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Document 62015CC0460

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 10 de novembro de 2016.
Schaefer Kalk GmbH & Co. KG contra Bundesrepublik Deutschland.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Berlin.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia — Diretiva 2003/87/CE — Plano de monitorização — Regulamento (UE) n.o 601/2012 — Artigo 49.o, n.o 1, e ponto 10 do Anexo IV — Cálculo das emissões da instalação — Dedução do dióxido de carbono (CO2) transferido — Exclusão do CO2 utilizado na produção de carbonato de cálcio precipitado — Validade da exclusão.
Processo C-460/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:852

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 10 de novembro de 2016 ( 1 )

Processo C‑460/15

Schaefer Kalk GmbH & Co. KG

contra

República Federal da Alemanha

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht (Alemanha)]

«Política ambiental — Diretiva 2003/87/CE — Comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia — Artigo 3.o, alínea b) — Definição de ‘emissão’ — Regulamento (UE) n.o 601/2012 — Monitorização e comunicação de informações — Dióxido de carbono transferido de uma instalação para outra instalação que produz carbonato de cálcio precipitado e quimicamente integrado nesse produto»

1. 

O presente reenvio diz respeito ao significado de «emissão» no contexto da Diretiva 2003/87/CE ( 2 ). Esse conceito desempenha um papel central no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «regime de comércio de licenças de emissão») criado por essa diretiva.

2. 

De acordo com o artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87, só existe «emissão» de gases com efeito de estufa para efeitos da diretiva quando os gases (incluindo o dióxido de carbono) ( 3 ) abrangidos pelo regime de comércio de licenças de emissão são libertados «na atmosfera». Certas disposições do Regulamento (UE) n.o 601/2012 ( 4 ), que dá execução à Diretiva 2003/87, alargam possivelmente o conceito de «emissão» utilizado nesta diretiva, na medida em que tratam o dióxido de carbono transferido de uma instalação para outra instalação que transforma esse gás num produto químico estável ( 5 ), no qual é quimicamente integrado (pelo que, na verdade, não é libertado na atmosfera), como uma «emissão» da primeira instalação. Consequentemente, o operador da primeira instalação (a instalação de origem) está obrigado a incluir esse dióxido de carbono no relatório que apresenta anualmente à autoridade nacional competente e a devolver as correspondentes licenças de emissão. O Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim, Alemanha) tem dúvidas quanto à compatibilidade dessa situação com o alcance do conceito de «emissão» na Diretiva 2003/87 e, por conseguinte, quanto à validade das disposições relevantes do Regulamento n.o 601/2012.

Direito da União

Diretiva 2003/87

3.

Como refere claramente o seu considerando 5, a Diretiva 2003/87 destina‑se a contribuir para o cumprimento mais eficaz dos compromissos assumidos pela União Europeia e pelos seus Estados‑Membros ao abrigo do Protocolo de Quioto à Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às Alterações Climáticas, tendo em vista a redução das emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa (a seguir «Protocolo de Quioto») ( 6 ), através da implementação de um mercado europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa que seja eficiente (a seguir «licenças de emissão») e apresente a menor redução possível do desenvolvimento económico e do emprego.

4.

A Diretiva 2003/87 cria, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 1.o, um regime de comércio de licenças na União Europeia, «a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes». O segundo parágrafo do artigo 1.o prevê reduções progressivamente maiores das emissões de gases com efeito de estufa, a fim de contribuir para os níveis de reduções considerados cientificamente necessários para evitar alterações climáticas.

5.

O artigo 2.o, n.o 1, refere que a Diretiva 2003/87 se aplica às emissões provenientes das atividades enumeradas no anexo I e aos gases com efeito de estufa enumerados no anexo II, entre os quais figura o dióxido de carbono (CO2).

6.

O artigo 3.o, alínea b), define «emissão» para efeitos da Diretiva 2003/87 como «a libertação de gases com efeito de estufa na atmosfera a partir de fontes existentes numa instalação […]». Nos termos do artigo 3.o, alínea e), entende‑se por «‘[i]nstalação’, a unidade técnica fixa onde se realizam uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I e quaisquer outras atividades diretamente associadas que tenham uma relação técnica com as atividades realizadas nesse local e que possam ter influência nas emissões e na poluição».

7.

O artigo 10.o‑A («Regras comunitárias transitórias relativas à atribuição harmonizada de licenças de emissão a título gratuito») dispõe, em especial:

«1.   Até 31 de dezembro de 2010, a Comissão aprova medidas de execução a nível comunitário plenamente harmonizadas para a atribuição das licenças de emissão a que se referem os n.os 4, 5, 7 e 12 […]

[…]

As medidas referidas no primeiro parágrafo devem, na medida do possível, estabelecer parâmetros de referência ex ante a nível comunitário que assegurem que a atribuição se processe de uma forma que incentive reduções das emissões de gases com efeito de estufa e técnicas energéticas eficientes, ao tomar em consideração as mais eficientes técnicas, substitutos, processos de produção alternativos, cogeração de alta eficiência, recuperação eficiente de energia a partir de gases residuais, utilização da biomassa e captura, transporte e armazenamento de CO2, sempre que existam as instalações necessárias, não podendo incentivar o aumento das emissões. […]

Para cada setor e subsetor, o parâmetro de referência deve ser, em princípio, calculado relativamente aos produtos e não aos fatores de produção, a fim de maximizar a redução das emissões de gases com efeito de estufa e as economias em termos de eficiência energética através de cada processo produtivo do setor ou subsetor em causa.

[…]

2.   Na definição dos princípios de fixação de parâmetros de referência ex ante nos vários setores ou subsetores, o ponto de partida é a média dos resultados de 10% das instalações mais eficientes de um determinado setor ou subsetor na Comunidade durante o período de 2007‑2008. […]

Os regulamentos aprovados nos termos dos artigos 14.° e 15.° devem prever normas harmonizadas sobre a vigilância, a comunicação de informações e a verificação das emissões de gases com efeito de estufa decorrentes da produção, tendo em vista a definição dos parâmetros de referência ex ante.

[…]»

8.

O artigo 12.o tem por objeto a «Transferência, devolução e anulação de licenças de emissão». Nos termos do artigo 12.o, n.o 3, «[o]s Estados‑Membros devem assegurar a devolução pelo operador de cada instalação, até 30 de abril de cada ano, de um número de licenças de emissão, com exclusão das licenças de emissão concedidas ao abrigo do capítulo II [ ( 7 ) ], equivalente ao total das emissões provenientes dessa instalação durante o ano civil anterior, tal como verificadas nos termos do artigo 15.o, e a sua consequente anulação».

9.

Nos termos do artigo 12.o, n.o 3‑A, «[n]ão é obrigatória a devolução de licenças relativamente às emissões que tiverem sido comprovadamente objeto de captura e transporte para armazenamento permanente numa instalação validamente autorizada nos termos da Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa ao armazenamento geológico de dióxido de carbono ( 8 )».

10.

O artigo 14.o («Vigilância e comunicação de informações relativas a emissões») dispõe, em especial:

«1.   Até 31 de dezembro de 2011, a Comissão aprova um regulamento relativo à vigilância e comunicação de informações relativas a emissões […] das atividades enumeradas no anexo I […], que se deve basear nos princípios de vigilância e comunicação de informações estabelecidos no anexo IV [ ( 9 ) ] e especificar o potencial de aquecimento global de cada gás com efeito de estufa nos requisitos de vigilância e comunicação de informações relativas a esse gás.

Essa medida, que tem por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, completando‑a, é aprovada pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 23.o

2.   O regulamento a que se refere o n.o 1 deve ter em conta os dados científicos disponíveis mais exatos e atualizados, nomeadamente do IPCC [ ( 10 ) ], podendo também estabelecer requisitos aplicáveis aos operadores relativos à comunicação de informações sobre as emissões associadas ao fabrico de produtos por indústrias com utilização intensiva de energia que possam estar sujeitas à concorrência internacional. O referido regulamento pode também estabelecer requisitos aplicáveis à verificação independente dessas informações.

[…]

3.   Os Estados‑Membros asseguram que o operador da instalação […] vigi[e] e comuniqu[e] anualmente à autoridade competente as informações relativas às emissões da instalação, […] após o termo de cada ano civil, nos termos do regulamento a que se refere o n.o 1.

[…]»

11.

O primeiro parágrafo do artigo 15.o («Verificação e acreditação») estabelece que «[o]s Estados‑Membros devem assegurar que os relatórios apresentados pelos operadores […] nos termos n.o 3 do artigo 14.o sejam verificados em conformidade com os critérios estabelecidos no anexo V e com as disposições pormenorizadas aprovadas pela Comissão nos termos do [artigo 15.o], e que as autoridades competentes sejam informadas dos resultados da verificação».

12.

O artigo 16.o («Sanções») dispõe, em especial:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as regras relativas às sanções aplicáveis em caso de infração às disposições nacionais aprovadas por força da presente diretiva e tomar todas as medidas necessárias para garantir a sua aplicação. As sanções impostas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. […]

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem assegurar que os operadores […] que não devolvam, até 30 de abril de cada ano, licenças de emissão suficientes para cobrir as suas emissões no ano anterior sejam obrigados a pagar uma multa pelas emissões excedentárias. A multa por emissões excedentárias será igual a 100 EUR por cada tonelada de equivalente de dióxido de carbono emitida relativamente à qual o operador não tenha devolvido licenças. O pagamento da multa por emissões excedentárias não dispensa os operadores […] da obrigação de devolverem uma quantidade de licenças de emissão equivalente às emissões excedentárias aquando da devolução das licenças de emissão relativas ao ano civil subsequente.»

Regulamento n.o 601/2012

13.

Como resulta da referência à sua segunda base jurídica, o Regulamento n.o 601/2012 dá execução, em especial, ao artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87. O artigo 1.o do Regulamento n.o 601/2012 dispõe que este estabelece regras para a monitorização e a comunicação de informações sobre as emissões de gases com efeito de estufa e de dados de atividade em conformidade com a Diretiva 2003/87 no período de comércio do regime de comércio de licenças de emissão da União com início em 1 de janeiro de 2013 e períodos subsequentes.

14.

O artigo 5.o estabelece que a monitorização e a comunicação de informações «devem ser exaustivas e abranger a totalidade das emissões de processo e de combustão de todas as fontes de emissão e de fluxos‑fonte pertencentes às atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2003/87/CE […], bem como todos os gases com efeito de estufa especificados em relação a essas atividades, evitando a dupla contagem» ( 11 ).

15.

O artigo 11.o, n.o 1, dispõe que «[c]ada operador de instalação […] deve monitorizar as emissões de gases com efeito de estufa com base num plano de monitorização aprovado pela autoridade competente em conformidade com o artigo 12.o, tendo em conta a natureza e o funcionamento da instalação […] a que se aplica» ( 12 ).

16.

Nos termos do artigo 20.o, n.o 2, «[a]o definir o processo de monitorização e comunicação de informações, o operador deve incluir os requisitos específicos do setor estabelecidos no anexo IV». O quarto parágrafo do ponto 10.B do anexo IV do Regulamento n.o 601/2012 refere que «caso o CO2 seja utilizado na instalação ou transferido para outra instalação para a produção de PCC […], essa quantidade de CO2 deve ser considerada como emitida pela instalação que produz o CO2».

17.

O artigo 49.o, n.o 1, estabelece:

«O operador deve subtrair das emissões da instalação qualquer quantidade de CO2 proveniente de carbono fóssil em atividades abrangidas pelo anexo I da Diretiva 2003/87/CE, que não seja emitida da instalação, mas sim transferida desta para um dos seguintes locais:

a)

uma instalação de captura de gases com efeito de estufa para fins de transporte e armazenamento geológico de longo prazo num local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE;

b)

uma rede de transporte para fins de transporte e armazenamento geológico de longo prazo num local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE;

c)

um local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE, para fins de armazenamento geológico de longo prazo.

Para quaisquer outras transferências de CO2 para fora de uma instalação, não é permitida a subtração de CO2 das emissões da instalação ( 13 ).»

Direito alemão

18.

A Lei relativa ao comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (Gesetz über den Handel mit Berechtigungen zur Emission von Treibhausgasen), de 21 de julho de 2011, transpõe a Diretiva 2003/87 para o direito alemão. O artigo 3.o dessa lei define o conceito de «emissão» como a libertação na atmosfera de gases com efeito de estufa com origem nas atividades definidas no seu anexo I. Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, o operador deve calcular as emissões da sua instalação em cada ano civil e comunicar essa informação à autoridade competente até 31 de março do ano seguinte. O artigo 6.o exige que o operador submeta à aprovação da autoridade competente um plano de monitorização relativo a cada período de comércio de licenças de emissão.

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

19.

A Schaefer Kalk GmbH & Co. KG (a seguir «Schaefer Kalk») explora uma instalação de calcinação de cal em Hahnstätten (Alemanha). Essa atividade está sujeita ao regime de comércio de licenças de emissão ( 14 ). A Schaefer Kalk transfere uma parte do dióxido de carbono que produz em consequência dessa atividade para uma instalação em que o dióxido de carbono é utilizado para a produção de PCC.

20.

Em 31 de julho de 2012, a Schaefer Kalk apresentou na Deutsche Emissionshandelsstelle (a seguir «autoridade alemã do comércio de licenças de emissão») um requerimento para aprovação do seu plano de monitorização, tendo pedido expressamente para ser dispensada da comunicação de informações sobre o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC (e, consequentemente, da devolução das licenças de emissão correspondentes ao dióxido de carbono transferido). A Schaefer Kalk alegou, no essencial, que esse dióxido de carbono está quimicamente integrado no PCC e, como tal, não pode ser libertado na atmosfera.

21.

Em 10 de janeiro de 2013, a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão aprovou o plano de monitorização da Schaefer Kalk, sem se pronunciar sobre a questão do dióxido de carbono transferido para a produção de PCC. Posteriormente, por decisão de 29 de agosto de 2013 (a seguir «decisão de agosto de 2013»), essa autoridade indeferiu o pedido da Schaefer Kalk de subtrair das suas emissões o dióxido de carbono transferido, com fundamento no facto de o artigo 49.o e o anexo IV do Regulamento n.o 601/2012 não preverem essa possibilidade.

22.

A Schaefer Kalk recorreu da decisão de agosto de 2013 para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando essencialmente que o segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 601/2012 e o quarto parágrafo do ponto 10.B do anexo I desse regulamento são incompatíveis com os artigos 3.°, alínea b), e 14.°, n.o 1, da Diretiva 2003/87, na medida em que incluem nas «emissões» de uma instalação dióxido de carbono que não é libertado na atmosfera, mas sim transferido para outra instalação para a produção de PCC, no qual esse dióxido de carbono é quimicamente integrado. O encargo financeiro daí resultante (ou seja, a devolução anual de um número de licenças de emissão equivalente a esse dióxido de carbono) é suscetível de desencorajar os operadores de efetuarem essas transferências e, assim, comprometer o objetivo de redução das emissões prosseguido pela Diretiva 2003/87.

23.

O órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu um pedido de decisão prejudicial sobre as seguintes questões:

«1)

O Regulamento (UE) n.o 601/2012 da Comissão é inválido e viola os objetivos da Diretiva 2003/87/CE ao estabelecer, no artigo 49.o, n.o 1, segundo parágrafo, que o CO2 que não é transferido, na aceção do artigo 49.o, n.o 1, primeiro parágrafo, é considerado emissão da instalação que produz o CO2?

2)

O Regulamento (UE) n.o 601/2012 da Comissão é inválido e viola os objetivos da Diretiva 2003/87/CE ao determinar, no anexo IV, [ponto] 10, que o CO2 transferido para outra instalação para a produção de [PCC] é considerado emissão da instalação que produz o CO2

24.

Foram apresentadas observações escritas pela Schaefer Kalk, pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia. Estas partes e a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão apresentaram observações orais na audiência de 30 de junho de 2016.

Apreciação

Admissibilidade da impugnação da validade do Regulamento n.o 601/2012 pela Schaefer Kalk

25.

O Governo alemão questiona a possibilidade de a Schaefer Kalk invocar, no contexto do processo nacional perante o órgão jurisdicional de reenvio, a invalidade do segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 601/2012 e do quarto parágrafo do ponto 10.B do seu anexo IV, uma vez que não interpôs recurso de anulação desse regulamento no Tribunal Geral. O Governo alemão faz aqui referência ao facto de os particulares gozarem agora de um acesso mais alargado aos tribunais da União, ao abrigo da terceira parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, nos termos da qual qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor recursos contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

26.

É jurisprudência assente que a possibilidade de um particular invocar no órgão jurisdicional para o qual recorre a invalidade de disposições constantes de atos da União pressupõe que não dispunha do direito de interpor, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, um recurso direto contra essas disposições ( 15 ). Todavia, apenas na hipótese de se poder considerar, sem margem para dúvidas, que uma pessoa teria tido legitimidade para pedir a anulação do ato em causa nas condições previstas no referido artigo é que essa pessoa está impedida de invocar a sua invalidade perante o tribunal nacional competente ( 16 ). Noutro processo, expliquei por que motivo essa jurisprudência se deveria aplicar também à terceira parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE ( 17 ).

27.

No presente caso, eram justificadas as dúvidas da Schaefer Kalk quanto à sua legitimidade para interpor, com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, um recurso direto no Tribunal Geral contra as disposições do Regulamento n.o 601/2012, cuja validade vem agora impugnar.

28.

É verdade que esse regulamento é um «ato regulamentar» na aceção do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, ou seja, um ato de aplicação geral que não foi adotado em conformidade com um processo legislativo e que, consequentemente, não possui natureza legislativa ( 18 ). Porém, a legitimidade ao abrigo da terceira parte também depende, entre outros fatores, da inexistência de medidas de execução relativamente àqueles que pretendem impugnar o ato. Tanto o segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 601/2012 como o quarto parágrafo do ponto 10.B do seu anexo IV exigem a adoção de medidas de execução aplicáveis à Schaefer Kalk ( 19 ), como a decisão que a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão adotou em 10 de janeiro de 2013 no seguimento do pedido de aprovação do plano de monitorização apresentado por essa empresa ( 20 ).

29.

Nessas circunstâncias, considero que a Schaefer Kalk tem legitimidade para impugnar a validade dessas disposições do Regulamento n.o 601/2012 perante o órgão jurisdicional de reenvio e requerer que este submeta essa questão ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial.

Observações preliminares

30.

É pacífico que a produção de cal é uma atividade à qual a Diretiva 2003/87 se aplica. Em contrapartida, a produção de PCC não faz parte das atividades enumeradas no anexo I dessa diretiva e, portanto, não está sujeita ao regime de comércio de licenças de emissão.

31.

Tanto o Governo alemão como a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão alegam que a transformação química do dióxido de carbono utilizado para a produção de PCC não é completa, dado que pelo menos 20% dos gases utilizados para esse efeito são, em última análise, libertados na atmosfera como gases residuais ( 21 ). Nas suas observações escritas, a Comissão explica que o processo químico de produção de PCC não gera, ele mesmo, emissões. Porém, em resposta a uma pergunta que o Tribunal de Justiça lhe fez durante a audiência, referiu que parte do dióxido de carbono utilizado nesse processo poderá acabar por se perder e, assim, ser libertado na atmosfera. Além disso, o Governo alemão alega que, numa situação como a do processo principal, é necessário ter em conta possíveis perdas de dióxido de carbono durante o transporte, ou fugas na instalação. Na audiência, a Schaefer Kalk opôs‑se à alegação desses factos e explicou que não tinham sido invocados no processo nacional.

32.

No contexto dos processos previstos no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de uma disposição do direito da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional ( 22 ). Por conseguinte, não compete ao Tribunal de Justiça determinar se uma parte do dióxido de carbono transferido da instalação da Schaefer Kalk para outra instalação para a produção de PCC se perdeu (ou é possível que se perca) durante o transporte ou se foi efetivamente libertada na atmosfera em resultado dessa produção. Em qualquer caso, é ponto assente que pelo menos a maior parte do dióxido de carbono utilizado no processo químico de produção de PCC é quimicamente integrada neste produto. É nesse cenário que analisarei as questões apresentadas. Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, quando oportuno, apurar os factos.

33.

Numa situação como a que está em causa no processo principal, o resultado do segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 601/2012 e do quarto parágrafo do ponto 10.B do anexo IV desse regulamento é que todo o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC é considerado uma «emissão» da instalação onde é produzido, apesar de (pelo menos) a maior parte desse gás não ser libertada na atmosfera, e que o operador dessa instalação está assim obrigado, nos termos do artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87, a comunicar essas quantidades de dióxido de carbono como emissões e a devolver as correspondentes licenças de emissão. Coloca‑se assim a questão de saber se a Comissão podia estabelecer tal regra sem desrespeitar a definição de «emissão» constante do artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87, ao qual se refere o artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva. Uma vez que as duas questões submetidas dizem respeito a essa questão, devem ser analisadas em conjunto.

Pode o dióxido de carbono transferido para uma instalação para a produção de PCC ser considerado uma «emissão » para efeitos do regime de comércio de licenças de emissão?

34.

O considerando 5 da Diretiva 2003/87 explica que esta estabelece um regime de comércio de licenças de emissão a fim de contribuir para o cumprimento dos compromissos assumidos pela União Europeia e pelos seus Estados‑Membros ao abrigo do Protocolo de Quioto, que visa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera para um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa no sistema climático e cujo objetivo último consiste na proteção do ambiente ( 23 ).

35.

A lógica económica subjacente ao regime de comércio de licenças de emissão consiste em garantir que as reduções de emissões de gases com efeito de estufa necessárias à obtenção de um resultado ambiental predeterminado sejam realizadas ao menor custo. Ao autorizar a venda das licenças de emissão atribuídas, esse regime visa incentivar quem nele participa a emitir uma quantidade de gases com efeito de estufa inferior aos direitos de emissão que lhe tenham sido inicialmente atribuídos, para que ceda o excedente a outro participante que tenha produzido uma quantidade de emissões superior aos direitos de emissão que lhe tenham sido atribuídos ( 24 ). Existem essencialmente duas formas de atingir esse objetivo: quer reduzindo a quantidade de gases com efeito de estufa produzidos (por norma, utilizando métodos de produção mais eficientes), quer evitando a libertação de gases com efeito de estufa na atmosfera (por exemplo, transformando esses gases num produto no qual sejam quimicamente integrados).

36.

Nessa conformidade, um dos pilares em que o regime de comércio de licenças de emissão se baseia é o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87, nos termos do qual os operadores devem devolver, até 30 de abril do ano em curso, para anulação, um número de licenças de emissão de gases com efeito de estufa equivalente ao total das suas emissões durante o ano civil anterior ( 25 ).

37.

O alcance dessa obrigação, que é fundamental para dar uma resposta ao órgão jurisdicional de reenvio, depende acima de tudo do significado do termo «emissão» na aceção do artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87. Por conseguinte, em conformidade com jurisprudência assente, na interpretação dessa disposição irei ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 26 ).

38.

O artigo 3.o, alínea b), refere expressamente que só existe «emissão» se forem libertados gases com efeito de estufa «na atmosfera», ou seja, na camada de gases que rodeia a Terra. Tendo em conta o objetivo da diretiva de reduzir as emissões para evitar alterações climáticas perigosas ( 27 ), a mera produção de gases com efeito de estufa que não sejam libertados na atmosfera não resulta numa «emissão» ( 28 ). O anexo IV da Diretiva 2003/87, que estabelece os princípios gerais de monitorização e comunicação de informações, não aponta para uma conclusão diferente, na medida em que exige que o operador inclua no relatório da instalação as emissões totais, calculadas ou medidas para cada atividade abrangida pelo regime de comércio de licenças de emissão ( 29 ).

39.

No entanto, como alegam corretamente a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão, o Governo alemão e a Comissão, a definição do artigo 3.o, alínea b), não abrange apenas a libertação «direta e imediata» de gases com efeito de estufa na atmosfera. Consequentemente, o facto de os gases com efeito de estufa só serem libertados na atmosfera algum tempo depois de terem sido produzidos e possivelmente fora da instalação de origem não afeta a sua qualificação como «emissão». Uma interpretação diferente permitiria que os operadores contornassem as regras impostas pelo regime de comércio de licenças de emissão, capturando os gases com efeito de estufa produzidos numa instalação e transferindo‑os para outra instalação, a fim de adiar a sua libertação na atmosfera.

40.

Por conseguinte, considero que se, numa situação como a do processo principal, uma parte do dióxido de carbono transferido para outra instalação para a produção de PCC for efetivamente libertada na atmosfera em consequência de fugas ou perdas durante o transporte, ou do próprio processo de produção ( 30 ), a qualificação dessa parte do dióxido de carbono transferido como «emissão» da instalação de origem é compatível com a definição constante da Diretiva 2003/87. Essa interpretação está em conformidade tanto com o âmbito de aplicação dessa diretiva estabelecido no artigo 2.o, n.o 2, como com a definição de «emissão» do artigo 3.o, alínea b): o referido dióxido de carbono é, em última análise, «libertado na atmosfera» (embora indiretamente) e resulta de uma atividade sujeita ao regime de comércio de licenças de emissão (no processo principal, a calcinação de cal).

41.

Porém, o segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 601/2012 e o quarto parágrafo do ponto 10.B do anexo I desse regulamento têm um efeito muito mais vasto. Não é apenas a parte do dióxido de carbono transferido suscetível de ser libertada na atmosfera que é considerada uma «emissão» da instalação de origem e, como tal, sujeita ao regime de comércio de licenças de emissão, mas sim a totalidade do dióxido de carbono transferido para outra instalação para produção de PCC. Por outras palavras, essas disposições criam uma presunção inilidível de que todo o dióxido de carbono transferido será libertado na atmosfera.

42.

Além de ser incoerente com a redação do artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87, esse resultado poderá também comprometer o objetivo da diretiva de proteger o ambiente através da redução das emissões ( 31 ).

43.

Como alegou corretamente a Schaefer Kalk na audiência, se for exigida a devolução de licenças de emissão correspondentes a todo o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC, será menor o incentivo económico subjacente ao regime de comércio de licenças de emissão. Uma vez que as correspondentes licenças de emissão já não poderão ser vendidas como «excedente», o operador é tratado exatamente da mesma forma como se tivesse libertado todo o dióxido de carbono na atmosfera.

44.

Não obstante, o Governo alemão defende que as disposições controvertidas do Regulamento n.o 601/2012 são necessárias para assegurar a coerência com o parâmetro de referência ex ante estabelecido para a produção de cal na Decisão 2011/278/UE da Comissão ( 32 ). De acordo com o artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87, esse parâmetro de referência serve para determinar a quantidade de licenças de emissão atribuídas a título gratuito para a referida atividade durante os períodos transitórios indicados nessa disposição. Nos termos do ponto 1 do anexo I da Decisão 2011/278, no cálculo desse parâmetro de referência são tidos em conta «todos os processos direta ou indiretamente ligados à produção de cal». Daqui decorre que são atribuídas a título gratuito licenças de emissão para o dióxido de carbono resultante da calcinação da cal e transferido para a produção de PCC, independentemente de, em última análise, esse dióxido de carbono ser ou não libertado na atmosfera. O Governo alemão alega essencialmente que, tendo em conta o objetivo de harmonização subjacente ao segundo parágrafo do artigo 10.o‑A, n.o 2, a Comissão devia assegurar que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o operador está sujeito à obrigação de devolver as licenças de emissão correspondentes àquele dióxido de carbono. A Comissão aduz um argumento semelhante.

45.

Não aceito esse argumento.

46.

O segundo parágrafo do artigo 10.o‑A, n.o 2, da Diretiva 2003/87 exige que os regulamentos adotados, designadamente, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva (como é o caso do Regulamento n.o 601/2012) prevejam normas harmonizadas sobre a vigilância, a comunicação de informações e a verificação das emissões de gases com efeito de estufa decorrentes da produção, tendo em vista a definição dos parâmetros de referência ex ante. Não vislumbro nada nessa disposição que indique que, numa situação como a do processo principal, as emissões anuais de um operador devem incluir ou incluirão o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC e não libertado na atmosfera. É verdade que o parâmetro de referência ex ante aplicável à produção de cal que a Comissão calculou na Decisão 2001/278 teve em conta, designadamente, o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC e não libertado na atmosfera. Essa transferência de dióxido de carbono faz efetivamente parte dos «processos direta ou indiretamente ligados à produção de cal». No processo principal, o resultado foi o de terem sido atribuídas à Schaefer Kalk mais licenças de emissão a título gratuito do que teria acontecido se o dióxido de carbono transferido não tivesse sido tomado em consideração ( 33 ). Porém, essa circunstância não afeta o âmbito de aplicação, por um lado, da obrigação de devolver licenças de emissão prevista no artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87 nem, por outro, do regulamento relativo à vigilância e comunicação de informações que a Comissão deveria adotar nos termos do artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva. Ambas as disposições abrangem apenas a «emissão», tal como definida no artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87.

47.

Pelo mesmo motivo, entendo que não procede o argumento invocado pela Comissão na audiência, nos termos do qual, uma vez que a produção de PCC com dióxido de carbono transferido não é um processo inovador e não oferece qualquer garantia contra a possível libertação desse gás na atmosfera, o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2003/87 exigia que essa instituição tratasse como «emissão» o dióxido de carbono transferido para a produção de PCC. Essa disposição tem como único objetivo exigir que, ao adotar um regulamento nos termos do artigo 14.o n.o 1, a Comissão tenha em conta «os dados científicos disponíveis mais exatos e atualizados, nomeadamente do IPCC». Consequentemente, não pode ser interpretada no sentido de alargar a definição de «emissão» do artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87 de modo a abranger o dióxido de carbono não libertado na atmosfera. Para esse efeito, é irrelevante que a prevenção dessa libertação resulte ou não de um processo inovador.

48.

Ao contrário do que alegam a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão, o Governo alemão e a Comissão, um operador não beneficia de uma vantagem competitiva indevida se puder «poupar» licenças de emissão atribuídas a título gratuito correspondentes ao dióxido de carbono que transfere para uma instalação para a produção de PCC, contrariamente aos operadores que não efetuam essas transferências.

49.

É certo que a preservação das condições de concorrência no mercado interno no regime de comércio de licenças de emissão é um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/87 ( 34 ). Todavia, numa situação como a do processo principal, a «vantagem» de ter licenças de emissão «extra» não pode ser considerada indevida e, como tal, falseadora da concorrência. Pelo contrário, essa vantagem resulta meramente da diferença objetiva entre um operador que liberta gases com efeito de estufa na atmosfera e um operador que evita essa emissão, transformando quimicamente parte do dióxido de carbono produzido num produto químico novo, estável, no qual é incorporado. Consequentemente, essa vantagem está em plena conformidade com a lógica económica do regime de comércio de licenças de emissão ( 35 ).

50.

Além disso, não me convence o argumento (avançado pelo Governo alemão, pela autoridade alemã do comércio de licenças de emissão e pela Comissão) de que, no essencial, se os operadores estivessem autorizados a subtrair às suas emissões totais os gases com efeito de estufa transferidos para outras unidades de produção, poderiam facilmente contornar as regras impostas pelo regime de comércio de licenças de emissão (em especial, a obrigação de devolver licenças de emissão). Em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal de Justiça na audiência, a Comissão explicou que, numa situação como a do processo principal, é necessário incluir o dióxido de carbono transferido nas emissões de uma instalação porque o PCC não faz parte das atividades abrangidas pelo regime de comércio de licenças de emissão. Nesses casos, poderá não ser possível realizar inspeções na instalação para a qual foi transferido o dióxido de carbono para a produção de PCC.

51.

Evitar potenciais lacunas relacionadas com a transferência de dióxido de carbono é certamente um objetivo legítimo ( 36 ). No entanto, não creio que esse argumento tome suficientemente em consideração todas as garantias que resultam do sistema de monitorização e comunicação de informações instituído pela Diretiva 2003/87 e pelos regulamentos que lhe dão execução.

52.

Como decorre do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87, a obrigação dos operadores de devolverem as licenças de emissão, que é um dos pilares em que assenta o regime de comércio de licenças de emissão, baseia‑se nos relatórios por eles elaborados em conformidade com as regras estabelecidas no Regulamento n.o 601/2012 para a monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa ( 37 ). Essas regras exigem que o operador assegure, designadamente, a exaustividade (artigo 5.o), a exatidão (artigo 7.o) e a integridade da metodologia utilizada (artigo 8.o) na monitorização e comunicação de informações sobre as emissões. Nos termos do segundo parágrafo do artigo 8.o do Regulamento n.o 601/2012, a comunicação das informações e os documentos conexos «não devem conter inexatidões materiais, devem evitar imprecisões na seleção e na apresentação das informações e conter informações credíveis e equilibradas sobre as emissões de uma instalação».

53.

De acordo com a exigência de contabilidade rigorosa das licenças emitidas, e por força dos artigos 6.°, n.o 2, alínea e), e 12.°, n.o 3, da Diretiva 2003/87, esses relatórios, antes de serem apresentados às autoridades nacionais competentes, são sujeitos a um processo de verificação previsto, designadamente, no artigo 15.o da referida diretiva ( 38 ). Resulta do artigo 15.o, lido em conjugação com o anexo V da Diretiva 2003/87, que a verificação dos relatórios de emissões por um verificador independente constitui uma condição indispensável à devolução das licenças. Um operador não pode transferir licenças enquanto o seu relatório não for verificado e considerado satisfatório ( 39 ).

54.

Uma das principais funções do verificador é precisamente verificar «com uma garantia razoável que o relatório do operador de instalação […] está isento de inexatidões materiais» ( 40 ). As inexatidões podem estar relacionadas com emissões que o operador «disfarce» como transferências de gases com efeito de estufa para outra instalação. As inexatidões materiais que não tenham sido corrigidas antes da emissão do relatório devem ser incluídas no relatório de verificação elaborado pelo verificador ( 41 ). E até que o seu relatório tenha sido verificado, o operador em causa não pode devolver licenças correspondentes às emissões totais da sua instalação durante o ano civil anterior, como exige o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87. Consequentemente, esse operador estará sujeito à coima única prevista no artigo 16.o, n.o 3, dessa diretiva ( 42 ).

55.

A Diretiva 2003/87 não prevê outros mecanismos de controlo e não sujeita a devolução de licenças de emissão a nenhuma outra condição diferente da verificação do caráter satisfatório do relatório de emissões ( 43 ). Porém, o Tribunal de Justiça deixou claro que resulta do conjunto das disposições da Diretiva 2003/87 que esta não se opõe a que as autoridades competentes dos Estados‑Membros efetuem controlos ou verificações adicionais, ainda que o relatório de um operador tenha sido verificado e declarado satisfatório. Na medida em que tais verificações permitam detetar irregularidades ou tentativas de fraude, elas contribuem para o bom funcionamento do regime de comércio de licenças de emissão ( 44 ).

56.

No meu entender, o recurso a esses poderes de investigação justifica‑se particularmente nos casos em que o dióxido de carbono é transferido de uma instalação para outra: essa situação envolve claramente o risco de que as regras do regime de comércio de licenças de emissão sejam contornadas. Consequentemente, num caso como o do processo principal, a autoridade competente de um Estado‑Membro tem o direito de realizar todas as diligências necessárias para verificar se o dióxido de carbono transferido é efetivamente utilizado para produzir PCC e não é libertado na atmosfera. Não vejo qualquer objeção à realização de tais inspeções na instalação para a qual o dióxido de carbono é transferido. Se a referida autoridade concluir que um relatório de emissões já verificado não inclui todas as emissões sujeitas ao regime de comércio de licenças de emissão, é aplicada ao operador em causa uma sanção «efetiva, proporcionada e dissuasiva» estabelecida pelo direito nacional em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87, tendo em conta o comportamento do operador, a sua boa‑fé ou as suas intenções fraudulentas ( 45 ).

57.

Por conseguinte, concluo, ao contrário do que sustentam a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão, o Governo alemão e a Comissão, que uma regra que exige que um operador devolva as licenças correspondentes à quantidade total de dióxido de carbono transferido para uma instalação para a produção de PCC, independentemente de esse dióxido de carbono ser ou não libertado na atmosfera, não é necessária para assegurar a eficácia do regime de comércio de licenças de emissão.

58.

A Comissão alega, no essencial, que decorre do artigo 12.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2003/87, respeitante à captura e transporte de gases com efeito de estufa para armazenamento geológico permanente, que o legislador da União não tinha a intenção de estabelecer qualquer outra exceção à obrigação de devolução de licenças relativamente ao dióxido de carbono que não fosse direta e imediatamente libertado na atmosfera.

59.

Porém, o artigo 12.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2003/87 não põe em causa o raciocínio que expus acima sobre o conceito de «emissão» nessa diretiva.

60.

Essa disposição define os casos em que emissões que tenham sido comprovadamente objeto de captura e transporte para armazenamento geológico permanente não estão sujeitas à obrigação de devolução de licenças estabelecida no artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87. Foi introduzida nessa diretiva a fim de criar um incentivo para os operadores utilizarem essa tecnologia ( 46 ), na mesma altura em que o legislador da União decidiu aditar à lista de atividades abrangidas pela Diretiva 2003/87 (anexo I) a «[c]aptura de gases com efeito de estufa provenientes de instalações abrangidas [por essa diretiva] para fins de transporte e armazenamento geológico num local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE», o «[t]ransporte de gases com efeito de estufa por condutas para armazenamento geológico num local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE» e o «[a]rmazenamento geológico de gases com efeito de estufa num local de armazenamento permitido ao abrigo da Diretiva 2009/31/CE» ( 47 ). O legislador da União reconheceu assim que, embora o principal objetivo dessas atividades seja evitar emissões (justificando a isenção condicional prevista no artigo 12.o, n.o 3‑A), o seu objetivo não é eliminar os gases com efeito de estufa: por conseguinte, continua a existir um claro risco de esses gases acabarem por ser libertados na atmosfera ( 48 ). Em contrapartida, o legislador da União não sujeitou as transferências de dióxido de carbono para a produção de PCC, enquanto tais, ao regime de comércio de licenças de emissão. Essa opção afigura‑se lógica, uma vez que o dióxido de carbono está (na sua maioria) quimicamente integrado no PCC e, como tal, não pode ser libertado na atmosfera. Tendo em conta a sua finalidade específica, a exceção prevista no artigo 12.o, n.o 3‑A, da Diretiva 2003/87 não fornece, portanto, qualquer orientação genérica sobre o conceito de «emissão» definido no artigo 3.o, alínea b), dessa diretiva.

61.

Por último, é legítimo considerar que as disposições controvertidas do Regulamento n.o 601/2012 se limitam a alterar um «elemento não essencial» da Diretiva 2003/87 «completando‑a» e que, desse modo, não ultrapassam os limites definidos pelo segundo parágrafo do artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva?

62.

No meu entender, a resposta é claramente negativa.

63.

Conforme já expliquei, essas disposições têm por efeito alargar o alcance da definição de «emissão» do artigo 3.o, alínea b), da Diretiva 2003/87, ao qual se refere o artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva. Esse conceito faz inquestionavelmente parte da essência do regime de comércio de licenças de emissão instituído pela Diretiva 2003/87 e, como tal, desempenha um papel fundamental na concretização do objetivo de proteção do ambiente que a mesma prossegue. Consequentemente, a Comissão não podia, através da adoção de um regulamento de execução, alterar o alcance desse conceito sem interferir em escolhas políticas que competem exclusivamente ao legislador da União ( 49 ).

Conclusão

64.

À luz de todas as considerações precedentes, considero que o Tribunal de Justiça deve responder às questões suscitadas pelo Verwaltungsgericht Berlin (Tribunal Administrativo de Berlim, Alemanha) nos seguintes termos:

«O segundo parágrafo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 601/2012, de 21 de junho de 2012, relativo à monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa nos termos da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, bem como o quarto parágrafo do ponto 10.B do anexo IV desse regulamento, são inválidos na medida em que incluem nas ‘emissões’ de uma instalação, para efeitos da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho, o dióxido de carbono resultante da calcinação de cal e transferido para outra instalação para a produção de carbonato de cálcio precipitado, independentemente de esse dióxido de carbono ser ou não libertado na atmosfera.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32). A versão dessa diretiva relevante para o processo principal é a que resulta da última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2009/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO 2009, L 140, p. 63).

( 3 ) Nas presentes conclusões, utilizarei indistintamente os termos «dióxido de carbono» e «CO2».

( 4 ) Regulamento de 21 de junho de 2012, relativo à monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa nos termos da Diretiva 2003/87 (JO 2012, L 181, p. 30).

( 5 ) Carbonato de cálcio precipitado («PCC»). Essa substância é utilizada no fabrico de vários produtos industriais, como cola, tinta, papel, etc.

( 6 ) O Protocolo de Quioto à Convenção‑Quadro das Nações Unidas foi adotado em 11 de dezembro de 1997. O Conselho da União Europeia aprovou o Protocolo de Quioto através da Decisão 2002/358/CE (JO 2002, L 130, p. 1).

( 7 ) Esse capítulo diz respeito à «aviação», pelo que não é relevante para o processo principal.

( 8 ) JO 2009, L 140, p. 114.

( 9 ) Os princípios de monitorização e comunicação de informações estabelecidos nesse anexo exigem que o operador inclua determinadas informações no relatório relativo a uma instalação, nomeadamente as emissões totais dessa instalação, calculadas ou medidas para cada atividade do anexo I. V. anexo IV, parte A, «Comunicação de informações sobre as emissões», pontos B e C.

( 10 ) Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas.

( 11 ) V. n.o 5, supra.

( 12 ) O plano de monitorização deve ser constituído por documentação pormenorizada, completa e transparente da metodologia de monitorização de uma dada instalação, incluindo informações gerais sobre a instalação, uma descrição pormenorizada das metodologias baseadas no cálculo ou na medição aplicadas, bem como uma descrição pormenorizada da metodologia de monitorização utilizada no caso de transferência de CO2 em conformidade com o artigo 49.o do Regulamento n.o 601/2012. V. artigo 12.o, n.o 1, segundo parágrafo, e ponto 1 do anexo I do Regulamento n.o 601/2012.

( 13 ) A justificação subjacente ao artigo 49.o consta do considerando 13, que explica que, «[p]ara evitar eventuais lacunas relacionadas com a transferência de CO2 […] puro», essa transferência «apenas se verificará para fins de armazenamento num local de armazenamento geológico, ao abrigo do regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da União, que é a única forma de armazenamento permanente de CO2 atualmente aceite por esse regime».

( 14 ) O anexo I menciona, entre as atividades abrangidas pelo regime de comércio de licenças de emissão, a «produção de cal ou calcinação de dolomite e magnesite em fornos rotativos ou noutros tipos de fornos com uma capacidade de produção superior a 50 toneladas por dia».

( 15 ) V., mais recentemente, acórdão de 28 de abril de 2016, Borealis Polyolefine e o., C‑191/14, C‑192/14, C‑295/14, C‑389/14 e C‑391/14 a C‑393/14, EU:C:2016:311, n.o 46 e jurisprudência referida.

( 16 ) V., entre outros, acórdão de 17 de março de 2016, Portmeirion Group, C‑232/14, EU:C:2016:180, n.o 23 e jurisprudência referida.

( 17 ) V. minhas conclusões no processo A e o., C‑158/14, EU:ECLI:2016:734, n.os 67 a 72.

( 18 ) V., nesse sentido, acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 60.

( 19 ) Para apreciar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que considerar a posição da pessoa que invoca o direito de recurso nos termos da terceira parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE. É irrelevante, portanto, saber se o ato em causa necessita de medidas de execução em relação a terceiros. V., entre outros, acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 32 e jurisprudência referida.

( 20 ) Essa aprovação é exigida pelo artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 601/2012.

( 21 ) Na audiência, a autoridade alemã do comércio de licenças de emissão alegou que, embora seja concebível um nível mais baixo de dióxido de carbono «excedentário», uma produção ótima de PCC envolve, pelo menos, 20% de gás residual.

( 22 ) V., entre outros, acórdãos de 9 de outubro de 2014, Traum, C‑492/13, EU:C:2014:2267, n.o 19, e de 21 de julho de 2016, Argos Supply Trading, C‑4/15, EU:C:2016:580, n.o 29.

( 23 ) Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 29.

( 24 ) Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 32. V. também acórdão de 7 de abril de 2016, Holcim (Romania)/Comissão, C‑556/14 P, não publicado, EU:C:2016:207, n.os 64 e 65.

( 25 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 29.

( 26 ) V., entre outros, acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Hassan, C‑163/15, EU:C:2016:71, n.o 19 e jurisprudência referida.

( 27 ) Artigo 1.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/87.

( 28 ) Um ligeiro desvio a esse princípio é o que resulta da inclusão no anexo I da Diretiva 2003/87 da captura, transporte e armazenamento geológico de gases com efeito de estufa num local de armazenamento permitido pela Diretiva 2009/31. V. n.os 59 e 60, infra.

( 29 ) Anexo IV, parte A, «Comunicação de informações sobre as emissões», pontos B e C.

( 30 ) Como já referi, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre estas questões de facto.

( 31 ) V., nesse sentido, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 31.

( 32 ) Decisão de 27 de abril de 2011 sobre a determinação das regras transitórias da União relativas à atribuição harmonizada de licenças de emissão a título gratuito nos termos do artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 130, p. 1).

( 33 ) V. n.o 44, supra.

( 34 ) V., entre outros, acórdãos de 29 de março de 2012, Comissão/Polónia,C‑504/09 P, EU:C:2012:178, n.o 77, e de 22 de junho de 2016, DK Recycling und Roheisen/Comissão,C‑540/14 P, EU:C:2016:469, n.os 49 e 50.

( 35 ) V. n.o 35, supra.

( 36 ) V. considerando 13 do Regulamento n.o 601/2012.

( 37 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 31.

( 38 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 31.

( 39 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 32.

( 40 ) Artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 600/2012 da Comissão, relativo à verificação dos relatórios respeitantes às emissões de gases com efeito de estufa e às toneladas‑quilómetro e à acreditação de verificadores em conformidade com a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2012, L 181, p. 1).

( 41 ) Alínea b) do primeiro parágrafo do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 600/2012 da Comissão.

( 42 ) V., nesse sentido, acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 35.

( 43 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 34.

( 44 ) Acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 37.

( 45 ) V., nesse sentido, acórdão de 29 de abril de 2015, Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 39.

( 46 ) V. considerando 20 da Diretiva 2009/29, que inseriu o artigo 12.o, n.o 3‑A, na Diretiva 2003/87.

( 47 ) O sublinhado é meu.

( 48 ) V., nesse sentido, considerando 39 da Diretiva 2009/29.

( 49 ) V., nesse sentido, acórdão de 22 de junho de 2016, DK Recycling und Roheisen/Comissão,C‑540/14 P, EU:C:2016:469, n.o 47 e jurisprudência referida.

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