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Document 62015CC0303

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 7 de julho de 2016.
Naczelnik Urzędu Celnego I w Ł. contra G.M. e M.S.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Łodzi.
Reenvio prejudicial — Regras técnicas no setor dos jogos de fortuna ou azar — Diretiva 98/34/CE — Conceito de ‘regra técnica’ — Obrigação de os Estados‑Membros comunicarem à Comissão Europeia qualquer projeto de regra técnica — Inaplicabilidade das regras que têm a qualidade de regras técnicas não notificadas à Comissão.
Processo C-303/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:531

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 7 de julho de 2016 ( 1 )

Processo C‑303/15

Naczelnik Urzędu Celnego I w Ł.

contra

G.M.

e

M.S.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódz, Polónia)]

«Procedimento de notificação de regras técnicas — Regras técnicas no setor dos jogos de fortuna ou azar — Obrigação de os Estados‑Membros notificarem a Comissão dos projetos de regras técnicas — Consequências da falta de notificação»

I – Introdução

1.

Nos termos da lei polaca, só os titulares de uma autorização de exploração de casinos podem organizar jogos de roleta, de cartas, de dados ou em máquinas (a seguir «requisito de autorização»). Além disso, estes jogos só podem ser organizados em casinos (a seguir «restrição quanto ao local»).

2.

Os recorridos no processo principal foram acusados de explorar sem autorização slot machines em bares. Em sua defesa, alegam que o requisito de autorização é uma «regra técnica», na aceção da Diretiva 98/34 ( 2 ), e que não foi notificada à Comissão. Por conseguinte, não pode ser invocada pelas autoridades polacas contra os recorridos.

3.

É pacífico que a Comissão não foi notificada acerca do requisito de autorização. Com a sua questão, o tribunal nacional pede esclarecimentos sobre as consequências dessa falta de notificação. Porém, antes de apreciar essas consequências, há que analisar a questão prévia que consiste em determinar se o requisito de autorização é ou não uma «regra técnica». Caso o não seja, nem sequer existirá qualquer obrigação de notificação.

4.

Conforme solicitado pelo Tribunal de Justiça, as presentes conclusões circunscrever‑se‑ão à análise dessa questão prévia e à dúvida geral por ela suscitada: em que medida se deve considerar que a obrigação de notificação de «regras técnicas» que é aplicável aos produtos (ou seja, mercadorias) abrange os regimes de autorização de determinados tipos de atividades (ou seja, serviços)?

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Diretiva 98/34

5.

O artigo 1.o contém várias definições pertinentes:

«1.

‘Produto’: qualquer produto de fabrico industrial e qualquer produto agrícola, incluindo produtos da pesca.

2.

‘Serviço’: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

[…]

3.

‘Especificação técnica’: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

[…]

4.

‘Outra exigência’: uma exigência, distinta de uma especificação técnica, imposta a um produto por motivos de defesa, nomeadamente dos consumidores, ou do ambiente, e que vise o seu ciclo de vida após a colocação no mercado, como sejam condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação, sempre que essas condições possam influenciar significativamente a composição ou a natureza do produto ou a sua comercialização.

5.

‘Regra relativa aos serviços’: um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas no n.o 2 do presente artigo e ao seu exercício, nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição.

[…]

11.

‘Regra técnica’: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.o, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.»

6.

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34 dispõe o seguinte:

«Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.

[…]»

B – Direito nacional

7.

O artigo 6.o, n.o 1, da l’ustawa o grach hazardowich (Lei dos jogos de fortuna ou azar) ( 3 ) estabelece que:

«A organização de jogos de roleta, de cartas, de dados e em máquinas de jogos depende de uma concessão da exploração de casinos.»

8.

O artigo 14.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar ( 4 ) dispõe que:

«A organização de jogos de roleta, de cartas, de dados e em máquinas de jogos só é permitida em casinos.»

III – Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

9.

G.M. e M.S., recorridos no processo principal, foram acusados de terem explorado slot machines em bares na Polónia sem possuírem a concessão de exploração de casinos que é exigida pelo requisito de autorização estabelecido no artigo 6.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar.

10.

O tribunal nacional de primeira instância considerou que o requisito de autorização constituía uma «regra técnica», na aceção da Diretiva 98/34. Tendo em conta o facto de essa regra técnica não ter sido comunicada à Comissão, concluiu que não era oponível aos recorridos. Nas suas conclusões, o órgão jurisdicional nacional remeteu para o acórdão Fortuna ( 5 ), em que o Tribunal de Justiça sustentou, nomeadamente, que o artigo 14.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar (ou seja, a restrição de local) constitui uma «regra técnica».

11.

A autoridade polaca competente (diretor do Naczelnik Urzędu Celnego I w Łodzi — Serviço Aduaneiro de Łódz, a seguir «NUC») interpôs no Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódz) recurso da decisão proferida em primeira instância. Não obstante estar familiarizado com a jurisprudência em que o Tribunal de Justiça considerou que o incumprimento da obrigação de comunicação das «regras técnicas» à Comissão implica que estas não possam ser invocadas contra pessoas singulares ( 6 ), o Sąd Okręgowy w Łodzi interroga‑se sobre a possibilidade de o mesmo raciocínio se aplicar ao requisito de autorização, dada a natureza específica do setor em causa (jogos de fortuna ou azar). Em face destas dúvidas, o órgão jurisdicional nacional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode o disposto no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37, com alterações posteriores), ser interpretado no sentido de que, na falta de notificação de regras que devem ser consideradas regras de natureza técnica, é possível estabelecer uma distinção quanto às consequências, de modo que, no caso de disposições respeitantes às liberdades não sujeitas às restrições previstas no artigo 36.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a falta da notificação deve ter a consequência de essas regras não poderem ser aplicadas, ao passo que, no caso de disposições respeitantes às liberdades sujeitas às restrições previstas no artigo 36.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o órgão jurisdicional nacional, que é simultaneamente um tribunal da União Europeia, pode fiscalizar se essas regras, apesar da falta de notificação, cumprem os requisitos do artigo 36.o do Tratado e podem, por isso, ser aplicadas?»

12.

O NUC (recorrente no processo principal), G.M. (um dos recorridos nesse processo), a Comissão e os Governos polaco, belga, grego e português apresentaram observações escritas. O NUC, G.M., os Governos polaco e belga, e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 20 de abril de 2016.

IV – Apreciação

A – Introdução

13.

Conforme solicitado pelo Tribunal de Justiça, as presentes conclusões circunscrever‑se‑ão à análise da questão prévia que consiste em determinar se o requisito de autorização constitui ou não uma «regra técnica».

14.

Entendo que a resposta a essa questão é negativa e proponho dois caminhos alternativos que permitirão ao Tribunal de Justiça chegar a essa conclusão.

15.

O primeiro caminho é o seguinte: depois de identificar as diferentes categorias de «regras técnicas», na aceção da Diretiva 98/34 (parte B das presentes conclusões), e de expor sucintamente a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça (parte C.1), conclui‑se que os requisitos de autorização prévia não constituem «regras técnicas» (parte C.2). Na minha perspetiva, desde que o requisito de autorização e a restrição quanto ao local possam ser separados, o primeiro não constitui uma «regra técnica» que tem de ser notificada, mesmo que a segunda seja classificada como uma regra que carece de notificação (parte C.3).

16.

Com o segundo caminho (parte E), o Tribunal de Justiça iria provavelmente mais longe. Contudo, no meu entender, vale a pena embarcar nessa viagem. Esta linha alternativa de argumentação convida o Tribunal de Justiça a reconsiderar o alargamento gradual do conceito de «outra exigência» à regulamentação dos serviços em geral e, em especial, aos regimes de autorização prévia no setor dos serviços. Se não for controlado, esse alargamento pode conduzir à imposição aos serviços de uma obrigação geral de notificação de facto, tendo por única justificação a suscetibilidade de esses serviços afetarem marginalmente os produtos que são utilizados na sua prestação. Na minha opinião, essa evolução é problemática e deve ser travada.

B – Diferentes categorias de «regras técnicas »

17.

O conceito de «regra técnica» constante do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 compreende quatro categorias de medidas, a saber: i) outra[s] exigência[s]», na aceção do artigo 1.o, ponto 4; e iii) «qualquer disposição [...] que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto», prevista no artigo 1.o, ponto 11, da diretiva. Além disso, existem ainda iv) determinadas regras e restrições relativas aos serviços da sociedade da informação ( 7 ), que não são pertinentes para o presente caso.

18.

O requisito de autorização em apreço no presente caso não se insere na categoria i), uma vez que não respeita a produtos utilizados no âmbito de jogos de fortuna ou azar ou à sua embalagem, enquanto tais, e, por conseguinte, não «define as suas características» ( 8 ).

19.

Para que uma medida nacional caiba na categoria iii), o seu alcance tem de ultrapassar claramente a limitação de determinadas utilizações possíveis do produto em causa e visar medidas nacionais que não permitam nenhuma utilização para além da utilização puramente marginal que pode razoavelmente ser esperada do produto em causa ( 9 ). Não é o que sucede com o requisito de autorização, que não proíbe totalmente a utilização de quaisquer produtos mas que a faz depender do cumprimento de determinadas condições prévias.

20.

A categoria ii) compreende, nomeadamente, as medidas que se destinam a proteger os consumidores e que incidem sobre o ciclo de vida de um produto. Essa categoria tem um alcance menos claro, que é pormenorizadamente analisado na parte seguinte das presentes conclusões.

C – Conceito de «outra exigência » e regimes de autorização

1. Jurisprudência em matéria de «regras técnicas» no setor dos jogos de fortuna e azar

21.

O Tribunal de Justiça já em vários acórdãos abordou a aplicação da Diretiva 98/34 ao setor dos jogos de fortuna e azar: Lindberg ( 10 ), Comissão/Grécia ( 11 ), Fortuna ( 12 ), Berlington ( 13 ) e Ince ( 14 ). Dada a sua pertinência para a interpretação do conceito de «outra exigência», segue‑se uma apresentação sucinta destes acórdãos.

a) Acórdão Lindberg

22.

O processo Lindberg tinha por objeto uma proibição de organizar jogos de azar na Suécia através da exploração de determinadas máquinas de jogos automáticas (lyckohjulsspel). No seu acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a proibição em causa devia ser qualificada como «outra exigência» ou como uma medida «que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto». A proibição está compreendida nesta última categoria quando «só permite uma utilização puramente marginal que pode razoavelmente ser esperada do produto em causa». Para constituir «outra exigência», é necessário que essa proibição possa influenciar de forma significativa a composição, a natureza ou a comercialização do referido produto. Em última análise, a classificação da proibição foi deixada ao critério do órgão jurisdicional nacional ( 15 ).

23.

No processo Lindberg, o Tribunal de Justiça foi também chamado a pronunciar‑se sobre a importância a atribuir ao facto de o regime de proibição ter vindo substituir um regime de autorização, tendo sustentado que, caso a medida nacional fosse um requisito de autorização, ao invés de uma proibição, não constituiria uma «regra técnica». Nessa apreciação, o Tribunal de Justiça invocou a sua jurisprudência, segundo a qual as «disposições nacionais que se limitem a prever condições para o estabelecimento de empresas, tais como as disposições que sujeitam o exercício de uma atividade profissional a uma autorização prévia, não constituem regras técnicas» ( 16 ) .

b) Acórdão Comissão/Grécia

24.

Esta ação por incumprimento incidia sobre uma disposição legal grega que estabelecia a proibição geral de jogos elétricos e eletrónicos fora dos casinos. O Tribunal de Justiça considerou que essa proibição era uma «regra técnica» ( 17 ). Não obstante não o referir expressamente, afigura‑se que o Tribunal de Justiça considerou que a disposição grega influenciava significativamente a comercialização e constituía «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34 ( 18 ). Este entendimento é corroborado pelo acórdão proferido posteriormente no processo Berlington (v., infra), no qual, invocando o acórdão Comissão/Grécia, o Tribunal de Justiça concluiu que uma proibição de exploração de slot machines fora dos casinos constituía «outra exigência» ( 19 ).

c) Acórdão Fortuna

25.

O acórdão Fortuna também dizia respeito à Lei polaca dos jogos de fortuna ou azar, que constitui o objeto do presente processo. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que a restrição quanto ao local estabelecida no artigo 14.o, n.o 1, da Lei polaca dos jogos de fortuna ou azar, que circunscreve aos casinos a organização de jogos em máquinas, constitui uma «regra técnica». Embora tal não seja expressamente afirmado, também aqui se afigura que o Tribunal de Justiça considerou que a restrição quanto ao local influenciava significativamente a comercialização e, por esse motivo, constituía «outra exigência» ( 20 ) .

26.

O acórdão Fortuna também tinha por objeto determinadas disposições transitórias da Lei dos jogos de fortuna ou azar. Essencialmente, essas disposições transitórias determinavam o congelamento das autorizações relativamente às atividades no domínio dos jogos automáticos com prémios reduzidos (por outras palavras, foi proibida a emissão de novas autorizações de exploração, bem como a alteração e a renovação das autorizações em vigor). O Tribunal de Justiça declarou que as disposições transitórias impunham condições suscetíveis de afetar a comercialização dos aparelhos de jogos automáticos com prémios reduzidos. Como tal, essas disposições constituíam «outra exigência», na medida em influenciavam significativamente a natureza ou a comercialização de tais aparelhos. A apreciação dessa última condição foi reservada ao órgão jurisdicional nacional. No entanto, relativamente à restrição quanto ao local, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se (tacitamente) sobre o conceito de «influência significativa» e não deixou essa apreciação ao órgão jurisdicional nacional.

d) Acórdão Berlington

27.

O processo Berlington respeitava à quintuplicação dos impostos aplicáveis às slot machines e à proibição da exploração de slot machines fora dos casinos. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o aumento dos impostos não podia ser qualificado como uma «regra técnica» de facto, por não ser acompanhado por outra «especificação técnica» nem por «outra exigência» ( 21 ).

28.

O Tribunal de Justiça também confirmou expressamente que a reserva aos casinos da organização de determinados jogos de fortuna ou azar regra técnica» na aceção do referido artigo 1.o, ponto 11, na medida em que é suscetível de influenciar significativamente a natureza ou a comercialização dos produtos utilizados neste contexto [...]. Ora, uma proibição de exploração de slot machines fora dos casinos [...] é suscetível de influenciar significativamente a comercialização destas máquinas [...] ao reduzir os seus canais de exploração» ( 22 ).

e) Acórdão Ince

29.

O processo Ince dizia respeito a uma disposição do Tratado estatal alemão sobre os jogos de fortuna e azar que regulava a organização e a intermediação de apostas desportivas. Foi considerado que o tratado estatal continha determinadas disposições que podiam ser classificadas como «regra relativa aos serviços», na aceção do artigo 1.o, ponto 5, da Diretiva 98/34. Porém, outras disposições do tratado estatal, como as que «instituem a obrigação de obter uma autorização para a organização ou a recolha de apostas desportivas» não constituíam «regras técnicas». Na sua conclusão, o Tribunal de Justiça repetiu a formulação que já tinha utilizado no acórdão Lindberg a propósito das autorizações (v. n.o 23, supra).

2. Os regimes de autorização não constituem «outra exigência»

30.

Tanto o acórdão Lindberg como o acórdão Ince afirmam claramente que os regimes de autorização prévia não constituem «regras técnicas». Logo, a fortiori, não constituem «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34.

31.

Essa afirmação remonta ao acórdão CIA Security do Tribunal de Justiça ( 23 ) . Nesse processo, perguntava‑se se o requisito de autorização prévia para a exploração de uma empresa de segurança ( 24 ) previsto na lei belga era uma «regra técnica», na aceção da Diretiva 83/189 ( 25 ), a antecessora da Diretiva 98/34. O Tribunal de Justiça respondeu pela negativa, uma vez que o conceito de «especificação técnica» (que está no âmago da definição de regra técnica ao abrigo da Diretiva 83/189) não se aplica às disposições que «preve[em] as condições para a criação das empresas de segurança» ( 26 ).

32.

Desde a prolação do acórdão CIA Security, o entendimento de que um regime de autorização prévia não constitui uma «regra técnica» tem sido expressamente aplicado no contexto da Diretiva 98/34 (com a formulação citada no n.o 23 das presentes conclusões) ( 27 ) . Por conseguinte, é claramente relevante para a interpretação do conceito de «outra exigência» no quadro da nova diretiva. Deste ponto em diante, designarei por «exceção do acórdão CIA relativa à autorização» a regra que exclui os regimes de autorização prévia do âmbito das «regras técnicas».

33.

Poder‑se‑ia argumentar que o acórdão Fortuna pôs em causa a exceção do acórdão CIA relativa à autorização. No acórdão Fortuna, o Tribunal de Justiça reconheceu que determinadas disposições transitórias da Lei dos jogos de fortuna ou azar podiam constituir «outra exigência».

34.

Um dos argumentos aduzidos pela Comissão nas suas observações escritas e orais é o de que o acórdão Fortuna revogou a exceção do acórdão CIA relativa à autorização. A Comissão alega que, à luz do acórdão Fortuna, o requisito de autorização constitui uma «regra técnica» ( 28 ) .

35.

Não subscrevo este entendimento. Na minha perspetiva, o acórdão Fortuna não pretendeu revogar a exceção do acórdão CIA relativa à autorização, segundo a qual os requisitos de autorização prévia não constituem «regras técnicas». Pelo contrário, o acórdão Fortuna respeitava ao congelamento das autorizações — por outras palavras, as autorizações continuavam a ser exigidas, mas durante o período do congelamento nenhuma autorização seria concedida ( 29 ). Portanto, a situação do acórdão Fortuna e a do presente caso são distintas.

36.

Além disso, o facto de o acórdão Fortuna não ter pretendido pôr em causa a exceção do acórdão CIA relativa à autorização é confirmado pelo acórdão Ince, proferido posteriormente, que aplicou expressamente essa exceção ( 30 ) .

37.

Por último, em termos mais gerais, a qualificação de uma medida como «regra técnica» tem implicações importantes. Caso não seja uma «regra técnica», a medida não carece de ser notificada. Se o for, tem de ser notificada, sob pena de inoponibilidade. Com as minhas desculpas pelo jogo de palavras, estando «em jogo» consequências tão sérias, a exceção do acórdão CIA relativa à autorização tem o grande mérito de ser uma regra clara e facilmente aplicável. A sua revogação e a sujeição dos regimes de autorização ao critério da sua «influência significativa» sobre a composição, a natureza ou a comercialização de um produto afetam sobremaneira a segurança jurídica. No meu entender, essa não pode ter sido a intenção do Tribunal de Justiça no acórdão Fortuna.

3. Aplicação ao presente processo

38.

O requisito de autorização estabelece que «a organização de jogos de roleta, de cartas, de dados e em máquinas de jogos depende de uma concessão da exploração de casinos». Caso as palavras «exploração de casinos» não tivessem sido incluídas nesta frase, estou convicto de que a exceção do acórdão CIA relativa à autorização seria aplicável ao presente processo. A medida estaria em termos gerais excluída do âmbito dos conceitos de «outra exigência» e de «regra técnica».

39.

A expressão descritiva e qualificadora «exploração de casinos» tem o efeito de turvar as águas. A Comissão alega, no essencial, que essa expressão estabelece uma «ligação estreita» entre o requisito de autorização e a restrição quanto ao local. Uma vez que, como afirma o acórdão Fortuna, esta última é uma «regra técnica», a primeira também deve sê‑lo.

40.

Não perfilho este entendimento, pelos motivos a seguir expostos.

41.

Em primeiro lugar, os regimes de autorização prévia aplicáveis a serviços como os que estão causa no presente processo estão frequentemente sujeitos a condições e limitações substantivas ( 31 ). Essas condições e limitações substantivas podem bem consistir em «regras técnicas» e, como tal, devem ser notificadas. Porém, não creio que tais condições e limitações «contaminem» automaticamente o próprio requisito de autorização ( 32 ). Com efeito, se assim não fosse, o valor prático da exceção do acórdão CIA relativa à autorização ficaria comprometido e o âmbito do requisito de notificação estabelecido na Diretiva 98/34 poderia ser substancialmente alargado. Tal como já acima referido, essa evolução seria suscetível de afetar a validade de diversos regimes de autorização prévia no setor dos serviços, gerando uma insegurança jurídica considerável.

42.

Em segundo lugar, o NUC confirmou na audiência que não existem procedimentos separados para a obtenção de uma autorização ou «licença prévia» ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar e para a obtenção de uma concessão da exploração de determinado casino ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da mesma lei. Todavia, o NUC também confirmou que o requisito de autorização e a restrição quanto ao local são coisas distintas. Por exemplo, é possível detetar a existência de uma violação da restrição quanto ao local através de auditorias ex post, sem o cancelamento automático da autorização do operador.

43.

Além disso, o Governo polaco afirmou na audiência que a restrição quanto ao local estabelecida no artigo 14.o, n.o 1, não deve ser considerada um elemento do processo de autorização. Ao invés, a restrição quanto ao local, em conjugação com o Código Penal, tem por objetivo a aplicação de sanções à organização de jogos de fortuna ou azar, por exemplo, em bares e restaurantes.

44.

Em face destas observações, afigura‑se‑me claro que o requisito de autorização e a restrição quanto ao local são distintos quanto ao âmbito e à finalidade, não podendo ser classificados como «regras técnicas» simplesmente devido à existência de uma alegada «ligação estreita» entre si.

45.

Em terceiro lugar, a principal crítica da Comissão ao requisito de autorização é o facto de este referir expressamente a restrição quanto ao local, com as palavras «exploração de casinos». Todavia, não é claro para mim se essas palavras significam que o requisito de autorização compreende limitações adicionais de natureza geográfica ou outra, que excedam a restrição quanto ao local. Em última análise, essa é uma questão de interpretação do direito nacional, que incumbe ao órgão jurisdicional nacional ( 33 ). Não querendo antecipar essa interpretação, caso o órgão jurisdicional nacional conclua que as palavras «exploração de casinos» não impõem outras limitações além da restrição quanto ao local, o requisito de autorização não deve ser considerado uma «regra técnica».

46.

O requisito de notificação na Diretiva 98/34 tem por objetivo «proteger, graças a um controlo preventivo, a livre circulação de mercadorias» ( 34 ), ou seja, avaliar ex ante as potenciais restrições a essa liberdade. Na sua forma atual, a restrição quanto ao local foi notificada e avaliada. A notificação de outras disposições que se limitam a fazer referência à restrição quanto ao local, como parece ser o caso do requisito de autorização, não contribuiria para a prossecução do objetivo da diretiva ( 35 ).

47.

Por analogia, há jurisprudência assente que propugna que uma medida nacional «que reproduz ou substitui, sem aditar especificações novas ou complementares, regras técnicas existentes [...] devidamente notificada[s]» não está sujeita à obrigação de notificação nos termos da Diretiva 98/34 ( 36 ).

48.

Em resumo, o facto de o artigo 6.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar estabelecer o requisito de autorização e, simultaneamente, fazer referência à restrição quanto ao local não é útil. Porém, no meu entender, não há justificação para concluir que o requisito de autorização deva estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/34, com todas as consequências daí resultantes.

D – Conclusão

49.

À luz destas considerações, e sem prejuízo da interpretação do órgão jurisdicional nacional acerca da ligação entre o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar, entendo que uma disposição de direito nacional como o requisito de autorização estabelecido no referido artigo 6.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar não constitui uma «regra técnica» na aceção da Diretiva 98/34.

E – Abordagem alternativa

50.

Não obstante o exposto, caso o Tribunal de Justiça conclua que o requisito de autorização e a restrição quanto ao local não podem ser separados da forma que proponho ou que a exceção do acórdão CIA relativa à autorização deve ser reapreciada em termos mais gerais à luz do acórdão Fortuna, impõe‑se uma análise mais profunda do conceito de «regra técnica» e, especificamente, do conceito de «outra exigência».

1. «Outra exigência» — apreciação

51.

Tenho sérias dúvidas sobre o alargamento do conceito de «outra exigência» aos regimes de autorização prévia no setor dos serviços, como, no fundo, se propõe no presente processo. Passo a expor os aspetos que considero mais problemáticos.

52.

Em primeiro lugar, existe um risco de alargamento excessivo e imprevisível do âmbito do requisito de notificação.

53.

Uma medida só pode configurar «outra exigência» se for «imposta a um produto» e se afetar as «condições de utilização» desse produto de modo suscetível de «influenciar significativamente» a sua «comercialização».

54.

As medidas que regulam a prestação de serviços têm sempre alguma influência indireta sobre as mercadorias, na medida em que, mais tarde ou mais cedo, qualquer prestação de serviços implica a utilização de produtos. Os taxistas utilizam automóveis, os operadores de estações de rádio utilizam equipamento de som, os contabilistas utilizam calculadoras, e os advogados utilizam canetas, papel e, ocasionalmente, livros jurídicos. Além disso, hoje toda a gente utiliza computadores para a prestação de praticamente qualquer serviço. É sempre possível argumentar, relativamente a todos estes exemplos, que a imposição de um requisito de autorização a um determinado serviço reduzirá o número de prestadores desse serviço e, consequentemente, produzirá o efeito indireto de reduzir a quantidade de produtos utilizados na sua prestação, afetando assim as vendas de tais produtos. Em suma, fazer depender a prestação dos serviços acima mencionados de uma autorização prévia terá repercussões, ainda que colaterais, sobre o consumo dos produtos utilizados.

55.

Significa isso que, em todos esses casos, os regimes de autorização prévia constituem «outra exigência» e, por conseguinte, devem ser notificados? No meu entender, a resposta deve ser claramente negativa. Mas, nesse caso, que critério deve ser aplicado para distinguir as situações?

56.

Na audiência, G.M. afirmou que as vendas de máquinas de jogos tinham diminuído drasticamente desde a introdução do requisito de autorização.

57.

Todavia, o significado de «outra exigência» não pode ser reduzido a uma questão de volume de vendas, antes de mais porque a definição desse conceito refere expressamente a «comercialização» (não as vendas) e engloba outras condições importantes, nomeadamente a de que as medidas sejam impostas a produtos. E também porque os regimes de autorização prévia no setor dos serviços afetarão sempre o volume de vendas de qualquer produto. Fazer depender uma obrigação de notificação de uma avaliação ex ante da suscetibilidade de a medida em causa influenciar significativamente as vendas é, na minha perspetiva, uma receita para uma insegurança jurídica excessiva na determinação das medidas efetivamente sujeitas a notificação ( 37 ), ou um simples convite para notificar rigorosamente tudo à Comissão rigorosamente todas as medidas ( 38 ). Para encontrar exemplos desta insegurança jurídica, basta pensar no próprio acórdão Fortuna. Esse acórdão motivou a prolação de várias sentenças nacionais contraditórias sobre o modo de aplicação do critério da «influência significativa» ( 39 ).

58.

Em segundo lugar, as repercussões de uma apreciação incorreta da obrigação de notificação constituem um motivo acrescido para a maximização do grau de segurança jurídica da definição do conceito de «regra técnica», especialmente devido às «consequências diretas e sérias» ( 40 ) da inoponibilidade de determinadas regras sobre as relações entre os particulares, ou seja, as entidades que são alheias à falta da notificação. O acórdão CIA Security, acima referido, exemplifica esta situação. Esse processo tinha por objeto um litígio civil entre dois particulares. O facto de uma das partes não ter podido invocar em sua defesa uma «regra técnica» (dado esta não ter sido notificada) afetou materialmente o desfecho do processo ( 41 ).

59.

Em terceiro lugar, além do efeito nas relações de direito privado, o frequente incumprimento da obrigação de notificação de medidas por parte dos Estados‑Membros tem sido invocado em circunstâncias inusitadas, sem qualquer ligação visível com o âmbito de aplicação original da medida nacional em causa. Por exemplo, já foi invocada a falta de notificação de uma medida para evitar a responsabilidade criminal ( 42 ).

60.

No mínimo, as consequências da falta de notificação acima enunciadas não mereceram aceitação universal ( 43 ). O alargamento do conceito de «outra exigência» para incluir requisitos que visam principalmente serviços (e não mercadorias), designadamente regimes de autorização prévia e requisitos relativos ao local ( 44 ), só poderá resultar no aumento da ocorrência de tais cenários.

61.

Em quarto lugar, na década de 1980, o Tribunal de Justiça deparou‑se com um caso grave de invocação crescente da liberdade de circulação. Todos os tipos de medidas nacionais de regulamentação da forma como eram comercializados os produtos eram invocadas perante os órgãos jurisdicionais nacionais como sendo suscetíveis de influenciar as vendas dos produtos em causa. Na realidade, muitas das disposições nacionais em questão não visavam a regulamentação das próprias mercadorias, mas antes o modo como eram comercializadas ( 45 ). Parte da resposta do Tribunal de Justiça a esses processos encontra‑se no acórdão Keck ( 46 ) .

62.

Encontro um padrão semelhante nos processos relativos à Diretiva 98/34. Para evitar a invocação crescente da obrigação de notificação no contexto da Diretiva 98/34, o âmbito do conceito de «outra exigência» não deve poder ser alargado sem controlo ao setor dos serviços, com base no facto de as medidas nacionais relativas à prestação de serviços serem suscetíveis de produzir efeitos indiretos sobre as vendas dos produtos.

63.

É evidente que existem diferenças entre a invocação crescente da liberdade de circulação ao abrigo do TFUE e a invocação crescente da obrigação de notificação ao abrigo da Diretiva 98/34. Designadamente, nos termos da Diretiva 98/34, para que uma medida constitua «outra exigência» sujeita a notificação, é necessário que possa influenciar significativamente a comercialização. Ao invés, no contexto do artigo 34.o TFUE, não existe qualquer limite de minimis ( 47 ).

64.

Todavia, a «influência significativa» é um conceito muito flexível que, ao invés de oferecer uma solução concreta, gera problemas adicionais. Destacam‑se especialmente dois tipos de problemas: conceptuais e operacionais.

65.

Conceptualmente, a decisão sobre a existência ou a inexistência da obrigação de notificar uma disposição legislativa nacional deve ser tomada aquando da redação dessa disposição. Nesse momento, prever se a disposição em causa terá ou não uma «influência significativa» na comercialização poderá revelar‑se uma tarefa difícil. Por conseguinte, no meu entender, a apreciação destinada a determinar se uma disposição possui características que impõem a sua notificação deve assentar principalmente numa apreciação do caráter normativo dessa disposição. Na maioria dos casos, deverá ser possível identificar ex ante a existência de tais características, independentemente da aplicação futura e hipotética dessa disposição.

66.

A esse elemento de natureza conceptual junta‑se o problema operacional ou funcional. Em termos práticos, será difícil a um órgão jurisdicional nacional, confrontado com alegações fundadas na falta de notificação, apreciar razoavelmente a «influência significativa» de forma objetiva e com um grau de confiança aceitável. Nem sempre existem dados quantitativos fiáveis relativos à disposição nacional em causa e, mesmo quando esses dados estão disponíveis, o critério para determinar a existência de uma influência «significativa» permanece indefinido ( 48 ). As previsões sobre a futura evolução da medida nacional em questão e as abordagens baseadas na intuição resvalam rapidamente para o domínio das suposições, na melhor das hipóteses, ou da adivinhação, na pior. O cenário complica‑se ainda mais, em primeiro lugar, com a possibilidade de uma medida passar a ser de notificação obrigatória devido à evolução dos padrões comerciais e, em segundo, com o facto de a obrigatoriedade de notificação de regras materialmente semelhantes poder variar de um Estado‑Membro para outro, em função da existência de padrões comerciais distintos, ao nível nacional, relativamente ao produto em causa ( 49 ).

67.

Em quinto lugar, e por último, existe outra diferença significativa entre a obrigação de notificação ao abrigo da Diretiva 98/34 e os artigos 34.° e 36.° TFUE, o que recomenda prudência adicional no tratamento da primeira: nos termos da diretiva, a partir do momento em que uma medida é classificada como «outra exigência», nenhuma justificação é admitida nem há lugar a qualquer análise comparativa. Caso a medida não tenha sido objeto de notificação, será pura e simplesmente inoponível. Ao invés, no caso dos artigos 34.° e 36.° TFUE, as restrições à liberdade de circulação podem, pelo menos potencialmente, ser justificadas ( 50 ).

68.

As consequências automáticas e mais graves da falta de notificação nos termos da diretiva devem suscitar cautelas redobradas relativamente a uma interpretação lata do conceito de «outra exigência». Essa interpretação lata poderia igualmente conduzir a uma situação algo paradoxal, na qual certas medidas que se considera não estarem abrangidas pelo artigo 34.o TFUE estão, ainda assim, sujeitas a notificação e, na falta desta, são inoponíveis ( 51 ).

69.

À luz destas considerações precedentes, o presente processo parece proporcionar uma boa oportunidade para reapreciar o conceito de «outra exigência» na aceção da Diretiva 98/34 e no contexto de medidas de regulamentação do setor dos serviços, suscetíveis de afetar as mercadorias.

2. Abordagem proposta para a interpretação de «outra exigência»

a) Letra, enquadramento sistemático e objetivo

70.

O ponto de partida e o principal aspeto a ter em conta na interpretação do conceito de «outra exigência» no contexto do presente processo é o de que a Diretiva 98/34 visa essencialmente as medidas relativas às mercadorias e à livre circulação de mercadorias, e não os serviços.

71.

A sua antecessora, a Diretiva 83/189, previa uma obrigação de notificação de projetos de «regras técnicas» relativas apenas aos produtos. Com efeito, mesmo atualmente, os únicos tipos de «regras técnicas» que respeitam especificamente aos serviços e que devem ser notificadas ao abrigo da Diretiva 98/34 são as que respeitam aos serviços da sociedade da informação ( 52 ). Portanto, é possível considerar que outros tipos de serviços estão sistematicamente excluídos do seu âmbito de aplicação. Ou, mais precisamente, outros tipos de serviços podem estar abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/34 apenas de modo indireto e residual, em função do seu efeito sobre as mercadorias.

72.

Esta ênfase nas mercadorias é corroborada pela interpretação literal, sistemática e teleológica da Diretiva 98/34.

73.

O artigo 1.o, ponto 4, introduz o conceito de «outra exigência» como uma exigência «imposta a um produto». Tal exigência tem de «vis[ar] o [...] ciclo de vida [do produto]». O artigo 1.o, ponto 4, apresenta como exemplos as «condições de utilização, de reciclagem, de reutilização ou de eliminação» do produto, sempre que estas possam influenciar significativamente a sua «composição», «natureza» ou «comercialização». Assim, a palavra‑chave nesta disposição é claramente «produto».

74.

Concretamente, por definição, a «outra exigência» tem ser «imposta aos produtos» e não aos serviços que utilizam esses produtos. É verdade que uma regra aplicável aos serviços pode ter um efeito significativo sobre a utilização dos produtos associados. Porém, a questão da «influência significativa» sobre os produtos é abordada através de uma condição adicional autónoma que está compreendida na definição de «outra exigência». Considerar que a expressão «impostas a um produto» no sentido de «direta ou indiretamente impostas a um produto» é o mesmo que ignorar as palavras «impostas a um produto» ( 53 ).

75.

A importância dos produtos para o conceito de «outra exigência» é corroborada pelas referências reiteradas à necessidade de as medidas produzirem algum tipo de efeito sobre as características físicas do produto (nomeadamente, a sua composição, a sua natureza, a forma como é eliminado ou como se processa a sua reciclagem).

76.

É certo que a palavra «comercialização» pode, em teoria, ser lida no sentido de apontar para uma interpretação mais ampla da disposição (por exemplo, nos casos em que a medida produz apenas um efeito quantitativo sobre as vendas, sem que o próprio produto seja afetado). Todavia, a leitura sistemática da definição integral de «outra exigência», no contexto da diretiva como um todo, revela que não é assim. A palavra «comercialização» não pode ser lida como um convite aberto a encaixar no conceito de «outra exigência» todos os tipos de regras que respeitem principalmente à prestação de serviços (que secundariamente utilizem produtos), não obstante a redação das cinco primeiras linhas da definição.

77.

No meu entender, a referência a «comercialização» no artigo 1.o, ponto 4, da Diretiva 98/34 deve ser interpretada, em consonância com as restantes partes da definição e com o texto integral da diretiva, como uma referência às medidas relacionadas com a comercialização que potencialmente produzam um efeito sobre as características físicas do produto, como a rotulagem ou a apresentação. Isto contrasta com outras medidas suscetíveis de afetar as vendas do produto, como, por exemplo, as regras relativas às condições de venda ( 54 ).

78.

Conforme referiu a Comissão na exposição de motivos que acompanha a sua proposta de Diretiva 94/10, através desta extensão do âmbito de aplicação da Diretiva 83/189, esta pode abranger legislações «suscetíveis de terem efeitos no produto e de provocarem distorções no mercado» ( 55 ) . Também aqui as palavras «efeitos no produto» espelham a importância do produto no conceito de «regra técnica» e o requisito de que a medida afete não só as vendas, mas o próprio produto. Além disso, no meu entender, a expressão «distorções no mercado» deve ser interpretada naturalmente no sentido de refletir o receio da discriminação entre produtos concorrentes e não de restrições de acesso ao mercado. Por conseguinte, a proposta inicial da Comissão que introduziu a redação pertinente também corrobora a interpretação do conceito de «outra exigência»«centrada no produto» que é proposta nas presentes conclusões e que implica algum tipo de «reflexo» ou «repercussão» sobre as características do próprio produto.

b) Centro de gravidade e exceções às proibições e ao efeito nos produtos

79.

À luz destas considerações, proponho a seguinte abordagem, baseada no centro de gravidade da medida nacional, aquando da interpretação e aplicação do conceito de «outra exigência» na aceção da Diretiva 98/34, com ressalva de algumas exceções. Esta abordagem compreende três etapas sucessivas.

80.

Em primeiro lugar, as medidas nacionais principalmente «impostas a um produto» constituem «outra exigência», na aceção do artigo 1.o, ponto 4, desde que estejam preenchidas as restantes condições desse artigo.

81.

Em segundo lugar, em contrapartida, as medidas nacionais principalmente impostas a um serviço (ou estabelecimento) em princípio não estão abrangidas pelo conceito de «outra exigência». Estas medidas compreendem, nomeadamente, as medidas nacionais que estabelecem restrições ao modo como os produtos são comercializados ou utilizados pelos prestadores de serviços. Englobam, por exemplo, i) os requisitos de autorização e outros critérios de elegibilidade do estabelecimento ou da prestação de serviços ( 56 ); ii) as restrições ao local da prestação dos serviços ( 57 ); e iii) a publicidade dos serviços ( 58 ).

82.

Em terceiro lugar, porém, as regras nacionais que, prima facie, são impostas aos serviços podem (afinal) estar abrangidas pelo conceito de «outra exigência», em circunstâncias específicas e desde que estejam preenchidas as restantes condições do artigo 1.o, ponto 4, designadamente quando:

A medida nacional implica a proibição total de um serviço e daí resulta que determinado produto nunca é utilizado ou é apenas objeto de uma utilização muito marginal noutros contextos ( 59 ); ou

A medida nacional que respeita principalmente à prestação de serviços afeta necessariamente o ciclo de vida do produto, de tal modo que produz efeitos sobre as suas características físicas (por exemplo, as restrições à utilização de um produto na prestação de um serviço que impliquem necessariamente uma exigência de alteração da composição, da rotulagem ou da apresentação de um produto). Nesses casos, existe nitidamente um reflexo ou uma repercussão sobre o próprio produto ( 60 ).

83.

Para assegurar o grau máximo de segurança jurídica e minimizar as situações em que as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais são chamados a decidir se uma medida nacional deve ser notificada com base no conceito algo indefinido de «influência significativa na comercialização», a exceção do acórdão CIA relativa à autorização deve ser expressamente confirmada. Por outras palavras, os regimes de autorização prévia só consubstanciam «regras técnicas» nos casos em que estejam abrangidos por uma das situações específicas enunciadas no n.o 82, supra.

84.

A abordagem proposta nas presentes conclusões reconhece que as medidas nacionais impostas à prestação de serviços podem afetar a livre circulação de mercadorias e podem estar abrangidas pelo âmbito de ambas as liberdades ( 61 ) (salvo se uma for meramente acessória da outra ( 62 )). No entanto, isso é também um reflexo dos elementos literais, sistemáticos e teleológicos do conceito de «outra exigência» no artigo 1.o, ponto 4, que confirmam a sua indiscutível ênfase nos produtos (designadamente, o requisito expresso de que a medida seja «imposta a um produto»). A abordagem baseada no centro de gravidade, com a ressalva de algumas exceções, tem ainda a vantagem de reforçar a segurança jurídica. Isto é um elemento fundamental, dadas as consequências graves da falta de notificação.

3. Aplicação ao presente processo

85.

O requisito de autorização não é imposto aos produtos ( 63 ). Em princípio, não constitui «outra exigência». A exceção do acórdão CIA relativa à autorização apoia essa conclusão.

86.

É possível argumentar que a restrição quanto ao local altera a natureza do requisito de autorização. Por conseguinte, poderá existir margem para ter em conta as circunstâncias específicas enunciadas no n.o 82. Todavia, nada aponta para a aplicação de qualquer das circunstâncias específicas aí previstas (e que justificariam a derrogação da conclusão prima facie, baseada no centro de gravidade da medida nacional). Em última análise, cabe ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se sobre essa matéria. Porém, dos factos ao dispor do Tribunal de Justiça resulta que o requisito de autorização não parece produzir qualquer efeito visível sobre as características físicas dos produtos em causa.

4. Conclusão

87.

À luz do exposto, concluo que o requisito de autorização não consubstancia «outra exigência» nem, em termos mais gerais, constitui uma «regra técnica» na aceção da Diretiva 98/34.

V – Conclusão

88.

À luz destas considerações, proponho que, na resposta às questões do Sąd Okręgowy w Łodzi, o Tribunal de Justiça declare que uma regra nacional como o requisito de autorização previsto no artigo 6.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar, não constitui uma «regra técnica» na aceção da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade de informação.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37). A expressão «e das regras relativas aos serviços da sociedade de informação» foram inseridos a título da diretiva pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998, que altera a Diretiva 98/34/CE, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1998, L 217, p. 18).

( 3 ) Dz. U. de 2009, n.o 201, ato 1540.

( 4 ) Na versão aplicável à data relevante. A redação dessa disposição foi posteriormente alterada.

( 5 ) Acórdão de 19 de julho de 2012, Fortuna e o. (C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11, EU:C:2012:495).

( 6 ) V., por exemplo, acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246).

( 7 ) Os serviços da sociedade da informação são o único tipo de serviços diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/34 (definidos no artigo 1.o, pontos 2, 5 e 11, da diretiva).

( 8 ) Acórdão de 21 de abril de 2005Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246, n.os 59 e 60); acórdão de 19 de julho de 2012, Fortuna e o. (C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11, EU:C:2012:495, n.o 29).

( 9 ) Acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246, n.o 77).

( 10 ) Acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246).

( 11 ) Acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Grécia (C‑65/05, EU:C:2006:673).

( 12 ) Acórdão de 19 de julho de 2012, Fortuna e o. (C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11, EU:C:2012:495).

( 13 ) Acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o. (C‑98/14, EU:C:2015:386).

( 14 ) Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Ince (C‑336/14, EU:C:2016:72).

( 15 ) Acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246, n.os 77 e 78).

( 16 ) Acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246, n.os 87 e 88).

( 17 ) Nas suas alegações no referido processo, a Grécia não contestou a classificação da medida em causa como uma «regra técnica» que não tinha sido objeto de notificação. O Tribunal de Justiça invocou o acórdão Lindberg em apoio da sua conclusão de que a medida em causa devia ser qualificada como «regra técnica». Acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Grécia (C‑65/05, EU:C:2006:673, n.o 61).

( 18 ) E não uma proibição geral de utilização. Todavia, as alegações escritas da Comissão nesse processo parecem ter implícito o entendimento de que a medida em causa era uma proibição de utilização.

( 19 ) Acórdão de 26 de outubro de 2010, Comissão/Grécia (C‑65/05, EU:C:2006:673). Além disso, a possibilidade de organização dos jogos em determinados locais parece consubstanciar mais do que uma «utilização puramente marginal» e, portanto, não existiria uma proibição na aceção do artigo 1.o, n.o 11, da Diretiva 98/34. V., a este respeito, n.o 19, supra, e conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Lindberg (C‑267/03, EU:C:2004:819, n.os 63 a 65), em que a utilização de uma máquina de jogo como um encosto de porta é apresentada como exemplo de «utilização marginal».

( 20 ) V., supra, as notas 18 e 19 e o texto correspondente.

( 21 ) Acórdão de 11 de junho de 2015Berlington Hungary e o. (C‑98/14, EU:C:2015:386, n.os 93 a 97).

( 22 ) Acórdão de 11 de junho de 2015Berlington Hungary e o. (C‑98/14, EU:C:2015:386, n.os 98 e 99).

( 23 ) Acórdão de 30 de abril de 1996, CIA Security International (C‑194/94, EU:C:1996:172).

( 24 ) Esse requisito estava assim redigido: «É proibida a exploração de empresas de segurança sem autorização prévia do Ministério do Interior. A autorização só será concedida se a empresa cumprir o disposto na presente lei e as condições relativas aos meios financeiros e ao equipamento técnico prescritas pelo Rei [...].»

( 25 ) Diretiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1983, L 109, p. 8).

( 26 ) V. também acórdão de 8 de março de 2001, van der Burg (C‑278/99, EU:C:2001:143, n.o 20), segundo o qual as «forma[s] de comercialização» (no caso, regras sobre publicidade) não se integram no âmbito de «regra técnica».

( 27 ) Primeiro, no acórdão de 22 de janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C‑390/99, EU:C:2002:34, n.o 45).

( 28 ) Acórdão de 19 de julho de 2012, Fortuna e o. (C‑213/11, C‑214/11 e C‑217/11, EU:C:2012:495, especialmente n.os 36 e segs.).

( 29 ) Nem alterada ou alargada.

( 30 ) O n.o 76 do acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Ince (C‑336/14, EU:C:2016:72) tem a seguinte redação: «[...] as disposições que instituem a obrigação de obter uma autorização para a organização ou a recolha de apostas desportivas bem como a impossibilidade de conceder essa autorização a operadores privados, não constituem ‘regras técnicas’ […]. Com efeito, as disposições nacionais que se limitam a prever condições para o estabelecimento ou a prestação de serviços por empresas, como as disposições que sujeitam o exercício de uma atividade profissional a uma autorização prévia, não constituem regras técnicas na aceção dessa disposição».

( 31 ) Por exemplo, no caso presente, o artigo 15.o, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar impõe limites ao número de casinos que podem ser abertos em determinada zona, em função do número de habitantes.

( 32 ) V., por analogia, acórdão de 8 de março de 2001, van der Burg (C‑278/99, EU:C:2001:143, n.o 21). Esse processo respeitava à proibição da publicidade de equipamento de rádio que não cumpria determinadas especificações e que não tinha obtido autorização prévia. O Tribunal de Justiça considerou que a existência de uma «relação direta» entre a proibição e as normas técnicas que os aparelhos de rádio deviam satisfazer não era suficiente para que essa proibição estivesse abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva.

( 33 ) Segundo sei, existe abundante jurisprudência nacional nesta matéria, o que pode ajudar a clarificar a relação entre os artigos 6.°, n.o 1, e 14.°, n.o 1, da Lei dos jogos de fortuna ou azar. A análise dessa jurisprudência não compete ao Tribunal de Justiça e as presentes conclusões baseiam‑se nas observações escritas e orais das partes no processo.

( 34 ) V., por exemplo, acórdão de 20 de março de 1997, Bic Benelux (C‑13/96, EU:C:1997:173, n.o 19); e acórdão de 6 de junho de 2002, Sapod Audic (C‑159/00, EU:C:2002:343, n.o 34). V. também considerandos 2 a 7 da Diretiva 98/34.

( 35 ) É frequente a existência de relações e elos de ligação entre diferentes disposições de direito nacional, e muitas vezes não é possível interpretar disposições isoladas sem as ler no contexto do texto legislativo integral. É por esse motivo que os projetos de regras técnicas devem ser notificados juntamente com o conjunto orgânico do projeto de instrumento legislativo [acórdão de 16 de setembro de 1997, Comissão/Itália (C‑279/94, EU:C:1997:396, n.os 39 a 41)]. Contudo, essa interligação não tem por efeito transformar as outras disposições em regras técnicas.

( 36 ) V., por exemplo, acórdão de 3 de junho de 1999, Colim (C‑33/97, EU:C:1999:274, n.o 22); no domínio da lei do jogo, v. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Lindberg (C‑267/03, EU:C:2004:819, n.o 46).

( 37 ) Conforme sublinhou o advogado‑geral F. G. Jacobs, «qualquer necessidade de apreciação prévia do efeito de uma medida dificultará a determinação de quais são as medidas em questão» [v. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Lindberg (C‑267/03, EU:C:2004:819, n.o 35)]. É frequente a expressão de preocupações semelhantes no contexto do artigo 34.o TFUE e da utilização do «critério de acesso ao mercado» para determinar a aplicabilidade dessa disposição. V., por exemplo, Gormley, «Two years after Keck», Fordham International. Law Journal n.o 19, 1996, pp. 882 a 883; e Snell, «The notion of market access: a concept or a slogan», Common Market Law Review, Vol. 47, 2010, pp. 437 a 472 e, em especial, p. 459).

( 38 ) Na audiência, a Comissão reconheceu que pelo menos o último cenário seria indesejável.

( 39 ) V., por exemplo, acórdão do Wojewódzki Sąd Administracyjny, Gdańsk (Tribunal Administrativo Regional de Gdansk) de 19 de novembro de (III SA/Gd 546/12), no sentido de que os artigos 129.°, 135.° e 138.° da Lei dos Jogos de Azar (as disposições transitórias referidas no acórdão Fortuna) são regras técnicas pois influenciam significativamente a natureza da comercialização dos produtos em causa (máquina de jogo de pequenos prémios). Esta decisão foi revogada pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) por acórdão de 5 de novembro de 2015 (II GSK 1632/15) com o fundamento de que a disposição transitória não mudava a situação jurídica das partes (no sentido de que o artigo 6.o da Lei dos Jogos de Azar não constituía uma regra técnica); v. acórdão do Wojewódzki Sąd Administracyjny, Szczecin (Tribunal Administrative Regional de Szczecin) de 9 de outubro de 2015 (II SA/Sz 396/15), no sentido de que o artigo 135.o da Lei dos Jogos de Azar não é uma regra técnica, e do Wojewódzki Sąd Administracyjny, Wrocław (Tribunal Administrativo Regional de Wrocław) de 4 de outubro de 2013 (III SA/Wr 373/13), proferido no processo II GSK 181/14 de 25 de novembro de 2015.

( 40 ) Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Sapod Audic (C‑159/00, EU:C:2002:25, n.o 47).

( 41 ) V. também acórdão de 6 de junho de 2002, Sapod Audic (C‑159/00, EU:C:2002:343); e acórdão de 26 de setembro de 2000, Unilever (C‑443/98, EU:C:2000:496).

( 42 ) V., por exemplo, acórdão de 16 de junho de 1998, Lemmens (C‑226/97, EU:C:1998:296). Nesse processo, a falta de notificação de regras técnicas relativas a alcoolímetros foi invocada com o objetivo de declarar inadmissíveis provas num processo criminal por condução sob o efeito do álcool.

( 43 ) Michael Dougan, «Case C‑390/99, Canal Satélite Digital; Case C‑159/00, Sapod Audic v. Eco‑Emballages» n.o 40, 2003, CMLRev, pp. 193 a 218; Weatherill S., «A Case Study in Judicial Activism in the 1990s: The Status before National Courts of Measures Wrongfully Un‑notified to the Commission» in Judicial Review in EU Law (O’Keeffe D. e Bavasso A., eds.), Kluwer Law International, Países Baixos, 2000, p. 481.

( 44 ) Há muitos serviços cuja prestação pode ser sujeita a requisitos relativos ao local, como, por exemplo, os serviços de táxi (que podem estar circunscritos a determinadas zonas ou a locais específicos como aeroportos) e as farmácias, entre muitos outros.

( 45 ) V., por exemplo, acórdão de 23 de novembro de 1989, B & Q (C‑145/88, EU:C:1989:593); acórdão de 14 de julho de 1981, Oebel (155/80, EU:C:1981:177); e acórdão de 11 de julho de 1985, Cinéthèque e o. (60/84 e 61/84, EU:C:1985:329).

( 46 ) Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905).

( 47 ) Acórdão de 5 de abril de 1984, van de Haar e Kaveka De Meern (177/82 e 178/82, EU:C:1984:144, n.os 12 a 14); acórdão de 14 de dezembro de 2004, Radlberger Getränkegesellschaft e S. Spitz (C‑309/02, EU:C:2004:799). Não obstante, alguns acórdãos insinuam que esse limite está a ser introduzido sub‑repticiamente [v., por exemplo, acórdão de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, EU:C:2009:270, n.os 66 a 70).

( 48 ) Por exemplo, seria suficiente uma redução de 10% do volume de vendas [essa era a diminuição estimada resultante das regras do Reino Unido em matéria de operações comerciais ao domingo; V. acórdão de 23 de novembro de 1989, B & Q (C‑145/88, EU:C:1989:593, n.o 7)].

( 49 ) V., como exemplo de preocupações semelhantes em relação ao artigo 34.o TFUE: Snell, «The notion of market access: a concept or a slogan», 2010, Common Market Law Review, pp. 437 a 472 e, em especial, p. 459.

( 50 ) Com efeito, foi essencialmente a impossibilidade de qualquer justificação ou análise comparativa ao abrigo da Diretiva 98/34 (ao contrário do que sucede em relação aos artigos 34.° e 36.° TFUE) que motivou o presente pedido de decisão prejudicial.

( 51 ) Por exemplo, o Tribunal de Justiça afirmou, em várias ocasiões, que as restrições quanto ao local de venda dos produtos foram consideradas não abrangidas pelo artigo 34.o TFUE. Nesse sentido, V., por exemplo, os acórdãos Comissão/Grécia, Banchero e TK‑Heimdienst: acórdão de 29 de junho de 1995, Comissão/Grécia, C‑391/92, EU:C:1995:199, n.os 11 a 15 (considerou‑se que a proibição da venda de leite transformado para lactentes fora das farmácias restringia o volume de vendas, mas não era abrangida pelas regras do Tratado em matéria de livre circulação); acórdão de 14 de dezembro de 1995, Banchero, C‑387/93, EU:C:1995:439, n.o 44 (a restrição da venda a retalho de produtos do tabaco a estabelecimentos autorizados não entrava nem perturba mais o acesso dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que o dos produtos nacionais, pelo que não cai no âmbito de aplicação das regras do Tratado em matéria de livre circulação); acórdão de 13 de janeiro de 2000, TK‑Heimdienst, C‑254/98, EU:C:2000:12 (considerou‑se que a limitação a certas áreas geográficas das atividades dos padeiros, talhantes e comerciantes de produtos alimentícios constituía uma determinada modalidade de venda, mas que estava abrangida pelas regras relativas à livre circulação, dado o seu forte impacto nas importações).

( 52 ) O texto original da diretiva não continha quaisquer referências aos serviços, com exceção do considerando 2, que também refere expressamente que a diretiva incide sobre a livre circulação de mercadorias («Considerando que o mercado interno abrange um espaço sem fronteiras internas no qual se encontra garantida a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais; que, por conseguinte, a proibição das restrições quantitativas bem como das medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas ao comércio de mercadorias é um dos fundamentos da Comunidade»).

( 53 ) Conferir conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Lindberg (C‑267/03, EU:C:2004:819, n.os 54 a 59).

( 54 ) V., por analogia, conclusões do advogado‑geral Campos Sánchez‑Bordona no processo James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:63, n.os 87 a 94), que considerou que a condição contratual implícita de que os produtos têm de possuir qualidade comerciável não consubstanciava uma «regra técnica». V. também, supra, as notas 26 e 32, a propósito das restrições aplicáveis à publicidade.

( 55 ) COM (92) 491 final, n.o 18. A Diretiva 94/10 introduziu a definição de «outra exigência». V. Diretiva 94/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de março de 1994, que altera substancialmente pela segunda vez a Diretiva 83/189/CEE, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1994, L 100, p. 30).

( 56 ) Que refletem a exceção do acórdão CIA relativa à autorização (por exemplo, no caso da concessão de licenças aos taxistas).

( 57 ) Que o Tribunal de Justiça afirmou, em vários acórdãos, constituírem determinadas modalidades de venda (v., supra, nota 51). São exemplos a restrição da venda de determinados produtos a farmácias ou a exploração de atividades de jogo em casinos.

( 58 ) V. acórdão de 8 de março de 2001, van der Burg (C‑278/99, EU:C:2001:143), que considerou que as regras relativas às formas de comercialização não constituíam regras técnicas.

( 59 ) Em todo o caso, essas situações estariam normalmente abrangidas pelo conceito de proibição total nos termos do artigo 1.o, ponto 11, da Diretiva 98/34.

( 60 ) Saliento que os tipos de medidas previstas neste ponto são as que são «impostas aos serviços» e não aos produtos. Por esse motivo, tal como o Tribunal de Justiça já afirmou, não obstante produzirem um efeito sobre as características físicas dos produtos, não estão abrangidas pelo conceito de «especificação técnica» do artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 98/34. V. acórdão de 21 de abril de 2005, Lindberg (C‑267/03, EU:C:2005:246, especialmente o n.o 59).

( 61 ) Acórdão de 11 de setembro de 2003, Anomar e o. (C‑6/01, EU:C:2003:446, n.o 55).

( 62 ) Ou seja, salvo se o elemento correspondente aos produtos for meramente acessório do elemento correspondente aos serviços, ou vice‑versa. V., a este propósito, acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 78 e seguintes); acórdão de 24 de março de 1994, Schindler (C‑275/92, EU:C:1994:119, n.o 24); e acórdão de 22 de janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C‑390/99, EU:C:2002:34, n.os 29 a 32).

( 63 ) Na medida em que impõe restrições à organização de jogos, mas não aos produtos utilizados na organização desses jogos.

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