

    ( 57 ) Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.os 25 a 27 e jurisprudência aí referida); de 25 de maio de 2016, Meroni (C‑559/14, EU:C:2016:349, n.o 43 e jurisprudência aí referida); e de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o. (C‑218/15, EU:C:2016:748, n.os 13 a 15 e jurisprudência aí referida).

    ( 58 ) Essa regra foi introduzida pela Quarta Diretiva (v. artigos 20.° a 26.° da diretiva consolidada).

    ( 59 ) Os factos relatados pelo órgão jurisdicional de reenvio não indicam que K. Floros tenha sofrido danos fora do Estado‑Membro onde reside.

    ( 60 ) V. neste sentido, por exemplo, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, RX‑II (C‑334/12, EU:C:2013:134, n.os 41 a 42); de 30 de abril de 2014, FLSmidth (C‑238/12 P, EU:C:2014:284, n.o 112 e jurisprudência aí referida); e de 25 de maio de 2016, Meroni (C‑559/14, EU:C:2016:349, n.os 44 e 45 e jurisprudência aí referida).

    ( 61 ) Res inter alios acta aliis neque nocere, neque prodesse potest. V. conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Seagon/Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2008:575, n.o 26 e nota 12).

    ( 62 ) V. acórdão de 7 de fevereiro de 2013, Refcomp SpA (C‑543/10, EU:C:2013:62, n.o 16), no contexto do direito francês. V. também conclusões do advogado‑geral J. Mazák no processo Masdar (C‑47/07 P, EU:C:2008:342, n.o 48).

    ( 63 ) Isso seria comparável ao sistema instituído pelo Regulamento n.o 1215/2012. Este sistema pressupõe a existência de uma decisão judicial, assegurando, em princípio, o respeito pelas garantias processuais aplicáveis. Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

    Top