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Document 62015CC0231

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 14 de junho de 2016.
Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej e Petrotel sp. z o.o. w Płocku contra Polkomtel sp. z o.o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy.
Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 4.°, n.° 1 — Direito de recurso da decisão de uma autoridade reguladora nacional — Mecanismo de recurso eficaz — Confirmação da decisão de uma autoridade reguladora nacional na pendência do recurso — Efeitos no tempo da decisão de um órgão jurisdicional nacional que anula a decisão de uma autoridade reguladora nacional — Possibilidade de anular a decisão da autoridade reguladora nacional com efeitos retroativos — Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.
Processo C-231/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:440

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 14 de junho de 2016 ( 1 )

Processo C‑231/15

Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej,

Petrotel Sp. z o.o. w Płocku

contra

Polkomtel Sp. z o.o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia)]

«Redes e serviços de comunicação eletrónica — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 4.o, n.o 1 — Decisão das autoridades reguladoras nacionais — Resolução de um conflito entre operadores — Efeitos da anulação de uma decisão da autoridade reguladora nacional — Direito a uma tutela jurisdicional efetiva — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Alcance da decisão judicial»

1. 

O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) solicita ao Tribunal de Justiça uma resposta às suas dúvidas sobre a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21, que estabeleceu um «quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas» ( 2 ).

2. 

A questão prejudicial coloca‑se no âmbito de um recurso de uma decisão da autoridade polaca em matéria de comunicações eletrónicas ( 3 ). Em síntese, trata de saber‑se se, nos termos da diretiva‑quadro, o acórdão do tribunal nacional que anula essa decisão administrativa deve produzir efeitos ex tunc (isto é, desde o momento em que a ARN a tomou) ou apenas ex nunc (isto é, desde a data do próprio acórdão de anulação).

3. 

O reenvio prejudicial versa, assim, sobre a executoriedade dos atos das ARN do setor das comunicações eletrónicas e sobre a repercussão dos acórdãos que tenham declarado a sua invalidade. No caso em apreço verificavam‑se, adicionalmente, duas circunstâncias relevantes: a) a decisão da ARN não tinha sido suspensa cautelarmente, pelo que seria imediatamente executória ( 4 ), e b) a referida decisão obrigava a reconfigurar os contratos que regiam as relações entre duas empresas de telecomunicações.

4. 

O problema adquire, aparentemente, uma maior complexidade porque o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) não acompanharia a jurisprudência do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) polaco segundo a qual, se um ato administrativo cuja execução não tenha sido suspensa for anulado por uma decisão judicial, esta só produz efeitos a partir da data em que tenha sido proferida, de forma que as consequências anteriores da aplicação daquele ato, inicialmente não suspenso mas depois anulado, permanecem inalteradas. O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) hesita relativamente à conformidade desta jurisprudência com o princípio da efetividade, ao abrigo do artigo 4.o da diretiva‑quadro e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

5. 

O aspeto inovador da questão prejudicial diz respeito à virtualidade dos mecanismos de recurso previstos pelo artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, em especial ao alcance que, de acordo com esta disposição, se deva atribuir às decisões judiciais de anulação das decisões das ARN, aspetos sobre os quais, se não me engano, o Tribunal de Justiça, ainda não se pronunciou.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União Europeia

1. Diretiva‑quadro

6.

Segundo o considerando 12:

«Qualquer interessado que seja objeto de uma decisão por parte de uma autoridade reguladora nacional deve ter o direito de recorrer para um organismo independente das partes envolvidas. Este organismo pode ser um tribunal. Além disso, sempre que considerarem que os seus pedidos de atribuição de direitos para instalação de recursos não foram tratados segundo os princípios previstos na presente diretiva, as empresas devem ter o direito de recorrer dessas decisões. Este procedimento de recurso não prejudica a repartição de competências dentro dos sistemas judiciais nacionais, nem os direitos das pessoas singulares ou coletivas nos termos da legislação nacional»

7.

O artigo 4.o, n.o 1, dispõe:

«Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas. Esse órgão, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer eficazmente as suas funções. Os Estados‑Membros devem assegurar que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso eficaz.

Na pendência do recurso, a decisão da autoridade reguladora nacional mantém‑se eficaz, salvo se forem impostas medidas provisórias nos termos do direito nacional» ( 5 ).

2. Diretiva 2009/140

8.

Segundo os considerandos 14 e 15:

«(14)

A fim de garantir a segurança jurídica para os agentes de mercado, os organismos de recurso deverão desempenhar as suas funções de forma eficaz; em especial, os processos de recurso não deverão ser indevidamente morosos. As medidas provisórias de suspensão da eficácia de decisões de [ARN] deverão ser ordenadas apenas em casos urgentes e para impedir prejuízos graves e irreparáveis à parte que requer essas medidas e se o equilíbrio de interesses assim o exigir.

(15)

Têm‑se verificado amplas divergências no modo como os organismos de recurso aplicam medidas cautelares para suspender as decisões das [ARN]. Para se conseguir maior coerência na abordagem, deverá ser aplicada uma norma comum consonante com a jurisprudência comunitária. […]»

3. Carta

9.

De acordo com o artigo 47.o, primeiro parágrafo:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.»

B – Direito polaco

1. A Ustawa r. Prawo telekomunikacyjne (Lei das Telecomunicações) ( 6 )

10.

Segundo o artigo 40.o, nas condições previstas no artigo 25.o, n.o 4, o Presidente do Instituto das Comunicações Eletrónicas (a seguir «Presidente do UKE») pode, através de decisão, impor a um operador com uma presença significativa no mercado a fixação de montantes relativos ao acesso de telecomunicações, em função dos custos em que tenha incorrido.

11.

O artigo 206.o, n.o 2aa, da referida lei reconhece que as decisões do Presidente do UKE são imediatamente executórias.

2. O Kodeks postępowania administracyjnego (Código do Procedimento Administrativo)

12.

O artigo 145.o, n.o 1, sob a epígrafe «reabertura do processo», estabelece:

«Quando tenha sido adotada uma decisão definitiva, o processo será reaberto se forem cumpridas as seguintes condições:

[…]

8)

A decisão tenha sido adotada com fundamento noutra decisão ou numa decisão judicial que tenha sido anulada ou alterada.»

13.

Nos termos do artigo 156.o, n.o 1:

«Uma autoridade pública anulará uma decisão quando esta:

[…]

2)

Tenha sido adotada sem base legal ou em flagrante violação do direito.

[…]»

3. O Kodeks postępowania cywilnego (Código de Processo Civil)

14.

O artigo 47963 dispõe que um tribunal pode, a pedido de quem tenha apresentado o recurso, suspender a execução da decisão na pendência do recurso, se determinar a existência de riscos significativos ou efeitos irreversíveis.

15.

O artigo 47964 prevê que o tribunal possa, após o exame do processo, negar ou dar provimento ao recurso. Neste último caso, anula a decisão impugnada ou altera‑a, total ou parcialmente, e pronuncia‑se sobre o mérito da causa.

II – Factos no processo principal e questão prejudicial

16.

O UKE, após uma análise comparativa dos montantes cobrados pela Polkomtel Sp. z o.o. ( 7 ) (a seguir «Polkomtel») relativos à terminação de chamadas de voz na sua rede de telefonia móvel ( 8 ) e a apreciação da sua regularidade, declarou que se verificavam diferenças entre os montantes dos MTR aplicados pela Polkomtel e os de outros Estados‑Membros, e que a sua fixação obedecia a métodos de cálculo incorretos.

17.

O Presidente do UKE adotou uma primeira decisão (a seguir «decisão sobre os MTR de 2008»), a 30 de setembro de 2008, através da qual impôs à Polkomtel determinados preços máximos pela prestação de serviços de terminação de chamadas a outros operadores de telecomunicações, de acordo com um determinado calendário.

18.

A Polkomtel impugnou a decisão sobre os MTR de 2008 no Rejonowy Sąd (Tribunal Distrital) de Varsóvia, que a anulou pelo acórdão de 23 de março de 2011. Este acórdão foi confirmado em recurso a 30 de janeiro de 2012, pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), tendo transitado em julgado ( 9 ).

19.

Na pendência da ação de impugnação da decisão sobre os MTR de 2008, a 4 de dezembro de 2008, a Polkomtel fez chegar à Petrotel Sp. z o.o. ( 10 ) (operadora que recebe os serviços de acesso à rede de terminação de chamadas da Polkomtel mediante o pagamento de um montante a titulo de remuneração), uma proposta de alteração dos montantes dos MTR, no contexto do contrato de 21 de outubro de 1999, que definia o conteúdo do direito de acesso da Petrotel à rede da Polkomtel.

20.

Perante a falta de acordo com a Polkomtel para a aplicação de montante fixado nos termos da decisão sobre os MTR de 2008, a Petrotel requereu, a 6 de fevereiro de 2009, a intervenção do UKE, tendo em vista a alteração do contrato de acesso à rede.

21.

O Presidente do UKE resolveu a controvérsia entre a Petrotel e a Polkomtel adotando uma decisão, a 17 de março de 2009 (a seguir «decisão de execução»), através da qual modificou o contrato celebrado entre as duas operadoras. A decisão de execução estava em conformidade com os montantes da decisão sobre os MTR de 2008.

22.

A Polkomtel impugnou a decisão de execução no Sąd Okręgowy w Warszawie — Sąd Ochrony Konkurencji i Konsumentów (Tribunal da Comarca de Varsóvia — Tribunal da Concorrência e da Proteção do Consumidor), que a anulou por acórdão de 26 de outubro de 2012. Entre as razões apontadas incluíam‑se, em síntese e entre outras, o facto de a decisão sobre os MTR de 2008 já ter sido anulada no processo anterior. Dado que a decisão de execução não tinha senão aplicado a decisão sobre os MTR de 2008, esta última, uma vez anulada, não podia servir de base jurídica aos deveres impostos à Polkomtel pela decisão de execução.

23.

Tanto a Petrotel como o UKE interpuseram recurso do acórdão de 26 de outubro de 2012 no Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), que lhes negou provimento por acórdão de 19 de setembro de 2013, acolhendo no essencial o entendimento do tribunal de primeira instância.

24.

No entender do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), a anulação da decisão sobre os MTR de 2008 não produziu só efeitos ex nunc, uma vez que, se assim fosse, seriam ilusórios tanto o direito de a empresa fornecedora de rede impugnar a decisão sobre os MTR de 2008, como os efeitos da decisão de provimento proferida no processo que correu contra essa decisão.

25.

A Petrotel e o UKE apresentaram recurso de cassação do acórdão do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) que, antes de lhe dar resposta, entende ser necessário submeter a questão prejudicial.

26.

O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) considera que, em princípio, a posição adotada nos acórdãos das duas instâncias prévias respeita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 4.o da diretiva‑quadro e artigo 47.o da Carta). No entanto, manifesta dúvidas relativamente à jurisprudência nacional segundo a qual, face aos princípios da proporcionalidade e da tutela dos direitos adquiridos, a anulação de um ato administrativo só priva esse ato da sua capacidade de produzir efeitos a partir do momento em que a decisão de anulação transita em julgado, isto é, ex nunc ( 11 ).

27.

Para além disso, a anulação da decisão da ARN que tenha servido de fundamento para a prática de outro ato administrativo não tem qualquer influência na subsistência desse outro ato administrativo; essa anulação permite a reabertura do procedimento administrativo, sendo que a decisão posterior que se adote terá apenas efeitos ex nunc ( 12 ).

28.

A aplicação desses critérios pelos tribunais, levaria a que a anulação da decisão sobre os MTR de 2008 (em virtude da qual se estabeleceu o preço máximo depois utilizado na decisão de execução) não tivesse qualquer relevância no contexto do recurso interposto pela Polkomtel contra a decisão de execução.

29.

Em face do artigo 4.o, n.o 1, último período, da diretiva‑quadro, a decisão sobre os MTR de 2008 continuaria a ser válida, enquanto não fosse anulada. Assim, a sua anulação posterior, não deveria afetar os preços dos MTR aplicáveis à relação entre a Petrotel e a Polkomtel durante o período de tempo compreendido entre a alteração do contrato pela ARN e a anulação da decisão sobre os MTR de 2008 por decisão judicial transitada em julgado. No entanto, tal poderia implicar uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva.

30.

O tribunal de reenvio argumenta que, não sendo as consequências dos acórdãos de anulação das decisões das ARN reguladas pelo direito da União, opera o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, limitado pelo princípio da efetividade, do qual é uma concretização o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro. As dúvidas surgem porque, na ausência de uma medida cautelar nos termos do último período desta norma, a executoriedade imediata pode interferir com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, que seria apenas respeitado atribuindo efeitos retroativos ao acórdão de anulação.

31.

Nesta base, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) submete a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 4.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da Diretiva 2002/21/CE […], ser interpretado no sentido de que, quando um operador de rede impugna a decisão da [ARN] sobre os montantes da remuneração devida pelo serviço de terminação de chamadas na rede desse operador (decisão sobre os mobile termination rates ou MTR) e, em seguida, a subsequente decisão da [ARN], pela qual esta altera o contrato entre os destinatários da decisão sobre as MTR e uma outra empresa, no sentido de os montantes da remuneração paga por esta empresa pelo serviço de terminação de chamada na rede dos destinatários da decisão sobre as MTR serem ajustados aos montantes fixados na decisão sobre as MTR (decisão de execução), o tribunal nacional, que verificou que a decisão sobre as MTR foi anulada, não pode anular a decisão de execução, atendendo ao artigo 4.o, n.o 1, quarto período, da Diretiva 2002/21, e aos interesses das empresas beneficiadas pela decisão de execução, decorrentes do princípio da tutela da confiança legítima ou da segurança jurídica, ou deve o artigo 4.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da Diretiva 2002/21, conjugado com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ser interpretado no sentido de que o tribunal nacional pode anular a decisão de execução da autoridade reguladora nacional e, consequentemente, declarar a ineficácia dos deveres nela previstos, durante o período anterior à decisão judicial, se partir da premissa de que isso é necessário para garantir a efetiva tutela jurisdicional da empresa que impugnou a decisão da autoridade reguladora nacional destinada a dar execução aos deveres previstos na decisão sobre os MTR, decisão esta que veio a ser anulada?»

III – Síntese das observações das partes

32.

A Polkomtel afirma que a questão prejudicial é inadmissível pelo facto de ser hipotética. Para além disso, a eventual resposta a dar‑lhe seria irrelevante para a decisão da causa, e as dúvidas do tribunal de reenvio versam mais sobre os efeitos da decisão sobre os MTR do que sobre a decisão de execução, não obstante ser esta o único objeto do processo principal. Acresce que o órgão judicial a quo não descreveu o regime jurídico nacional controvertido, em violação do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

33.

Segundo a Polkomtel, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) aborda questões que ultrapassam os limites do processo, uma vez que se referem ao procedimento que o UKE deveria seguir, uma vez anulada a decisão de execução, consoante o fundamento da anulação, e às eventuais ações entre as duas empresas afetadas. Critica também o facto de o tribunal de reenvio não ter analisado as possíveis implicações decorrentes da interpretação de normas processuais. Alega que não há motivos aceitáveis para interpretar o artigo 4.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da diretiva‑quadro no sentido de que o órgão jurisdicional nacional, após ter verificado a anulação da decisão sobre os MTR de 2008, não possa, à luz do teor literal do último período desse artigo, anular a decisão de execução, devendo os efeitos do acórdão ser determinados em conformidade com as disposições substantivas do direito nacional.

34.

O UKE sublinha que, embora a decisão sobre os MTR de 2008 tenha sido anulada, continua a impender sobre a Polkomtel o dever de fixar os montantes dos MTR em função dos custos suportados, como determinado por outra decisão transitada em julgado, de 19 de julho de 2009 (a seguir «decisão SMP»).

35.

Entende, assim, que quando foi proferida a decisão de execução, a decisão sobre os MTR de 2008 estava em vigor. A anulação desta não implica diretamente a anulação da decisão de execução, uma vez que o artigo 4.o, n.o 1, quarto período, da diretiva‑quadro estabelece a eficácia da decisão impugnada, salvo se forem adotadas medidas cautelares. Tanto a decisão sobre os MTR de 2008 como a decisão de execução estavam em conformidade com esta disposição.

36.

No entender do UKE, justifica‑se que a anulação de uma decisão da ARN produza efeitos ex nunc, de acordo com doutrina e jurisprudência constantes. Invalidar um ato administrativo que tenha servido de base a outro ato administrativo posterior não implica, necessária e diretamente, que este último não seja válido, mas apenas que autoriza as partes a pedir a reabertura do procedimento administrativo, em conformidade com o artigo 145.o, n.o 1, ponto 8, do Código do Processo Civil.

37.

No que se refere à previsão normativa de que o tribunal de recurso conheça do «mérito da causa» (artigo 4.o, n.o 1, terceiro período, da diretiva‑quadro), o UKE defende a eficácia ex nunc do acórdão de anulação. O tribunal poderá, tendo em conta as alegações das partes e a prova produzida, fazer uma análise do mérito da causa que incida sobre o conteúdo do ato administrativo impugnado, procedendo à sua substituição.

38.

O UKE entende que o tribunal não deve limitar‑se a anular a decisão de execução com fundamento na anulação anterior da decisão sobre os MTR de 2008, devendo antes proceder a uma análise do mérito da causa, proferindo uma decisão sobre o cálculo da tarifa, a partir dos custos realmente suportados pela Polkomtel, uma vez que este dever impende sobre ela em virtude da decisão SMP, ainda que a decisão sobre os MTR de 2008 tenha sido anulada.

39.

O UKE propõe, assim, como resposta à questão prejudicial, que a anulação da decisão sobre os MTR de 2008 não constitui base suficiente para anular a decisão de execução, na medida em que o tribunal nacional de recurso deve apreciar todos os aspetos relacionados com o mérito da causa.

40.

A Petrotel sublinha que, nos termos do direito polaco, as decisões do UKE são imediatamente executórias, ainda que o Código de Processo Civil admita a adoção de medidas cautelares no caso da existência de risco de se verificarem danos significativos ou efeitos irreversíveis. Para garantir a tutela jurisdicional efetiva da recorrente não é necessário que a anulação da decisão administrativa impugnada produza efeitos retroativos, o que poderia ser contrário ao princípio da segurança jurídica e produzir consequências desfavoráveis para terceiros interessados.

41.

A Petrotel propõe, como resposta à questão prejudicial colocada, que o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro seja interpretado no sentido de que, quando uma empresa de fornecimento de uma rede impugne uma decisão sobre os MTR e posteriormente impugne também uma decisão de execução desta, a constatação pelo tribunal nacional de que a decisão sobre os MTR tinha sido anulada após a adoção da decisão de execução não serve de fundamento para a anulação desta última.

42.

Para o Governo polaco, a regra da executoriedade imediata da decisão da ARN (artigo 4.o, n.o 1, último período, da diretiva‑quadro) não se opõe a que o acórdão do tribunal de recurso, que anule aquela decisão, tenha eficácia retroativa, como indica a possibilidade conferida ao tribunal, pela referida norma, da adoção de medidas cautelares.

43.

O Governo polaco considera que a delimitação das competências dos órgãos de recurso faz parte do âmbito da autonomia processual dos Estados‑Membros, sob reserva do dever de observar os princípios da equivalência e da efetividade. Destaca a existência, no direito polaco, de normas que facultam ao órgão de recurso, tenha este adotado ou não medidas cautelares, a possibilidade de se pronunciar sobre o mérito da causa para alterar, total ou parcialmente, a decisão impugnada ( 13 ). No entanto, a jurisprudência do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) confere efeitos ex nunc aos acórdãos de anulação, o que mantém aberta aos interessados a possibilidade de proporem uma ação de indemnização, em conformidade com os princípios gerais nesta matéria.

44.

Acrescenta que deve ser feita a ponderação do princípio da efetividade com os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança legítima. No caso em apreço, a anulação da decisão de execução afeta não apenas a relação entre o UKE e a Polkomtel, mas também o contrato estabelecido entre a Polkomtel e um terceiro (a Petrotel), sendo que a decisão proferida pode beneficiar uma das partes e prejudicar a outra.

45.

À luz destas observações, o Governo polaco propõe interpretar o artigo controvertido no sentido de que não se opõe a que o tribunal nacional, perante uma situação como a do processo a quo, possa anular a decisão da ARN com efeito retroativo. A forma de garantir a efetividade do direito de recurso é do âmbito da ordem jurídica e jurisprudência nacionais.

46.

Para a Comissão, o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro prevê o direito a um recurso efetivo para um órgão de recurso independente e estabelece a executoriedade imediata das decisões das ARN, salvo se for adotada uma medida provisória de suspensão. A necessidade desta previsão resulta da existência de sistemas nacionais em que a impugnação judicial das decisões administrativas é acompanhada da suspensão automática da sua execução, até à decisão da causa.

47.

A Comissão argumenta que a imediata execução do ato impugnado produz apenas efeitos provisórios, até decisão da causa, sem que seja limitada a capacidade do órgão judicial para se pronunciar sobre o mérito da causa. Se a decisão for anulada, os efeitos da anulação projetam‑se sobre o momento em que a decisão foi adotada (efeitos ex tunc). Se os órgãos de recurso não dispusessem da possibilidade de exigir o pagamento dos montantes indevidamente recebidos, decorrentes da aplicação da decisão anulada, deveriam aplicar‑se as disposições legislativas do direito da União que autorizam a suspensão da execução.

48.

O alcance dos efeitos do acórdão que anula uma decisão da ANR faz parte da autonomia processual dos Estados‑Membros, mas sempre em conformidade com os princípios da efetividade e da equivalência. Para garantir a operatividade do mecanismo de recurso, a Comissão entende ser essencial reconhecer eficácia ex tunc ao acórdão de anulação. Um mecanismo de recurso que não permitisse invalidar as decisões da ARN com efeito retroativo, mas apenas pro futuro, tornaria ilusório o exercício do direito consagrado no artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro.

IV – Análise

A – Admissibilidade da questão prejudicial.

49.

O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) dirige‑se ao Tribunal de Justiça para pedir uma interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro em conjugação com o artigo 47.o da Carta. A controvérsia resulta da executoriedade imediata de duas decisões consecutivas, proferidas pela ARN, que foram impugnadas e posteriormente anuladas, e no contexto das quais não foi adotada nenhuma medida provisória de suspensão ( 14 ).

50.

Na primeira (a decisão sobre os MTR de 2008), a ARN ordenou à Polkomtel que não ultrapassasse as tarifas máximas de acesso à sua rede, aplicáveis a todos os operadores de comunicações que a quisessem usar. Como a Polkomtel não chegou a acordo com um desses operadores (no caso, a Petrotel) sobre a alteração do contrato que regulava as relações entre elas, visando ajustá‑lo à decisão sobre os MTR de 2008, o Presidente do UKE estabeleceu, com caráter imperativo, através da segunda decisão (a decisão de execução), e a pedido da Petrotel, a tarifa máxima para o contrato de acesso da Petrotel à rede da Polkomtel.

51.

Após a anulação da decisão sobre os MTR de 2008, e na pendência do recurso contra a decisão de execução, surge no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) a dúvida sobre a possível incidência do direito da União (em particular, do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro) sobre a decisão da causa. O referido tribunal pretende saber, em particular, se em virtude dessa disposição, a anulação posterior da decisão sobre os MTR de 2008, executória no momento em que é proferida a decisão de execução, permite (ou obriga) o órgão judicial competente para a apreciar a proceder à sua anulação e a retirar qualquer efeito aos deveres dela derivados durante o seu período de vigência.

52.

A Polkomtel considera que a questão prejudicial é inadmissível, pelas razões supramencionadas ( 15 ). Não concordo com as referidas objeções, uma vez que a questão suscitada não é hipotética e o tribunal de reenvio descreveu, de forma sucinta, mas suficiente para a sua compreensão, as normas e os factos relativos ao litígio. O órgão judicial faz referência à legislação polaca e à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo daquele país, citando, em concreto, para procurar esclarecer o problema em causa, dois acórdãos do referido tribunal, assim como, entre outros, o artigo 145.o, n.o 1, ponto 8, do Código do Procedimento Administrativo ( 16 ). Poderia, de facto, ter sido, mais explícito mas, repito, o seu despacho de reenvio contém os dados essenciais para a resolução da questão sendo que, no decurso deste pedido de decisão prejudicial, as partes expuseram, sem dificuldade, os seus argumentos a favor ou contra as respetivas teses.

53.

O problema a que se refere o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) tem uma dupla perspetiva. Em primeiro lugar, a puramente interna, derivada das normas e da jurisprudência nacionais. Segundo a explanação feita pelo tribunal a quo, os acórdãos que anulam as decisões da ARN produzem efeitos desde o momento em que são proferidos. Quando a anulação de um ato tem por fundamento a anulação de um ato anterior, que aquele executa, terá de se reabrir o procedimento administrativo, cuja decisão final terá apenas efeitos pro futuro. A consequência reside no facto de os efeitos dos atos praticados no cumprimento da decisão anulada permanecerem inalterados.

54.

O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) duvida de que a aplicação das normas nacionais, interpretadas no sentido exposto, seja compatível com o direito da União, facto que convoca a segunda perspetiva da questão submetida. Se pede a interpretação prejudicial do Tribunal de Justiça sobre o artigo 4.o da diretiva‑quadro (e o artigo 47.o da Carta), fá‑lo porque, no seu entender, poderá ter influência na matéria sobre a qual terá de se pronunciar.

55.

Entendida nestes termos, a questão prejudicial é admissível. É certo que, ao dar‑lhe resposta, terá que se proceder a um depuramento dos argumentos expostos pelo tribunal a quo ( 17 ) , preterindo os menos relevantes. Assim sucede, por exemplo, com as consequências da anulação anterior da decisão sobre os MTR de 2008 sobre a eficácia da decisão de execução: o que é importante é determinar, à luz do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, que efeitos teria a anulação da decisão de execução, independentemente dos seus fundamentos. O Tribunal de Justiça, não poderá, também, imiscuir‑se na interpretação do direito polaco, que constitui competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais.

B – Os mecanismos de recurso previstos no artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro.

56.

Começarei por abordar o assunto controvertido centrando‑me no artigo 4.o, n.o 1, quarto período, da diretiva‑quadro.

57.

O Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação do referido artigo ( 18 ), afirmando que «constitui uma emanação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, por força do qual incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União» ( 19 ). Acrescenta, aliás, que «na hipótese referida no artigo 4.o da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros são, por conseguinte, obrigados a prever uma via de recurso para um órgão jurisdicional com vista a proteger os direitos que a ordem jurídica da União reconhece aos utilizadores e às empresas». Também se pronunciou sobre a observância do princípio da tutela jurisdicional efetiva noutros acórdãos relativos a comunicações eletrónicas, sem abordar o alcance e os efeitos das decisões dos órgãos de recurso ( 20 ).

58.

O artigo 4.o, n.o 1, quarto período, da diretiva‑quadro não faz mais do que contemplar mais uma das facetas inerentes à tutela jurisdicional efetiva, a saber, a conferida através de medidas cautelares. O legislador da União parte da premissa de que as decisões das ANR podem ser suspensas ( 21 ), na pendência de decisão judicial, pelos tribunais (ou outro «órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas») perante os quais tenham sido impugnadas. E acrescenta que, se não for suspensa, a decisão da ARN se mantém eficaz ( 22 ). Ora, desta disposição não se deve deduzir, como fazem algumas das partes no processo, que a manutenção (provisória, na pendência do recurso) da eficácia da decisão da ARN constitui um obstáculo para que a decisão judicial definitiva, caso seja anulatória, anule também os efeitos (até então provisórios) daquela decisão, que se encontrava sub iudice.

59.

A ausência de medidas provisórias que suspendam a eficácia da decisão da ANR, durante a tramitação do processo não pode, da perspetiva do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, traduzir‑se na impossibilidade de a decisão judicial que ponha fim ao processo não só declarar nula a decisão impugnada, mas também fazer repercutir essa declaração de invalidade sobre todos os efeitos da decisão, passados e futuros. Esta é, aliás, a lógica do sistema de recursos que incorporam a possibilidade de anulação de atos administrativos e em que vigora a regra geral quod nullum est, nullum effectum producit. Se o órgão jurisdicional está habilitado para suspender o ato administrativo com carácter cautelar, por maioria de razão estará habilitado para garantir a execução do acórdão de anulação, destruindo os efeitos produzidos pelo ato impugnado.

60.

O artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro exige, sob este ponto de vista, que os Estados‑Membros dotem as suas ordens jurídicas de um «mecanismo eficaz de recurso» contra as decisões das ARN, expressão reiterada pelo artigo 4.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da diretiva‑quadro. O terceiro período da referida disposição acrescenta que «os Estados‑Membros devem assegurar que o mérito da causa seja devidamente apreciado».

61.

Os Estados‑Membros deverão assim incorporar, nas respetivas ordens jurídicas, as medidas legislativas indispensáveis para garantir que as decisões judiciais relativas aos recursos contra as decisões das ARN, no setor das comunicações eletrónicas, sejam «eficazes». No entanto, a diretiva‑quadro não vai além da formulação antes transcrita, deixando à autonomia processual dos Estados‑Membros uma certa margem de manobra, por forma a que aquele objetivo seja alcançado através dos meios (neste caso, processuais) que cada um deles considere adequados.

62.

Requer o imperativo de eficácia, introduzido de forma clara pelo artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, que a decisão judicial que ponha fim ao recurso anulando uma decisão da ARN, o faça com efeitos ex tunc? Esta é, na realidade, a pergunta chave do reenvio, quando analisado da ótica do direito da União.

63.

Se afirmei já que a possibilidade de atribuição de eficácia ex tunc ao acórdão de anulação não é afetada pela referência à manutenção da decisão da ARN na ausência de uma medida cautelar que a suspenda (artigo 4.o, n.o 1, quarto período, da diretiva‑quadro), a controvérsia não se coloca já no campo da possibilidade mas antes no da suposta obrigação de destruir, desde o seu início, os efeitos provisoriamente mantidos.

64.

Como defendi anteriormente, a lógica do sistema de recursos contra as decisões da ARN implica que, a serem anuladas por um órgão judicial, esta anulação deve abranger também os efeitos que tenham sido produzidos, uma vez que estes são consequentemente privados da base jurídica em que se fundamentavam. Trata‑se, no entanto, de uma regra geral que admite algumas exceções.

65.

Uma das exceções (cujo caráter excecional confirma a regra), consiste na decisão, pelo órgão judicial competente, quando o seu sistema jurídico o permita, no sentido de que determinados efeitos do ato anulado se mantenham definitivamente ( 23 ). Razões decorrentes da segurança jurídica, dos direitos de terceiros ou do interesse geral, entre outras, podem aconselhar a subsistência dos efeitos do ato anulado, se o tribunal o entender pertinente, tanto mais quando a aplicação do acórdão de anulação acarrete consequências particularmente gravosas para esses interesses.

66.

Outra exceção compreensível pode verificar‑se quando a legalidade do ato impugnado não tenha sido discutida no processo de recurso pela sua finalidade ou pelo seu conteúdo, mas sim por razões alheias ao mérito, seja por incompetência do órgão que o proferiu, seja pela existência de outros vícios mais ou menos substanciais, de carácter formal. A procedência do recurso com estes fundamentos e a subsequente anulação do ato pode ser acompanhada (assim o permita o sistema jurídico do Estado‑Membro em causa) da manutenção dos seus efeitos, enquanto o ato anulado não for substituído por outro livre dos vícios em causa, por forma a evitar o vazio jurídico que a sua não manutenção implicaria e as concomitantes consequências dai resultantes para o interesse público ( 24 ). O acórdão de anulação teria, assim, nestes casos, uma eficácia mais prospetiva do que retroativa.

67.

As ordens jurídicas nacionais podem também prescrever que os seus tribunais, uma vez mais com caráter excecional e com fundamento em razões graves atinentes ao princípio da segurança jurídica, delimitem o alcance de um acórdão no tempo ( 25 ). Mesmo quando, logicamente, deva ser preservado o caráter excecional deste género de decisões jurisdicionais, por forma a proteger o caso julgado dos acórdãos ( 26 ), a sua existência não deve ser descartada e pode ser justificada, sem prejuízo do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

68.

Finalmente, é também aceitável que, em determinadas circunstâncias, o direito nacional contemple, como resposta a uma pretensão anulatória de um ato administrativo (ou de um contrato público), que o acórdão que declara a sua invalidade se veja privado da sua eficácia «natural», substituída por um dever de indemnizar ou por outras medidas alternativas. Esta possibilidade não é desconhecida no direito da União ( 27 ), e não vejo porque não possa, perante situações análogas, ser extensível ao direito nacional dos Estados‑Membros,

69.

As reflexões expostas confirmam que a operatividade dos «mecanismos de recurso» contra as decisões das ARN, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, requer, como regra geral, que o acórdão que as anule invalide também os efeitos provisórios que elas tenham produzido. Esta regra contempla, no entanto, exceções, como as que acabo de enunciar, cuja implementação ao nível do direito nacional compete aos Estados‑Membros, sempre no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, que delimitam a sua autonomia processual.

70.

Nessa medida, a invocação do artigo 47.o da Carta não acrescenta nada de significativo (para além de que, ratione temporis, dificilmente poderia ser aplicável a uma situação jurídica que resulta de decisões adotadas e da interposição de recursos durante os anos de 2008 e 2009). O direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado na Carta para os casos a que se refere o seu artigo 51.o, não impõe uma solução unívoca para os problemas que surjam em torno da eficácia dos acórdãos de anulação de atos administrativos. Desse direito pode certamente deduzir‑se a regra geral que mencionei, mas tal regra não inibe a possibilidade de consagrar as exceções referidas.

71.

Creio que o resto da controvérsia entre o UKE e os dois operadores de comunicações afetados pela fixação das tarifas máximas (e a sua repercussão nos contratos de acesso à rede), se refere mais a questões hermenêuticas sobre o direito interno do que ao próprio direito da União, como comprovam as suas alegações perante o Tribunal de Justiça ao longo deste processo prejudicial. Verificam‑se entre as referidas partes (e o Governo polaco) discrepâncias em torno da interpretação das disposições normativas nacionais ( 28 ) e da jurisprudência dos seus tribunais supremos, civil e administrativo. Não compete ao Tribunal de Justiça mediar esse debate, alheio à sua função de interpretar apenas o direito da União.

72.

A resposta que proponho à questão prejudicial circunscreve‑se, em linha com o raciocínio exposto, à clarificação do sentido do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, em termos que sejam úteis para o tribunal a quo, mas que não interfiram com as suas competências próprias para interpretar o direito nacional.

73.

Desse ponto de vista, parece oportuno dividir a resposta, separando a parte relativa ao primeiro período dessa disposição (que prescreve que os Estados‑Membros devem garantir a existência de «mecanismos eficazes» para impugnar as decisões das ARN no setor das comunicações eletrónicas), da parte relativa ao último período (que prescreve a manutenção, nos casos de recurso, da eficácia da decisão impugnada, salvo se for suspensa pelo órgão de recurso).

74.

No que diz respeito ao artigo 4.o, n.o 1, primeiro período, da diretiva‑quadro, o seu conteúdo, assim como o direito a uma tutela jurisdicional efetiva que lhe serve de fundamento, implica que os órgãos de recurso podem anular as decisões das ARN sobre as quais sejam chamados a pronunciar‑se, e a estender a força invalidante da anulação aos efeitos por elas já produzidos.

75.

No que diz respeito ao último período, a manutenção provisória dos efeitos das decisões das ARN, desde que não sejam suspensas pelos órgãos de recurso, é compatível com o facto de que anulação posterior das referidas decisões abranja, ex tunc, os efeitos que tenham produzido.

76.

Ambas as disposições normativas não obstam, no entanto, a que, quando o direito nacional o autorize, a anulação das decisões das ANR possa, excecionalmente, produzir apenas efeitos ex nunc se o órgão de recurso o considerar pertinente, por razões imperiosas que visem a preservação da segurança jurídica e a proteção da confiança legítima, ou a garantia dos direitos de terceiros, ou por motivos de interesse geral.

77.

Devo acrescentar uma observação sobre o artigo 4.o, n.o 1, terceiro período, da diretiva‑quadro, embora não seja imprescindível incluí‑la na parte dispositiva do acórdão. Esta disposição implica que o «mérito da causa seja devidamente apreciado» pelo órgão de recurso. Assim, perante elementos suficientes, o órgão de recurso decidirá sobre o mérito da causa, dando ou não provimento às respetivas pretensões. Ora, compete ao órgão de recurso apreciar se, uma vez concluído o processo, dispõe dos elementos de valoração e de prova indispensáveis para se pronunciar. E a sua decisão pode, em processos como este, fundamentar‑se, entre outros fatores, na ausência de base jurídica da decisão controvertida ( 29 ).

78.

Mais concretamente, se o tribunal de reenvio coincide com os tribunais de instância e de recurso quanto ao facto de que a decisão sobre os MTR de 2008, sob um ponto de vista material, constituía um pressuposto necessário para o conteúdo da decisão de execução, de forma que, uma vez anulada a primeira, o mesmo sucederia à segunda, tal circunstância não seria contrária ao artigo 4.o, n.o 1, terceiro período, da diretiva‑quadro.

79.

De igual forma, desta disposição normativa, não resultaria nenhum obstáculo a que, se o direito interno determinar que seja proferida uma decisão para substituir a decisão anulada, uma vez reaberto pela ARN o correspondente procedimento, a nova tarifa máxima, fixada já nos termos prescritos pelo direito aplicável, sirva para determinar, em concreto, os valores a liquidar correspondentes ao período entretanto ocorrido, com os possíveis reembolsos a que haja lugar. Esta seria não apenas uma solução legítima mas também conforme ao conteúdo do artigo 4.o, n.o 1, terceiro período, da diretiva‑quadro, que evitaria remeter para uma ação de indemnização as possíveis consequências económicas da anulação.

V – Conclusão

80.

Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nos seguintes termos:

«1)

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro), em conjugação com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, implica que:

os órgãos de recurso podem anular as decisões das autoridades reguladoras nacionais sobre as quais sejam chamados a pronunciar‑se, assim como estender a força invalidante do acórdão de anulação aos efeitos já produzidos por essas decisões;

a manutenção provisória da eficácia das decisões das autoridades reguladoras nacionais, desde que não sejam suspensas pelos órgãos de recurso, é compatível com o facto de que a anulação posterior das referidas decisões abranja, ex tunc, os efeitos que tenham produzido.

2)

Quando o direito nacional o permita, a anulação das decisões das autoridades reguladoras nacionais pode, excecionalmente, produzir apenas efeitos ex nunc, se o órgão de recurso o considerar pertinente, por razões imperiosas que visem a preservação da segurança jurídica e a proteção da confiança legítima, ou a garantia dos direitos de terceiros, ou por motivos de interesse geral.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002 (JO 2002, L 108 p. 33; a seguir «diretiva‑quadro»).

( 3 ) Denominado «Serviço de Comunicações Eletrónicas» (a seguir «UKE»). Para fazer referência a estas autoridades são muitas vezes utilizadas indistintamente as designações «autoridade de regulamentação nacional» ou «autoridade reguladora nacional». Ainda que se possam encontrar algumas diferenças entre elas, é possível equipará‑las no contexto deste documento. A seguir será utilizado o acrónimo «ARN».

( 4 ) Esta é a regra geral nos sistemas jurídicos que atribuem presunção de legalidade aos atos da Administração. A presunção é geralmente acompanhada da executoriedade imediata desses atos (como se verá, também, no artigo 4.o da diretiva‑quadro) cuja eficácia, no entanto, pode ser suspensa pelo tribunal em que esses atos são impugnados.

( 5 ) Redação dada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, que altera a Diretiva 2002/21/CE relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas, a Diretiva 2002/19/CE relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos e a Diretiva 2002/20/CE relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2009, L 337 p. 37).

( 6 ) Versão em vigor à data dos factos do processo principal.

( 7 ) A Polkomtel detinha, na Polónia, um poder significativo no mercado da prestação de serviços de terminação de chamadas de voz na rede de telefonia móvel.

( 8 ) Mobile termination rates (a seguir «MTR»).

( 9 ) Os fundamentos pelos quais a decisão sobre os MTR de 2008 foi anulada relacionam‑se com a não verificação do requisito de consulta legalmente previsto.

( 10 ) A seguir «Petrotel».

( 11 ) Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 13 de novembro de 2012.

( 12 ) Artigo 145.o, n.o 1, ponto 8, do Código do Procedimento Administrativo e acórdão do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 27 de maio de 2011.

( 13 ) Remete‑se para o artigo 47964 do Código de Processo Civil. V. n.o 15 das presentes conclusões.

( 14 ) A decisão de execução foi anulada por acórdãos de duas instâncias, estando pendente no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) o recurso contra o segundo acórdão.

( 15 ) V. n.os 41 e 42 das presentes conclusões.

( 16 ) V. n.o 12 das presentes conclusões e as notas 10 e 11.

( 17 ) A leitura do despacho de reenvio revela que as dúvidas do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) têm um alcance mais vasto do que aparentemente se poderia pensar. Na realidade, trata de saber‑se até onde pode chegar a fiscalização judicial sobre a atuação das ARN. O carácter controvertido desta questão é evidenciado pelo facto de, nas suas alegações, uma das partes ter defendido que o tribunal nacional profira um acórdão que resolva a questão de fundo (isto é, a correção das tarifas, relativamente aos custos incorridos pela Polkomtel), seja negando provimento ao recurso, de forma definitiva, seja atribuindo um conteúdo específico à decisão de execução, que a todos vincule.

( 18 ) Pronunciou‑se, algumas vezes, apenas de forma lateral. Assim, por exemplo, o acórdão de 6 de outubro de 2010, Base e o. (C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 29), e o acórdão de 17 de setembro de 2015, KPN (C‑85/14, EU:C:2015:610, n.o 54), fazem alusão às condições que as ARN deverão reunir e a como as suas decisões estão sujeitas a recurso efetivo. O acórdão de 13 de julho de 2006, Mobistar (C‑438/04, EU:C:2006:463) centrou‑se no acesso do órgão de recurso a determinados documentos confidenciais, que permitam ter elementos suficientes para decidir.

( 19 ) Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria (C‑282/13, EU:C:2015:24 n.o 33).

( 20 ) Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication (C‑426/05, EU:C:2008:103, n.os 30 e 31), e de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria (C‑282/13, EU:C:2015:24, n.os 33 e 34). Referem‑se ao conceito de «afetado» e aos efeitos do artigo 4.o da diretiva‑quadro.

( 21 ) V., a este propósito, no anterior n.o 9, os considerandos 14 e 15 da Diretiva 2009/140.

( 22 ) As versões linguísticas que consultei coincidem quanto ao facto de que o que se mantém é a eficácia da decisão da ARN, mais do que a sua validade. Assim é, de forma expressa, no texto português («Na pendência do recurso, a decisão da autoridade reguladora nacional mantém‑se eficaz») e, em termos semelhantes, o texto alemão («Bis zum Abschluss eines Beschwerdeverfahrens bleibt die Entscheidung der nationalen Regulierungsbehörde wirksam»), o inglês («Pending the outcome of the appeal, the decision of the national regulatory authority shall stand»), o francês («Dans l’attente de l’issue de la procédure, la décision de l’autorité réglementaire nationale est maintenue») ou o italiano («In attesa dell’esito del ricorso, resta in vigore la decisione dell’autorità nazionale di regolamentazione») (O sublinhado é meu). No entanto, no texto espanhol pode ler‑se que a decisão da ARN «seguirá siendo válida», o que não está conforme com as restantes versões, uma vez que equipara indevidamente categorias jurídicas diferentes, como são a validade de um ato e a sua eficácia.

( 23 ) Esta faculdade, atribuída ao Tribunal de Justiça no âmbito dos recursos diretos, foi incorporada no direito primário da União: o artigo 265.o TFUE prescreve que, «se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça da União Europeia anulará o ato impugnado. Todavia, o Tribunal indica, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes» (o sublinhado é meu).

( 24 ) Especialmente quando se trate de atos de natureza normativa.

( 25 ) O mesmo se verifica no direito da União. O Tribunal de Justiça pronunciou‑se em diversas ocasiões, desde o acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56), sobre a limitação dos efeitos dos seus acórdãos no tempo, procurando conciliar as exigências decorrentes da segurança jurídica com as exigências decorrentes da incompatibilidade entre normas nacionais e o direito da União. V. as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Edis (C‑231/96, ECLI:EU:C:1998:134), n.o 15 e segs.

( 26 ) Assim o expressava o Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de julho de 1992, Legros e o. (C‑163/90, EU:C:1992:326, n.o 30): «Importa lembrar que só a título excecional o Tribunal pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que o Tribunal interpretou para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé. [...] Para decidir se há ou não que limitar o alcance de um acórdão no tempo, deve tomar‑se em consideração o facto de que, embora as consequências práticas de qualquer decisão judicial devam ser cuidadosamente ponderadas, não se pode contudo ir ao ponto de infletir a objetividade do direito e comprometer a sua aplicação futura devido às repercussões que uma decisão judicial pode gerar para o passado (acórdão de 2 de fevereiro de 1988, Blaizot, 24/86, [EU:C:1988:43], n.os 28 e 30)».

( 27 ) Por exemplo, na Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho, no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos (JO 2007, L 335, p. 31). Nela (considerando 22 e artigos 2.°‑D e E) é reconhecida a possibilidade de que, perante contratos que deveriam, em princípio, ser desprovidos de efeitos, o órgão de recurso independente possa, verificando‑se razões imperiosas de interesse geral, optar por lhes reconhecer «determinados efeitos ou todos eles», isto é, pode optar pela manutenção dos efeitos de contrato, sem prejuízo da imposição das sanções e indemnizações devidas.

( 28 ) As divergências centram‑se, em especial, na articulação entre as normas processuais civis (artigo 479.o, n.o 63, artigo 479.o, n.o 64, artigo 365.o, n.o 1) e as normas do Código do Procedimento Administrativo (artigo 145.o, n.o 1), em face de um acórdão de anulação de um ato administrativo, quando seja necessário adotar outro ato que o substitua, sendo para tal necessário proceder‑se à abertura de um novo procedimento. As referidas disposições também não coincidem no que diz respeito à incidência que a anulação da decisão sobre os MTR de 2008 poderia ter sobre a decisão de execução, nem sobre os fundamentos de nulidade desta (que atenderia tanto ao vício formal da ausência de consulta, como ao uso indevido do mecanismo excecional previsto na Lei das Telecomunicações polaca, para além da falta de base jurídica verificada uma vez invalidada a decisão sobre os MTR de 2008). Por último, o UKE introduziu um fator adicional a que não é dado relevo no texto do reenvio prejudicial, a saber, a nova decisão SMP posterior à decisão de execução.

( 29 ) A referência ao «mérito da causa» não impede, de forma alguma, que a fiscalização levada a cabo pelo órgão de recurso se fique pelos vícios de forma que determinem a anulação do ato sem necessidade de ir mais além. Se, por exemplo, foram preteridas formalidades essenciais durante a formação do referido ato administrativo, o vício resultante pode constituir fundamento suficiente para o declarar inválido.

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