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Document 62015CC0584

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 8 de setembro de 2016.
Glencore Céréales France contra Établissement national des produits de l'agriculture et de la mer (FranceAgriMer).
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal administratif de Melun.
Reenvio prejudicial — Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigo 3.o — Regulamento (CEE) n.o 3665/87 — Artigo 11.o — Recuperação de uma restituição à exportação indevidamente concedida — Regulamento (CEE) n.o 3002/92 — Artigo 5.o‑A — Garantia indevidamente liberada — Juros devidos — Prazo de prescrição — Início da contagem do prazo — Interrupção do prazo — Limite máximo — Prazo mais longo — Aplicabilidade.
Processo C-584/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:655

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 8 de setembro de 2016 ( 1 )

Processo C‑584/15

Glencore Céréales France

contra

Etablissement national des produits de l’agriculture et de la mer (FranceAgriMer)

[pedido de decisão prejudicial apresentada pelo Tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun, França)]

«Recuperação de ajudas pagas indevidamente — Juros devidos — Prazo de prescrição — Inicio do prazo — Interrupção do prazo — Limite máximo»

A prescrição é uma das noções jurídicas clássicas que resistiu incólume à passagem do tempo. Sem dúvida por isso, dizia Karl Friedrich von Savigny, já em 1841, que representava «uma das instituições jurídicas mais importantes e benéficas»

1. 

 ( 2 ). Tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, poderia acrescentar‑se que é também uma das que suscita mais dificuldades de aplicação.

2. 

A empresa Glencore Céréales France (a seguir «Glencore») viu‑se obrigada a restituir ao organismo francês competente na matéria ajudas à exportação que tinha auferido indevidamente. Quando o referido organismo lhe exigiu, mais tarde, o pagamento dos juros relativos ao montante objeto de reembolso, a Glencore arguiu a prescrição, após alegar, em particular, que o montante dos juros não constava da reclamação do crédito principal.

3. 

Dado que as ajudas à exportação provinham de fundos europeus, o litígio afeta os interesses financeiros da União, objeto do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 ( 3 ), que constitui a legislação horizontal para a luta contra a fraude. O reenvio prejudicial permitirá precisar, agora relativamente ao crédito sobre os juros, a intensa jurisprudência sobre outros aspetos desse texto legal.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Regulamento n.o 2988/95

4.

Nos considerandos quarto e quinto afirma‑se o seguinte:

«Considerando que a eficácia da luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades exige a criação de um quadro jurídico comum a todos os domínios abrangidos pelas políticas comunitárias;

Considerando que os comportamentos que constituem irregularidades, bem como as medidas e sanções administrativas que lhes dizem respeito, estão previstos em regulamentos setoriais em conformidade com o presente regulamento;».

5.

O considerando nono afirma:

«Considerando que as medidas e sanções comunitárias adotadas no âmbito da realização dos objetivos da política agrícola comum são parte integrante dos regimes de ajudas; que têm uma finalidade própria […]; que a sua eficácia deve ser assegurada pelo efeito imediato da norma comunitária […]».

6.

Segundo o artigo 1.o, sob a epígrafe «Princípios gerais»:

«1.   Para efeitos da proteção dos interesses financeiros [da União], é adotada uma regulamentação geral em matéria de […] medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

2.   Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito [da União] que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta [da União], quer por uma despesa indevida.»

7.

O artigo 3.o Regulamento n.o 2988/95 estabelece:

«1.   O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.o 1 do artigo 1.o […]

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. […]

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.o 1 do artigo 6.o

2.   O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. […]

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3.   Os Estados‑Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos n.os 1 e 2.»

8.

Nos termos do artigo 4.o:

«1.   Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

[…]

2.   A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.

[…]»

2. Regulamentação setorial

a) Restituições à exportação de produtos agrícolas

9.

O Regulamento (CEE) n.o 3665/87 da Comissão, de 27 de novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas ( 4 ), foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 800/1999 da Comissão, de 15 de abril de 1999 ( 5 ), mas é aplicável ratione temporis aos factos do litígio principal na sua versão alterada pelo Regulamento (CE) n.o 495/97 ( 6 ).

10.

O artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 dispõe:

«[…] em caso de pagamento indevido de uma restituição, o beneficiário é obrigado a reembolsar os montantes indevidamente recebidos — o que inclui qualquer sanção aplicável nos termos do primeiro parágrafo do n.o 1 — aumentados dos juros calculados em função do período decorrido entre o pagamento e o reembolso. Contudo:

[…]

b)

No caso de a garantia ter sido liberada, o beneficiário pagará a parte da garantia que teria sido executada, aumentada dos juros calculados a partir da data da liberação até ao dia anterior à data do pagamento.

[…]»

b) Controlo dos produtos em regime de intervenção

11.

Ainda que o Regulamento (CEE) n.o 3002/92 da Comissão, de 16 de outubro de 1992, que estabelece normas de execução comuns relativas ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção ( 7 ), tenha sido revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 1130/2009 da Comissão, de 24 de novembro de 2009 ( 8 ), com a mesma designação, continua a ser aplicável ratione temporis aos factos do litígio principal na versão alterada pelo Regulamento (CE) n.o 770/96 da Comissão, de 26 de abril de 1996. ( 9 )

12.

Nos termos do artigo 5.oA, n.o 1, do Regulamento n.o 3002/92:

«1.   Se, após a liberação, total ou parcial, da garantia a que se refere o artigo 5.o, se verificar que todos ou alguns dos produtos não tiveram a utilização e/ou o destino previstos, a autoridade competente do Estado‑Membro […] exigirá do operador […] o pagamento de um montante igual ao da garantia que teria sido executada se o incumprimento tivesse sido tomado em conta antes da sua liberação. Esse montante será acrescido de juros contados da data da liberação até ao dia anterior ao do pagamento.

O recebimento, pela autoridade competente, do montante referido no parágrafo anterior constitui a recuperação do benefício económico indevidamente concedido.»

B – Direito francês

13.

A Lei n.o 2008‑561, de 17 de junho de 2008 ( 10 ), institui um novo regime de prescrição de direito comum integrado no artigo 2224.o do Código Civil, nos termos do qual:

«As ações pessoais ou mobiliárias prescrevem no prazo de cinco anos contados do dia em que o titular de um direito teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dos factos que lhe permitem exercê‑lo».

II – Factos que deram origem ao litígio

14.

Em 26 de maio de 1999, a sociedade Glencore obteve um certificado de autorização para exportar 3300 toneladas de cevada a granel para fabrico de cerveja, com direito a restituições à exportação.

15.

Na sequência de uma inspeção efetuada pela Administração Alfandegária, que detetou irregularidades no carregamento dos cereais para os navios destinados à sua exportação, o Office national interprofessionnel des céréales ( 11 ) emitiu uma nota de cobrança à Glencore, no montante de 93933,85 euros, que foi notificada em 25 de fevereiro de 2004. ( 12 )

16.

Entre os meses de maio e setembro de 2000, a Glencore preencheu declarações de exportação relativas a uma quantidade de 43630,130 toneladas de trigo‑mole de intervenção.

17.

A Administração Alfandegária detetou irregularidades nas modalidades de armazenamento dos cereais antes da sua exportação, devido às quais o Office national interprofessionnel des céréales emitiu, em 30 de novembro de 2005, três notas de cobrança nos montantes de 113685,40 euros, 22285,60 euros e 934598,28 euros, respetivamente, que foram notificadas à Glencore por carta de 5 de janeiro de 2006.

18.

Depois de recorrer judicialmente, sem sucesso, das notas de cobrança que lhe exigiam a restituição das ajudas comunitárias auferidas indevidamente, a Glencore pagou os montantes reclamados em 6 de abril de 2010 (relativos à exportação de cevada) e em 27 de setembro de 2010 (relativos à exportação de trigo).

19.

Em 16 de abril de 2013, a FranceAgriMer ( 13 ) exigiu à Glencore que lhe pagasse a quantia de 289569,05 euros a título de juros decorrentes das ajudas auferidas indevidamente. ( 14 ) Esta decisão era acompanhada de uma nova nota de cobrança, naquele montante, de 12 de abril de 2013, notificada por carta de 16 de abril de 2013.

20.

A Glencore requereu ao órgão jurisdicional de reenvio a anulação das decisões de 16 de abril de 2013 e da nota de cobrança de 12 de abril de 2013 alegando, no que ao direito da União diz respeito, a prescrição dos juros por força do artigo 3.o, n.o 1, primeiro e quarto parágrafos, do Regulamento n.o 2988/95.

III – Questões prejudiciais

21.

Dada a necessidade de proceder à interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, o Tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun, França) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, as seguintes questões:

«1)

É possível deduzir dos termos [do acórdão de 29] de março de 2012, no processo C‑564/10, […] Pfeifer & Langen […], que o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95, que fixa o regime da prescrição em direito [da União], é aplicável a medidas destinadas ao pagamento dos juros devidos em aplicação do artigo 52.o do Regulamento […] n.o 800/1999 e do artigo 5.o‑A do Regulamento […] n.o 770/96?

2)

Deve considerar‑se o crédito [de] juros como o resultado, por natureza, de uma irregularidade ‘[continuada] ou repetida’ que termina no dia do pagamento da dívida principal e que adia, assim, até [essa] data o ponto de partida da prescrição no que lhe diz respeito?

3)

Em caso de resposta negativa à [segunda] questão […], deve o ponto de partida da prescrição ser fixado no dia em que foi praticada a irregularidade que deu origem ao crédito principal ou apenas pode ser fixado no dia do pagamento da ajuda ou da liberação da garantia que corresponde ao ponto de partida do cálculo dos referidos juros?

4)

Para a aplicação das regras de prescrição instituídas pelo Regulamento n.o 2988/95, deve entender‑se que qualquer ato que interrompa a prescrição no que respeita ao crédito principal interrompe igualmente a prescrição em curso quanto aos juros, mesmo que não seja feita referência a estes nos atos que interrompem a prescrição do crédito principal?

5)

A prescrição produz efeitos por ser alcançado o prazo máximo previsto no [artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo] do Regulamento n.o 2988/95 se, nesse prazo, o organismo pagador pedir o reembolso da ajuda indevidamente paga sem pedir, simultaneamente, o pagamento dos juros?

6)

Pode o prazo de prescrição de direito comum de cinco anos, introduzido [no] direito nacional [pelo] artigo 2224.o do [C]ódigo [C]ivil pela Lei n.o 2008‑561, de 17 de junho de 2008, ter substituído, para as prescrições que ainda não produziram efeitos no dia da entrada em vigor desta lei, o prazo de prescrição de 4 anos previsto pelo Regulamento n.o 2988/95, em aplicação da derrogação prevista no artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de novembro de 2015.

23.

A Glencore, o Governo francês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas, no prazo estabelecido pelo artigo 23.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, e participaram na audiência realizada em 9 de junho de 2016.

V – Apreciação

A – Observações preliminares

24.

Parece‑me oportuno proceder a uma clarificação prévia que ajude a compreender a redação (pouco feliz) da disposição fundamental deste litígio, o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95. A utilização da expressão «prazo de prescrição do procedimento» ( 15 ) no primeiro parágrafo do n.o 1 desse artigo pode induzir em erro. Não se trata, contrariamente ao que se possa pensar, de um prazo de prescrição do «procedimento» enquanto tal ( 16 ), mas sim do prazo para o exercício do direito (neste caso, da Administração) de recuperar o que tenha atribuído indevidamente à sociedade beneficiária dos fundos europeus.

25.

A prescrição extintiva é, passe a redundância, uma forma de extinção dos direitos (ou, se se quiser, das ações, que não são senão a tradução processual dos direitos) produto da inatividade do seu titular durante um determinado período de tempo. O artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 impõe à Administração um período máximo de quatro anos (suscetível de interrupções), a partir da prática da irregularidade, para recuperar os montantes auferidos indevidamente pelo operador. É precisamente o direito de exigir esse reembolso que se extingue, repito, se decorridos quatro anos sem o seu exercício.

26.

Uma segunda observação é igualmente apropriada. Dispondo a administração competente desses quatro anos para agir contra a irregularidade supostamente praticada, a sua intervenção pode: a) interromper o prazo através de qualquer ato de instrução do procedimento que circunscreva, com suficiente precisão, as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades ( 17 ), com o limite máximo de oito anos para tomar uma decisão ( 18 ); ou b) resultar numa decisão que contemple uma medida administrativa do artigo 4.o ou uma sanção das previstas no artigo 5.o do Regulamento n.o 2988/95.

27.

A minha terceira e última observação preliminar é relativa a um facto que foi discutido na audiência e que, ainda que tal não se deduza do despacho de reenvio, pode ter relevância para o desfecho deste processo: o Governo francês confirmou de forma inequívoca que a prática usual das suas autoridades até 2010 consistia em não proceder à reclamação de juros nos casos de recuperação de ajudas comunitárias nestas circunstâncias ( 19 ).

B – Primeira questão prejudicial

1. Observações das partes

28.

As três partes que submeteram observações propõem, de forma unânime, uma resposta afirmativa à primeira questão prejudicial.

29.

A Glencore e o Governo francês entendem que, no acórdão Pfeifer & Langen ( 20 ), o Tribunal de Justiça tinha admitido, implícita mas necessariamente ( 21 ), que, quando os juros sejam devidos por força de duas regras do direito da União ( 22 ), o prazo de prescrição indicado no Regulamento n.o 2988/95 é aplicável à cobrança dos juros do crédito principal.

30.

Segundo a Comissão, decorre do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 que a exigência dos juros é uma das medidas administrativas que visam corrigir uma irregularidade. O seu pagamento encontra‑se expressamente previsto no direito derivado da União e afeta os interesses financeiros desta.

31.

Para além disso, a Comissão alega que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 estabelece uma harmonização mínima para garantir que as medidas de proteção dos interesses financeiros da União não estão submetidas a prazos de prescrição mais curtos que os nele contemplados.

2. Apreciação

32.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se pode interpretar a contrario sensu o acórdão Pfeifer & Langen I ( 23 ). Se assim for, salienta a resposta às restantes questões, já que no litígio os juros são devidos em virtude de normas setoriais do direito da União.

33.

No acórdão Pfeifer & Langen I, o Tribunal de Justiça decidiu, de facto, que o Regulamento n.o 2988/95 não era aplicável, porque, naquele caso, os juros não são devidos em aplicação de uma norma de direito da União, mas sim de outras de direito nacional. É, pois, lógico e prudente que o órgão jurisdicional de reenvio queira assegurar‑se de que decorre a contrario sensu do referido acórdão a aplicabilidade do Regulamento citado.

34.

Concordo com as partes deste processo quanto ao facto de que a dedução que o órgão jurisdicional de reenvio propõe é correta.

35.

Corroboram esta conclusão, por um lado, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 (a retirada da vantagem obtida indevidamente pode ser aumentada, se tal se encontrar previsto, dos juros) e, por outro, o acórdão Pfeifer & Langen I, quando faz referência à eventual existência de regulamentação setorial da União que contemple a cobrança de juros ( 24 ). A estes últimos seria aplicável o regime do artigo 3.o, n.o 1, daquele regulamento. Acresce ainda, sob um ponto de vista sistemático, que o mesmo acórdão clarifica ( 25 ) que o regime de prescrição do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 não tem vocação para a regulação dos juros decorrentes do direito nacional e não de uma regulamentação setorial da União.

36.

Assim, o próprio acórdão Pfeifer & Langen I incorpora na sua ratio decidendi elementos que demonstram a posição do Tribunal de Justiça: se existe uma regulamentação setorial da União nos termos da qual procede a cobrança de juros (acrescidos à devolução dos montantes auferidos indevidamente pelos operadores no quadro do orçamento da União), são, em princípio, aplicáveis as disposições sobre prescrição do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95.

37.

Transpondo esta premissa para o litígio principal, e tendo em conta que o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e o artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92 preveem a cobrança de juros (no âmbito do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas e no do controlo da utilização e/ou do destino dos produtos de intervenção, respetivamente), sem que nenhum deles adote regras específicas em matéria prescrição, tal cobrança permanece submetida à regulamentação geral, ou transversal, que é o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95.

38.

Consequentemente, sugiro responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 se aplica à cobrança de juros devidos pelas medidas adotadas em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e o artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92.

C – Segunda a quinta questões prejudiciais

1. Interpretação das questões

39.

Através da segunda a quinta questões, que podem ser respondidas conjuntamente, o tribunal de reenvio pretende saber, essencialmente, como seria aplicada a prescrição do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 à cobrança dos juros dos montantes auferidos indevidamente, no quadro do regime das restituições à exportação e da intervenção de produtos agrícolas.

40.

As questões refletem, em grande medida, os argumentos apresentados pelas partes ao órgão jurisdicional de reenvio e centram‑se no dies a quo ( 26 ) e na incidência que, relativamente aos prazos de prescrição (tanto o prazo geral do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 como o prazo extraordinário do seu quarto parágrafo), poderia ter o facto das reclamações do reembolso não incluírem os juros ( 27 ).

2. Observações das partes

41.

No que diz respeito ao dies a quo, a Glencore entende que, sendo o crédito sobre os juros acessório do crédito principal, a cobrança de juros não resulta de uma irregularidade continuada ou repetida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, à luz da jurisprudência relativa a esta matéria ( 28 ). Entende, também, que o ponto de partida da prescrição coincide com o dia em que foi praticada a irregularidade ou, alternativamente, com o dia em que os juros são devidos, mas em caso algum com a data em que seja descoberta nem com aquela em que a dívida seja recuperada ( 29 ).

42.

Quanto à falta de referência aos juros nos pedidos de reembolso, a Glencore alega que o ato através do qual se insta ao reembolso do crédito principal não exibe a precisão exigida pela jurisprudência ( 30 ) e seria contrário ao princípio da segurança jurídica deduzir que inclui os juros, uma vez que não lhes faz referência. Em todo o caso, no litígio principal os créditos relativos à cobrança de juros já teriam prescrito por decurso do prazo de quatro anos desde os pedidos de reembolso dos créditos principais.

43.

Relativamente ao prazo de prescrição extraordinário de oito anos, a Glencore assegura que, no acórdão Sodiaal International ( 31 ), o Tribunal de Justiça resolveu a questão ao confirmar que a data limite estabelecida no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 se aplica também a uma medida, na aceção do artigo 4.o, desse mesmo regulamento, a partir do momento em que fosse prevista por uma norma setorial da União. A falta de referência aos juros nas reclamações dos montantes auferidos indevidamente teria provocado o decurso do prazo extraordinário de prescrição quando a FranceAgriMer as reclamou tardiamente.

44.

O Governo francês argumenta que, dado o caráter acessório dos juros relativamente ao crédito principal e uma vez que a sua origem reside na falta de pagamento do crédito principal, o prazo de prescrição de um crédito sobre juros tem início quando se procede ao pagamento do crédito principal. Além disso, ao produzir efeitos de forma contínua durante todo o período de não pagamento do crédito principal, o crédito sobre os juros constitui uma «irregularidade repetida» no sentido do Regulamento n.o 2988/95.

45.

O Governo francês alega que a data de início da prescrição do crédito sobre os juros não coincide com a do crédito principal, uma vez que nesse momento ainda não se verificaria o vencimento de juros. Contesta, também, relativamente ao caráter indissociável das duas dívidas, que é possível trazer‑se à colação o acórdão Pfeifer & Langen II, cujo n.o 51 se refere apenas ao caráter acessório do crédito sobre os juros na situação, distinta da do caso em apreço, em que o crédito principal tenha prescrito.

46.

Caso o Tribunal de Justiça opte por não dissociar o crédito sobre os juros da irregularidade que originou o crédito principal, o Governo francês propõe considerar o primeira como uma modalidade de decisão de sanção administrativa que sustenta o crédito principal. Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, que fixa um prazo de prescrição de três anos para a execução da decisão que aplica a sanção a partir do dia em que se torna definitiva, e uma vez que a Glencore recorreu, primeiro, nos tribunais, das duas decisões do caso em apreço, tendo procedido posteriormente ao seu pagamento, o prazo de prescrição dos juros corre a partir do referido pagamento.

47.

Tendo em conta este último critério, o Governo francês é de opinião que a falta de referência ao crédito sobre os juros na reclamação do crédito principal seria irrelevante, uma vez que o prazo de prescrição do crédito sobre os juros neste litígio não se teria esgotado.

48.

De acordo com a Comissão, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 refere‑se à prescrição do procedimento para reparar a irregularidade, mas, apesar do caráter acessório do crédito sobre os juros, este último não deixa de ser objeto de uma ação distinta do crédito principal. Acrescenta que, o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87, ao impor o cálculo de juros em função do período decorrido entre o pagamento da vantagem auferida indevidamente e o seu reembolso, o crédito sobre os juros pode apenas ser realmente exigido a partir do momento em que a autoridade competente tenha recebido a devolução do montante correspondente ao crédito principal do operador.

49.

A Comissão concorda com o argumento do Governo francês relativamente ao caráter contínuo do crédito sobre os juros. E assinala que, relativamente ao prazo máximo de prescrição previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, no caso em apreço, não se teria esgotado, uma vez que começou a correr a partir do pagamento dos créditos principais ( 32 ).

50.

Se o Tribunal de Justiça recusar a existência de uma irregularidade continuada do crédito sobre os juros, a Comissão incide no caráter acessório desta relativamente ao crédito principal, o que justificaria que a interrupção da prescrição, em resultado do procedimento visando a cobrança do crédito principal, provoque também a interrupção da relativa à cobrança dos juros.

3. Apreciação

a) Juros e sua prescrição nos termos do Regulamento n.o 2988/95

51.

No quadro do Regulamento n.o 2988/95, a cobrança de juros não constitui uma sanção ( 33 ) e serve um duplo propósito: por um lado, compensar a Administração, que não pôde dispor do montante em dívida, equivalendo aqueles ao valor atualizado do montante auferido indevidamente pelo operador; por outro lado, eliminar qualquer vantagem que o referido operador tenha obtido como beneficiário de ajudas atribuídas em excesso, o que se verificaria se não se cobrassem juros sobre o seu montante ( 34 ).

52.

Quanto ao estatuto jurídico do crédito sobre os juros, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Pfeifer & Langen I, o seu caráter acessório relativamente à recuperação dos montantes indevidamente recebidos (o crédito principal) ( 35 ). Não deve também ser esquecida uma segunda característica do crédito sobre os juros, a saber, a sua origem legal quando a cobrança de juros está prevista numa regulamentação setorial da União (diferentemente da ação de juros própria do direito comum). Como referi, no caso em apreço, o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e o artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92 acolhem de forma expressa a reclamação de juros.

53.

Esta obrigação, acessória e de origem legal, tem, por seu turno, um duplo corolário: a) condiciona a Administração nacional a reclamar os juros, ainda que para o seu cálculo exato tenha que aguardar pelo reembolso do montante auferido indevidamente (basta multiplicar esse montante pela taxa correspondente e pelo período decorrido entre o pagamento e o reembolso); e b) proporciona segurança jurídica ao operador infrator, que tem conhecimento, antecipadamente, da sua obrigação imperativa de proceder ao seu pagamento.

54.

Dada a finalidade da cobrança dos juros e suas características jurídicas, a prescrição da ação para os reclamar corre paralelamente à da ação principal correspondente, isto é, a restituição do montante auferido indevidamente pelo infrator.

55.

No entanto, o caráter acessório encontra um limite no regime de prescrição do Regulamento n.o 2988/95 que importa referir desde já, sem prejuízo do seu desenvolvimento no quadro da resposta à quinta questão prejudicial. Se, tal como se verifica no caso em apreço, a Administração exerce apenas, num primeiro momento, a ação de restituição do crédito principal, o crédito sobre os juros pode adquirir uma certa autonomia, no que se refere à sua prescrição ( 36 ). As decisões ou medidas adotadas para obter o reembolso do crédito principal estão sujeitas ao prazo previsto no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 ( 37 ) (ou ao prazo pertinente nos termos do direito nacional), enquanto que, na ausência da sua reclamação específica, a ação de cobrança dos juros mantém‑se sujeita à prescrição extraordinária prevista no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do mesmo regulamento.

56.

A aplicação desse limite temporal extraordinário à ação de cobrança de juros justifica‑se pelo facto de que um prazo desta natureza tem um caráter absoluto, isto é, rege quaisquer que sejam os procedimentos a que se tenha dado início, incluindo os que tenham interrompido a prescrição. Se, após oito anos desde o surgimento do crédito sobre os juros, esses procedimentos não tiverem culminado numa medida ou sanção, ( 38 ) a disposição considera que se deu origem, eo ipso, à prescrição da ação para os reclamar ( 39 ).

b) Dies a quo: irregularidade continuada ou pontual?

57.

A questão do juiz de reenvio (o crédito sobre os juros resulta de uma irregularidade continuada ou repetida?) parece lógica nesta fase da análise, já que, a ser‑lhe dada uma resposta afirmativa, seria aplicável o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, que situa o dies a quo da prescrição no momento em que cessou a irregularidade. Admitindo esta tese, a ação para exigir os juros não teria prescrito no caso em apreço.

58.

No entanto, não creio que se possa qualificar a falta de pagamento dos juros de irregularidade continuada ou repetida. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, entende‑se por «irregularidade continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, uma irregularidade cometida por um operador que retira benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violam a mesma disposição do direito da União ( 40 ).

59.

Partindo desta premissa, são várias as razões que apontam para uma resposta negativa à questão. Em primeiro lugar, o crédito sobre os juros não surge diretamente da infração de uma norma jurídica da União. As irregularidades a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 são de ordem substantiva, isto é, pressupõem outras tantas violações (continuadas ou repetidas no tempo) do regime material que disciplina as ajudas. Verificadas essas violações substantivas, através das quais o operador infrator obteve indevidamente a vantagem económica, nasce o dever de reembolso do crédito principal e dos juros, mas a falta de pagamento destes últimos não constitui, em si mesma, uma nova infração ou irregularidade.

60.

Em segundo lugar, ainda que se quisesse ver na falta de pagamento do capital e dos juros a violação de uma obrigação legal, os benefícios económicos obtidos pelo infrator não teriam origem num «conjunto de operações similares», uma vez que o crédito sobre os juros não resulta de várias operações. O seu incremento diário com o passar do tempo de não pagamento resulta, como já referi, da natureza compensatória da perda de valor nominal do montante recebido pelo infrator, que requer adaptações diárias. Esse processo de cálculo, em evolução, não significa que o operador viole diariamente a mesma disposição do direito da União, efetuando uma operação semelhante à da véspera.

61.

Assim, uma vez afastada a tese da irregularidade continuada ou repetida, em que momento começa a correr o prazo para que prescreva a ação da Administração dirigida a reclamar os juros? No caso de irregularidades pontuais (como as deste processo) o Tribunal de Justiça esclareceu que a sua prática faz correr o prazo se se verifica uma ação ou omissão de um agente económico que infringe o direito da União e uma lesão, atual ou potencial, ao orçamento da União ( 41 ). Como corolário, essa mesma jurisprudência afirma que o prazo de prescrição começa a correr quando tenham ocorrido tanto a violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União. ( 42 )

62.

Para o Tribunal de Justiça, o dies a quo não tem de coincidir com a data em que a Comissão (ou, neste caso, a autoridade nacional competente) tenha descoberto o erro, ( 43 ) mas sim com o dia em que foi praticada a irregularidade.

63.

Da descrição dos factos na origem do litígio não se deduz com clareza se o pagamento da restituição à exportação de cevada e a ajuda à exportação do trigo ocorreram antes ou depois da prática das infrações. O dies a quo para o cálculo do prazo de prescrição do crédito sobre os juros poderia ser a data da prática da infração (se esta for posterior à do pagamento da restituição ou da ajuda) ou a do pagamento (se esta for posterior à infração material), pois apenas num desses momentos se efetivou a irregularidade ( 44 ).

64.

Em meu entender, a liberação da garantia (a que faz alusão o juiz de reenvio na sua terceira questão) não é relevante para a fixação do começo do prazo para reclamar os juros. Resulta do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 que «o beneficiário é obrigado a reembolsar os montantes indevidamente recebidos […] aumentados dos juros calculados em função do período decorrido entre o pagamento e o reembolso». É certo que a mesma disposição prevê, na sua alínea b), uma regra de cálculo especial, mas com ela não se introduz um novo dies a quo: trata‑se apenas de um mero critério para determinar os juros nas situações de constituição de garantias ( 45 ).

65.

Assim, quando é praticada uma das irregularidades, começam a correr o prazo de reclamação do crédito principal e o da prescrição da ação para exigir os juros, sem que, no caso em apreço, se verifique uma irregularidade continuada ou repetida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95.

c) Falta de reclamação dos juros

66.

O juiz a quo pretende saber que influência tem sobre o prazo de prescrição a falta de referência aos juros na reclamação do crédito principal. A quarta e quinta questões prejudiciais apontam, nessa perspetiva, tanto para o prazo do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 («prazo geral» de quatro anos, ou mais, se assim o estabelecer o direito nacional), como para o do seu quarto parágrafo («prazo extraordinário» de oito anos).

67.

O prazo geral visa garantir a segurança jurídica dos agentes económicos, ( 46 ) por forma a que estejam em condições de determinar quais das suas operações adquiriram caráter definitivo e quais são ainda passíveis de ser sujeitas a processos. ( 47 ) Não vejo nenhum impedimento para estender esta jurisprudência ao prazo extraordinário, uma vez que introduz um máximo absoluto que resulta numa maior segurança jurídica.

68.

A ação para reclamar os juros de uma dívida, decorrente da receção indevida de ajudas no quadro do orçamento da União, submete‑se, em princípio, ao prazo geral e ao regime jurídico que o regula. Por esse motivo, a prescrição é suscetível das interrupções possíveis indicadas no artigo 3.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, cujo efeito consiste em começar a correr um novo período de quatro anos após cada interrupção.

69.

Neste processo, de acordo com a descrição dos factos do despacho de reenvio, em 2001 (relativamente à cevada) e em 2003 (com o trigo‑mole), as autoridades alfandegárias francesas efetuaram duas inspeções. Se essas inspeções cumpriam os requisitos necessários (ser precedidas das devidas notificações, ser suficientemente precisas para instruir as respetivas irregularidades e não revestir um caráter meramente geral), ( 48 ) cuja averiguação é da competência do órgão jurisdicional de reenvio, haveria que as qualificar de integradas no âmbito do «procedimento» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95. E, como ambas foram efetuadas no prazo de prescrição geral, interromperam‑no tanto no que diz respeito ao pagamento da dívida como no que se refere ao pagamento dos juros, dado o caráter acessório destes relativamente ao crédito principal.

70.

Na sequência da emissão das notas de cobrança de 2004 (para a cevada) e de 2005 (para o trigo‑mole), teria ocorrido uma nova interrupção do prazo, de acordo com o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95. Pode discutir‑se se, dada a natureza daquelas notas de cobrança, é interrompida apenas a prescrição da reclamação dos créditos principais, uma vez que as notas não faziam referência aos juros. Mas, em todo o caso, esse debate seria irrelevante, já que não chegou a ser adotada uma decisão sobre os juros durante o período de oito anos (contados desde a prática da irregularidade), que era o limite absoluto imposto pelo artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, como destaquei nos números anteriores destas conclusões.

71.

A premissa de que as ações têm de ser exercidas sob pena de prescrição é perfeitamente válida para a Administração Pública, ainda que os seus direitos ou as suas obrigações tenham um fundamento legal. As autoridades nacionais que, tal como no litígio principal, negligenciaram durante mais de oito anos o seu dever de exigir o pagamento de juros, não podem depois reclamá‑los sine die, contra o caráter absoluto de prazo extraordinário do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95. Tal resultado não afetaria apenas negativamente a segurança jurídica dos operadores, mas perturbaria também o equilíbrio, alcançado pelo legislador naquele regulamento, entre a proteção do orçamento da União e a segurança jurídica que pretende defender.

72.

É irrelevante, neste contexto, que a falta de reclamação de juros cumpra, como reconheceu o Governo francês na audiência, determinadas diretrizes da política nacional, que subsistiram até 2010. Este facto piora até a sua posição processual, uma vez que as referidas diretrizes violavam as obrigações, impostas pelos regulamentos setoriais, de recuperar tanto o crédito principal como os juros devidos em cada caso.

73.

A Administração francesa não podia, assim, depois de ter provocado esta situação, transferir a sua responsabilidade para os operadores económicos, requerendo‑lhes, quando já tinha decorrido o prazo extraordinário de prescrição de oito anos (incluídas as interrupções a que fiz referência), o pagamento de juros que ela própria tinha optado por não reclamar desde a sua génese.

74.

A necessidade de diligência profissional na conduta dos poderes públicos está, além disso, em perfeita consonância com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que salienta o dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos realizados no quadro do orçamento da União. Este dever emana de um mais amplo imposto pelo artigo 4.o, n.o 3, TUE aos Estados‑Membros, nos termos do qual devem tomar as medidas «adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União». Entre estas figuram as destinadas a corrigir as irregularidades, ( 49 ) incluindo as que tenham dado origem ao vencimento de juros, quando assim o determine o direito da União.

75.

Admitir que os Estados‑Membros possam beneficiar de um período mais longo do que o do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, para agir relativamente à cobrança dos juros, favorece, por fim, a inércia das autoridades nacionais na reclamação dos juros decorrentes de irregularidades, expondo, ao mesmo tempo, os operadores a um período prolongado e indeterminado de incerteza jurídica ( 50 ).

76.

Em suma, sou de opinião que, quando tenham sido adotadas medidas de execução na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95, em conformidade com as quais se reclame o pagamento do crédito principal, a falta de referência, nessas medidas, ao pagamento de juros leva a que a ação de cobrança destes esteja sujeita ao prazo extraordinário de prescrição do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do mesmo regulamento.

D – Sexta questão prejudicial

1. Observações das partes

77.

Para a Glencore, o prazo do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 não pode ser substituído pelo do artigo 2224.o do Código Civil francês, na redação dada pela Lei n.o 2008‑561. Em seu entender, não se verifica nenhuma das opções aceites pelo Tribunal de Justiça, a saber: a) que exista um prazo estabelecido no direito nacional para a prescrição da restituição de ajudas da União auferidas indevidamente (na opinião da Glencore, este artigo do Código Civil francês constitui uma disposição de caráter geral, não específica); ( 51 ) e b) a presença de uma prática jurisprudencial suficientemente previsível, relativamente à nova redação desse artigo ( 52 ).

78.

A Glencore alega, ainda, que submeter, por analogia, as irregularidades ocorridas em 1999 e 2000 ao prazo de prescrição de cinco anos do artigo 2224.o, do Código Civil francês, introduzido em 2008, seria contrário à segurança jurídica.

79.

O Governo francês e a Comissão concordam quanto ao facto de que deve ser dada uma resposta afirmativa à questão.

80.

Para o primeiro, deve ser tido em conta que, por um lado, no momento da prática das irregularidades, o artigo 2277.o, do Código Civil francês submete a um prazo de cinco anos todos os juros devidos por montantes de dinheiro emprestado e, em geral, de todos os devidos anualmente, como os créditos sobre juros em causa no litígio. Por outro lado, considera que o (novo) prazo de cinco anos de 2008 respeita o direito da União, uma vez que os Estados‑Membros dispõem da faculdade de alargar os prazos do artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 2988/95, o que o Tribunal de Justiça teria confirmado, ( 53 ) e respeitaria, no caso em apreço, a exigência de proporcionalidade ( 54 ).

81.

A Comissão argumenta que os Estados‑Membros podem prever prazos mais longos que se integrem em disposições de direito comum ( 55 ). Acrescenta que, de acordo com o Tribunal de Justiça, o prolongamento do prazo de prescrição e a sua aplicação imediata não são contrários aos direitos garantidos pelo artigo 7.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que corresponde ao artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 56 ). Termina indicando, no que diz respeito à segurança jurídica, que os operadores económicos não têm justificação para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente quando esta é alterável por decisões adotadas por instituições competentes no quadro do seu poder de apreciação ( 57 ).

2. Apreciação

82.

Com a sexta e última questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se existe algum impedimento, no direito da União, à aplicação, ao litígio principal, do prazo de prescrição de cinco anos do artigo 2224.o, do Código Civil francês.

83.

Dada a resposta que sugeri para a quarta e quinta questões, as considerações que se seguem têm um mero caráter subsidiário, caso não seja acolhida e se entenda que a reclamação de juros constitui uma medida de execução, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95.

84.

Por força do artigo 3.o, n.o 3, do mesmo regulamento, o regime de duração dos prazos de prescrição dos n.os 1 e 2 desse artigo adquire caráter supletivo relativamente ao que os Estados‑Membros estabeleçam nos seus ordenamentos jurídicos. Como observaram as partes neste processo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu aos Estados‑Membros um amplo poder de apreciação quanto à fixação de prazos de prescrição mais longos que tencionem aplicar em casos de irregularidades lesivas dos interesses financeiros da União, prazos que podem, para além disso, ter origem no direito comum e ser anteriores à entrada em vigor do Regulamento n.o 2988/95, ( 58 ) ou resultar de um desenvolvimento legislativo posterior ( 59 ).

85.

No que diz respeito ao direito francês, das observações escritas submetidas depreende‑se uma certa contradição entre o Tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun) e o Governo francês: o primeiro nega a existência, no momento dos factos do litígio, de uma disposição do seu direito que pudesse substituir o prazo de quatro anos do Regulamento n.o 2988/95, uma vez que o direito comum vigente à época era de 30 anos, duração expressamente proibida pelo Tribunal de Justiça como apta para tal substituição; ( 60 ) o Governo francês argui, por seu turno, o artigo 2277.o do Código Civil, que submetia, já então, a um prazo de cinco anos, todas as ações relativas a juros devidos por montantes de dinheiro pago.

86.

Tratando‑se de uma questão de direito nacional, não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional de reenvio, encontrar a disposição do seu ordenamento jurídico que pode substituir adequadamente o período de prescrição do artigo 3.o, n.os 1 e 2 do Regulamento n.o 2988/95. Poderia até questionar‑se, inclusivamente, se não existe no direito francês uma disposição de direito administrativo que regule os prazos de prescrição das dívidas que os particulares, incluindo os operadores económicos, contraem com a Administração Pública. Caso contrário, e dentro dos limites da consistência processual, o juiz a quo deve também averiguar acerca da argumentação do Governo francês vertida neste processo.

87.

Em qualquer caso, na medida em que os dois artigos do Código Civil francês (isto é, o antigo artigo 2277.o, vigente no momento em que se verificaram os factos, e o novo artigo 2224.o, em substituição do prazo comum de 30 anos) preveem uma duração de cinco anos, considero que ambos cumprem o requisito de proporcionalidade. O mero aumento de um ano, relativamente ao prazo estabelecido no artigo 3.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 2988/95 não vai além do necessário para permitir às autoridades nacionais a atuação contra irregularidades lesivas do orçamento da União (cuja finalidade consiste na recuperação das vantagens recebidas indevidamente e na cobrança dos juros devidos), nem encoraja a inércia das referidas autoridades no combate a tais irregularidades ( 61 ).

88.

No que se refere à segurança jurídica, não creio que se possa aceitar o argumento de que, afastada a prescrição de 30 anos, a aplicação do novo prazo de cinco anos do artigo 2224.o do Código Civil francês violaria aquele princípio jurídico (tese apoiada pela Glencore). As medidas adotadas contra as irregularidades detetadas, relativamente às ajudas à exportação de cevada e de trigo‑mole, datam de 2004 e 2005, ( 62 ) respetivamente, e interromperam, de qualquer forma, a prescrição de 30 anos então em vigor. Uma vez decididas, as medidas já não são abrangidas pelo âmbito do n.o 1, mas sim do n.o 2 do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95.

89.

Seria esse, de facto, o ponto de partida para o prazo de prescrição das ações para a cobrança de juros (enquanto atos de execução das medidas de recuperação do crédito principal), tendo em conta todos os fatores aptos para o interromper, tais como a impugnação por via contencioso‑administrativa e o pagamento do crédito principal. A este respeito, consta dos autos ( 63 ) que se recorreu das medidas na jurisdição contencioso‑administrativa francesa, o que interromperia o prazo de prescrição da execução das medidas até 2010, momento em que foi efetuado o pagamento. Nesse ano, já era aplicável a nova disposição de prescrição comum do artigo 2224.o do Código Civil francês.

90.

Por conseguinte, entendo que, nas circunstâncias do litígio principal, o direito da União não se opõe à aplicação dos prazos do artigo 2224.o do Código Civil francês relativamente ao prazo de prescrição que não tenha ainda expirado na data da entrada em vigor da Lei n.o 2008‑561.

VI – Conclusão

91.

Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun, França) nos seguintes termos:

«1)

O artigo 3.o, n.o 1 do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é aplicável à cobrança dos juros decorrentes das medidas adotadas em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CEE) n.o 3665/87 da Comissão, de 27 de novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas, e o artigo 5.o‑A do Regulamento (CEE) n.o 3002/92 da Comissão, de 16 de outubro de 1992, que estabelece normas de execução comuns relativas ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção.

2)

Numa situação como a do caso em apreço, a ação de reclamação de juros por cada um dos dois créditos principais:

não decorre de uma irregularidade continuada ou repetida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95; e

extingue‑se por prescrição, uma vez decorrido o prazo de oito anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, prazo que começa a correr na data em que foi praticada a irregularidade determinante da obrigação de pagamento do crédito principal.

3)

O direito da União não se opõe à aplicação dos prazos estabelecidos no artigo 2224.o do Código Civil francês relativamente ao prazo de prescrição que não tenha ainda expirado na data de entrada em vigor da Lei n.o 2008‑561.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) «Die Klagverjährung gehört unter die wichtigsten und wohlthätigsten Rechtsinstitute», em System des heutigen römischen Rechts, vol. 5, Berlim, 1841, p. 272.

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1).

( 4 ) JO 1987, L 351, p. 1.

( 5 ) Com designação praticamente idêntica (JO 1999, L 102, p. 11).

( 6 ) Regulamento da Comissão, de 18 de março de 1997, que altera o Regulamento (CEE) n.o 3665/87 que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas e o Regulamento (CEE) n.o 3719/88 que estabelece normas comuns de execução do regime de certificados de importação, de exportação e de prefixação para os produtos agrícolas (JO 1997, L 77, p. 12).

( 7 ) JO 1992, L 301, p. 17.

( 8 ) JO 2009, L 305, p. 5.

( 9 ) JO 1996, L 104, p. 13.

( 10 ) Loi portant réforme de la prescription en matière civile (JORF n.o 141, de 18 junho de 2008, p. 9856) (Lei que aprova a reforma da prescrição civil).

( 11 ) O Office national interprofessionnel des céréales, atualmente integrada na FranceAgriMer, era uma entidade pública encarregada de promover a concertação entre os setores agrícola e florestal, de garantir o conhecimento e a organização dos mercados, assim como da gestão das ajudas públicas nacionais e da União.

( 12 ) Esse montante inclui 60026,91 euros a título de reembolso de restituições à exportação, 30013,46 euros de sanção correspondente a 50% da restituição e 3893,48 euros como penalização à taxa de 15%.

( 13 ) Établissement national des produits de l’agriculture et de la mer, entidade que sucedeu nos direitos do Office national interprofessionnel des céréales (v..onota 11 das presentes conclusões).

( 14 ) Dos quais 263503,05 euros correspondiam aos juros pelas ajudas ao trigo‑mole e 26066 euros pelas da cevada.

( 15 ) Este último termo é, aliás, ambíguo em qualquer uma das versões linguísticas consultadas («poursuites», na versão francesa; «proceedings», na inglesa; «Verfolgung», na alemã; «azioni giudiziarie», na italiana; «vervolging», na neerlandesa; «procedimento», na portuguesa; e «vidta åtgärder», na sueca), sendo provavelmente preferível substituí‑lo por outro mais de acordo com o enquadramento administrativo em que opera o regulamento.

( 16 ) Os procedimentos (ou as diligências) não estão sujeitos a prazos de prescrição, mas sim de caducidade.

( 17 ) Acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen (C‑52/14, a seguir «acórdão Pfeifer & Langen II», EU:C:2015:381, n.o 46).

( 18 ) No acórdão de 3 de setembro de 2015, Sodiaal International (C‑383/14, EU:C:2015:541), o Tribunal de Justiça alargou, no seu n.o 26, a aplicação do prazo limite de prescrição de oito anos do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 às medidas administrativas na aceção do artigo 4.o do mesmo regulamento.

( 19 ) Em 8 de abril de 2010, a FranceAgriMer enviou uma nota ao conjunto dos operadores do setor, informando‑os da alteração da sua política relativa aos juros.

( 20 ) Acórdão de 29 de março de 2012 (C‑564/10, a seguir «acórdão Pfeifer & Langen I», EU:C:2012:190).

( 21 ) Remetem para os n.o 42 a 47 e 50 do acórdão Pfeifer & Langen I.

( 22 ) O artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e o artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92.

( 23 ) De acordo com esse acórdão, o prazo de prescrição do artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 para a cobrança do crédito principal, correspondente ao reembolso de uma vantagem indevidamente obtida do orçamento da União, não é aplicável aos juros gerados por esse crédito, quando não decorram da aplicação do direito da União, mas sim de uma obrigação criada unicamente pelo direito nacional.

( 24 ) N.o 42.

( 25 ) N.o 50.

( 26 ) Segunda e terceira questões.

( 27 ) Quarta e quinta questões.

( 28 ) A Glencor faz referência aos acórdãos de 11 de janeiro de 2007, Vonk Dairy Products (C‑279/05, EU:C:2007:18, n.o 41), e Pfeifer & Langen II, n.o 52.

( 29 ) Chama à colação, a este respeito, os acórdão Pfeifer & Langen II, n.o 67, e de 6 de outubro de 2015,Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export (C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 27).

( 30 ) Invoca os acórdãos Pfeifer & Langen II, n.o 40, e de 24 de junho de 2004, Handlbauer (C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 40).

( 31 ) Acórdão de 3 de setembro de 2015, Sodiaal International (C‑383/14, EU:C:2015:541).

( 32 ) Isto é, a 6 de abril de 2010, para as ajudas recebidas pela exportação de cevada para fabrico de cerveja, e a 27 de setembro de 2010, para as de exportação de trigo‑mole.

( 33 ) V. Killmann, B.‑R., e Glaser, S., Verordnung (EG, EURATOM) Nr. 2988/95 über den schutz der finanziellen Interessen der Europäischen Gemeinschaften — Kommentar, NWN Neuer Wissenschaftlicher Verlag/Berliner Wissenschafts‑Verlag, Viena — Graz, 2011, p. 95.

( 34 ) Concordo, no que se refere a esta apreciação, com a advogada‑geral E. Sharpston, nas conclusões do processo Pfeifer & Langen I (C‑564/10, EU:C:2012:38, n.o 64).

( 35 ) N.o 48.

( 36 ) O crédito sobre os juros combina elementos de caráter acessório com elementos de autonomia. É acessório na medida em que pressupõe a existência de uma dívida de capital, geradora de juros. No entanto, uma vez gerado, pode adquirir uma dinâmica própria que lhe permite ser objeto de determinadas ações e negócios jurídicos, já à margem do crédito principal (como a sua reclamação judicial, a sua cessão a terceiros, a sua penhora ou o seu embargo). O pagamento desta última não afeta os juros devidos, que se mantêm em dívida, a não ser que se possa deduzir claramente do contexto o seu perdão implícito.

( 37 ) No acórdão de 3 de setembro de 2015, Sodiaal International (C‑383/14, EU:C:2015:541, n.o 33), o Tribunal de Justiça alargou, para lá do seu teor literal (que diz respeito à sanção), a aplicação do prazo máximo de prescrição de oito anos do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/92, às medidas do seu artigo 4.o

( 38 ) Salvo se tiver sido suspensa pela abertura de procedimento penal, pelos mesmos factos, contra o operador, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, para o qual remete o regime do prazo extraordinário.

( 39 ) Além disso, esta abordagem não contraria a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, no contexto da prescrição, declarou apenas, pelo menos até ao momento, o caráter acessório do crédito sobre os juros relativamente ao crédito principal quando esta tenha já prescrito. V. acórdão Pfeifer & Langen I, n.o 51.

( 40 ) V. acórdão de 11 de janeiro de 2007, Vonk Dairy Products (C‑279/05, EU:C:2007:18, n.o 41).

( 41 ) Acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export (C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 24).

( 42 ) Ibidem, n.o 29 e parte decisória do acórdão.

( 43 ) V. acórdãos de 2 de dezembro de 2004, José Martí Peix/Comisión (C‑226/03 P; EU:C:2004:768, n.os 25 e 26); e Pfeifer & Langen II, n.o 67.

( 44 ) Acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export (C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 26).

( 45 ) No caso da Glencore, ao ter‑se liberado a garantia, os juros calcular‑se‑iam desde a devolução desta e até ao dia anterior ao reembolso do montante correspondente à garantia aumentada desses juros [artigo 11.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 3665/87].

( 46 ) Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer (C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 40), e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o. (C‑367/09, EU:C:2010:648, n.o 68).

( 47 ) Acórdãos Pfeifer & Langen II, n.os 24 e 64, e de 3 de setembro de 2015, Sodiaal International (C‑383/14, EU:C:2015:541, n.o 30).

( 48 ) Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer (C‑278/02, EU:C:2004:388, n.o 40), e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o. (C‑367/09, EU:C:2009:648, n.o 69).

( 49 ) V., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C‑341/13, EU:2014:2230, n.o 62 e jurisprudência referida).

( 50 ) Ibidem.

( 51 ) Cita o acórdão de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading (C‑201/10 e C‑202/10, EU:2011:282, n.os 46 e 53).

( 52 ) Ibidem, n.os 29 e 33, e acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C‑341/13, EU:2014:2230, n.os 56 e 57).

( 53 ) Acórdãos de 29 de julho de 2009, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o. (C‑278/07 a C‑280/07, EU:2009:38, n.o 42); de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading (C‑201/10 e C‑202/10, EU:2011:282, n.o 25); e de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C‑341/13, EU:2014:2230, n.o 54).

( 54 ) Acórdão de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading (C‑201/10 e C‑202/10, EU:2011:282, n.o 37).

( 55 ) Acórdão de 29 de julho de 2009, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o. (C‑278/07 a C‑280/07, EU:2009:38, n.o 47).

( 56 ) Acórdão de 8 de setembro de 2015, Tarico e o.(C‑105/14, EU:2015:555, n.o 57).

( 57 ) Acórdão de 17 de outubro de 1996, Lubella (C‑64/95, EU:1996:388, n.o 31).

( 58 ) Acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C‑341/13, EU:2014:2230, n.os 55 e 56 e jurisprudência referida).

( 59 ) Ibidem, n.o 63 e jurisprudência referida.

( 60 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre (C‑465/10, EU:C:2011:867, n.os 65 e 66 e jurisprudência referida).

( 61 ) Acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C‑341/13, EU:2014:2230, n.os 61 e 62).

( 62 ) Ainda que, no caso do trigo‑mole, as medidas de novembro de 2005 tenham sido comunicadas em janeiro de 2006.

( 63 ) Nas observações escritas submetidas pela Glencore, não contestadas por nenhuma das outras partes.

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